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Santos Graça e a heráldica poveira : achegas para a teoria da heráldica

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ACTAS DO COLÓQUIO «SANTOS GRAÇAn DE ETNOGRAFIA MARITIMA

I

Santos Graça: a obra

e

a época

COORDENADOR RESPONSAVEL

João Marques

COLABORADORES

Agostinho Araújo Manuel Lopes Ana Maria Caldas

CAPA DE

Miguel Loureiro

EDIÇAO E PROPRIEDADE DA

Câmara Municipal da Póvoa de Vanim

Dato da edi~&: Novembro de 1984 Conrpori~üo c imprerrão: Empiera Norte Editara

(A. C . CALAFATB, HERDS., LDA.) Rua Percirs Anunr

-

Telcf. 62736 4490 Póvoa de Vnnim (Portugal)

(3)

AC. COL. .SANTOS GRAÇA* m. MAR., 1, 196.1

SANTOS GRAÇA E A HERALDICA POVEIRA -Achegas para a teoria da Heráldica

por ARMANDO R. MALHEIRO DA SILVA

«Não são maroas organizadas ao capricho

de cada um. mas antes simbolismos ou brasões de Famílias, que vão ficando por hemnpa de pais ipara filhos e que só os herdeiros podem

rcomparados com as vizinhas, s aristo- t w & t i ~ a Vile do Conde e a fidiplga T m a

de Bowolos, a Póvoa e o seu concelho são relativaniertte pobres em mpécies heráldicasu. Eugdiiio A. da Cunha e FREITAS

1. Do resumo &ido e completado com elementos julgados significa- tivos, na maohã do dia 23/10/82 (primeira secção do Colóqtrio ~ S a n f o s Graça. de Etnografia Marítima) at6 ao texto que aqui apresentamos, há uma nítida distância que, imprevi,sivelmente, acabamos por percorrer. De inicio, isto é, quando em conversa casual com o nosso amigo Sr. Manuel Lopes sou*bemos da realização do referido Colóquio e nos surgiu, de imediato, a título em epigrafe, p e n ~ ~ m o s , tão somente, esta- belecer um con~fronto entre a Heráldica representada pelas oito pedras de armas, que Vaz-Osório da Nóbrega

'

inventariou em todo o concelho da Pwoa de Varzim, e as siglas/marcas dos pescadores poveiros, pacien-

N6b~ega. Avtur Vaz-OsÚrio da. I>edrus de Ari~zas do Concelho da Pdvoa de Varzini. Heráldica da Família. S8p. de <Póvoa de Vaizim. Boletim CitItural», POvoa de Varzim. vol. 11, (2), 1962.

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ACTAS D O C O L 6 Q U J 0 " S A N T O S G R A Ç A . D E E T N O G R A F I A MARITJMA

temente recolhidas e estudadas por António dos Santos Graça ' , e~poveiro de gema,> .do tronco dos ~Amarelosn e etnógrafo de reconhecido mérito.

Mas à medida que nos fomos impondo o dever de redigir a presente

comunicação -facto que ocorre quase três meses após o Colóquio -

a leitura da bi'bliograf,ia disponível e a reflexão su~bsequente impeliram- -nos a alargar o âmbito inicial, ensaiando uma explicação 'heráldica para o fenómeno das marcas, de diversos tipos e procedências, na qual entroncariam, como exemplos expressivos, o confronto acima mencio-

nado e a referência ao brasão de Santos Graça e à marca do Conde de

Villas Boas.

Não se pense, porém, que sob esta forma o discurso se assume dogmático e exaustivo, antes pelo contrámo, ele constitui apenas mais u m contributo, a juntar a outros, tendentes a esclarecer a origem e natureza da emblemática popular. Contributo, cuja particularidade conscste na análise do sentido e estrutura da chamada <Heráldica plebeia*, a que, aitando Santos Graça, Gastão de Me10 de Matos e Luís Stubbs Saldanha Monteiro Bandeira2 se referiram, superando a rígida taxiconomia dos heraldi,stas ortodoxos. Aqueles autores foram de faoto, peremptórios ao afirmarem:

<'( ...) que a existência de armas não pressupõe, e ~ i w i t o menos prova, nobreza familiar, mas desejamos apontar uin caso pre- sente, embora de origem antiga, de verdadeira Heráldica

plebeia; referimo-nos às representações de famílias em várias

formas de actividade, tais como as cangas de bois na Maia,

os barcos de pesca da Póvoa de Varzim, da Aztri.ara, da ria

de Aveiro e do rio Douro.

.Em cada unz desses barcos se ligam símbolos familiares dos asceizdentes do proprietário. Até nas camisolas bordadas dos pescadores pweiros estas siglas familiares aparecem, conz a indicação característica de que do lado esquerdo figuram as indicações paternas e do lado direito as maternas.

.Nos poveiros sabemos que cada família tem u m simboto; Sanoos Graça reuniu muitas dezenas deles. Esta Heráldica,

Grava, António dos Santos, O Poveiro, 2.' ed. Póvoa de Vanim, Câmara Mumcipal, 1982, pp. 23-42; Id., Inscrições Turni~lares por Siglas. Póvoa de Varzim, Ed. do Autor, 1942. Matos, Gastáo de Melo de e Bandeira, Luís Stubbs Saldanha Monleim, Heráldica. Lishoa, Ed. Verbo, S. d.

(5)

SANTOS GRACA E A HERALDICA POVEIRA que podemos chamar mecânica, obedece a regras extreina- mente precisas.'.

No primeiro parágrafo deste extracto é, implicitamente, admitida

a necessidade duma reformulação do conceito operatório de Heráldica, seguindo-se, assim, na peugada de certos heraldistas estrangeiros, de entre os quais destacamos Emile Gevaert, que escreveu, e m ~Heraldique,

son esprit, son langage et ses applicationsn

',

o seguinte:

mLe priizcipe de I'Héraldique est d'ordre psychologiqzre uni-

verse1 et attssi ancien que Ia société elle-même. I1 réside d a m

le besoin qu'éprouve I'être individuel ou collectif de manifester extérieurenzent sa personnalité. I1 fait qu'un homme parmi ses semblables, un corps de citoyens dans I'Btat, u n peuple au

miliezr de la société des Nations, aimetat a affiriner lezrr enis-

tence par des sigizes sensib1e.s et destinés à leur survivre. Cette

marque qzr'ils se choisisseizt, catte signatztre qu'ils se consti- tuent, ce portrait qu'ils reti-acent d'eux-mêmes, résument souvent les caractères de leur coizduite, d u m ce qu'elle est ou

dans ce qzr'elle tend a être; mais ils sont, dans tous 1- cas,

une représentation de leur personnalité morale. Ils çont le

synzbole de leur êtren 6.

2. Etimologicamente, Heráldica procede de ~ h e r a l d o ~

',

signifi-

cando, de início, as funções por ele desempenhadas. Este sentido decaiu,

porém, sendo substituído pelo de .conjunto de regras (...) que regem

determinados emblemas usados na Civilização Ocidental, desde a pri-

meira metade do século XII, as armas, não só as regras que dizem

respeito à organização de tais armas, como a sua representaçáo pela

Arte, como ao seu uso, o que naturalmente vir6 mesmo a constituir u m ramo do Direito, Direito nobiliárquico geralmente, visto tal uso ser,

'

Id., ibid., p. 30.

5 Gwaert, Emile, Heraldique son esprit, soiz loiigage e1 ses ~npplicolio,~~. Broxelles, Ed. du Bulletin des Méiie~s d'A~t, 1823.

6 Id., ibid., p. 7 .

T e m o que designava o «fnncionário régio» encanregado de verificar se os que pntticlpavam em festas e torneios possuíam «sangue limpos e se não tinham praticado actos graves, que «manchossein» w sua condição de Cavaleiros. Além disto, competia-lhe ainda levar mensagens entre príncipes e exércitos e dirigir cerimónias. Com o tempo

(6)

ACTAS D O C O L O Q U I O * S A N T O S C R A Ç A u DE E T N O G R A F I A iMARITIMA em várias épocas e regiões, privativo da Nobreza.

