O que signifi ca biocompatibilidade no contexto das lentes de
contacto e soluções para lentes e como a medimos?
Sub-cabeçalho proposto: Primeira de uma série de três partes que explora a concordância e as discrepâncias entre
as crenças dos profi ssionais de cuidados dos olhos e as provas na literatura científi ca sobre a coloração da córnea,
Hiperfl uorescência Transitória Associada a Conservação (PATH) e complicações com lentes de contacto
Ao longo da última década, houve um debate sobre o signifi cado clínico da coloração assin-tomática da córnea com a aplicação de coran-te de fl uoresceína sódica em utilizadores de lentes de contacto (LC); especialmente, em utilizadores de solução única de manutenção, em que os elevados níveis de hiperfl uorescên-cia são observados aproximadamente 2 ho-ras depois da inserção da LC.1 Vários investi-gadores sugerem que esta hiperfl uorescência transitória ou "coloração corneal induzida por solução (PATH)" se deve à incompatibilidade da LC/solução para lentes de contacto, é uma medida de biocompatibilidade2,3 e é capaz de prever eventos futuros.4,5
Investigações recentes sugerem que a hi-perfl uorescência transitória observada em utilizadores de soluções de manutenção é um fenómeno benigno que é etiologicamente diferente de coloração da córnea observada em situações fi siológicas e patológicas.6,7 Este novo entendimento suporta a crença de que a hiperfl uorescência corneal em utilizadores de soluções únicas - aquilo a que os meus colegas e eu chamamos hiperfl uorescência transitória associada a conservação (PATH)-, é um artefacto sem sequelas conhecidas. En-quanto muitos dos meus colegas e eu acredi-tamos que PATH não signifi ca um processo patológico, parece que muitos profi ssionais de óptica ainda acreditam que PATH é um sinal de incompatibilidade de LC/solução de manutenção para lentes. Seria interessante determinar a prevalência da crença de que a coloração assintomática da córnea e/ou PATH são marcadores de incompatibilidade de LC/solução e se esta crença se baseia em provas científi cas na literatura.
Para avaliar a coerência entre as crenças dos profi ssionais de cuidados da visão e as provas científi cas disponíveis relativas à biocompa-tibilidade de LCs e soluções de manuten-ção, foi realizado um inquérito e uma análise
sistemática da literatura. A primeira parte des-ta série de três partes explora as descoberdes-tas relativamente à biocompatibilidade de LC e soluções para lentes; as partes dois e três da série exploram os conceitos de fl uoresceína sódica, coloração da córnea, PATH e os facto-res de risco que podem levar a complicações infl amatórias associadas ao uso de LC.
Métodos:
Foi efectuado um inquérito global pela In-ternet entre os profi ssionais de cuidados da visão com o objetivo de avaliar o grau de conhecimento e crenças relativamente à biocompatibilidade, coloração da córnea e factores de risco de complicações associa-das ao uso de LC. Foram realizaassocia-das análises estatísticas para determinar a associação entre diferentes crenças, quando adequado. O coefi ciente estatístico de Kapa de Cohen (κ)8,9 foi utilizado para determinar a con-cordância das crenças entre duas medidas de biocompatibilidade. Foi realizada uma
análise sistemática da literatura (revistas cientifi cas, revistas especializada e resumos de congressos profi ssionais) sobre coloração da córnea e biocompatibilidade durante a utilização de LC, que incluía todas a biblio-grafi a básica até 31 de Fevereiro de 2011. As referências sobre o tratamento, nas pessoas com doença ocular/sistémica grave, etiologia cirúrgica/traumática, ou que não continham informações sufi cientes para determinar a relevância foram excluídas. Os resultados da análise foram comparados com as crenças dos participantes no inquérito para determi-nar até que ponto essas crenças são basea-das em marketing basea-das empresas ou investiga-ção de apoio.
