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O pioneirismo de Maria de Miranda Leão na política amazonense ( )

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O pioneirismo de Maria de Miranda Leão na política amazonense (1935-1937)

Luciane Maria Dantas de Campos UFAM

Resumo: as brasileiras conquistam o sufrágio feminino em 1932 após um longo período de luta em prol desse direito. Em 1933 e 1934 ocorrem eleições pelo país e elas puderam votar e serem votadas. Em vários estados brasileiros, mulheres foram eleitas para cargos de deputadas, enfrentando diversos estigmas e quebrando preconceitos para cumprirem seu mandato e ter voz ativa numa seara majoritariamente composta por homens. O Amazonas também está entre os Estados brasileiros pioneiros a eleger uma deputada e ter uma representante feminina na elaboração da nova Constituição Estadual promulgada em 1935. Coube à Maria de Miranda Leão, a “mãezinha”, esse pioneirismo.

Palavras Chaves: Elegibilidade, Política, Maria de Miranda Leão. Financiamento: Fundo de Amparo à Pesquisa no Amazonas - FAPEAM

Considerações iniciais

Fevereiro de 1935, Maria de Miranda Leão, a mãezinha como era conhecida em Manaus, é empossada deputada constituinte estadual pelo partido PSA (Partido Socialista Amazonense), dois anos após ter se tornado eleitora amazonense. Ela era a única mulher entre 31 deputados eleitos pelo pleito ocorrido em 03 de novembro de 1934. Esse momento marca a história política do Amazonas e das lutas sufragistas brasileiras. Maria de Miranda Leão foi a pioneira entre as mulheres amazonenses a ingressar na vida política do Estado e uma das primeiras no país. Foi eleita por voto popular, inclusive feminino e ocupou a Tribuna amazonense até o ano de 1937.

O objetivo desse texto é apresentar algumas considerações iniciais sobre a primeira mulher política do Estado do Amazonas. Essas reflexões fazem parte da pesquisa de doutoramento que está em curso sobre o sufragismo e elegibilidade feminina no Amazonas nas primeiras décadas do

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século XX, que vem sendo construída a partir da análise de fontes diversas como periódicos, anais da Assembleia legislativa do Amazonas e cartas provenientes do Fundo da FBPF do Arquivo Nacional.

Embora ocupe um lugar de extrema importância na história política do Amazonas e nas lutas por direitos femininos, o nome de Maria de Miranda Leão é muito mais lembrado e associado à sua dedicação aos assuntos de propagação católica e de benemerência social na assistência aos menos favorecidos, principalmente crianças e mulheres, trabalhos que ela realizou ao longo de sua vida. Essa forte relação com as causas sociais, fez com que a sociedade amazonense a considerasse como a primeira assistente social do Estado, recebendo inclusive o epíteto de “mãezinha”. Não está descartada na pesquisa a possibilidade de conseguir relacionar o envolvimento nessas questões e sua eleição para um cargo público.

Até o presente momento há uma grande lacuna historiográfica sobre a trajetória política de Maria de Miranda Leão. Aspectos de sua biografia podem pinçados na imprensa periódica, nos poucos relatos de memorialistas ou em pesquisas que tratam da política estadual amazonense da década de 1930. Esperamos que essa pesquisa após concluída possa contribuir para minimizar essa lacuna.

Aspectos biográficos

De família tradicional na sociedade amazonense, a professora, assistente social, enfermeira e política, Maria de Miranda Leão, ingressou na vida pública do Amazonas no ano de 1922, no Serviço Federal de Profilaxia Rural, órgão que posteriormente transformou-se no Serviço de Saúde Pública (JORNAL DO COMÉRCIO, 07/06/1970). Nesse mesmo ano, atuou na Liga protetora das crianças pobres ajudando a fundar o Hospital Infantil Dr. Fajardo, de onde ela é presidente perpétua, e na Sociedade de Amparo à Maternidade e Infância. Ainda relacionado à infância, a mãezinha atuou no serviço para crianças recém-nascidas de pais hansenianos e ajudou a fundar e dirigir dois

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abrigos infantis, o abrigo Menino Jesus e a creche Alice Sales, além do primeiro preventório brasileiro: o educandário Gustavo Capanema para assistência das crianças de pais hansenianos, inaugurado em 1942. Foi ainda 1º secretária da Sociedade Amazonense de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a Lepra (chamadas de Damas da caridade).