'.

O exclu~ivi~mo desta acepção consagrou apenas uma simbologia, sobre cuja origem nos debni- çaremos adiante, que o poder cedo i,nstitucionalizou porque l'he era útil e quando o deixou de .ser dela se a~ropriou, ridiculamente, o snobismo. Constituindo, pois, parte essencial da codificação das sociedades organi- zadas ou Estados, ela não se cingiu ao &mbito individual, reflectindo-se a vários níveis, como o demonstram as classificações propostas por alguns autores.

Assim, por exemplo, Armando de Matos dividiu a Heráldica - a que passammos a ohamar xconvencional>>

-

em H. de família, que ele con- siderou a uheráidica propriamente ditax 9; H. eclesiást,ica ' O ; H; de

domínio: estadual, municipal ou paroquial e H. de corporação. F. P.

de Almeida Langhans depois de considerar insuficiente a classificação clássica apresentada, com um acrescento, par A. de Matos, propôs outra mais desenvolvida e adaptada, em especial, ao caso português (*Estado Novo»):

.(. . .) 1

-

Heráldica assumida. E a forma originária de livre determimção simbólica nas pessoas singulares e e7n muitas pessoas colectivas;

2 -Heráldica de Família é a determinada por sucessão hereditária e, portanto, de base geneatógica; é con- cedida ou assumida na sua origem;

3 -Heráldica municipal é a das autarquias locais conz o direito ao uso de brasão de armas; é concedida; tomou-se uma autoridade no conhecimento e na elabor%ação das hslgnias ou distintivos e das wpeotivas linhagens, isto é, 'a genenlogia.

A z e d o , Francisco de Simas Alves de, Uma Interpretação Histdrico-Cultural d o Livro do Armeiro-Mor. Fasfos Significativos da História do Europa Reflectidos num Arino- ria1 Português do séc. XVI. Lisboa. Ed. do Autor, 1966, ip. 13.

Matos, Amando de, Manual de Heráldica Portuguesa, nova ed. Porto, Liv. Fernando Machado, s. d., p. 18.

l0 O autor explicou-a do seguinte modo: «( ... ) Mas, porque os membros do clero, que viviam em condições de priviI6gios e isenções, equiiparados zi nobreza; porque, fre- quentes vezes, os indivíduos escolhidos para grandes cargos eclesiásticos, geralmente, eram saídos da nobrez; porque eles, como membros desta classe por seu nascimento, e, um10

tais, com dimito à representaçio heráldica, começassem a esquecer, na simbologia dos selos que usavam, a agiografia e a hierática, pela hersldica; segue-se que o clero começou quase todo a usar a emblemática heráldica, mesmo aquele que a isso não tinha direito de sangue. Assurnia essas armas» (Id., ibid., p. 18).

(7)

SANTOS GRAÇA E A HERALDICA POVEIHA

4 -Heráldica Corporativa é a das autaryuias económi-

cas com direito ao uso de brasáo de armas; é

concedida; Heráldica dos Institutos é a das pessoas

de direito público ou privado. A primeira é conce-

dúla ou assumida;

5 -Heráldica Eclesiástica é atribuída a hierarquia reli-

giosa e aos institutos. E assumida quanto à primeira

e concedida quanto aos segundos;

6 -Heráldica Militar é a atribuída as Forças Armadas

de Terra, Mar e Ar. E concedida;

7 -Heráldica dos Territórios Ultramarinos é a das

autaryuias territoriais de além-mar com direito ao

uso do brasão de armas; é concedida;

8 -Heráldica de Soberania ou d e Domínio é a das pes-

soas de direito público investidas de poderes sobe- ranos; é assumida.

".

Por seu turno. Gastão de Me10 e Matos e L. Stubbs Bandeira fica-

ram-se por u m a classificação mais condensada e não menos exacta:

H. real; H. gentílica ou de família; H. de domínio, dividida e m nacional,

regional e municipal e H. de corporação o u profissional, syue também

é conveniente dividir conforme as espécies de activid~des a que se

refere: religiosa, militar, comercial, industrial, desportiva, e t c . ~ ll. E , por

último, t e m interesse referir a taxiconomia de Augusto Ferreira d o

Amara1 13, assente em quatro termos: familiar; funcional; comunitária e

associativa.

Código sócio-político, por excelência, a Heráldica convencional^^

não foi, nem mesmo nos recuados tempos medievais, exclusiva da

nobreza, sendo assaz acobiçadan por burgueses e plebeus ", o que não

deixa d e ser curioso, sobretudo, se atendermos - como se fará adiante -

"

Langhans, F. P. de A)nieida, Herhldico. CiEitcia de Tenras Vivos. Lisboa, FNAT, 1966, vol. 1, p. 257.

' q M a t o s , Gastão de Mello de e Bandeira, Luis Stubbs S. Monteiro, ob. cii., p. 16.

13 Matos, Gastáo de Me10 de e Bandeira, Luis Stubbs S. Monteiro, ob. cif., p. 16.

iuguesa. «Amas e Trof&us», Lisboa, 3.' sMe, tomo IV, (1) Jan.-Mar. 1975, hp. 25-36.

' 4 Vejamos o que F~ancisco S. Alves de Azevedo pôde irpurar sobre o assunto:

n( ... ) podendo mir para tal os numerosos exemplos, dados pelo grande heraldista, Dr. Donald L. Galbmth (...), de m o a s mão nobres (burguesas e mesteinais) usando

(8)

ACTAS D O COLÚQUIO < S A N T O S GRA.ÇA# DE ETNOGRAFIA i\IARiTIM/I a emblemática paralela assumida pelos últimos. Código rígido e com- plexo, ela remete-nos naturalmente para a problemática das origens, antes mesmo do exame interno da sua simbologia. e conteúdo.

Segundo o P.' CIaude-François Ménestrier; a quem se ficou a dever no séc. XVII a redescoberta e estnituração da Armaria (núcleo norma- tivo da .Herál'dica), as ~Armasa tiveram principio nos torneios, <<exercícios de guerra, e devertinzentos de garantaria, em que se occupavão os Cavalleiros antigos para mostrarem a sua destreza, e valorn 15. Magister

dixit

...

Porém, a polémica prosseguiu acesa, pois que, como referiu com desdém o Abade de Vallemont, .<(...) Atictores Iza que estetzdetzdo as suas especr~iaçóens pela aiztigt~idnde se enzpelzhão em i?zosfrar, que a pratica da Armaria não foy ignorada dos Hebreos, Egypcios, Gregos, e Latinos; porém estas dissertaçõetzs sáo mais curiosas que uieis (...)z 16.

Este discípulo de Ménestrier esqueceu-se de que no meio é que está a virtude ... Com efeito, se por um lado é evidente a existência dum sim- bolismo Cpré)heráldico

-

demonstrada, aliás, por certos testemmhos, que vão desde algumas figuras emblemáticas perpetuadas na Heráldica econvencional», como são o leão, a &guia, o sol, etc., até poemas dum Esquilo ou dum Ve~gílio e textos de Heródoto ou ,de Tácito -, por outro é pertinente a pergunta: será que esses símbolos e emblemas egípcios, assirios, caldaicos, hebraicos, gregos, romanos, etc. exibiam uma feição plenaninete heráldica? A objectividade impõe wma resposta sensata: só For volta dos séculos XIII/XIV é que o simbolismo heráldico assen-

tou termalmente num suporte sígnico consistente e eterno: o escudo,

encimado pelo elmo e acrescido de ornatos - da simbiose símbolos/ /suporte resultou o brasão d'armas, expressáo plena da Herálcica acon- vencionaln. Outras respostas, porém, são possíveis: F. Alves de Azevedo brasões d e ;irmas, em F~ança, tia A~lemanha e na Suíça, a partir de 1285, ou seja quando a própria Heráldica não contava ainda dois séculos. Diz-nos ele que muitos camponeses

usam ai3mas d e d e o século XIV, sendo numerosos os que tal fazem na Suíça e na Baixa Sax6nica, nos séculos XVII e XVIII; os judeus usam selos heraldicos desde o século XIV, e no século XVI já têm sepulturas biasonadas (...) Os camiponese- acrescenta Mathieu -

usam amnas - que se saiba

-

desde o século XIV. e é de 1300 um selo brasonado dum judeu d e Narbonne.