Resultados e Discussão
Demografi a do inquérito
Um total de 1229 profi ssionais de cuidados da visão respondeu aos inquéritos demográfi cos básicos e, pelo menos, a uma questão adicio-nal. Dos participantes, 4,9% têm clínica na
Figura 1: Crenças dos respondedores e suporte da literatura quanto às medidas de “biocompatibilidade” no con-texto de LC e soluções de manutenção
Percentagem
0 10 20 30 40 50 60 70
60,6 % Integridade das células da córnea
Humectabilidade Interações LC/solução de manutenção Permeabilidade ao oxigénio Coloração da córnea Toxicidade celular Inflamação/infiltrados corneais Fluorescência da córnea associada a soluções de manutenção para lentes de contato Mantém a saúde ocular ou é compatível com a mesma Confortável/Não irrita Mantém a saúde das lágrimas/ película lacrimal É compatível/mimetiza o olho/superfície ocular saudável Alteração mínima Mantém (ou produz) uma boa visão ou função Sem lesão tecidular Lentes limpas/sem depósitos/desinfeção eficaz É compatível/mimetiza as lágrimas ou película lacrimal saudável É compatível/mantém o pH Ausência de reação de hipersensibilidade Inseguro sobre o que significa
60,5 % 59,8 56,5 % 50,7 % 45,8 % 39,9 % 30,1 % Medida de biocompatibilidade Não é uma medida de biocompatibilidade Inseguro sobre o que significa biocompatibilidade Não é uma medida de biocompatibilidade na ausência de outros sinais e sintomas
13,6 % 13,4 % 6,2 % 5,9 % 5,1 % 4,8 % 4,6 % 3,8 % 3,3 % 2,4 % 2 % 4,9 %
Austrália, Nova Zelândia ou na região da Ásia Pacífico, 1,5% em África ou no Médio Orien-te, 32,4% no Reino Unido ou na UE e 61,2% nos Estados Unidos. Por semana, 36,3% dos participantes consultam <15 doentes com LC, 33,8% consultam 15 a 30, 25% consultam 25 a 64 e 5% consultam ≥65 doentes.
Biocompatibilidade no Contexto de LC e Produtos de Cuidados de LC Significa…
Com base no conceito da biocompatibilidade dos participantes, as medidas escolhidas mais frequentemente foram a integridade das célu-las da córnea, humidificação e/ou interacções LC/solução para as lentes, por aproximada-mente 60% dos participantes, ao passo que menos (30%) escolheram a fluorescência da córnea associada a soluções para lentes (PATH) (Figura 1). As respostas mais comuns sobre o significado da biocompatibilidade (não incluídas nas respostas de múltipla es-colha) foram “mantém a saúde ocular ou é compatível com a mesma” (13,6%), “ é con-fortável e não irrita”(13,4%). Só 4,9% admiti-ram que "não têm a certeza do significado de biocompatibilidade."
Menos de 10% dos participantes escolhe-ram apenas 1 resposta e 72% escolheescolhe-ram 3 ou mais opções das 8 possíveis (Figura 2). As crenças relativamente às medidas de biocompatibilidade enquadram-se em 2 ca-tegorias distintas. A primeira continha a hu-mectabilidade e permeabilidade ao oxigé-nio, que foram escolhidas simultaneamente
≈97% (κ = 0,969; 95% CI = 0,9552, 0,9828)
por 70,1% dos participantes. Só foi notada uma ligeira concordância entre qualquer uma destas respostas e qualquer uma das outras escolhas (Tabela 1). A segunda cate-goria, descrita como "respostas celulares", inclui coloração da córnea, PATH, inflama-ção/infiltrados corneais (ICs), interações lente/solução, integridade das células da córnea e toxicidade da corneal, e obteve-se uma concordância satisfatória a moderada (κ = 0,2421-0,5537) de que se uma é me-dida de biocompatibilidade, uma das outras também o é. Mais de 88% dos participantes acredita que as respostas celulares a LC são medidas de biocompatibilidade.
