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Esconderijo de fundidor

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Academic year: 2021

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© Sociedade Martins Sarmento | Casa de Sarmento 1

Antigualhas

Francisco Martins Sarmento

Revista de Guimarães, Porto, 1888, vol. V, pág. 157

Esconderijo de fundidor. — Graças à intervenção do meu

amigo, Abade de Santo Tirso, a Sociedade Marfins Sarmento fez a aquisição dos machados de bronze, aparecidos há tempos em S. Martinho de Bougado. Segundo parece, o número dos machados subia a trinta e quatro; mas alguns foram mandados derreter pelo achador, para se desenganar de que não eram feitos de ouro.

A colecção compõe-se hoje de trinta, dois em fragmentos, os demais completos, ou quase. Todos eles são dum mesmo feitio, mostrando ainda assim, por ligeiras diferenças acidentais, que não foram fundidos no mesmo molde; e pelo feitio entram na categoria dos que até hoje só têm sido encontrados no nosso país, donde se infere a existência de fábricas indígenas, facto para mim indubitável, mesmo sem esta prova.

A extremidade, oposta ao gume, era vazada, apresentando a forma dum pequeno cálice arredondado e assim saia da fundição; era cheia em seguida de chumbo derretido até às bordas, quer para deste modo equilibrar melhor a arma depois de encabada, quer para dar peso ao martelo, porque esta parte do machado não é senão um martelo, quer enfim para ambas as coisas.

Todos os machados apareceram acamados dentro duma cova aberta na terra; tampada por uma pedra; e é fácil de ver, sobretudo pelas barbas da fundição, que nenhum deles tinha ainda servido.

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© Sociedade Martins Sarmento | Casa de Sarmento 2

Estamos pois em face dum cachet de fondeur, como lhe chamam os franceses, ou talvez melhor do cachet dum vendedor ambulante, muito parecido aos nossos caldeireiros. O pobre homem, por qualquer motivo, escondeu ali a sua mercadoria, com tenção de a ir negociar quando melhor lhe conviesse; mas a sorte dispôs outra coisa, e só ao fim de dezenas de séculos é que ela veio cair nas mãos dum proprietário, que nem percebia para que servisse aquilo.

A descoberta foi feita, ao arrotear um terreno bravio no lugar da Abelheira, num pequeno convale entre outeiros também pequenos; e pelas imediações nenhuma tradição existe de povoação antiga.

Que saibamos, de há anos para cá, é este o segundo achado da mesma espécie. Por informações que temos, aliás muito vagas, o primeiro feito em Vilar de Mouros (concelho de Caminha), pouco mais haverá de dois anos, era muito mais importante. Falava-se em duzentas peças de bronze, de formas variadas, entre jóias e armas; mas uma grande parte dos objectos teria sido fundida pelos achadores, outra dispersada por coleccionadores particulares1, o que

equivale a dizer que a ciência nada lucrou com uma descoberta que tão útil lhe podia ser.

Mamoas; combros. — Quando fui examinar a Abelheira, tive

ocasião de verificar que, como quase todas as freguesias de Entre-Douro-e-Minho, as de S. Martinho e S. Tiago de Bougado, pagariam bem o trabalho de quem as explorasse com cuidado. A pouca distância do esconderijo dos machados, e próximo da estrada, que de Santo Tirso segue para a estação da Trofa, houve uma mamoa, que, ao ser desfeita para entulho da estrada, deu uma pedra do feitio dum meio

queijo, uns testos e algum tijolo.2 -

Para o lado de Santo Tirso, e ainda próximo estrada, no lugar

1 Um dos machados deste esconderijo, e que eu prefiro chamar “falso de fundidor”, foi

oferecido ao Museu da Sociedade Martins Sarmento pelo meu amigo dr. Pestana. É duma só aselha e do tipo mais comum. Desta vez, o “falso”, ao que contam, ficava por baixo da aba dum penedo, que foi partido a tiro por uns montantes. O achado parece ter sido feito nas proximidades dum monte, chamado Castro (Nossa Senhora do Castro), e onde não faltam restos de antigas fortificações.