«(

...

) Entre n6s o assunto náo está, infeiiumeilk, estudado, .todavia há que dar toda a atenção a uma disposição d e D. Afonso V, em 1476, proibindo a quem for plebeu o uso de metal nas armas, o que leva a conoluir que anteriormente, os plebeus usavam armas* (Id., op. cit., pp. 17-18).

l5 Vallemont, Abade de, Elementos da História (...), tomo 2 , trad. do francês por

Pedro ,de Sousa Casteblo Brnnco. Lisboa, Ofioina de Miguel Rodrigues, 1741, liv. 111, p. 7.

(9)

SANTOS GRAÇA E A HERALDICA POVEIRA

julga definição aceitável daquela <<a que a apresentar como o tipo de

Emblernática aparecido na Europa Ocidental, na primeira metade do século X I I , numa classe social a que chamamos Nobreza (...)»". Em contrapartida, Raúl Gerard sustentou em 195218, que os Arabes assimi- laram conhecimentos 'heráldicos quando invadiram a Pérsia em 633 e uma vez chegados a Península Ibérica, em 710, aqui os introduziram. Segundo ele as Cruzadas foram o meio, que possibilitou a entrada no Ocidente europeu da asimbologia oriental,,, e para isto terá ,sido, de i,guzl modo, precioso o contributo dos bisantinos: o Imperados Constan- tino, o Grande, adoptou para a sua bandeira a águia ,bicéfala procedente da 'ssíria e usada na Pérsia e na fndia, vindo depois a ter grande difusão, especialmente, nas .regiões europeias do oeste. Gerard afima ainda que a Heráldica ipeninsular é a 'mais velha da Eurapa Ocidental. E ficamos ,por aqui, esperando que se atitrem novas achas a fogueira. .. Penetrando, agora, no interior da Heráldica convencional^^, importa referir que 'nela se entrelaçam harmoniosamente dois aspectos, a partida, distintos: o estético e o normativo.

Como arte ela assenta no binómio forma-luz: forma moldada segundo a lei da estilização, ordenada pela lei .das proporções e ensqua- drada de acordo com a lei da localização; luz produzida pela equilibrada mescla .de esmaltes: cores (vermelho, azul, negro, verde e púrpura), metais (ouro e prata ou amarelo e ,branco .sobre tecidos) e forros (armi- nhos e veiros)-esta mescla nada tem de casual ou arbitrário, pois obedece a um conjunto de regras do foro da Armaria, que A. C. .&x-

-Davies definiu como aquela xcujas regras e leis governam o uso, exi- bição, sentido e conihecimento dos s{gnos e 'emblemas pintados pertm- centes ao escudo, elmo e ,bandeira,> l9 e ?qual cabe, portanto, estrutwar i

o potencial semiológico e estético da Heráldica «convencionalo, possi- bilitando a descrição e leitura do brasão, que convém ver em pormenor.

'7 Azevedo, F. de S. Alves de, ob. cit., p 16.

l8 Gerard, Raul, Ciercie Heroyca. ~ T h e Numismaticn, Washington, vol. 65, 1952, pp. 994.1W5.

l9 aAmmy is that soience of wich the mies and laws govern the use, display meaning, and Iniouiedge of the pictured signs and emblems appertaining <o shield, helmet or banners» (Fox-Davies, A. C., A Cornplefe Guide to Heraldry. London, Thomas Nelson

and Sons M., 1950, p. 1).

"

Blaboradas segundo o nmétodo de braronars, isto 6, processo de colocação das

peças, figunas, etc. segundo um conjunto preciso de normas e precaibs, as amas 66 podem

ler-selintenpretar-se mediane um vocabulário próprio, designado por «heréldicor, que

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ACTAS DO C O L O Q U I O * S A N T O S G R A Ç A I DE ETNOGRAFIA MARITIMA

Na sua base está o escudo, que possui varias formas ", um centro ou abismo pma além de mais oito quadrados/pontos ideais, divisões (pode ser partido ou divi,di,do a meio par uma l'nha vertical, cortado ou dividido por uma linha horizontal, esquartelado que resulta da combinação do partido com o cortado, etc.) e um campo ou supedície onde se dese- nham, pintam ou esculpem as peças (divi,didas em fundamentais ou

ordinárias, diminutas e derivadas) e as figuras (naturais, artificiais, fantásticas e quiméricas), 'bem como as diferenças, criadas para dis- tinguir os ramos secundários do principal e os ilegítimos do legitimo duma familiau; sobressai depois o elmo nos seus vários tipos

-

real, Fechado, aberto e de 8ba.stardos

-

e modos de colocação, adornado pelo paquib e encimado pelo timfbre (sobre o virol), que é a peça ou figura Eundam~ental representada no campo do escudo e que mais identifica a entidade possuidora das armas; o chapéu de cordões e a tiara, comuns na Heráldica Eclesiá'stica, 'bem como a coroa real, a dos titulares e a mural (que encima as armas de concelhos e províncias) substituem o elmo; por último, há a referir os chamados ornatos exteriores, a saber: sustentáculos

=,

pavil'hões e mantos, divisas ou legendas - tenções, gri- tos de guerra, empresas e troféus.

Esta desmontagem, se ,bem que sumária e lacunar, do código da Heráldica «convencionala toma imperiosa uma reflexão séria capaz de

momento ocorrem-nos, apenas, três obras, em língua portuguesa, que incluem o referido «vocabuiárior, a saber: Sampaio, António d e Vilasboas, Nobliarquia Porftiguesa, 1676; Femira, G . Luis dos Santos, Arrnorial Porfugrrês, 2." vol. e Matos, Aimando de, M,anuel da Herhldica Pontuguesa.

21 Eis algumas: português, ou seja, reatângulo, cuja parte inferior é um semicírculo; pele de t0i.m; alem80 (séc. XVIII); francês (com a curva inferior em ponta); inglês (com a curva inferior, também, e m ponta e um bico de cada lado d o chefe ou parte sumperior); italiano; oincu4ar; lisonja («escudo quadrado com diagonais verticais e horizontais= usado pelas malheres), etc. Vide Neubecker, Qttfried, Le Grand Livre de L'Hiruldiqoe. L%isloire, l'arf et la scieitce du blason. S . 1.. Bordas, 1981, pp. 76-77.

u Todo este processo evoca um impotitarite acervo de documentaqão legislativa de que destacamos, no caso português, a <Carta Régio de 21 de Maio de 1466 ( D . Afo~tso V ) » (Liv. 1P do Extravagantes, fls. 152), a ~Ordenaçüo do Serrhor Rei D. Mo~iuel 1, 16 de lulho de 15121, a ordenação do Senhor Rei D. Manuel I da i1 de Março de 1520» (Liv. 2P 't. XXXVII), a norderraçüo do Senhor Rei D. Filipe li> (Liv. 5." ti,t.. XCII), a <Lei de 16 de Setentbro de 1597" (Art." 20) e o nCarta Régia de 21 rle Or~tubro d e lbiI6~.

=

Sáo aos figuras colocadas aos lados d o escudo, como se estivessem ti segurar*

(Matos, G. d e Melo e Bsndeira, L. Stubbs M., ob. cil., p. 167) e dividem-se cin tenentes. quando são figwas humanas o u si'milares e suportes, no caso d e terem o aspecto de animais.

(11)

SANTOS G R A C A E A HERALDICA POVEiRA rever conceitos equívocos e de promover uma clarificação cada vez maior.