Entre os participantes que acreditam que co-loração da córnea é uma medida de biocom-patibilidade, 67,3%, 67,6%, e 51,5%, também acreditam que ICs, toxicidade das células da córnea e PATH, respectivamente, medem a biocompatibilidade (κ = 0,4307-0,5537). Dos profissionais de óptica que acreditam que PATH é uma medida de biocompatibili-dade, 86,8%, 68,9%, 87,0% e 73,5%, tam-bém acreditam que coloração da córnea, EICs, interacções lente/solução e a toxicida-de das células metoxicida-dem a biocompatibilidatoxicida-de (concordância satisfatória a moderada; κ = 0,2847-0,4307). Embora 75% (278/370) dos participantes que acreditam que PATH é uma medida de biocompatibilidade tam-bém acreditam que a integridade das células da córnea o é, mostram apenas uma ligei-ra concordância (κ = 0,1612), pois 62,8% (468/745) dos participantes que acreditam
que a integridade das células da córnea é uma medida de biocompatibilidade não acreditam que PATH o seja.
Análise sistemática
Foram identificadas no total 1198 referências bibliográficas básicas, das quais 161 tinham informações pertinentes relativas à biocom-patibilidade e LC e/ou soluções manutenção para lentes.
Inquérito versus a Literatura
Ao contrário de outros tipos de biomateriais, em que a propriedade de ser inerte é alcan-çável, isto não é possível com LC pelo sim-ples facto que ao usar uma lente de contacto, independentemente do material, esta afeta negativamente a película lacrimal e o olho.10-15 Através de uma intensa pesquisa da literatura e livros sobre biomateriais, a biocompatibi-lidade de LC e das soluções de manutenção pode ser considerada em geral como "a ca-pacidade de um material/solução de manu-tenção interagir com células vivas/tecido vivo não sendo tóxico, prejudicial, nem causando reacções imunológicas, realizado a sua fun-ção adequadamente".16 Além disso, é a capa-cidade de um material realizar a sua função com uma reação adequada do hóspede numa aplicação e local de aplicação específicos.17 Com base nesta definição, não existe nenhum teste isolado que possa prever completamente como as LC irão afectar o olho e são necessá-rios vánecessá-rios testes para criar uma "imagem" da "biocompatibilidade" do material da lente, das
Tabela 1
Concordância entre as medidas de biocompatibilidade
Humectabilidade Permeabilidade
ao oxigénio Coloração da córnea PATH Infiltrados corneais Interações LC/solução Integridade das células da córnea Toxicidade celular Humectabilidade -Permeabilidade ao oxigénio 0,969 ± 0,0071(0,9552, 0,9828) Coloração da córnea 0,0763 ± 0,0285 0,043 ± 0,0283 -PATH 0,0761 ± 0,0263 0,0683 ± 0,0244 0,4307 ± 0,0234 -IC 0,0805 ± 0,0259 0,1437 ± 0,0265 0,5537 ± 0,0232 0,3785 ± 0,0268 -Interações LC/ solução 0,0607 ± 0,0286 NC 0,3634 ± 0,026 0,2847 ± 0,0214 0,2421 ± 0,0248 -Integridade das células da córnea 0,1145 ± 0,0286 0,1784 ± 0,0282 0,2427 ± 0,0271 0,1612 ± 0,0226 0,2932 ± 0,0245 0,0839 ± 0,0286 -Toxicidade celular 0,027 ± 0,0273 0,0449 ± 0,0278 0,4376 ± 0,0255 0,3426 ± 0,0257 0,5219 ± 0,0243 0,2552 ± 0,0261 0,3952 ± 0,249 -NC = a concordância observada é inferior à concordância da probabilidade média
K concordância: NC = não melhor do que a probabilidade, 0 a 0,2 = concordância ligeira, 0,21 a 0,4 = concordância relativa, 0,41 a 0,60 = concordância moderada, 0,61 a 0,80 = concordância substancial e 0,81 a 1 = concordância quase total ou total
soluções para lentes e dos respectivos conser-vantes.18,19 Mais de 87% dos participantes con-cordou que é necessária mais do que uma medi-da para avaliar a biocompatibilimedi-dade (Figura 2).