No ano de 1940, Maria fez dois cursos no Rio de Janeiro: um de Ação Católica e outro de Serviço Social. Quando voltou à Manaus, sugeriu a criação de uma escola de Serviço social, a primeira do norte do Brasil e foi nomeada professora de Assistência Social (JORNAL DO COMÉRCIO, 07/06/1970). Nesse mesmo ano, coordenou junto com o Dr Celso Limaverde, um curso de enfermeiras socorristas (também chamado de curso de enfermeiras de guerra) mantido pela Cruz Vermelha e pela Legião brasileira de assistência, curso com grande número de alunas matriculadas, que posteriormente contribuiu para a FEB durante a 2º Guerra Mundial. (JORNAL DO COMMERCIO, 09/12/1940). Ainda pela Cruz vermelha do Amazonas, foi nomeada secretária-geral e enfermeira chefe e durante a 2º Guerra Mundial ficou encarregada das visitas e correspondências dos prisioneiros de guerra. (JORNAL DO COMÉRCIO, 07/06/1970).

Nos anos finais da década de 1940, Maria de Miranda Leão foi nomeada diretora do Instituto Benjamin Constant, instituição que acolhia meninas em vulnerabilidade social e onde foi criada a primeira Escola Normal Rural do Amazonas (JORNAL DO COMÉRCIO, 07/06/1970).

A forte religiosidade, baseada nos dogmas católicos, era uma característica muito forte na personalidade da Maria de Miranda Leão e que, de maneira significativa, influenciou e esteve sempre presente nas suas condutas sociais, profissionais e políticas. Nesse ínterim, ela fundou e presidiu por muitos anos a Pia União das Filhas de Maria, associação criada em 1913 que reunia moças com idade entre 18 e 26 anos pertencentes às famílias ilustres e tradicionalmente católicas da cidade de Manaus. Segundo nos informa Soares (2008, p.191), a Pia foi criada com o objetivo de instruir e agregar moças para a uma renovação constante de espiritualidade, tendo como modelo maior a

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Imaculada Conceição. Com o tempo, essas moças passaram a se ocupar das funções catequéticas e litúrgicas nas igrejas. Além da Pia, Maria também exerceu por muitos anos o posto de “secretária da Irmandade do Carmo, cargo confiado à ela pelo Cônego Bento da Cunha” (SOARES, 2008, p.192).

No período anterior à sua eleição, liderou o movimento feminino católico de incentivo a participação das mulheres nas eleições e na política de modo geral, fato que certamente muito contribuiu para seu sucesso nas urnas. Esse movimento era incentivado e, de certa forma, difundido pelo jornal A Reacção, “órgão dos moços católicos de Manaus” (1933). Representando os posicionamentos católicos, A Reacção mostrou um discurso religioso progressista em relação às reivindicações femininas, especialmente o direito de participarem da vida política, votando e sendo votada.

Com a sua eleição, em 1934, Maria ajudava a formar a bancada católica da Assembleia Legislativa do Estado, também composta pelos seguintes deputados: Padre Manoel Monteiro, Ananias Almeida, João Nogueira da Mata e Moacyr Dantas. Essa característica estará presente durante todo o seu mandato.

Maria de Miranda Leão era também uma das figuras de relevo da Liga Eleitoral Católica Amazonense, inclusive assumindo a presidência da organização no ano de 1935. Segundo nos informa Lima (2017, p.1), a LEC foi criada em 1932 no Rio de Janeiro, com o objetivo de “orientar o eleitor católico para que votassem em candidatos comprometidos com os valores defendidos pela Igreja Católica”. Não se tratava de um partido político, mas de uma organização suprapartidária atuante em vários estados, inclusive no Amazonas.

