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Os vinte anos do 25 de Abril na Vértice

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OS VINTE ANOS DO

25

DE

Maria da Conceiqáo Meireles Pereira I Instituto de História Contemporânea (IHC) da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP)

Fundada em Coimbra, com o subtítulo Revista de Cultura e Arte, a Vértice apareceu pela primeira vez em Maio de 1942 e a sua publicação prolongou-se até 1986, saindo então o número triplo 473/475 relativo a JulholDezembro. Dois anos mais tarde, foi adquirida pela Editorial Caminho passando a publicar-se na capi- tal; iniciou a sua Za série em Abril de 1988.'

É consabida a rclcvância da Vértice no panorama cultural pomiguês durante o regime ditatorial, constituindo uma publicação de referência incontomável, a par da Seara Nova Desde os seus primórdios, viu-se confrontada com inúmeras dificuldades que não eram só financeiras mas também decorrentes da censura e da perseguição política movida a membros da sua redacção. Tribuna principal do movimento neo-realista, esta revista identificou-se com o ideário marxista e assu- miu-se como "veículo do materialismo histórico e dialéctico nas suas conexões com a arte e a sociedade". Não obstante esta orientação de base, recebgu a colaboração de intelectuais e artistas de diversas tendências estéticas e doutrinárias, tomando- se palco de numerosas polémicas literárias e ideológicas, sendo sempre, inequi- vocamente, uma revista de resistência e oposição a ditadura. Ressalte-se, ainda, a sua preocupação pedagógico-editorial papnte na publicação de numerosos livros, através da colecção 'Textos Vértice", retomada em 1971, bem como a realização de inquéritosvários resultantes do diálogo com os leitores e intelectuais diversos, além

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da dimensão de "arquivo" que pretendeu alrançar publicando documentos, cartas e textos inéditos dos mais reputados artistas e pensadores dos séculos XIX e XX

Por outro lado, a divulgação cultural gmejada pela Vótice não se confinou ao registo escrito, tendo-se destacado pelapkfusão iconográfica evidente na reprodução de obras de largas dezenas de notáveis artistas plásticos nacionais e estrangeiros.

As dificuldades de teor financeiro não diminuíram posteriormente ao 25 de Abril de 1974-\hajaemvista o factor concorrência-mas a publicação não foi inter- rompida senão na década seguinte, encontrando depois, no modelo empresarial de uma editora consagrada, a viabilidade da sua edição em curso até ao presente. Em Abril de 1988, sob a chancela da Editorial Caminho, a publicação foi retomada, assumindo Francisco Melo, Fernando Correia e Manuel Gusmão, respectivamente, os cargos de director, chefe de redacção e coordenador editorial. Como património cultural nacional que, efectivamente, já era, a biblioteca e arquivo da revista foram entregues à Biblioteca da Universidade de Coimbra e ao Museu do Neo-Realismo. O editorial do primeiro número d e ~ t a 2 ~ série elucida, sem novidades porque reincidindo em propósitos antigos, sobre as suas linhas orientadoras:

"A Vértice é uma revista de intervenção cultural: um espaço, um projecto e um instmmento de reflexão, de critica, de debate. Uma revista de cultura em sentido amplo: unindo a atenção à criação literária, artística, filosófica e cientí- fica, e a atenção à realidade económica e social e política do País. Será pois deci- didamente multidisciplinar e promoverá a cooperação crítica entre diferentes metodologias e a reflexão interdisciplinar".

Além das entrevistas e da congregação de contribuições de novas centenas de colaboradores, o formato desta nova série passou a integrar dossiers temáticos apresentados sob o sugestivo título Em Questão, os quais lhe granjearam certa popularidade tornando-se um dos principais atractivos da revista.

Justamente como dossier temático, surgiu a efeméride "Os 20 anos do 25 de Abril", no número 59 de Março-Abril de 1994.

Este dossier é constituído por treze textos, sendo o inaugural da autoria de &varo Cunhal, subordinado ao título "A revolução de Abril 20 anos depois". De longe o mais extenso,' este artigo (datado de Fevereiro de 1994) é o que possui autoria de maior notoriedade e, pelo seu iniludível cunho ideológico-partidário, constitui apedra de toque do conjunto de depoimentos.