Aludimos atrás a acepção exclusivista e m que a Heráldica foi tida,

acepção essa que consagrou u m tipo restrito de emblemática e motivou uma série quase uniforme de definiçóes. Ressalvam-se, desse monótono conjunto, duas de t o m inovador:

<c( ...) a Heráldica é apenas u m dos nitritos aspectos da Emble- mática, universal, perene, humana.

<<Por Emblenzática entendo aqui o estudo de todos os

emblemas, isto é, de todas as insígnias que e m todas as épocas,

e m todas as civilizações, o Homem adoptou coin finalidade identificaciva, quer pessoal, quer familiar, quer colectiva, quer civil, quer religiosa, quer para exaltar, quer para liumi- lkar

(...I.

«Considero, pois, a Heráldica lião só como ciência auxiliar

da Histótia, sobretudo utilizável na datação e localização de

monumentos -como entende, e bem, Meurgey de Tupigny -,

ramo dos estudos nobiliárquicos, concretização de direitos e deveres de determiliados estratos sociais, nzas também e sobre- tudo, uma verdadeira mensageira histórico-cultural, u m ele- mento para o estudo das ideias, cultos, gostos, nzaneiras de

ser, enfinz de dada época. 24.

.<A heráldica é o sistema de signos do brasão e acessó- rios,, 25.

O carácter positivo da definição de F . Alves de Azevedo consiste,

por u m lado, no modo novo como confrontou a Heráldica ~conveilcional~~ com a Emblemática e , por outro, na referência que fez aos valiosos con- tributos que aquela pode fornecer a diversos estudos de cariz histórico- -cultural. Mas, apesar de interessante, o confronto mencionado partiu

duma posição de «dependência., que deve ser invertida. À luz das

palavras de E. Gevaert, atrás transcritas, afigura-se-nos evidente que a

Emblemática constitui o objecto da Heráldica. G claro que naquela não

cabem certos insígnias e sistemas (por exemplo, o ,luto, as mânticas, etc.) carecidos de vincada finalidade identificativa e que por isso são do

domínio pleno da Semiologia. E , aliás, com esta que a Heráldica deve,

Azevedo, F. de Simas Alves de, ub. cii., p. 14.

. .

(12)

ACTAS DO C O L 6 Q U I O * S A N T O S G R A Ç A u DE ETNOGRAFIA MARITIMA

de facto, ser confrontada. Confironto já bem visível no importante estudo de A. Fenrei'ra do Amara1 e que a definição atrás transcrita de certo modo sintetiza. Este autor teve a feliz i'deia de mostrar de forma, em geral, convincente, que a Herál'dica pode ser vista a luz da Semiologia, tor- nando-se, assim, nítida a sua dimensão semiótica. Parece-nos, porém, que 6icaram por desenvolver ou explorar outras importantes ,possibilidades do confronto, nomeadamente no que concerne aos elementos de diver- sidade.

Tomada em sentido amplo a Heráldica poderá, pois, definir-se como a ciência que estuda o conjunto de signos consubstancisdos no brasão (Her&ldica econvencional») e os emblemas, siglas e marcas, de elzbora- çáo mais ou menos rudimentar, representativas dos atributos sociais e/ou profissionais dum indiví,duo ou grupo e indicadores de posse

(Heráldica popular).

Na I h h a do que ficou esboçado por Gastão de Me10 de Matos e Luís S t ~ b b s Bandeira pensamos ser correcta a afirmação de que a

Heráldica popular compete a recolha e a análise (dos emblemas, siglas e ,marcas i,mplícitas na definição supra), sejam elas de canteiro .que adornam numerosos monumentos medievais (românicos e góticos)» 16,

das cangas dos bois da Maia ou dos pescadores d a Póvoa de Varzim, da Azurara, etc., em colaboraçâo, claro está, com a Etnografia, a Arqueo- logia Proto-Histórica e Medieval e a História da Arte (Idade Média), dado que a estas ciências se devem os inventários que exiskm e aligumas hipóteses inkressantes sobre toda essa si,mbologia, cuja origem e natu- reza abordaremos de imediato.

Embora nos seja de momento impossível proceder a uma análise detalihada de toda a bibliografia nacional e estrangeira existente sobre o assunto, a leitura de alguns estudos que pudemos consultar e a reflexão que procuramos fazer a partir dos traba1,hos de António dos Santos Graça viabilizam, de certo ,modo, a nossa perspectiva. Desejamos, porém, fundamentá-la de f o m a exaustiva e irrefutável, logo que nos ,seja possível.

l6 Costa, P. Aba1 Gomes da, As Siglas da Igreja Medieval de Abade do Neiva-Barcelos.

*Amanhecer. Revisba da Escola Secundária de Ba~celinhosn. Barcelos, I (1) Abr.-Jun. 1983, p. 27.

Vide Siglas Poveiras e sua Relação com outras Marcas, Sinais e Símbolos. Tentarne Bibliográfico elaborado por Manuel Ferreira Lopes, in nSig1a.s Pooveiras. CaZálogo da E w i ç á o Documental e Bibliográfica». P6voa de V&m, 1979, pp. 57-69.

(13)

SANTOS GRAÇA E A HERALDICA POVEIRA Na Introdução do catálogo da .Exposição Documental e Bitbliográ- fica das Siglas Puveiras», João Marques escreveu:

<<( ...) A marca ou sigla -como sinalética de autoria, mágica ou posse -, perde-se no remoto dos tempos e há sido empregue, pelas mais variadas conzunidades de gwtes e profissões ";

daí a importância - sublinhada por esse autor

-

duma pesquisa ampla e sistemática sob= o relacionamento das marcas das colmeias marítimas com as das comunidades de zonas interio~es. Mas retenhamos, para já, a ideia de que as marcas e restante .simbologia de .tipo ele- mentar» se perdem na noite dos tempos. De facto, os testemunhos descobertos pelos prédhistoriadores comprovam-na sem margem para dúvidas. Cam base neles, verifica-se a existência de emblemas, siglas ou marcas no Paleolítico e de que a Arte rupestre é um rico repositório. Vem a propósito o seguinte exb-acto dum texto de Leroi-Gourhan:

<<(

...

) I1 reste surtout à expliquer les signes, très nombretrx et présents dans toutes les cavernes. On y a vu des pièges, des huttes, des pièges-huttes à esprits, des armes, des blasons en se fondant sur de vagues similitudes de formes et sur des coincidences ethnographiques~~ 29.

Depreende-se destas palavras, que a simbologia supra referida sur- giu como resposta a neoessidades concretas, quer de identificação e posse, quer de expressão mágico-religiosa, sendo, pois, o seu princípio (e, claro, o da Heráldica) de «ordem psicológica>>, como escreveu Emile Gevaert. A evolução a que ficou ,sujeita foi assumindo duas facetas dis- tintas: uma, cada vez mais figurativa e guerreira e outra, sinalkctica rudimentar «de autoria, mágica ou posse>,. Nesta entronca, de forma inequívoca, a Heráldica popular, não I'he sendo, como demonstraremos a seguir, estranhas as marcas de canteiro registadas nas pedras de inú- meros monumentos, as de pastores (para distinguir seus gados doutros), as de lavradores e as das colmeias marítimas.

Interessado em determinar a origem destas últimas, Santos Graça admite que etas tiveram uma procedência terrenho-castreja e depois de as confrontar com o alfabeto ibérico,,, a que se refieriram Estácio da Veiga, Ricardo Severo e Leite de Vasconcelos, conclui:

28 Marques, João, Introdução, in «Siglas Poveiras ... », ob. ciL, p. 7

(14)

ACTAS DO C O L 6 Q U I O n S A N T O S G R A Ç A I D E E T N O C R A F I A i!4AlliI'lA.lA

<<( ...) Como se vê, tanto podem ser tonzadas as siglas como

caracteres de u m alfabeto como estes das siglas. E: perfeita

a analogia.

<<Coincidência? Tradição milenária daquela hipótese que

mestre Ricardo Severo atribue a L. Capitan e E. Piette de que os fenícios, mais tarde, deram a estas siglas o valor de letras e criaram com elas o alfabeto?

