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Trabalhar no campo da Educação e Formação de Adultos

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Academic year: 2021

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Secção Temática de Sociologia da Educação

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Associação Portuguesa de Sociologia

| Simpósio – Fazer sociologia fora da academia: artes e ossos do ofício |

Trabalhar no campo da Educação e Formação de Adultos

Joaquim Miguel Martins

Depois de terminar a licenciatura em Sociologia, em meados de 2003, a minha vida profissional começou, já na primavera do ano seguinte, como mediador de Cursos de Educação e Formação de Adultos

(EFA). Esses cursos eram

promovidos por uma Associação de Desenvolvimento Local e tinham a gestão pedagógica e financeira da responsabilidade de uma empresa de formação profissional. Consegui essa oportunidade por intermédio do meu professor de Sociologia durante o ensino secundário, dirigente da referida associação, também ele licenciado e mestre na área.

Na altura, tinha mais conhecimentos do fenómeno das Universidades Populares do início do séc. XX e dos processos de educação política de adultos em partidos e movimentos

sociais do que da manifestação do séc. XXI da Educação e Formação de Adultos. Era superficial o que sabia de cursos EFA e de processos de

Reconhecimento, Validação e

Certificação de Competências

(RVCC). Lembrava-me apenas de algumas matérias da cadeira

opcional de Planeamento de

Programas de Formação. Aliás, durante a licenciatura dirigi a minha atenção para outras temáticas e

áreas disciplinares e não

necessariamente para as que se relacionavam com a Sociologia da Educação. No meu caso particular, analisando retrospetivamente, não posso afirmar que a licenciatura em Sociologia me tenha preparado integralmente para os diferentes desafios profissionais específicos, em termos teóricos e práticos, que mais tarde viria a ter. Posso afirmar,

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no entanto, que além de me conceder um conjunto alargado de

preocupações e estratégias

metodológicas e teóricas para a análise dos fenómenos sociais e das ditas competências transversais e transferíveis, também contribuiu

decisivamente para o

desenvolvimento dos meus mapas

cognitivos, interpretativos e

comportamentais, para a minha formação humanista, para o meu respeito pela diversidade humana e para um esforço continuado e

persistente na tentativa de

compreensão dos indivíduos na sua articulação com a sociedade e comunidades que o contextualizam.

Parece-me que todas estas

características ajudaram a definir determinantemente o meu exercício profissional enquanto Agente de Educação e Formação de Adultos. Senti, portanto, a necessidade de complementar a minha formação

com outras aprendizagens

específicas. Fiz um curso de Formação Pedagógica Inicial de Formadores e tive a oportunidade

de conseguir entrar num curso de formação de Agentes de EFA (1000 h) que era direcionado a recém-licenciados. Tive a sorte, portanto, de conseguir combinar uma prática profissional que estava a iniciar e em que tive de me familiarizar

rapidamente com linguagens,

códigos, conceitos, legislação e metodologias educativas específicas, numa lógica de auto-aprendizagem “bulímica”, com um curso que me proporcionou o contacto com um conjunto alargado de formadores experientes, a maior parte ligados a instituições universitárias e a organizações de EFA, que me

possibilitaram uma correta

‘digestão’ dos mesmos. Passei a encarar a história, as tradições e as teorias que emolduravam este campo de uma outra forma.

No entanto, em 2005, a precariedade laboral, os esquemas e habilidades financeiras da referida empresa de formação e as debilidades teórico-pedagógicas desses cursos fizeram-me desistir da fizeram-mediação desses cursos EFA e abraçar outros

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projetos. Na sequência desse meu abandono, uma das primeiras

impressões que me ficou

relativamente ao campo da

Educação e Formação de Adultos relacionava-se com a contradição manifesta entre a postura militante e idílica que alguns dos intervenientes tinham da Educação e Formação de Adultos e as práticas e realidades

profissionais, que contribuía

decisivamente para o

desenvolvimento de perspetivas e posturas hipócritas.

O que me parecia constatar, sem

querer correr o risco de

generalizações, era que esses cursos EFA, desenhados para aumentar a qualificação dos indivíduos, para os

desenvolver integralmente em

termos cognitivos e sociais e apoiá-los em termos económicos, eram capturados por um conjunto de interesses económicos. Através da

convergência de interesses

particulares e de esquemas

contabilísticos (possibilitados pela legislação vigente e pelas regras de acesso aos Fundos Sociais Europeus)

possibilitava-se o seguinte: grande parte dos adultos inscritos nesses cursos ficavam sobretudo satisfeitos por terem uma pequena bolsa de

formação; a Associação de

Desenvolvimento Local tinha mais uma atividade para referir no seu plano anual de atividade, e procurava algum financiamento para manter a organização através do aluguer de salas para os referidos cursos; os formadores e mediadores iam-se calando e desleixando

profissionalmente porque

ganhavam algum dinheiro através das horas de formação lecionadas; e a empresa de formação encaixava os rendimentos mais significativos, com coordenações pedagógicas, com aluguer de computadores, com as diferentes rubricas contabilizadas (por exemplo, comunicação e publicidade) e mesmo com recurso a esquemas de faturação que não correspondiam à realidade. Esses cursos EFA pareciam-me mais direcionados para amparar esse conjunto de interesses particulares do que para contribuir para a