Dividido em onze pequenos capítuios que ostentam titulos sugestivos, o texto inicia-se com uma breve introdução sobre a efeméride onde o autor lança os temas que a seguir aprofunda, acusando a comunicação social de reescrever a história, bran- quear o passado fascista, denegrir o essencial da revolução democrática falseando

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papéis e responsabilidades, tudo isto com a finalidade de justiiicar a "política antide- mocrática a& e agravíssima situação que está a aiar ao país''.

"A

ditadura fascista

-

governo terrorista dos monopólios e latifundiários" é o título do primeiro ponto que contraria a "campanha de desresponsabiliuação, branqueamento e mesmo valorização da ditadura", afirmando que o regime anterior ao 25 de Abril assentava no "capitalismo monopolista" sendo correcto caracterizá-lo "como uma ditadura fascista". Esta definição de carácter político- económico parece, ao autor, e ao seu partido, uma questão chave para o enten- dimento quer daquele período histórico, quer do subsequente:

Para a compreensão da situação e uma caracterização objectiva e correcta da ditadura, a definição simultânea do sistema socioeconómico e do regime é essen- cial para qualquer análise da histók de Portugal no século XX. Não se tratade uma questão menor. Essencial não épalavra excessiva.

O PCP deu nesse tempo uma definição, que se tomou clássica, da dita- dura fascista: o governo terrorista dos monopólios associados ao impe- rialismo estrangeiro e dos latifundiários.

Estadefiição baseou-se numa análise profunda da sociedade portugue- sa, das estruturas socioeconómicas, das relações e anumação das classes sociais, do regime p o l í t i c o . É f i ~ t a l p a r a o umhecmimito eacornpremão da situação de Portugal antes do 25 de Abrii, da revolução de Abrii e suas conquis- tas, da agudwr das contradições conjlitos e lutas, da democracia instaurada, do processo contra-revolucionário ulterior, e a i d a da perspectiva achlal da evolução da situação nncional e da política de que Portugalprecisa4

O ponto seguinte aborda "A crise geral da ditadura e a situação revolucionária'' a qual se revestia de quatro aspectos essenciais: "a rápida centralização de capitais e a fomznção e domínio dosgrandes grupos monopolistas"; "aguerra colonial"; "as divisões e conjlitos aos mais altos níveis no próprio campo da ditadura"; "finalmente, factor dominante, o vigoroso eimpetuasojluxo da lutapopular m todas asgra+frentes". Tal situação era propícia à ruptura revolucionária e não à reforma interna do regime: "Amadureciam as condições não para uma liberalização a partir do poder políti- co mas para a insurreição militar e popular".

Justamente a recusadasolução paufip e defesa do derrube do regime pela força eraa posição sustentada pelo PCP-mesmo coneaa tendência generalizadaapartir do XX Congresso do PCUS" como Cunha1 explica no 3" ponto "Os objectivos da

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revolução antifascista e o levantamento nacional". Estaquestão, aliada às duas ante- riores, marcavam a especiíicidade da oposição comunista portuguesa:

,

"A caracterizqão da ditadura, o programa para afutura democracia e a via para o dembamento do fascismo constituíram elementos inseparáveis que diferenciaram os diversos sectores antiiascistas:"três anákes, três programns e três vias".caracterizaram então as concepções do PCP, da burguesia liberal e da radicalismo esquerdista".

No intuito de vincar a correcção da leitura prospectiva da situação de Portugal feita pelo seu partido, o autor evocaos oito objectivos aprovados em 1965, noVI Congresso (último da clandestinidade), os quais seriam indispensáveis à realiza- ção da revolução democrática e nacional da sociedade portuguesa:

"1" Destmir o Estado fascista e instaurar um regime democrático; ZOLiquidar o poder dos monopólios e promover o desenvolvimento económico geral; 3 O

Realizar a Reforma Agrária, entregando a terra a quem a trabalha; 4" Elevar o nível de vida das classes trabalhadoras e do povo em geral; 5' Democratizar a instmção e a cultura; 6'LibertarPortugal do imperialismo; 7'Reconhecer e asse- gurar aos povos das colónias portuguesas o direito à imediata independência; Seguir uma política de paz e amizade com todos os povos".