Com apoio e influência da Igreja católica, surgiu no Brasil em meados de 1930 e sob liderança de Plínio Salgado, a Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento conservador e de direita que defendia entre outras coisas, um estado subordinado ao catolicismo e combatia o socialismo. Tinha como lema “Deus, Pátria e Família”. A ideologia integralista conquistava muitos políticos por todo o país, especialmente os mais afinados com as defesas dos preceitos

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da Igreja católica ou representantes dela. A AIB “indicava” nomes para concorrer nos pleitos no intuito de conseguir ainda mais apoio e adesão. Algumas fontes analisadas por nossa pesquisa revelam que Maria de Miranda Leão fora indicada pela AIB para a eleição de 1934 e que fazia parte do grupo, no entanto, em carta enviada à Bertha Lutz em 1937, a deputada confirma ter simpatia pela sigma e não negar, que foi convidada a fazer parte da chapa federal mas que não é integralista. (carta de Maria de Miranda Leão à Bertha Lutz, 15/09/1937. Fundo da FBPF, arquivo nacional)

Participante ativa do movimento sufragista, Maria era membro da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) e foi uma das fundadoras da Federação Amazonense pelo Progresso Feminino (FAPF), criada em Dezembro de 1932. A FAPF, reunia importantes nomes do meio social manauara e articulava-se à luta nacional através da FBPF ao buscar alianças políticas locais para apoio e defesa nas causas femininas. Vale ressaltar que a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, fundada por Bertha Lutz em 1922, era a maior expressão do feminismo nas décadas de 1920 e 1930, considerada a mais importante e também a mais conhecida organização em defesa dos direitos da mulher. De caráter altamente elitista e intelectual, reunindo mulheres de várias profissões, atuava especialmente nas questões que envolviam a instrução, o voto e a profissionalização feminina. Formavam alianças, buscavam apoio social e político aproveitando-se do prestígio social das mulheres que faziam parte do grupo. “Tratava-se de negociar e se aliar a tais poderes, ao invés de contestá-los. Esta atitude, que pode ser interpretada como conservadora, na verdade facilitou conquistas feministas, como o voto” (MOURELLE, et al, 2009, p.3). É importante destacar que autoras como Pinto(2003) e Soihet (2006), identificam o feminismo apregoado por Bertha Lutz, na FBPF, como “bem-comportado” e/ou “tático”. Karawejczyk (2018, p.01) explica que na época da aparição de Lutz no espaço público brasileiro, ela foi identificada como “representante de um ‘bom’ feminismo, deixando entrever que haveria outros, perigosos, que deveriam ser evitados”.

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Em artigo escrito no Jornal do Commercio em nome da Federação Amazonense pelo Progresso Feminino em alusão ao dia das mães, Maria de Miranda Leão se descreve como “feminista e bem feminina”, diz que “não acredita na proteção desinteressada dos senhores homens”, e não confia neles (JORNAL DO COMMERCIO, 01/05/1938). No artigo, ela defende que a maior nobreza que uma mulher pode ter é ser mãe já que elas são as “formadoras da nação”:

(mãe) tua missão é pesada. Não consiste somente em ninar e acariciar os teus filhinhos. Lança as vistas pelo Brasil. Vês como ele é grande? Ouves o que ele pede? O Brasil espera tudo de ti. Estás em silêncio formando os alicerces da nossa nacionalidade. (JORNAL DO COMMERCIO, 01 de maio de 1938)

Embora Maria de Miranda Leão estivesse sempre em defesa da maternidade e do matrimônio, não casou e nem teve filhos. Sobre os motivos, faltam-nos fontes para supor ou confirmar qualquer coisa que não seja sua ligação com a Pia, que ela fundou e presidiu por muitos anos. Segundo Soares (2001) as mulheres membros da Pia deveriam permanecer solteiras e se casavam, tinham que deixar o grupo.