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da Ervosa, há duas outras mamoas, distantes uma da outra, coisa de sessenta metros. O povo chama-lhes casas dos mouros. Foram já exploradas, mas não desfeitas3.

Para o lado da estação da Trofa e também a pequena distância da estrada, na bouça das Bicas, há uma quarta mamoa nas mesmas condições das duas anteriores. Esta não é chamada casa de mouros, mas é atribuída aos mouros.

Muito próximo da estação, e mais próximo ainda da estrada de que tenho falado, no lugar de Paranhos, havia um combro de terra, onde, ao ser arrasado, foram encontradas algumas vasilhas, de que ninguém sabe já. A pouca distância encontravam-se outros combros iguais, que se desfizeram para aplanar um campo, e também aí se acharam vasilhas, que tiveram a sorte das outras. Segundo a descrição que me fizeram dos combros, são eles muito semelhantes a outros, que já vi perto de Vila de Punhe (concelho de Viana), numa planície, onde também se erguem algumas mamoas. São certamente monumentos funerários, como estas, mas de forma elíptica, e, no seu eixo maior, dum diâmetro de considerável extensão4, o que faz ver

neles sepulturas em grande, talvez o jazigo das vítimas de qualquer batalha.

Marcos miliários. — A via romana do Porto a Braga passava

pelas duas freguesias de Bougado, e junto ponte do rio Sedões, um afluente do Ave, estava o miliário XXI, acompanhado de mais dois padrões.

Estes marcos têm uma história curiosa. Quando o sr. Hübner veio a primeira vez a Portugal, quis examiná-los; mas declara nas suas

Noticias archeologicas, que debalde os procurou na Ponte da Trofa.

3 Informações do meu amigo Abade de Santo Tirso, que as examinou. Não tive tempo

de as ver.

4 Um deles não mede menos de dezasseis metros de comprimento. Bem que estes

monumentos fiquem nume planície, o sítio chama-se Monte de Enfias. Outros exemplos da mesma natureza, que tenho recolhido, fazem suspeitar que antigamente a ideia principal ligada à palavra — monte — não era a de elevação de terreno, mas de deserto, solidão. Talvez esta observação interesse aos etimologistas. A curta distância do Monte de Enfias, encontra-se o Monte de Roques, um Castra, onde, além de vestígios de muralhas, se vêem alicerces de casas circulares, etc.

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Soromenho, tradutor das Noticias, insistia numa nota que lá estavam na Ponte da Trofa, por sinal que tinham sido ali mandados colocar pelo Conde de Lucotte, quando se abriu a estrada de Braga ao Porto.

Havia em tudo isto um equívoco travesso. Hübner e Soromenho pensavam na ponte pênsil da Trofa sobre o Ave, e claro é que ninguém podia aí ver uns padrões, que estavam na Trofa Velha sobre a ponte de Sedões, onde foram mandados colocar, não pelo Conde de Lucotte, mas pelo meu amigo Cesário Augusto Pinto5, a

quem só cabem os elogios, que Soromenho barateou ao estrangeiro. Como o sr. Hübner apenas publicara a inscrição de um dos miliários, quis eu conhecer as dos outros, e pedi ao meu amigo Abade de Santo Tirso a fineza de se incumbir daquele trabalho. Respondeu-me com a sua amabilidade do costuRespondeu-me que procurara os miliários para copiar, mas que não vira miliários nenhuns sobre a ponte da Trofa Velha! Nem os podia ver; porque, como se averiguou depois, os marcos tinham sido tirados da avenida da ponte por uns sujeitos, que quiseram fazer deles escoras dumas latadas, com a conivência do respectivo cantoneiro, entende-se.

Felizmente as letras não foram picadas, e há boas esperanças de ver dentro em pouco restituídos ao seu antigo lugar estes velhos monumentos6.