.O que é certo, absolutanzente certo, é que até hoje, êsfe

chamado alfabeto ibérico izão t e m interpretação qtte dê trina lógica leitura. Todas as inscrições pre-históricas estão e m pei= feita obscuridade.

M E certo é, também, que mesmo a par dos alfabetos arcaicos c o m interpretação, as siglas continuaram a aparecer e m muitos objectos, principalmente nos artefactos de barro cozido para não falarmos já das que mais nzodernamente ein relação àquelas épocas mileizariamente distantes se encontram nos tizontlinentos e Pajes ttimulares.

«Houve necessidade de marcar para se reconhecer a iden-

tidade dos indivíduos e das coisas - e apareceu o siinbolisino

a representá-las.

<<Foi esta, digamos assim, a primeira escrita, e é esta,

segundo a nossa hipótese, aquela que se gravou nessas pedras descobertas nas diferentes necrópoles da pre-história, princi-

palmente da época neolíticaa

*.

A respeito da hipótese do <<alfabeto ibérico,, mencionada por Santos

Graça, t e m interesse ver como Octávio Lixa Filgueiras 31 a encarou, reve-

lando materiais e analogias assaz importantes para uma hipótese dife- rente.

Diremos, pois, e m síntese, que este autor depois de colocar sérias

reservas a afirmação de Santos Graça, feita e m «O Poveiron (p. 23) e

omitida e m «Inscrições Tumulares por Siglas., d e que as marcas «têm

muita analogia c o m a escritu Egípaia porque constituenz imagens de

objecto., atendendo a que a representação gráfica não é relacionável

c o m as próprias alcunhas ou nomes de familiares dos seus posuidores,

referedse ao <<alfabeto iibérico. negando-o como hipótese plausível e adu-

Graça, A. dos Santos, Inscriçóes Tumulares por Siglas, pp. 80-81

" Filweiras, Ootávio Lixa, Ãccrca das Siglas Poveiras, in «Actas do IV Colóquio Portuense de A~queoiogia», Luccrna, Porto, "01. V , 1966, pp. 664-689.

(15)

SANTOS GRACA E A HERALDICA I'OVEIRA zindo como afigumentos a falta de indícios seguros e a sempre eleva-

d5ssima taxa de analfabetismo dos pescadores poveiros - exemplo

extraído da realidade próxima e símbolo da conhecida resistência das colmeias marítimas aos intrusos agentes burocráticos da Administração

(os <<,burossáu.r.ios>>), resistência que terá provocado ou reforçado (?)

uma forte relutância pela esorita. Posta, assim, de lado tal hipótese, o

autor coloca-nos perante um interessante material emblemático, consti-

tuído pelas marcas de Funen (Dinamarca) e pelos caracteres rúnicos, sendo flagrante a coincidência com certas siglas poveiras e idêntico o

,sistema .de <<regras de identificação individual,,. Contudo, ele não se

arriscou a expressar uma ideia naturdmente sugerida pela análise do referido material, a saber: as sinaléticas poveira (e doutras colmeias marítimas portuguesas) e de povos germânicos podem ter tido u m prin- cípio comum.

Mas voltemos a Santos Graça a f i m de podermos confrontar a sua posição, ,quanto a origem das marcas, com a assumida por Jaime Corte- são, considerando a iinportância de ambas como contributo sério para a clarificação dessa problemática.

O etnógrafo poveiro, para quem as siglas se idenficavam com os

wsinais alfabetiformes que aparecem nas lá,pides funerárias i~béricas, que interpreta como marcas pessoais»", recusou-se a seguir a letra a tese da procedência terrenhocastreja, insistindo na .barreira existente

entre pescadores e peixes de courou", ;sto é, negou que a colmeia

poveira tivesse resultado da descida 'duma determinada população cas- treja, caracterizando-a, neste sentido, como u m núcleo étnica e cultu- ralmente scngular, onde, apesar de tudo, se assimilaram aspectos da vida e cultura castrejas, como por exemplo, as marcas. Tal singularidade pode ter si'do fruto duma eventual ascendência fenícia ou normanda, rejeitada por Jaime Cortesão, o qual, porque considerava a colmeia poveira como u m grupo social .tão intensamente caracterizado», supôs

.

que ele se filia predominantemente nos mesmos habi-

tantes, que n o milénio anterior a Cristo habitavam as citânias

d o Norte. Descido da serra para a planura e enraizado na

costa, conservaram muitos dos costumes antigos: a organi-

"

Oliveira, E i ~ t o Veiga de e Galhano, Fernando, A Apanho do Sargaço no Norte de Portugal. «Trabalhos da Sociedade Portuguesa de Antropologia e Etnografiaa, Porto, vol. XVI, (1-2) 1958, p. 88.

(16)

ACTAS DO COLOQUIO < S A N T O S GRAÇAu DE ETNOGRAFIA iWARITIiMA

zaçáo comunitária; o amor à genuinidade social e, corno con-

sequências, a endogarnia; o sentimento democrático do governo próprio e de livre escolha; e a profunda fraternidade entre os seus membros. Ao que supomos, o mesmo processo de assina- lar todos os objectos de propriedade individual, os de família

e os de xcompankan c o m siglas próprias, radica na tradição

pré-histórica das marcas de gado, com que se distinguiam as reses do cláu

".

Ao invês de Santos Graça, Jaime Cortesão admitiu que o litoral estaria despovoado e a mercê das populações castrejas, emmpurradas, por vários factores, para o mar, que aí ,se foram instalando e desen- volvendo o mesmo comportamento sócio-político e cultural, assumido na serra, razão pela qual existiam, segundo ele, flagrantes afinidades entre as colmeias marítimas e as comunidades do interior, sublinhando, d u m m o d o pamrticular, as relativas aos sistemas emblemáticos de ambas. C o m este arrazoado, Cortesão apresentou u m a origem comum e lógica, se b e m que discutível, para as marcas de pescadores e as d e lavrado- res/pastores, as quais, porém, não se confundem entre si, apesar das semelhanças assaz ,sigmificativas e a tal ,ponto, que nos permitem atri- buir à.s marcas u m tipo único e ,genérico d e natureza interna.

Com efeito, o traçado semi-geométrico e semi-figurativo das siglas

e a existência d u m processo de identificação individual o u distinção da

marca da família entre os 'herdeiros .da mesma, conferem a essa emble- mática u m a estrutura heráldica, tanto mais evi,dente, quanto mais vin- cada for a relação semântica entre a(s) ,sigla(s)/figura(s) e o apelido/ lalcunlha res,pectivo e quanto mais complexa for a técnica reguladora do seu uso n a comunidade.

Mas se as marcas de famílias e m diversos géneros d e actividade

<<tais como as cangas dos bois na Maia, os barcos de pesca da Póvoa

de Varzim, Azurara, da ria de Aveiro e do rio Douro» 33 apresentam

uma relativa semelhança c o m o abrasão d'armas da Heráldica Bconven-

cional» (fig. I), impondo-se plenamente como elementos da Heráldica popular, que dizer, por seu turno, das siglas de canteiro? Qual a sua origem e natureza? Constituirão elas u m mero código semiológico? Ou,

34 Cortesão, Jaime, A P6voa e os Poveiros. «O Primeiro de Janeiro*, Po~to, 26 de

Juiho d e 1956, pp. 1 e 3.

(17)

SANTOS G R A C A E A HERALDICA POVEIRA

pelo contrário, possuem feição heráldica, confirmando-se, assim, o que já atrás deixamos expresso?