A “mãezinha” na Tribuna amazonense

Segundo análise de Maria das Graças Costa (2001), os pronunciamentos da Mãezinha no legislativo estavam voltados principalmente em defesa da Igreja Católica e do Estado do Amazonas, pela valorização da mulher amazonense e pela inclusão do ensino religioso nas escolas, como deixou claro em uma de suas falas: “Não emudeceremos, Sr. Presidente, não temeremos, não esmoreceremos, quando o dever no-lo exigir, na defesa dos interesses de Deus, da Igreja e do Amazonas” (Annaes da Assembleia Constituinte do Amazonas, 1935, p.117 apud COSTA, 2001, p.215)

Sobre a defesa dos princípios católicos, a mesma autora conclui que as intervenções de Maria de Miranda Leão eram até mais enfáticas do que as do deputado Manoel Monteiro da Silva, que era padre. Isso explica ela ter sido

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desqualificada em relação ao seu fervor católico juntamente com ele pelas colunas de humor político da imprensa amazonense. Em uma nota a coluna Escumilhas escreveu:

“...o sucesso da semana passada não foi o bate boca em torno do acordo político... foi o discurso do padre Monteiro. Este sim, encheu-me as canastras! Quando o reverendo levantou, a bancada católica fez o sinal da cruz e a deputada Miranda Leão teria se ajoelhado se não fosse impedida pelo Sr. João Verçosa” (O Jornal 27/05/1935 apud COSTA, 2001, p.215-6) Nossa pesquisa na imprensa periódica da época também nos mostrou duas outras questões que faziam parte dos discursos e ideais da deputada: a forte oposição ao divórcio e ao comunismo e a quem os defendiam. As práticas comunistas, a “ameaça vermelha”, tão debatidas e combatidas em todo o Brasil no período, eram considerados por ela como “prejudiciais à Pátria, à familia e à religião”. (JORNAL DO COMMERCIO, 09/10/1937) .

Segundo nos informa Abreu (2019, p.126), a respeito da necessidade de combater o avanço comunista no Amazonas, Maria Miranda Leão, propôs à Assembleia Legislativa do Estado a implementação da disciplina Ensino Religioso, em caráter facultativo, nas escolas do estado. A deputada argumentou para a aprovação de sua proposta, que “apenas o Ensino Religioso poderia fazer frente ao avanço do comunismo no Estado, como também proteger a juventude da infecção comunista”. Disse ela em defesa de seu projeto:

O ensino de religião é a muralha fortificada, a única força verdadeiramente poderosa e capaz de enfrentar a dissolução dos costumes. So a religião estudada, esclarecida, poderá opor barreira a essa hydra infernal, essa onda avassaladora de doutrinas deleterias e subversivas, que tenta invadir a nossa Pátria. Só a Fé, a verdadeira Fé, pode formar o verdadeiro patriotismo, o caráter, a consciência cívica de nosso povo. O ensino da verdadeira e sã moral saberá formar um povo capaz de vencer todas as ambições subalternas, todos os cálculos inconfessáveis e cheios do verdadeiro amor pela Pátria. (ANNAES DA ASSEMBLÉA LEGISLATIVA DO AMAZONAS, 09/12/1935 apud ABREU, 2019, p.126).

Nesse sentido, conforme noticiou a coluna Actos do Governo do periódico O Jornal, publicada no dia 31 de dezembro de 1935, a proposta de

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regulamentar o Ensino Religioso nas escolas foi aprovada pela Assembleia estadual e passava a fazer parte das disciplinas oferecidas aos alunos (ABREU, 2019, p.126).