Figura 2: Número de medidas de biocompatibilidade escolhidas pelos respondedores
Número de escolhas selecionadas
Percentagem de respondedores 0 4,1 % * 1 8,3 % 2 15,6 % 3 18,6 % 4 13,8 % 5 11,9 % 6 9,8 % 7 6,9 % Todo (8) 11,1 % 0 % 4 % 2 % 8 % 6 % 14 % 12 % 10 % 16 % 18 % 20 %
*Embora 4,9% tenha escolhido “não compreende o que significa biocompatibilidade”, 0,8% escolheu também uma das opções
Quando as medidas de biocompatibilidade são avaliadas isoladamente ou medirem ape-nas um aspecto da biocompatibilidade, todas
as lentes de contacto actualmente no merca-do, soluções para lentes (e respectivos con-servantes) e combinações de lentes/solução mostram bons níveis de biocompatibilidade se se utilizam de forma adequada.20-63 Contudo, são prevalentes exemplos da neces-sidade de mais do que uma medida para ava-liar a biocompatibilidade na literatura, em que um produto mostrou uma biocompatibilidade melhorada — conforme a defi nição acima — com base na medida estudada33,40,64,65 mas se descobriu posteriormente que estava associa-do a fracos resultaassocia-dos.66,67 Um exemplo é a hu-mectabilidade, uma medida em que acreditam mais de 60% dos participantes e que é supor-tada pela defi nição como sendo um indicador de biocompatibilidade, que se demonstrou ser superior com certas soluções para lentes64; contudo, também se demonstrou que as so-luções únicas com maior humectabilidade es-tão associadas a níveis mais elevados de ICs, como a queratite infi ltrativa.66-72
Com base na defi nição de biocompatibili-dade, tendo em conta que nenhuma medi-da isolamedi-damente pode avaliar exactamente a biocompatibilidade, de acordo com os participantes, todas as medidas detalhadas na Figura 1 são medidas adequadas, excepto PATH e coloração da córnea que depende-rão do contexto.
A adequação de coloração da córnea como uma medida de biocompatibilidade…
A ausência ou presença de coloração da cór-nea pode ou não ser um sinal de biocompati-bilidade, pois é observada numa elevada pro-porção em não utilizadores de LC saudáveis (até 80%)73-78 e utilizadores de LC saudáveis e com sucesso.20,79-81
Além disso, a frequência com que coloração da córnea é observada é muitas vezes dita-da pela frequência com que o profi ssional dos cuidados da visão efetua o teste (os que acreditam que coloração da córnea só é
Tabela 2
Associação dos sinais e sintomas com CC em utilizadores de LC saudáveis que não usam soluções de manutenção para lentes
Sinal ou sintoma Sem associação ou correlação* Associação ou correlação com signifi cado estatístico
SINAIS
Infi ltrados corneais Chalmers 201090 Lakkis 2005 (RGP)91 Szczotka-Flynn 2010 (SiH)92 Szczotka-Flynn 2007 (recolhido)109
Neovascularização do limbo-corneal Aakre 2004 (SiH)20 Chalmers 2005 (SiH)28
Fonn 1995 (RGP&SCL)93 Kuo 2008 (SiH)94
Microcistos epiteliais Kuo 2008 (SiH)94
Edema corneal Kuo 2008 (SiH)94 Efron 199395 Fisher 199536
Blefarite Kuo 2008 (SiH)94
MGD Arita 200910 Kuo 2008 (SiH)94
Hiperemia bulbar e do limbo-corneal Chalmers 2005 (SiH)28 Doughty 2005 (SiH)33 Fahmy 201035
Fletcher 199336 Fonn 1995 (RGP&SCL)93 Kuo 2008 (SiH)94
Michaud 2009 (SiH)97 Paugh 198898
Young 1992 (RGP)110
Schnider 1996 (RGP)111
Hiperemia palpebral Du Toit 200299
Alterações tarsais Fonn 1995 (RGP&SCL)93