De seguida, o tópico analisado - "As forps motoras da revolução democrática e as contradições ao nível do podei'incide na importância do 'levantamento popu- laranível nacional" que,naóptica, do autor, passoua ser um elemento determinante da revolução, a par do elemento militar. Assim "a dinâmica da acção popular de mas- sas, com papel determinante daclasse operáriaáriaária,nos anos 1974-1975, teráconferido um carácter de originalidade à revoluqão portuguesajáque " a s g r d s conquistasnão partiram da imciativa da poder político, mns da q ã o revolucionária das massas".

Por outro lado, o autor aíirma que ainstauração do regime democrático foi per- turbado por sete factores principais: conflitos no seio do MFA cuja composição ia "da extrema-direita ao esquerdismo anarquizante"; atribuição de altas atribuições a generais que estavam contra a revolução democrática; conflitos entre os partidos participantes dos Governos Provisórios (PCP, PS e PPD); multiplicaqão de cen- tros de decisão e de poder civil e militar; actividades provocatórias e divisionistas do esquerdismo pseudo-revolucionário; grandes provocações do imperialismo; conspiração dos sectores reaccionários e conservadores e as sucessivas tentativas de golpes contra-revolucionários. Relativamente a estes últimos, o autor sublinha que constitui "uma grosseira falsijkação da história apresentar cmno eixo dos cunjiitos

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no decurso da revolução dnnocrática supostas tentativas de t m d do poder pelo PCF". Assim, no ponto "Golpes contra-revolucionários e terrorismo bombista", refere as limitações do programa do MFA no tocante à instauração das liberdades democráti- cas e aquilo que considera terem sido as numerosas conspirações contra o PCPapoia- das pelos "sectores reaccionários das forças armadas", pelos grupos monopolistas, pela sabotagem económica, pela convergênaa de acção do "grande capital e dos gru- pos esquerdistas pseudo-revolucionários (MRF'P, AOC, entre outros)". Seguem-se as interpretações, razoavelmente detalhadas dos golpes: o de Paima Carlos íJuiho de 1974) que entre outros aspectos pretendia a"exclusão dos comunistas do governo" e acabou levando Vasco Gonçaives a Primeiro-Ministro; o 28 de Setembro preparado pela chamada "maioria silenciosa" que fracassou "e a contra-revolução sofreu nova pesada derrota"; o 11 de Março que teve Spinola "de novo como mentor e chefe" e também falhou. Nestaquestão, o autor insiste que persistiu a"falsificação da história" e o encobrimento de cumplicidades e compromissos e, em 'Gez daverdade, continua até hoje da parte de alguns a invencionice caluniosa e indigna de classificar o 11 de Março como uma tentativa de golpe

...

do PCP!

...

ou, segundo outros... do KGB!!"

No mesmo tom, assegura que a "históíia e as responsabilidades davaga de terrori.. mo bombistano"verão quenten& 1975 também não estão totalmente esclarecidas e conhecidas. (...)Está porém muita coisa por contar".

Quanto ao 25 de Novembro, Cunha1 entende-o como um "golpe militar da direita aliada aos"moderados" de que resultou a derrota da esquerda militar, a disso- lução efectiva do MFA epor esta forma aperda da cmnponente militar da revolução popu- lar". Na ópticado autor, o 2 5 de Novembro não liquidou o processo de configura-

-

$50 do regime democrático mas terá criado "uma nova correlação de forças que abriu caminho mais fácil à formação degovmos com uma política contra-revolucionária",

O ponto seguinte ("A revolução de Abril - transformação democrática da sociedade portuguesa'? analisa as reformas profundas operadas nas áreas econó- mica, social e cultural. Todavia, refere que a revolução não libertara Portugal de pressões do capitalismo e do imperialismo, enquanto que os partidos - PS, PPD e CDS -"e todas as forças reaccionárias e conservadoras" tentaram entravar o curso democrático, como a própria elaboração da Constitui@o. ,

O ponto sete, sugestivamente intitulado "Política de verdade e política de mentira" encerra um elogio profundo aos propósitos "frontais e transparentes" do PCP, o partido "que faia verdade ao povo" e que "travou a luta com inteira verda- de", a par da detracção de outros part$os, o PS e o PPDIPSD, que agiram "com manifesta mentira e má-fé". Enquanto o PCP assume "inteira responsabilidade" -expressão reiteradamente utilizada em vários parágrafos - os outros "ocultaram

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os seus objectivos e a verdade dos facto,fùgiram às suas responsabilidades e iaqaram as mais caluniosas e indignas acusqões contra o PCP.