Depois do seu reaparecimento, fui eu mesmo copiar-lhes as inscrições inéditas. Os miliários eram três, e não dois, como afirmava Soromenho; mas legível apenas encontrei o que já era conhecido no segundo volume do Corpus. A sua leitura deu-me porém uma outra surpresa.

Aqui está a minha cópia:

IMPERATORI CÆSAR DOMINO NOSTRO

5 A quem devo da descoberta. Bastará dizer aqui que os marcos foram achados no

encontro da ponte velha, indicando que já há muito tinham sido lançados ao desprezo.

6 Este serviço, e não poucos mais, têm os amigos da antiguidade de os agradecer ao

sr. Abade, um modesto e infatigável trabalhador, a quem devo valiosos obséquios, que folgo muito de tornar bem públicos.

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… VIO IVNIO CONS TANTI MAXIMO VICTORI A TRIV PATORI AVGVSTO DIVI CONSTANTINI ET VALERI MAXI 9 MIANI NEPOTI DIVI CLAVDI 11 PRONEPOTI C BRAC M.P.XXI.

A cópia, de que Hübner se serviu, concorda quase com a minha, menos nas linhas 9 a 11 que dizem: -

MIANI NOBIL.... PRONEPOTI

e que obrigaram o ilustre epigrafista e Mommsen a fatigar o espírito com um pronepote de Maximiano, quando o texto verdadeiro falava claramente dum pronepote de Cláudio II7.

Num dos outros padrões lê-se bem na primeira linha:

IMP CAESARI D.N.

7 As anomalias que se encontram na minha cópia não são poucas, mas certo é que lá

estão no original: IVNIO, devendo esperar-se IVLIO; TRIVMPATORI por AC TRIVMPHATORI; C BRAC, em vez de A BRAC(ara); embora se queira ver no C, antes do nome de de Braga um E de ângulos arredondados, como o pode fazer crer um pequeno travessão, aliás duvidoso, a meio do arco do locução E BRACARA é estranha. Também do texto da epígrafe se deveria inferir que Constante tanto era neto Constantino, como de Maximiano Hércules, quando toda a gente sabe que Constante era filho de Constantino. A verdade porém é que a leitura da letra mais apagada, como sucede nos nomes de Maximiano e de Cláudio teriam uma restauração forçada, mesmo que os vestígios dos caracteres a não estivessem indicando.

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Tudo o mais são letras esparsas e safadas. Apenas na segunda linha o grupo das letras GN deixa pensar se o nome do imperador era MAGNENTIUS.

Na penúltima linha do outro lê-se um pouco duvidosamente:

LICINIO

na última, com certeza:

AVG.

Cidai. — Pertence ainda a um dos Bougados, S. Tiago, o Monte

de Cidai, que se avista da Trofa Velha. Não o examinei; mas, pelo que me contaram de algumas curiosidades, que por lá se vêem, e telas tradições que lhe andam ligadas, é um Castro, como dezenas de outros, em que o nosso país abunda. Reza a lenda popular que foi este o último reduto dos mouros em Portugal, sendo preciso, para os expulsar, o estratagema seguinte: Os cristãos vestiram vinte dos seus soldados com fardamento de nações diversas e mandaram-nos mostrar-se à vista do inimigo, cada qual por sua vez. Os mouros, suspeitando daqui que tinham a lidar com exércitos de vinte nações, perderam todo o ânimo e fugiram.

Pegadas de Bruxas. — Mais curiosa acho eu a tradição,

localizada numas fragas, pouco acima da ponte da Lagoncinha, na margem esquerda do Ave. As fragas são mal afamadas por causa de uns sinais que têm, e que não vi por estarem escondidos hoje debaixo duma camada de terra, conforme afirmou o nosso guia. Pelas suas informações são gravuras de várias formas, ferraduras e covinhas. O curioso porém na notícia é que alguns destes sinais passam por ser

pegadas de bruxas, e por isso muita gente foge de passar naquele

sítio, a certas horas do dia. -

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