Coloração conjuntival Fahmy 201035 Kuo 2008 (SiH)94 Morgan 2009 (SiH)49
Infeção Lakkis 2005 (RGP)91
Depósitos nas lentes Fahmy 201035 Maldonado-Codina 2004100
SINTOMAS Conforto Bickel 1997 (RGP)24 Brennan 2007 (SiH)26 Du Toit 2001101
Fahmy 201035 Fisher 199536 Fletcher 199396 Li 200943 Lipson 2007102
Maldonado-Codina 2005 (RGP&SCL)103 Orsborn 1998104 Paugh 198898
Stahl 2009105 van der Worp 2009 (RGP)106
Walker 2007 (dependente das lentes)112
Truong 2008 (SiH); (proporção da CC inferior, CC apenas espessura central)113
Secura/olho seco Chalmers 2005(SiH)28 Fahmy 201035 Pult 2008107
Pult 2009108
Du Toit 2001 (tipo, não proporção da CC)101
Lundgrin 2008 (proporção da CC, não tipo ou espessura)116
Truong 2008 (SiH apenas CC inferior)113
Visão desfocada Du Toit 2001101 Fahmy 201035
NEGRITO = publicado na literatura científi ca
MGD = disfunção das glândulas de Meibomius; RGP = rígidas permeáveis aos gases; SCL = lentes de contato macias; SiH = silicone hidrogel
*Lentes de contato do estudo indicadas entre parenteses se RGP ou SiH. Todos os outros estudos testaram LC macias não de SiH. Outros resultados pertinentes também indicados entre parenteses
observada em situações patológicas não re-alizam o teste frequentemente.)82 Isto pode causar a interpretação incorreta no sentido em que, se coloração da córnea está pre-sente, devem estar presentes danos epiteliais mesmo que tudo o resto indique o contrário. Por outra parte, o grau de coloração varia sig-nificativamente de pessoa para pessoa e de dia para dia no mesmo doente.74 É interessan-te, que mesmo em populações com distúrbios comuns, como a diabetes83 e ceratocone,84-86 que frequentemente têm olho seco87-89 e co-loração da córnea (total e > Grau 3),89 res-petivamente, não foi encontrada qualquer correlação entre a coloração corneal e os resultados de qualidade de vida relativos ao conforto ou à visão.83-86
Como mostra a Tabela 2, a maioria da litera-tura não admite a coloração da córnea em si como uma medida de biocompatibilidade, conforme acreditam ≈51% dos participantes no inquérito, pois frequentemente a colora-ção da córnea não está correlacionada com
outros sinais10,20,28,30,33,35,36,49,90-100 ou sinto-mas24,26,28,35,36,43,96,98,101-108 que são verdadei-ras medidas de biocompatibilidade. Entre os estudos que mostraram uma associação entre coloração da córnea e sinais ou sinto-mas,109-114 apenas a coloração entre as 3/9 ho-ras e a vermelhidão conjuntival 110,111 parecem mostrar alguma coerência, o que se pode dever à etiologia da coloração da córnea em vez da própria coloração em si. O estudo de Szczotka-Flynn e colegas109, é usado para confirmar que a coloração da córnea é uma previsão ICs, o qual foi desestimado já que, num estudo recente e mais rigoroso (LASH), demonstrou que não existe qualquer asso-ciação.92 Existe outro estudo que implica a uma associação entre coloração da córnea e queratite infeciosa, mas não foi reportada qualquer corroboração estatística.115 Outros estudos mostraram resultados incoerentes sobre se a extensão, profundidade ou tipo, ou a localização de coloração da córnea estão associados a sintomas,112-114 o que torna estas descobertas discutíveis.
PATH é uma medida de
biocompatibilidade de LC e soluções
para lentes?