Após estaanálise maniqueísta, o texto vossegue, naturalmente, para o ponto "A destmição das conquistas de A b d contra a democracia, contraPortugal" que analisa as "ofensivas antidemodticas" nas vertentes económica, social, cultural e política dos governos anteriores e do então actualgoverno do PSD de Cavaco Silva A submissão dos interesses pgmigueses aos interesses estrangeiros e a progressiva destruição do aparelho produtivo avultam entre as acusações àquele "governo de direita", respon- sável pela "penosa denopresente eque fãzpesmsobrePortugalgravíssinm mneaçaspara of;turo0'. Esta é também a tónica do item seguinte, "As cincoveaentes da democracia e da política antidemocrática", que apresenta a restauração do capitalismo mono- polista em curso "já há mis de 16 anos'' como negação da democracia, conferindo um carácter retrógrado e antidemocrático à poiítica de direita dos sucessivos gover- nos de Portugal. Esta é ainda a toada predominante no capítulo "Valores de Abrii no futuro de Portugai", pese embora aqui se aiirme que a "política voltada para ofùturo é aquela que propõe o PCP", fazendo assim a transição para o último capítulo intitula- do "Componentes fundamentais de um programa democrático". Estas são as cinco componentes fundamentais exaradas do p r o p m a aprovado no XIV Congresso do Partido Comunista Português (1992) que propunham "uma denumacia avaqada no limiardosémloXX'assente no entendimento dademocracia políticacomo "umregmie de uberdade"; o desenvolvimento económico com vertente social; uma ~olítica social como garantia damelhoriadas condições devidamateriais eespintuais do povo; uma política cultural e de educação e ensino; finalmente, "a denumaciaque oPCPpropõe . . tem urmo c m d c h m t e (que sepode c d a r uma qumtn campmte) a independencus A .

asobe- ranja e a integdde do território dopaís"valorinaiimível do Povo, daNqáo e do Estadd'.

Reivindicando a reconsideração da participação de Portugal na NATO e na UEO, este texto-panfleto termina lembrando que a revolução de Abril foi uma afirmação histórica do direito à independência nacional o qual está salvaguarda- do na "política democrática proposta pelo PCP'.

Completados os 80 anos de idade e pouco mais de um ano depois de renunciar ao cargo de secretário-geral do PCP (assumindo então o título de presidente do Conselho Nacional), Alvaro Cunha1 regressava assim às páginas da Vértice com um artigo que funde memória pessoal com análise histórico-política e, sobretudo, plasmaa ideologia de um partido e aleitura da sua intervenção nos Aos imediata- mente anteriores e nas duas décadas posteriores à revolução dos cravos.

Não foi, todavia, a última vez que escreveu sobre tais temáticas. Quatro inos mais tarde, deu uma extensa entrevista à jomaiista Catarina Pires que, "amimando"

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o texto em cinco apartados - A História, O Mundo, A Política, A Arte e As coisas da

vida - publicou o livro Cinco cmersas c o r n h m ~unhaL'É justamente nas secções reseri-adas à história e à política que se podem encontrar as mesmas interpretações da Revolução de Abril, do 11 de Março, do 25 de Novembro, r e h a n d o teses já exaradas na Vértice: "Agora, ao fun de22 anos de contra-revolução, é que eles estão a caminho de completar o processo, institucionaiizando a contra-revolução em termos da Constituição, em termos delegalidade"?

De forma ainda mais cabal, essas teses são reapresentadas e aprofundadas no livro que o chefe histórico do PCP publicou no mesmo ano de 1999 -isto é, no 25' aniversário do 25 de Abril -Averdade e amentirana revoltqãe &Abril (A contra-revolu çãeconfssa-se).'O titulo é, já por si, sugestivo e retoma posições assumidas no artigo atrás analisado. Senão, atente-se na "explicação" que abre a introdução da obra:

"Na acção política, a verdade constitui um valor identificador de uns e a mentira uma prática viciosa e sistemática de outros. Dos partidos e fora dos partidos.