Conforme sugere Costa (2001), a deputada era vítima de preconceito tanto por parte dos colegas de Plenário, a quem deveria incomodar pelo seu pioneirismo, como também por parte da imprensa da época que sempre noticiava seu desempenho e sua postura na Assembléia legislativa de forma jocosa ou distorcida, “torcendo até os termos genéricos”, como escreveu a prápria Maria em carta enviada à Bertha Lutz em junho de 1935. Esses comentários - alguns em tons de ironia -, presente no discurso de alguns políticos, de uma parte da imprensa e também da sociedade, que não via “com bons olhos” a participação feminina na política, pretendiam destacar a “suposta fragilidade feminina” e revelar aspectos do patriarcalismo tão presente naquele momento - e de certa forma ainda hoje -, frente a sua representante eleita pelo voto popular: “a casa, que estava acostumada ao cachoeirar das vozes masculinas, precisava ser benevolente para se aperceber do sussurro da voz feminina” (O Jornal, 27/02/1935 apud COSTA, 2001, p. 216). Além do mais, servem também não apenas para a tentativa de ridicularizar a recente conquista feminina e a atuação da deputada, mas também para, de certa forma, intimidar e atingir as demais mulheres amazonenses, como o intuito definido: mostrar-lhes que a política não era o seu lugar.

“não me é possível deixar de admirar a bravura da deputada Miranda Leão, que [vem] na minha lembrança um pensamento... há mulheres tão ansiosas por sensações que preferem uma desgraça a uma situação de tranquilidade” (Coluna Escumilhas. In: O Jornal. Manaus, 23/05/1935 apud COSTA, 2001, p. 217).

Esse intransigente comportamento de uma maioria de homens e especialmente da imprensa tem sua justificativa: ver uma mulher assumir uma cadeira na tribuna pública era simplesmente o pior e o mais incômodo dos acontecimentos da época, pois como defendiam alguns, a política deveria ser território exclusivo dos homens. Como observou Perrot (1998, p. 129),

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A entrada das mulheres na política não é normal em nenhum lugar, quer se trate dos partidos, do legislativo ou do executivo. A política é uma profissão de homens, concebida e organizada no masculino. Em seus ritos, em seus ritmos, em seus horários, em suas formas de sociabilidade, em sua apresentação de si, que molda também a expectativa do público, eventualmente decepcionado por ser representado por uma mulher.

Mesmo assim, a autora reitera que a participação pioneira de Maria de Miranda Leão no poder legislativo ofereceu à mulher amazonense um novo papel na sociedade daquela época.

O tom delicado e atencioso de seus pronunciamentos e uma certa dose de sensibilidade aos fatos e às questões levantadas na Assembleia, por certo marcaram diferença em relação aos discursos de seus pares. (COSTA, 2001, p. 216)

As fontes iniciais da pesquisa nos mostram que a deputada Maria não se intimidou diante de uma casa legislativa composta majoritariamente por homens, ao contrário, buscou ter expressiva atuação, seja propondo projetos, seja nos debates, defendendo seu espaço de fala, fazendo-se ouvida, buscando apoio político e social para as causas femininas defendidas por ela e/ou representadas pela FAPF e FBPF e, principalmente, legitimando o poder conquistado: exemplo está na sua eleição para compor duas comissões em 1935: a de Poderes e Leis, e a de Educação e Problemas sociais. Nesse mesmo ano, ajudou a elaborar e entregar para a população amazonense a nova Constituição Estadual. Esse momento importante para a história política do Estado e para a história das mulheres amazonenses, marca a história pessoal da Maria de Miranda Leão e das mulheres que formavam a FAPF. Elas inclusive ofereceram um mimo para a sua representante maior: uma caneta de ouro para ela assinar a carta magna.

Sua relação com o Interventor do Estado, Álvaro Botelho Maia, era de muito respeito, amizade e admiração, o que ela sempre fazia questão de deixar claro em entrevistas ou nas cartas que ela trocava com Bertha Lutz e com a FBPF.