Perante a extraordinária carência de estudos sistemáticos e profun-

dos sobre esse tipo d e siglas não é tarefa fácil responder as questóes

f ~ r m u ~ a d a s . Tentá-lo-emos, porém, com a ajuda de C . A. Ferreira de

Almeida

Este autor advertenos, antes de mais nada, para que não se con- fundam siglas de canteiro, propriamente ditas, com as .marcas que são

de <<posição», isoo é, destinadas a indicar a pose correcta do bloco no

local para onde foi talhado, como acontece com as aduelas d u m arco>> 37,

as quâis contudo, são desconhecidas entre nós, talvez por causa da .miserável pobreza de interesse histórico-arqueológico que tem caracte- rizado as equipas de restauro dos nossos monumeiztos medievais»38. Inci,dindo sobre a ori,gem das primeiras, escreveu:

<<( ...) As siglas de canteiro, embora se possam descobrir, excepcionalmente, e m alguns monumenoos clássicos, são, sobre- tudo, u m fenómeno da Idade Média final. Na Alemanha elas

aparecem nos meados do século XII (DU COLOMBIER,

1973, p. 136) e, na Provença, pouco depois porque as vemos, ainda, e m montrmentos românicos (AUBERT, 1960, p. 319). E m Paris, mormente em Saint-Denis, encontramo-las nos fins dessa centúria (CROSBY, 1966, p. 713). Na Roménia, segundo V a n de Winckel (1970, p. 181), exceptuando os edifícios cister- cienses, não aparecerão antes do século XIII. Supomos que,

entre nós, de modo geral, outro tanto acontecerá, embora na

Sé Velha de Coimbra elas apareçam já ao lado do portai

principal, datando, por isso, dos meados da segunda parte do

século x11» 39.

Fenómeno claramente medieval, segundo o autor, elas são contem-

porâneas dos emblemas heráldicos de cavaleiros e cruzados e constituem

uma sinalética usada por membros duma certa corporação, com o objectivo inicial de manifestar a sua presença no local d e trabalho a

3 Almeida, C. A. Ferreira de, Arquitectura Românico de Entre Douro e Minha,

2 vols. dactilografados, 1978.

Id., ibid., 1: vol., p . 44.

"

Id., ibid., p. 44.

(18)

ACTAS D O COLOQUIO «SANTOS GRACAn DE ETNOGKAFIA ZPIAR/'I'IMA

f i m de llies ser paga a jorna, objectivo esse a que se foi associando

no séc. XIII o gosto e o hábito de siglar do operário-canteiro. Mas are- sar de surgidas na Idade Média, isso ngo colide com a hipótese da filia-

ç,io das mesmas n o grupo das marcas dos pescadores e tavradores/pas-

tores, atrás referidas. Filiaçáo suscitada pela lógica e pelas amostras que pudemos analisar.

A análise das amostras impõe-nos, aliás, uma reflexão cuidada sobre a naúureza complexa dessas marcas, que nos permitirá considerá-las como mero código semiológico ou como simbologia heráldica.

Recorrendo mais uma vez a Ferreira de Almeida, chamamos a aten- ção para os seguintes extractos:

<c(

...

) Ao longo dos três séculos finais da Idade Média as

siglas evolttiram ~?zuito nas suas formas e características. Se

bem que os sinais simples se encontrem sempre ao lado de

outros muito elaborados (...) a tendêizcia geral foi para o seu

desenho se complicar e tomar, cada vez mais, a fornza alfabé-

tica ou ideográfica. (...) No século XIII elas são, doi?ziizante-

mente, simples. Aparecem muitas alfabéticas e na parte

final algumas têm aspecto ideográfico, isto é, há canteiros

que apresentam, como sigla, a figuração do objecto que o sett apelido nomeia. Neste caso uin canteiro chamado afoiciizha>>

assinalaria com a represeiztação desse utensílio. (...) Nos

séculos XIV e XV mtdtas das siglas alfabéticas, além de acom-

panharem a evoluçáo da escrita, juntam a letra final do nome,

habitualmeizte e m tamanho mais pequeno, ao seu lado (...).

No século XV aparecem siglas que sáo autênticas abrevia-

turas do izonze e assinaturas e que t&m, mesmo, valor decora- tivo, como vemos, por exe17zpl0, na fachada da matriz de Ponte de Lima (. . .).

A comparnção das siglas de alguns monumentos leva-nos

n algumas questões (...) que advênz do facto de haver no

haver no mesino edifício marcas de forma idêntica com ligei-

ras nzodificações.

I...)

Crosby (1966, p. 713) anotou, etiz

Saint-Denis, siglas do mesmo parentesco como X X X X .

Na ponte medieval de Azere, Arcos, encontu&nos, por exemplo,

P P P+. Segundo o costume das marcas poveiras tal identi-

dade poderia revelar o parentesco familiar .dos seus titentes.

(19)

Fig. 2 - Marca iizi parede da Igreja dc S.ta Mai-ia úc Bcianzos (Galiza),

(20)

t l ~ c r r o m m X P .L

- -

Fig. 5 -Siglas de canteiro publicadas eni /Is Sigi<is </<i

Igrejo Medieiini de Abode de Neivo - Rorceios c O iblosfeiro de Roriz iin Arte Roi>ií>iiicii do Doiri.o Litor[/l.

Fig. 4 - Rrosüo d<r COSO dos C<~rneiros. à Rua do Visconde, hoje Muscu Municipal de EinogiaEia e História da Pó\,oa de Varzim

(21)

SANTOS GRAÇA E A HERALDICA POVEIRA

Azere, poderiam trabalhar nas obras da ponte três canteiros chamados Pedro os quais apartariam assim o seu trabalho. De notar, finalmente, que na obsewaçáo das siglas se deva ter cuidado pois a posiçáo da marca pode encontrar-se mais otr menos invertida ou até oculta»40.

Desta longa transcrição importa extrair, para já, os diversos tipos

de marcas de canteiro aí referidos, a saber: sinais de forma alfabética ou ideográfica; siglas com aspecto de abreviaturas ou assinaturas dum nome; marcas decorativas e sequência de marcas de forma idêntica, com pequenas alterações.

Considerando as alfabéticas a partir, por exemplo, das amostras recolhidas por Abel Gomes da Costa", Manuel Luis Real e Pedro Sá4' e Sumner Mck. Crosby" chegamos a duas conclusões dist,intas: as da Igreja Medieval de Abade do Neiva (Barcelos) - T (351 vezes repetidas),

P (288), S 262). a (171) e L {131) -que aparecem e m elevada percenta-

gem de repetições, como se vê pelos números citados, e as da Igreja de S. Pedro de Roriz, e m menor número de espécies, são, d u m ponto de vista heráldica, imprecisas, porque se, por u m lado, serviram como elemento nominal identificador do indivídluo, por outro, carecem de

estrutura, isto 6 , dão a impressão de terem sido usadas dum modo

circunstancial (mera indicação de presença no local de trabalho para efeitos de controlo e pagamento), não evidenciando piques ou outro qualquer processo regulador da sua transmissão familiar; pelo contrário, as siglas alfabéticas das casas de Saint-Denis, inventariadas por Crosby e que apresentamos (fig. l ) , afirmam-se como emblemas estruturados,

onde a letra inicial dum nome é beneficiada esteticamente e acrescida

de piques, traços ou pontos, que correspondem e m Heráldica econven- cional» às chamadas .diferenças., e neste sentido, apresentam uma nítida

feição heráldica, tal como as siglas de fioma ideográfica (fig. 2). Estas,

com efieito, constituem parte integramte da Heráíidica popular, porque, para além das características exibidas pelas marcas alfsbéticas das casas de Saint-Denis, possuem ainda a particularidade (que as de traçado geomé-

"

Id., ibid., pp. 46, 48 e 50.

"

Costa, Abel Gomes da, ort. cit.

" Real, Manuel Luis e Só, Pedro, O Mosteiro de Roriz ila Arte Rornâifica do Douro Litoral. Sep. de «Actas do Colóquio de História Local e Regional-Santo Tjno, 1979n. Santo Tirso, 1982.