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missão e objetivos que estipulavam. Muitas vezes confrontava-me com uma espécie de cinismo e desleixo profissional flagrantes. Saliente-se que as próprias metodologias pedagógicas utilizadas e a falta de preparação teórica da generalidade da equipa pedagógica, minha inclusive, também o possibilitavam. O mais revoltante era confrontar-me com tudo isso nos encontros públicos relacionados com a EFA e verificar as significativas antinomias entre os discursos públicos e as práticas profissionais privadas. Mais tarde, depois de ter estado

envolvido em projetos de

intervenção comunitária, comecei a trabalhar numa outra área da Educação e Formação de Adultos, em Centros de Reconhecimento,

Validação e Certificação de

Competências que logo se passaram

a chamar Centros Novas

Oportunidades. Entre 2007 e 2013, trabalhei como Técnico/Profissional de RVC em dois tipos de Centros

Novas Oportunidades: um

promovido por uma empresa

municipal e um outro promovido por uma Escola Secundária. Ao longo deste período, fiz inúmeras pequenas formações e senti a necessidade de procurar uma oferta educativa mais consistente que, por um lado consolidasse as minhas aprendizagens, fosse em termos de obtenção e aprofundamento de novos conhecimentos, fosse no contributo significativo para a sistematização dos saberes obtidos no âmbito profissional. Assim, em 2010, inscrevi-me no mestrado em Ciências da Educação, ramo de

Educação de Adultos, da

Universidade do Minho. Passados dois anos, concluí-o em 2012, com a apresentação da Dissertação de Mestrado: “Os profissionais de Reconhecimento e Validação de Competências: análise crítica de um processo de profissionalização”. Mais uma vez verifiquei a utilidade da minha formação em Sociologia. Em 2013, com o fim da Iniciativa

Novas Oportunidades fiquei

desempregado. Embora tenha

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de formador, direcionei a minha

atenção para outras áreas

profissionais já que estava

relativamente desanimado com o futuro da EFA naquele contexto político e socioeconómico.

Mais tarde, no início de 2016, regressei ao que restava das Novas Oportunidades. Comecei a trabalhar como Técnico de Orientação, Reconhecimento e Validação de Competências já num Centro promovido por uma autarquia, por um conjunto de Agrupamentos de Escola e outras entidades educativas e formativas. Passado um ano, dispensaram os meus serviços pois

resolveram privilegiar outras

pessoas e interesses.

Da minha experiência profissional, retenho algumas ideias, que tive a oportunidade de aprofundar e justificar na referida dissertação de mestrado:

1. O campo da EFA, mais especificamente o campo do RVCC, ainda que a legislação estipule algumas condições genéricas, é fundamentalmente desregulado em

termos de habilitações para o exercício profissional. Verificaram-se algumas movimentações formais e informais pelo controlo das condições do exercício profissional

por parte de associações

profissionais da área (que

atualmente estão praticamente

inoperantes) e mais explicitamente por parte da Ordem dos Psicólogos, que visava privilegiar sobretudo os seus inscritos. O que na prática se constata é a total discricionariedade com que as diversas entidades contratam trabalhadores para atuar nesse campo, já que são estas que definem os critérios e os perfis

habilitacionais que considerem

adequados aos seus fins específicos. Acresce o facto de frequentemente os referentes para essas contratações não serem necessariamente as

habilitações, competência, o

desempenho, o mérito ou

reconhecimento profissionais, mas sim um conjunto diversificado de outros interesses mais contingentes. 2. Existe uma precariedade laboral persistente que desmobiliza e

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inquieta as pessoas que trabalham nesse subcampo da EFA. A instabilidade profissional pode ser perniciosa para um bom exercício profissional e as lógicas de

profissionalização e

profissionalidade são intermitentes e precarizantes, sobretudo no que

diz respeito aos níveis de

preparação técnica e teórica, à sistematização dos conhecimentos advindos do exercício profissional, à consolidação de códigos de conduta e de ética e à construção de

identidades profissionais mais

estabilizadas.

3. A pluralidade de entidades

promotoras dos Centros de

Orientação, Reconhecimento,

Validação e Certificação de

Competências (independentemente da designação atual), uma das áreas com maior visibilidade do campo da EFA, pode ser contraproducente. Mais do que vantagens em termos de diversidade de abordagens, essa

pluralidade possibilita, muitas

vezes, a contaminação das

metodologias e modos de atuação

específicos a esse campo educativo por parte dos diferentes fins e culturas organizacionais dessas mesmas entidades, que podem não ser convergentes. Em alguns casos, pode até existir uma subversão da “missão” dos centros e dos seus princípios de ação educativa.

No meu caso específico, para terminar, sei que regressarei, mais tarde ou mais cedo, de forma assalariada ou não, ao campo da Educação e Formação de Adultos. Neste momento, se isto servir como uma das chaves de interpretação do que foi exposto, encontro-me a trabalhar como cozinheiro numa unidade de hotelaria do interior do país.

Referências

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