Conforme indicado em detalhe na Tabela 3, PATH não é uma medida de biocompatibili-dade.1,34,44,46,47,53,57,60,116-133 Em toda a literatura, só alguns estudos encontraram uma associa-ção entre PATH e sinais, sintomas e/ou "me-didas de toxicidade".5,55,134-136 Contudo, alguns grupos que realizaram estes estudos publica-ram estudos semelhantes que não mostravam qualquer associação (global ou em graus cli-nicamente significativos),56,122 ou realizaram uma re-análise dos dados que mostrou que PATH não é um factor de causa de complica-ções de LC (por exemplo, ICs).116,117
Embora a grande maioria dos estudos não tenha reportado qualquer associação sig-nificativa entre PATH e outras medidas clí-nicas,34,44,46,47,53,57,60,117-134 alguns estudos en-contraram uma associação de PATH com alguns sinais.114-116 O único estudo publicado
Tabela 3
Associação de sinais e sintomas com PATH em utilizadores de LC saudáveis que usam soluções de manutenção para lentes
Sinal ou sintoma Sem associação ou correlação* Associação ou correlação com significado estatístico
SINAIS
Infiltrados corneais Carnt 2007 (ARVO)116 Carnt 200966 Willcox 2008117 Zigler 2007118 Carnt 20075
Mediadores inflamatórios Merchea 200847
Neovascularização corneal Zigler 2007118
Edema corneal Zigler 2007118
Hiperemia bulbar e do limbo-corneal Duench 2006119 Dumbleton 200634 Lipener 200944 Maldinado-Codina 2004120
Michaud 2002121 Zigler 2007118
Diec 2010134
Hiperemia da pálpebra superior Michaud 2002121
Hiperemia/resposta palpebral Michaud 2002121 Young 2010135
Alterações tarsais Zigler 2007118 Young 2010135
Coloração conjuntival Maldinado-Codina 2004 (FL)120 Zigler 2007 (LG)118
Young 2009 (significativo ≥ Grado 3)122
Young 2010 (corante NR)135
Infeção Sweeney 2008123
Depósitos/limpeza de lentes Maldinado-Codina 2004120 Michaud 2002121 Zigler 2007118 Young 2010135 Diec 2010134
Humectabilidade Maldinado-Codina 2004120 Young 2010135
SINTOMAS
Sintomas (gerais) Dumbleton 200634 Garofalo 20051 Jones 2002124 Keir 2006124 Lipener 200944
Martin 201046 Paugh 2007126 Pritchard 200353 Riley 2006127 Situ 1999128
Willcox 2010129
Conforto Cho 199829 Dumbleton 200634 Jones 2005130 Lipener 200944 Martin 201046
Situ 1999128 Sorbara 2009131 Tilia 2009131 Townsend 200560 Varikooty 2005132
Santodomingo-Rubido 200855
Secura/olho seco Dumbleton 200634 Lipener 200944 Martin 201046 Riley 2006127 Situ 1999128
Varikooty 2005132
Santodomingo-Rubido 200855
CWT Lebow 2006 Townsend 200560
Visão desfocada Lipener 200944
NEGRITO = publicado na literatura científica
ARVO = Association for Research in Vision and Ophthalmology; CWT = tempo de uso contínuo; FL = fluoresceína; LG = lissamina verde B; NR = não reportado * Outros resultados pertinentes também indicados entre parenteses
na literatura cientifica, que informava de uma associação entre PATH e a alteração ocular encontrou uma correlação inversa fraca en-tre PATH (mas não a coloração conjuntival com verde lissamina) e os limiares químicos conjuntivais.116 Pelo contrário, não se registou qualquer correlação para os limiares quími-cos na córnea ou os limiares pneumátiquími-cos, mecânicos ou tácteis na córnea e conjuntivais e PATH ou coloração conjuntival.
Só um estudo demonstrou uma associação estatisticamente significativa de PATH com conforto reduzido ou secura,55 embora vá-rios estudos tenham implicado o mesmo sem suporte estatístico para essa afirmação.3,137-141 Nesses estudos, grupos que usam uma solu-ção única com níveis médios mais baixos de PATH mostraram níveis favoráveis de algumas medidas de conforto, ou sintomas, do que os que usam uma solução única com níveis de PATH mais elevados; embora não se tenha registado nenhuma correlação entre níveis e conforto não tenham sido reportados.3,137-141 A falta de associação entre o conforto e PATH não é surpreendente mesmo que coloração da córnea seja grave,29 não prevê conforto e quando as queixas maiores (final do dia)144 é geralmente quando PATH está ausente. Embora 60,6% dos participantes acredite que a integridade das células da córnea é uma medida de biocompatibilidade, os estudos demonstram que PATH não é indicativa de citotoxicidade142 nem de danos na superfície da córnea avaliados por microscopia electró-nica21,143-145 e os dados de citotoxicidade in vi-tro correlacionam-se melhor com os sintomas irritantes do que PATH.146
Outros estudos que analisam a PATH usam métodos inapropriados para medir o fenó-meno. A investigação de um grupo utilizando fluorofotometria sugere que a solução única associada a elevados níveis de PATH às 2 ho-ras causa uma maiordifusão do corante de fluoresceína na córnea quando existem níveis mais elevadosde PATH.147-149 Contudo, esta metodologia é problemática, já que a investi-gação demonstrou que não é possível obter medidas precisas da permeabilidade corneal com este método em olhos que apresentam coloração da córnea maior que grau 1 (co-loração ponteada ≥5) em algumas regiões devido a efeitos confusos nas medições flu-orométricas.150 Um investigador encontrou
um alto nível de descamação celular em olhos que usam solução única (demonstrando PATH) versus aos que usam um sistema de peróxido151, mas não se conhece ainda o seu significado e importância já que se trata de um preliminar com apenas 5 sujeitos e ainda não repetível por outros.