43 Crosby, Sumner Mck., içirrson's Marlis a1 Saint-Deitis, in ~Mélanges afferts à Rmé

(22)

ACTAS D O C O L O Q U I O n S A N T O S G R A C A * D E E T N O G R A F I A MARITIMA

trico evidenciam dificilmente) de figurarem o objecto ou a noção evocados pelo respectivo apelido ou tilcunba, a qual tem paralelo nas ditas .armas falantes». Por sua vez, as siglas com aspecto ,de assinatura ou abreviatura dum nome -citam-se, a título de exemplo, as IO(anizis) e NI(colaus), encontradas na Igreja de S. Pedro de Roriz (fig. 3) -são, ta&& dentro duma per3ppectiva herál,dica, imprecisas, como as siglas alfabéticas não estrutumdas, que focamos atirás. São de excl'uir do âmlbito da Herk1,dica popular as marcas decorativas produai~das com mero intuito artístico ou, eventualmente, com uma finalidade mkgico-religiosa, que não altera substancialmente, dado o seu carácter equivoco, a atitude de exclusão aorá,s declarada. E, quanto às sequâncias de marcas com forma idêntica, pode-se admitir que, tal como o «costume das marcas poveirasn, essa identidade possa revelar ao Farentesco familiar dos seus utentesn e deste ,modo elas evi,denciam, pelo menos, um dos traços de%- nidores do carácter heráldico da em'blemAtica popular; no entanto se, ao invês, for .aceite a explicação de que três P correspondem a igual número de canteiros chamados Pedro, caimos no problema das siglas alfabé- ticas não estruturadas, que não são claramente ;heráldicas.

Em conclusão pode-se, ,pois, dizer, que as marcas de canteiro, num conjunto significativo, são indiscutivelmente emblemas heráldicos, po- dendo, pois, sem receio serem tratadas como tak. Contudo, há umas

-

as alfabéticas simples

-

que deixam s4rias dúvidas e outras

-

as decorativas -, que funcionando como <<código estético» interessam, em especial, a Semiologia e

a

História de Arte.

Posto isto, e embora seja, de momento, arriscado, ensaiar uma sis- tematização apurada dos ~pontos-chave. da *tese., que ficou exposta, atrevemo-nos a esquematizar ideias, tentando, assim, uma profícua apro- ximação aos ehiógrafos. Com efeito, cabe a estes a ;mportantíssima tarefa de recolha e análise dos vários tipos de si,gl.as, análise esta que terá, naturalmente, de atender à dimensão heráldica .das marcas, e, neste sentido, ganha $particular utilidade a ugrebha» que, de imediato, se apre- senta, com vista a permitir uma fácil identificação das siglas, em termos de Heráldica popular.

Começamos por enumerar os principais núcleos em .que essa emble- mática pode ,ser agmpada: marcas das colmeias piscatórias, de lavra- dores, pastores e de canteiros, oleiros" e demais artesãos. E com esta

"

VlUas-Bôas, Joaquim Sdlés Paes de

-

Notas de Cerãinica Popular I

-

Escritas e Marcas de Oleiros. Apontamentos sobre nOlarias de Barcelosu. nEtnos», Lisboa ( 2 ) 1968,

(23)

SANTOS GRAÇA E A HERALDICA POVEIRA

tipologia que os etnógrafos deparam- não se perde, por isso, nada em referi-la com insistência

-

e o .seu contributo para a Heráldica

-

expres- sivo testemunho de interdisciplinariedade

-

pode ser valioso, desde que passem a ter em atenção o seguinte:

A

-

Colmeias piscatórias.

1. Os sinais geométricos e as figuras toscas que aparecem neste núcleo são, quase a 100%, elementos de H. popular.

2. Excepções: piques soltos e símbolos inequivocamente má-

gico-religiosos (vide arts. de Octácio Lixa Filgueiras, notas

31 e 52).

B -Lavradores, pastores.

1. Tome-se como material de comparação as marcas das cangas de bois da Maia e atente-se sempre no princípio de que esta emblemática será tanto mais 'heráldica, quanto mais vincada for a relação semântica entre a(s) sigla(s)/figura(s) e o res- pectivo apelido/alcunha, e maits complexa for a técnica nor-

malizadora do seu uso na comunidade.

2. O mesmo que em A-2. C

-

Oleiros e demais artesãos.

1. As marcas deste grupo são as que mais problemas levantam a uma «leitura,, herál'dica, nomeadamente, as de oleiros e canteiros. Quanto as primeiras, não é fáoil veriçica~ se uma sigla (em nada semel'hante as dos gmpos anteriores) identi- $ica o indivíduo e/ou a família, que a usa ou di'stingue uma peça de outras ou, ainda, se as adorna. Esta d,ifiouldade pode resolver-se, pelo menos em parte, .de ,dois modos: confron- tando-as com os sinais e figuras claramente heráldicas dos grupos A e B e analisando o ,maior número possível de peças

dum oleiro, com vista a determinar o tipo de sigla mais constante, independentemente do ,sistema decorativo ou refe- rencial. As marcas de canteiro exigem o confronto recomen- dado para as de oleiros e o ter em conta as excepções, que adiante se enumeram. Por último, 'seria uma grande lacuna omitir as marcas que substituem ou acompantham as assina- turas nos livros de vereações, em especial, na época mo-

(24)

ACTAS DO C O L 6 Q U 1 0 * S A N T O S G R A C A a DE ETNOGRAI-IA hlAR1TIWA derna. Como salientou, recentemente, Francisco Rfibeiro da Silva abundam nos livros da Câmara do Porto (séc. XVII) casos desses: um espadeiro desentl~ava a seguir à assinatura uma espada, o alfaiate uma tesoura, etc. Estas figuras cons- tituem, em nossa opinião, um conjunto específico da H.

popular, que tem paralelo na chamada H. corporativa ou funcional (vide item 2).

2. Oleiros-excepções: sinais decorativos e traços de conta- gens ou feitos para referenciar tamanhos diversos.

Canteiros

-

excepções: as siglas alfabéticas simples, as decorativas e os sinais de configuração imprecisa.

Funcionários Municipais (marcas registadas em livros)- excepções: a cruz (de quatro ou cinco pontas) que substitui a assinatura; se esta a acompanhar pode já ser emblema heráldico.

3. A perspectiva que deixamos expressa no item anterior permite- -nos discordar de EugPnio A. da Cunha e Freitas, por este ter afirmado que na Póvoa e o seu concellzo são relativamente pobres enz espécies heráldicas>>

".

Pensamos, ao contrário, que ela é uma terra heraldica- mente rica, porque nos oferece um expressivo contraste emblemático e social: pedras de armas e armas tumulares de <filhos d'algo,, e siglas/ /marcas de pescadores, valorosa gente do povo. Contraste firmado numa básica semehhança: a dimensão heráldica de ambas as simbologias. E isto suscita ainda mais necessidade dum confronto, que, sobretudo, teste a solidez científica da Heráldica. Aliás, ele é possível graças aos preciosos inventários de Artur Vaz-Osório da Nóbrega e António dos Santos Graça, respectivamente.

Comecemos, então, por ver em 8pormenor a emblemática dos pesca- dores poveiros, atendendo, de imediato, aos seguintes textos:

*(...)As marcas estáo nas redes, nas velas, nos mastros, nos paus de varar, nos lemes, nos bartidoiros, nos boireis, nas talas, nas facas da cortiça, nas mesas, nas cadeiras (...).

*

Silw, Feanciw Ribeiro da, O Concelho de Caia lia I." Metade do Séc. XVII: I~rstifuiçóes e Níveis de Alfabefizaçáo dos Furicioilários. Comunica$ão lida nas «Jornadas de Hiyt6Ba Local e Regional de Vila Nova de Gaiax, realizadas de 18 a 20 de Novembro

de 1983.

46 Freitas, Eugénio de Andrea d a Cunha e , Prefácio, in Nóbrega, A. Vaz-Osório da,

(25)

SANTOS GRACA E A HERALDICA POVEIRA

A marca num objecto equivale ao rscisto de proprie-

dade" e

«( ...) A marca-brasão é usada pelo chefl da família. Aposta

e m qualquer objecto, é o seu nome, o seu registo. O filho

mais velho risca ao lado dela u m pique, isto é, u m traço;

o filho que se segue e m nascimento, dois piques; o outro a seguir, três piques, e assim sucessivamente até ao mais novo,

que ao contrário de algo, é o herdeiro da marca~brasão, usan.

do-a sem piques>> 48.