Dizia se inspirar para a sua conduta como deputada nos exemplos do pai, o conceituado professor Manoel de Miranda Leão, que exerceu cargo político de deputado provincial à Assembleia legislativa amazonense em 1886,

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atuando, inclusive na campanha abolicionista (JORNAL DO COMMERCIO, 10 de setembro de 1978).

Como deputada estadual, Maria de Miranda Leão representou oficialmente o Estado do Amazonas em diversos congressos tanto religiosos quanto femininos. Exemplo disso é a sua participação no Congresso Nacional Eucarístico realizado em Belo Horizonte em 1936, não somente como delegada do governo, mas ainda credenciada pelo Bispo do Amazonas. Em outubro do mesmo ano, participou como oradora e delegada no 3° Congresso Nacional Feminino, realizado pela Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF) no Rio de Janeiro, presidindo a comissão do Estatuto político da mulher (JORNAL DO BRASIL, RJ,16/09/1936). Vale ressaltar que esse congresso foi amplamente noticiado pelos periódicos tanto daqui do Estado do Amazonas como principalmente pelos do Rio de Janeiro e contou com a presença de várias autoridades políticas. O 3º congresso objetivou a elaboração do Estatuto da Mulher (magna Carta da cidadã brasileira). Em seu discurso, a deputada disse que

a mulher do Brasil, hoje como ontem, corajosa e destemida, saberá firmar, diante dos povos cultos, as suas prerrogativas de patriotismo sadio, fé pura e robusta. Nessa hora decisiva de nossa Pátria, de nossa civilização, seremos a atalaia vigilantes das tradições, fé e costumes da nacionalidade. Em defesa de nossos ideais, tomaremos uma atitude clara e definida, no lar, na sociedade, onde quer que o dever nos leve” (JORNAL DO BRASIL, RJ, 18/10/1936).

Seu discurso em tom conservador e moderado, reitera o tipo de feminismo pregado por ela e pela FBPF como já vimos anteriormente. Sobre sua participação nesse congresso e em entrevista ao Jornal do Brasil do Rio de Janeiro, quando perguntada sobre “Quais as questões de maior interesse, principalmente para o Amazonas, julga possa ser debatidas no Congresso Feminino?”, a deputada respondeu:

Os interesses da mulher, no meu Estado, são os mesmos da mulher em todo o Brasil.

Fico revoltada ao ver o trabalho da mulher, igual ao do homem, menosprezado e desvalorizado, tendo o salário desigual. Quantas vezes na vaga de um homem, despedido

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propositadamente, com a mesma remuneração são pagas duas e três mulheres. No entanto, a mulher tem a mesma capacidade de trabalho, a mesma combatividade, o mesmo desenvolvimento intelectual que o homem.

E, por que não reconhecer esse valor nas fábricas, nas oficinas e no comercio? Trataremos todos os assuntos apresentados e esperamos um resultado positivo, porque serão encaradas as questões pelo lado prático e de proveito na vida atual de nosso país. (Jornal do Brasil, RJ, 01/09/1936)

Essa “nova mulher” representante dos “novos tempos” sempre destacada e enaltecida pela deputada, é aquela que para ela, consegue ser progressista e conservadora ao mesmo tempo, que pode conciliar a vida profissional e política com os seus afazeres domésticos, maternos e matrimoniais; é aquela que se doa para a pátria, mas que está em luta constante por seus direitos.

a mulher será mais mulher quando sua mentalidade estiver desenvolvida ao máximo possível e ela compreender que servir o lar não consiste somente em coser meias e embalar meninos... o lar feliz é aquele onde a mulher, ao lado dos filhos, sabe amar e fazer amar e servir a Pátria em todos os seus setores de ação social, moral e político (...) da nossa política sensata e desambiciosa. (carta de Maria de Miranda Leão à Bertha Lutz. 20/06/1935 Fundo da FBPF, arquivo nacional)