Revelaram-se, na Revolução de Abril e na contra-revolução. como elementos característicos da identidade de cada partido e das suas dife- renças. Também dos vários sectores militares.

A novidade, sobretudo a partir do 20" aniversário do 25 de Abril, é que, destruídas muitas das principais conquistas daiievolução e emvias de institucionalização de objectivos estratégicos contra-revolucionários já alcançados pela prática de sucessivos governos, as forças da contra- revolução e seus protagonistas abriram-se m confisões.

Confissões individuais, abundantes e prolixas, soltas, incompletas, par- ciais e dispersas. Esclarecedoras também, seja cada uma por si, seja quan- do, cerzidas as mil e uma peças dopwzle, se completam umas às outras.

Valiosas para a história daRevolução de Abril e dacontra-revolução. Valiosas para que se conheçam e reconheçam verdades sempre afirma- das pelo PCP, então desmentidas pelas mentiras da contra-revolução".9

. \

O segundo texto reúne os testemunhos produzidos numa mesa-redonda subor- dmada ao tema "A juventude e o 25 de Cinco jovens entre os 23 e os 30 anos, com percursos pessoais e familiares de esquerda, respondem às questões formuladas por dois membros do consglho de redacção da Vértice. A grelha de perguntas é sugestiva, revelando não só as ideias dos entrevistadores como a sua

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tos de 1974; quando é que tudo deixou de ser possível; se estão de acordo que actu- almente existe um maior condicionamento da vida e do pensamento das pessoas; como é que deveriam ser assinalados os 2 9 anos do 25 de Abril.

Apesar da diversidade das memóriaslvivências individuais, da ordem das respostas nem sempre seguir a das perguntas e de alguns elementos serem mais participativos do que outros, os depoimentos convergem em alguns aspectos. Desde logo a eyultação da revolução, da sua alegria e euforia, mas também o desencanto do incumprimento de Abril, deixando tudo de "ser possível" depois do 25 de Novembro e nos tempos posteriores devido à "inflexão para a direita". Pela conversa perpassam temas afins como o panorama político recente, a forma- ção da opinião pública e o papel da comunicação social, entre outros.

Segue-se um texto poético da autoria de Maria Velho da Costa, um nome já

publicado na Ia série da revista; trata-se de um poema datado de Março de 1978,

intitulado "Esta lei" e que exalta a Constituição.' O mesmo tema, também aborda-

do poeticamente, aparece mais à frente pela pena de E. M. de Me10 e Castro sob o

titulo "F'oema Constituinte"."

A justiça, a economia e a medicina são os assuntos visitados em seguida. No primeiro destes artigos ("O 25 de Abril e aJustiça Administrativa'?': Guilherme da Fonseca analisa a profissão de magistrado no período de SalazarlMarcelo Caetano, sublinhando a dependência dos tribunais administrativos do governo. A alteração desta situação decorreu da revolução de 1974, pese embora a moro- sidade do sistema judicial se tomasse benéfica à Administração política. Daí as

duas conclusóes finais: o 25 de Abril nada deveu à justiça administrativa (apenas

aos militares); a revolução operada na justiça portuguesa merece o apoio do poder político para que haja o cumprimento dos direitos constitucionais dos cidadãos.

Em "A economia portuguesa e o 25 de Abril Preves traços de um proces- so)"': Fernando Sequeira utiliza uma grelha analítica à primeira vista semelhan- te: após uma rápida abordagem da economia portuguesa antes da revolução refere as transformações dela decorrentes, preferindo, contudo, evidenciar "as sementes económicas de Abril", isto "mau grado a profundidade, complexidade, heterogeneidade e persistência do processo político e ideológico desenvolvido de 1974até aos nossos dias"uo qual sedenota o "choque das ideias e consequên-

cias do 25 de Abril, com as ideias e as práticas de uma orientação de regresso ao

passado". Na óptica do autor, a persistência dos princípios revolucionários ficava a dever-se às 'lutas das massas populares e dos trabalhadores".