Para além da marca, composta por uma ou mais siglas, ainda

a considerar a divisa do barco, que geralmente não reproduz a marca do respectivo proprietário e a que nos referiremos adiante. As balizas e as marcas de peixe excl~uem-se desta anál,i,se, porque, como notou Lixa Filgueeiras, elas são *funcionalmente adaptadas a condições de utilização

muito especiais, que a\- diversificam daqztelas total o z ~ parcialmente

".

A .marca-brasão., como escreveu Santos Graça, assenta n u m

curioso acervo de motivos, a saber: meia pena; pé de galinha; sariLho; calhorda; São Selimão; cálice feuhado, aberto e emborcado; cruz; lan- chicha; coice; estrela, arpão e meio-arpão; .quartos; mastro e vêrga içada; padrão; arado; fois; pé de passarinho; escada; coração; cruz

romana; roca; pinheiro; peixe; cambito; sol; tesoura, etc. O método

de picar, isto é, inscrever nestas siglas piques (tracinhos), explicado

supra, converteu-as e m emblemas estruturados, identificadores d e quem

os usa e transmissíveis a seus hmiliares, e fez com que, ao agrupar-se

os piques, surgissem cmzes, estrelas e grades. Aspecto, de igual modo

interessante, é o que consiste n o carácter pouco ou nada ideográfico/

/«falante» das marcas poveiras. De facto, a relação entre .sigla ou figura

e o apelido, ou melhor, a alcunha respectiva não se baseia numa evi-

dente ideoitmidade semântica, mas antes numa <<apropriação simbólicau,

muito frequente, aliás, na Keráldica ~convencionaln. E isto, leva-nos

a considerar outro aspecto, relativo a natureza das mensagens contidas

"

Graça, A. Santos, O Poveiro, ob. cil., p. 23.

Id., InscriçUes Tuw~ulares por Siglas, p. 17. '9 Filglleiras, OctAvio Lixa, art. cil., p. 669.

"

Na importante lista de marcas pweiras, precedidas do nome da respectiva família,

publicada em nO Poveirou e em ~lnscriçóes Tumulares por Siglas*, a alcunha 6 o denomi- nador comum: os Canetas; os Pinheiras; os Trunfos; os Cotovias e Potncos; os Chascos; os Fangueiros; os do Cega do Maio, etc.

(26)

ACTAS D O C O L O Q U I O nSAAtTOS C R A Ç A » DE ETNOCNAFIA 1 b l A R 1 7 1 M A nas diversas siglas. Para Lixa Filgueiras, que teve oportunidade de o analisar, af?gux-a-se liquido que,

R(

...

) Ao contrário das divisas (marcas dos barcos) sujeitas

predominantemerate a invocações religiosas que culminavam a adopção de u m santo-patrono, e eram enraizadas numa figu-

~ ã de carácter mítico, as siglas das inarcas pessoais ficam o

muito aquém das preocupaçóes de ordem religiosa: quer em tipos, quer em frequência de tipos predominam as representa- ções de objectos ou coisas mais directamente relacionadas com as trivialidades dum quotidiano de cunho utilitário, até sem especial preferência pelos da faina marítima: basta com- parar as das portas das capelas de Santa Tecla e de Santa Cruz de Balazar, com as gravuras das divisas dos barcos,

reproduzidas de MO Poveiron

E o autor prossegue, remetendo-nos para u m quadro, onde figuram os 'resultados (índice dos totais e frequência) da contagem de siglas reli- giosas, mágicas e marítimas, feita na Póvoa de Varzim, Buarcos, Balazar e Santa Tecla.

E, &da, Lixa Fi1,gueiras. quem, seguindo o rumo apontado por

Santos Graça, nos fornece uma distinção ,fundamentada entre marca e

divisa. As ,divisas, que «eram originalíssimas e m tempos passados-

u m quarto de século - quando os barcos eram crenados e não pintados,

como agora» ", constituem <(autênticos 'escudos d'arinas',,, destiizados

ao reconhecimento (do barco) nas lides à distância, envoltos em, ou

envolvendo símbolos protectores,)

".

Envoltas, pois, nestes ,símbolos, as

divisas, evidenciando uma vincada dimensão mágico-religiosa, diferen- oiam-se, neste sentido, das ,marcas individua's, mas, d u m ponto de vista

herá&dico, é absolutamente clara - basta citar, como exemplo, as expres-

sões usadas quer por Santos Graça (<<marca ibrasãon), quer por Lixa

Filgueiras (((escudos $armas») - a identidade entre os dois tipos de

emblemas. Voltando, porém, a distinção, importa subl'inhar, para além

do facto já ,focado de as divisas não reproduzirem as marcas, a extraor-

dinária influência, que sobre a divisa exerceram quer a profunda religio- sidade do powiro, ou seja, a sua necessidade vital de evitar os perigos

Filgueiras, Ootávio Lixa, arl. cif., pp. 669-670

"

Graça, A. Santos, O Poveiro, ob. cit., p. 38.

"

Filgueiras, Ootávio Lixa, art. cif., p. 675.

(27)

SANTOS GRAÇA E A HERALDICA POVEIRA do mar mediante veementes evocações da protecção divina, quer o apogeu económico atingido no séc. XVIII, época em que a Póvoa foi <<o mais ,importante centro de pescarias de todo o litoral do país,,. Mas, porque aludimos acima aos símlbolos protectores, vem a propósito notar, que eles foram dominantes nas embarcações antigas, registando-se, com o decorrer do tempo, um acentuado pendor profano, que os seguintes motivos ilustram: ,heráldicos; ramos Gflor6es); panal; bandeira; ancrote; agukha de marear; coração com seta; cobra na vara; espada; estrela; vaso com flores; cometa, etc. ".

Passando, agora, à emblemática representada pelas pedras de armas da Póvoa de Varzim e seu concelho, torna-se necessário começarmos por enumerá-las e mostrá-las na ,sua distribuição geográfica.

São escassas, como se vê no inventário feito por Vaz-Osório da Nóbrega, as pedras de armas do concelho da Póvoa, pois resumem-se a oito:

(1) a da Casa dos Carneiros, Rua do Visconde (,Póvoa)

-

fig. 4;

(2) a .da sepultura rasa de João Martins Gaio, procedente da Capela da Madre de Deus e exibida na secção de arqueologia do Museu Municipal de Etnografia e História;

(3) a da sepultura rasa de Jorge Martins Gaio, procedente da Capela da Madre ,de Deus e ex?bida junto com a anterior;

(4) a da porta de entrada da Fortaleza da Póvoa de Varzim;

(5) a do <Jazigo .de família de Matos Moreiraa, Cemitério Municipal;

(6) a da sepultura rasa de João 'de Somsa, abade do Mosteiro de Rates, ábside da respectiva 'greja;

(7) a que serviu de laje no púlpito da Igreja de Rates e que depois de 1940 foi colocada no adro;

(8) a da Casa de Balasar, também conhecida por Casa da Quinta ou Casa da Quinta de D. Benta.

A análise cronológica feita pelo competente iheraldi,sta, que estamos a seguir, revelou o seguinte: a pedra de armas n." 1 é da segunda metade do séc. XVIII; a 2 é de 1551; a 3 da segunda metade do séc. XVI; a 4 é 1740; a 5 é da segunda metade do séc. XIX; a 6 é da primeira

Vide a propósito o i m p o m t e trabalho de OdBvio L. Filgueiras, O Barco Poveiro. Homenagem a Santos Graça. SBp. de aP6wa de Varzh. Boletim Cultu~al~, Póvoa de V?rrzim, velo. 111 e IV, 196466. Póvoa de Vanim, Ed. da Câmara Municipal, 1966, pp. 5497.

Referências

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