Nas cartas trocadas com a FBPF, ou diretamente para a amiga Bertha Lutz, a deputada está sempre informando sobre suas ações no legislativo amazonense, mas também no campo social e religioso em benefício das mulheres do Estado. Atenta aos possíveis apoios que poderia conquistar, não desperdiçava oportunidade para se fazer ouvida e apresentar suas pautas pessoais sobre mulheres, maternidade e infância ou das federações femininas das quais ela fazia parte: os “nossos ideais”, como ela definia. “Os problemas da infância e da maternidade foram carinhosamente estudados. Prosseguirei a rota traçada e espero não desmerecer a esperança dos amazonenses”, disse a deputada em uma das cartas enviadas à Bertha Lutz. (Carta de 20/06/1935 Fundo da FBPF, arquivo nacional).

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Maria de Miranda Leão. Fonte: Revista Cabocla. Manaus, Fevereiro de 1936

Em 1937, como consequência da promulgação do Estado Novo de Getúlio Vargas, a Mãezinha, assim como todos os deputados, perdeu seu mandato político. Voltou nesse período a dedicar-se integralmente aos serviços de assistência social e enfermagem. Dez anos depois, em 1947, tentou novo ingresso na vida política, pelo Partido Social Democrático (PSD), para o cargo de deputada e novamente foi a única mulher a disputar o pleito, porém não obteve êxito já que alcançou apenas 92 votos (JORNAL DO COMMERCIO, 30/01/1947).

Em reconhecimento aos serviços prestados à sociedade amazonense, em 1957, Maria de Miranda Leão recebeu o título “cidadã benemérita de Manaus” (JORNAL DO COMMERCIO, 06/06/1957) e em 1970, o governo do Estado concedeu-lhe a “Medalha Cidade de Manaus”, considerada a principal honraria que o Amazonas pode oferecer, “por ter exaltado a figura da mulher amazonense na vida política do Estado, enobredecendo-a com o exemplo de seus atos” (JORNAL DO COMMERCIO, 10/01/1970). Após sua aposentadoria foi viver na cidade do Rio de Janeiro, aonde veio a falecer em fevereiro de 1976 aos 89 anos.

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Referências Bibliográficas

ABREU, Davi Monteiro. Uma “pretensa intentona”: ANL, AIB e a cultura política anticomunista no Estado do Amazonas (1935-1937). Dissertação de Mestrado. UFAM, 2019.

CABRAL, Adriana Brito Barata. De lazareto a leprosário: políticas de combate a lepra em Manaus (1921-1942) Dissertação de Mestrado. Manaus: UFAM, 2010.

COSTA, Maria das Graças Pinheiro da. O Direito à educação no Amazonas

(1933-1935). Tese de Doutorado. Belo Horizonte: UFMG, 2001.

KARAWEJCZYK, Mônica. As filhas de Eva querem votar. Dos primórdios da questão à conquista do sufrágio feminino no Brasil (c.1850-1932). Tese Doutorado em História. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.

___________. O Feminismo em Boa Marcha no Brasil! Bertha Lutz e a Conferência pelo Progresso Feminino. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, 26(2) 2018. Disponível em www.periodicos.ufsc.br

LIMA, Janilson Rodrigues. A liga eleitoral católica e a eleição de 1933 no Ceará: liga suprapartidária ou partido católico?. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 29., 2017, Brasília. Anais [...]. São Paulo: Associação Nacional de História, 2017. p. 1-16.

MOURELLE, Rodrigo Cavaliere et al. A Federação Brasileira pelo Progresso Feminino e o governo de Getúlio Vargas na década de 1930: estratégias e paradoxos do movimento feminista no Brasil. Colóquio Internacional Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul. Universidade Federal de Santa Catarina – de 4 a 7 de maio de 2009.

PERROT, Michelle. Mulheres Públicas. São Paulo: Unesp, 1998.

SOARES, Elisângela Socorro Maciel. Igreja de Manaus, porção da Igreja Universal: A Diocese de Manaus vivenciando a romanização (1892- 1926). Dissertação de Mestrado. Manaus: ICHL/UFAM, 2008. 238p.

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