O artigo assinado por Sérgio Ribeiro aborda "Os médicos e o 25 de Abiil"'4 numa perspectiva específica: as formas de associação profissional polarizadas

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entre a Ordem e os Sindicatos dos Médicos, realçando o autor as vantagens do movimento sindicalista face ao carácter centraiizador da Ordem.

"Notas para um debate sobre o "Estado Novo", o 25 de Abril e a descoloniza- ção" é O extenso titulo de mais um pequeno artigo que não passa justamente de

uma listagem de notas telegráficas sobre o complexo e relevante tema da guer- ra colonial e da descolonização, aqui unicamente tratado através destas duas páginas confusa^.'^ O facto justifica-se da seguinte forma: uma nota da redacção explicava que só então lhe era possível publicar o texto preparado pelo autor para o colóquio sobre a Guerra Colonial, cujas intervenções tinham sido incluídas no "Em Questão" do número anterior subordinado ao tema "Guerra Colonial, Estado Novo e regime democrático".'" Complementarmente, Sérgio Ribeiro elucidava, em jeito de introdução, que não lhe havia sido possível beneficiar de grande parte das sessões do colóquio, que a sua intervenção fora apresentada a partir de "notas alinhadas durante a viagem de avião", que passar ao papel essa intervenção era "dificuldade não pequena" e que aproveitava agora as notas "até por uma questão de fidelidade", além de que não provocara debate.

Avelino Gonçalves assina o artigo "Memória do 25 de Abril"" no qual, na qualidade de sindicalista portuense, exara algumas lembranças de teor quase exclusivamente pessoal e factual, sobre o dia da revolução.

Também de cunho pessoal, são as considerações feitas por Manuel Frias Martins - um autor que vem da Ir série da Vértice" sobre a poesia portuguesa das três últimas décadas. Isto, porque no artigo "Poesia contemporânea: o dito e o não dito"'" reflecte sobre a sua condição de critico literário e, paralelamente, sobre a polémica suscitada pela sua caracterização da poesia entre 1974-1984, numa obra" que foi contestada por umManifesto assinado por dezasseis poetas.

O estudo de Maria Helena Serôdio intituiado "O teatro Em Portugal hoje: breve caracterizaçãon.i' encerra uma abordagem bem sistematizada e fundamentada do tema proposto, evidenciando a fragdidade do "tecido estrutural". Num primeiro ponto, apresenta as conclusões alargadas do Primeiro Congresso do Teatro Português, reaii- zado naFundação Caiouste Gulbenkian entre22 e24 deNovembro de 1993. Depois, evoca as "memórias de outros protestos e de algumas realizações" com o necessário recuo às primeiras medidas de renovação davida teatral depois de Abril, continuando estavisão histórica com a menção de "alguns desenvolvimentos posteriores". Segue- se a enunciação dos principais aspectos do sistema de produção teatral nos anos 90, completada com a referência a financiamentos e realização arrística. O sexto e último ponto deste estudo que - coisa rara neste dossier, termina com uma lista bibliográfica - abordaa questão da "Dramaturgia portuguesa e a sua relação com o teatro".

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Também de actividade artística, incluindo o sector das artes plásticas, trata Rui Mário Gonçalves no artigo "Ondas e marés da política e do mercado"."Tal como o título indica, o autor analisa a inguência das conjunturas política e eco- nómica na valorização da actividade aAística, desde 1974 aos anos 90. Neste âmbito cronológico evidencia quatro períodos que depois condensa em dois, cada um contendo outros tantos subperíodos. Assim, os anos de 1974-1977 são marcados ~ela,sobrevalorização da actividade revolucionária, sendo esta leitura ideologizada da arte preterida pelo pluralismo liberal entre 1977-1983; a partir de então a referência tornou-se primordialmente economicista, sendo a marca do período 1983-1990 "arrogantemente empresarial", enquanto os anos seguintes denotam o "grito da aflição económica" e "a irresponsabilidade actual dos tecnocratas".

O último texto é constituído por um pequeno apontamento ficcional da autoria de Modesto Navarro. "Saudades do Dia" (re)conta, em poucas palavras, a história do dia da revolução através da experiência vivencial de um rapaz de 12 anos, pobre e suburbano."