Além disso, se PATH é uma medida de bio-compatibilidade, as soluções que apresentam níveis baixos de PATH às 2 e 4 horas, deviam apresentar taxas mais baixas de inflamação/ infiltrados corneais, menor toxicidade celular e maior integridade das células da córnea, conforme reportado por 39,9%, 45,8% e 60,6% dos participantes, respectivamente. Não obstante, a solução única com baixos níveis às 2 horas foram associadas a ICs66-72 e em todos os estudos, excepto um,152 de-monstraram uma maior capacidade de ter um impacto negativo na fisiologia epitelial normal153,154 e causar níveis mais elevados de toxicidade celular em comparação com a so-lução única com níveis mais elevados entre a 1 e 4 horas.141-143,153-164 Além disso, a solução úni-ca que mostra níveis mais elevados de PATH entre a 1 e 4 horas apresenta uma toxicidade celular baixa ou ausente,23,25,141-143,153-161,164 em quase todos os estudos,151,165,166, salvo algum em que utilizaram pontos no tempo irrelevan-tes para a utilização real.
Ainda, quando se avalia a coloração corneal assintomática real (sem um ponto de tem-po especifico após a inserção da lente) em utilizadores de LC com sucesso, não houve uma associação entre a extensão da colora-ção, independentemente do grau, da solução única81,167 ou do desinfetante/conservante na solução de manutenção.167 As descobertas fo-ram similares quando se avaliou a coloração da córnea após 6 a 8 horas de utilização das lentes.38 Isto sugere que a medição da fluores-cência da córnea com fluoresceína às 2 horas em utilizadores de solução única pode dar um sinal errado ao profissional dos cuidados da visão, que pode ser mal interpretado como coloração da córnea.
Uma nota sobre as limitações
Como este estudo foi baseado na Web e em revistas especializadas em optometria de todo o mundo, aqueles que não lêem estas re-vistas específicas, ou rere-vistas especializadas em geral, podem não ter sido abrangidos. Se
tivessem sido abrangidos os profissionais de cuidados da visão que predominantemente leem a literatura científica, os resultados do inquérito poderiam ser diferentes. Por outro lado, os autores fizeram o melhor esforço para garantir que os participantes podiam responder às questões com base nas suas crenças, em vez de serem com base nos auto-res, e a dar várias opções e questões abertas; contudo, alguns participantes podem não ter entendido o que se pretendia dizer com "flu-orescência da córnea associada a soluções de manutenção" e provavelmente o número é baixo. Finalmente, uma elevada proporção de participantes escolheu a humidificação e a permeabilidade ao oxigénio, o que pode ser artificialmente elevado, pois estas foram as primeiras duas de 9 respostas possíveis (sen-do que a 9a era “não tenho a certeza”).
Conclusão
Com base nos resultados do inquérito, uma proporção substancial dos profissionais de cuidados da visão acredita que a coloração assintomática da córnea e PATH são medidas de biocompatibilidade. Estas crenças não são suportadas pelo grande corpo de literatura científica rigorosa e, assim, devem-se pro-vavelmente ao marketing do sector. Embora ninguém afirme que coloração da córnea é "boa" em si, é essencial saber se está presente e o que significa no contexto do estado geral do doente. Para um profissional de saúde res-ponsável, é essencial basear as decisões clíni-cas em medicina baseada em provas sólidas.
Referências
Lista de referências disponível no editor clínico (william.harvey@rbi.co.uk)