Um aspecto a destacar neste dossier é a sua ilustração constituída por doze fotografias de páginainteirauda autoria de Carlos Gil, o "fotógrafo da revolução" que, do d t o de um Unimog e de vários outros pontos, apontou a lente sobre as operações militares e as reacções populares no dia 25 de Abril, mas também sobre diversificados momentos, cenários e personagens do decurso revolucio- nário, como atestamas fotografias publicadas nestenúmero da Vértice. Apesar de se ter iniciado no periódico A Capital, onde principiou as lides de fotojornalista, a revolução vem encontrá-lo a trabalhar na revista Flama onde se manteve até 1977, colaborando ainda com outros títulos da imprensa portuguesa e estran- geira Trabalhou também em televisão (sobretudo crónicas de guerra) e ocupou o cargo de editor fotográfico da revista TempoLiwe, entre 1990 e 2001 (ano da sua morte). Fotografias suas foram publicadas em mais de dezena e meia de obras de referência, existindo já bibliografia específica sobre o artista e a su obra.=

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NOTAS

1 PIRES,Daniel-DicionáriodaImpmaPeri6dica Lit+riaPorhiguesado SédoXX(1941-1974). Vo1.2, 1°tomo.LUboa: Grifo.Pp. 593-594.

2 PIRES, Daniel- Dicionário d a Imprensa PMódieaLiteiiriaPomiguerado SéniloXX (1941-1974).Vol. 2. l0 tomo. Lisboa, Grifo. Pág. 599.

3 CUNHAL, Alvaro- Arevolução de Abril zoanos

depois. Vértice. N.O 59. Marco-Abd de 1994.

g. 5-20,

4 CUNHAL,hvaro -Arevolução de Abril 20 anos depois. Vértice. N.-59. Mqo-Abril de 1994. Pag. 6.

Itálico conforme o original.

5 PIRES, Catarina-Cinco c o n u e r r a s e o m ~ v t ú o

Cunhal. Porta: Campo dasLetras, 1999. 6 PIRES, Catarina- Cinco eonvusas com Alvaro CunhaL Porto: Campo dasletras, 1999.Pág. 181.

7 CUNHAL, Alvam - A verdade e a mentira na revolu$ão de Abril (A eonpa-revoluçào confessa-

se). Lisboa: Avante, 1999.Alémda introdução, este livm mmpae-sede t& partes (comvários capítulos cada) quecobrem,gmsso modo,= temáficas

enunnadas no artigo daVértice:I-A crise final da

ditadura e arevo1ução;n-Breve históriados golpes

conua-revolucioná~os: l l - A contra-revolu@o. 8 CUNHAL, Alvaro -Averdade e a mentira na

rwolu$ão de Abril (A contra-revolufHo confessa- se).Lisboa: Avante, 1999. Pág. 13.

9 Vértice. NP 59. Maiyo-Abril de 1994. Pág. 22-29.

10 Vértice. N.m59.Março-Abd de 1994.PBg. 31

11Vértice. N.'59. Mqo-Abrilde 1994. Pag. 51-52.

Este poema haviasido escrito em 1979,parao 3-

aniversário da Constituição. 12 Vértice N." 59. Mar~o-Abrilde 1994. Pág. 33-34. 16 Vértiee.N.'5BJaneiro-Fwereiro de 1994. Pág. 5-89. 17 Vértice. NP 59. Marco-Abrilde 1994.Pág.4849. 18 Vértiee.NP 59.Marp-Abd de 1994. Pág. 54-56.

19 MARTíNS, Manuel Frias - 1 0 Anos de Poesia emPorhigal(1974-1984).LeiniradeumaD&dê

Editoriai Caminho, 1986.

2 2 Véríice NP 59.Março-Abdde 1994. Pág. 72-73. 23Vértiee.N.'59. Março-Abril de 1994.Q. 21,30, 32,35,40,44,47,50,53,57,67,71.

24 Por exemplo,as obras Carlos Gil, 'TlmFotógrafo na Revolu@o", coordenada por Daniel Gil, com organização e textos de Adelino Gomes, publicada pelacaminho, em2004 e "Carlos Gil, 1937-

2M)l: intimidades", coordenada porJoão Mário

Mascarenhas, publicada pela CâmaraMunicipal de

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