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BOURDIEU E ELIAS: Para uma Construção Teórica e Metodológica Acerca da Arte e Cultura.

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Academic year: 2021

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BOURDIEU E ELIAS: Para uma Construção Teórica e Metodológica Acerca da Arte e Cultura.

Prof. Dr. Edílson Fernandes de Souza1 Universidade Federal de Pernambuco Programa de Pós-Graduação em Educação Laboratório de Sociologia do Esporte

A arte e a cultura enquanto objetos de investigação cientifica necessitam de um olhar crítico e minucioso no que dizem respeito às principais nuanças por que estão matizadas, pois operam no ambiente político-ideológico e forjam, por vezes, os arcabouços identitários.

Em sociedades multiculturais, como a brasileira, são muitas as possibilidades de realização de trabalhos empíricos que dêem conta de explicar o social, tomando-se por objeto de análise as artes produzidas por afrodescendentes, facilmente emergidas de uma relação intima com a religiosidade.

Sociólogos como Pierre Bourdieu e Norbert Elias, a luz de seus inúmeros trabalhos empíricos, podem contribuir, sobremaneira, na análise e interpretação pormenorizada das artes afrodescendentes no Brasil, considerando os modelos conceituais criados em suas teorias.

A partir desses modelos será possível a compreensão de uma arte ancestral produzida por atores, que a veiculam como entretenimento e possibilitam a construção de identidades étnicas.

Bourdieu (1992), criou a teoria de campo para matizar as inter-relações fundamentais na estrutura do pensamento, dos interesses políticos e artísticos. Em sua crítica, acerca da sociedade de consumo, o autor afirma que somente em oposição é que se estrutura “o campo de produção”, ou seja, a instância que mantém os instrumentos para apropriação dos bens simbólicos e aquela a qual organiza os bens culturais para o grande público.

Sua teoria atinge essencialmente “o campo de produção erudita”, pois segundo ele, enquanto a indústria cultural segue as leis do mercado da oferta e da procura, a produção

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Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Educação. Linha de Pesquisa: História e Teoria da Educação/UFPE. Coordenador do Laboratório de Sociologia do Esporte/DEF/UFPE. Recife, 2004.

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erudita cria e mantém suas próprias leis entre os seus produtores, que são também seus consumidores.

De modo que, o campo de produção erudita “... constituem-se ‘sociedades de

admiração mútua’, pequenas seitas fechadas em seu esoterismo e, ao mesmo tempo, surgem os signos de uma nova solidariedade entre o artista e o crítico” (Bourdieu, 1992, p.

107).

Esses aspectos, diz Bourdieu, dificultam a acessibilidade do não-produtor erudito, a compreender a obra de arte pertencente a esse campo, bem como a formulação da crítica, uma vez que desconhece as ferramentas que possibilitem uma avaliação mais consistente acerca da obra produzida.

Essa teoria chama a atenção para o fato de que “escritores e artistas” não apenas produzem para um grande público, mas, consoante com a sua produção, esses atores produzem para os seus “pares-concorrentes”, posto que, “afora os artistas e os intelectuais,

poucos agentes sociais dependem tanto, no que são e no que fazem, da imagem que têm de si próprios, e da imagem que os outros e, em particular, os outros escritores e artistas, têm deles e do que fazem” (Bourdieu, 1992, p. 108).

Por outra parte, uma das noções conceituais que tem aparecido na sociologia contemporânea, seja na perspectiva da longa duração acerca de “uma história dos costumes”, seja na apresentação de uma sociologia das emoções, é a idéia de figuração, elaborada pelo sociólogo alemão Norbert Elias (1994).

O exemplo clássico do autor é a imagem que podemos fazer de um salão de dança em que os casais juntos a outros pares, vão formando uma teia interdependente de indivíduos em pequenos grupos, por meio dos movimentos e gestos que vão sendo arrolados na dança. A depender do distanciamento de quem olha, pode observar uma direção específica da coreografia sem que os pares de dançarinos tenham, de fato, a intenção de constituí-la.

A multiplicação das figurações forma, a partir da interdependência e da força que as mantém uma sobre as outras, uma configuração, que se reveste de um importante instrumento de análise, considerando os grupos e as práticas sociais que desenvolvem.

As configurações podem ser compreendidas, ainda, a partir dos interesses econômicos, religiosos, políticos, esportivos ou artísticos, de modo que sempre haverá a

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possibilidade de subtrair da força que a mantém, evidências passíveis de várias interpretações, dadas às interrogações acerca de determinada sociedade.

Norbert Elias (2000), discute também o problema das “desigualdades” entre grupos e indivíduos como ponto essencial das características que envolvem as sociedades humanas. Para ele, desvelar ou compreender o fato de isso acontecer é de suma importância, mesmo considerando certa dose de igualdade por parte de algumas sociedades ditas democráticas como a nossa.

Todavia, mesmo nessas sociedades, facilmente encontram-se inúmeros grupos e indivíduos que a despeito de sua prática religiosa, esportiva ou artística reivindicam espaços simbólicos e ou concretos que possam lhes assegurar certos status e representações conforme suas origens, na repartição do poder e outras necessidades humanas. Na disputa pelo poder, os grupos se tocam mutuamente, pois interdependem para a sua própria sobrevivência política, laboral ou artística.

Essa região limítrofe estabelecida a partir do contato, possibilita ao indivíduo e grupo construir a sua identidade através do diálogo nem sempre amistoso com o outro; diferente, cuja distinção é refletida nos seus modos vivendi e operandi. Isso se deve ao fato de que as fronteiras étnicas são flexíveis e os indivíduos que nela se sustentam estabelecem princípios distintivos nos quais podem resguardar o Nós e o Eles, na delimitação de território.

Um brasileiro, por exemplo, poderá reivindicar a sua identidade étnica em detrimento de um argentino, e esse mesmo brasileiro ainda poderá construir contornos identitários em relação a outros indivíduos de nossa sociedade e reivindicar a sua pertença a um grupo de afro-brasileiros, ou comunidade indígena, etc.

Esses exemplos levantam a hipótese de que os indivíduos podem ser representados como valências abertas, orientados uns para os outros, o que nos permite enxergar o problema dos diversos processos pelos quais os seres humanos estão sujeitos, como à diferenciação e identificação social e alterar o pêndulo da balança do poder. A essa diferenciação e identificação Elias (1994), chama de habitus.

De modo que o habitus permite a análise segundo a qual o indivíduo herda ou reivindica características comuns aos demais membros de um grupo e se distancia dos mesmos num processo que se chama de individualização.

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Contudo, especial atenção deve ser dada à proeminência desse habitus, cuja identidade poderá ser construída a partir de alguns contornos imprescindíveis à participação do indivíduo em diferentes configurações. Tais contornos podem variar de intensidade impactando na expressão do corpo através das múltiplas atividades sócio-culturais, como nas artes, na religiosidade e práticas de lazer.

Por alguma razão essas atividades podem ser prestigiadas ou sofrer descrença social, o que leva à afetação da auto-imagem do indivíduo que delas participam, colocando-o em situaçãcolocando-o favcolocando-orável colocando-ou desfavcolocando-orável pcolocando-orque “colocando-o estigma scolocando-ocial impcolocando-ostcolocando-o pelcolocando-o grupcolocando-o mais

poderoso ao menos poderoso costuma penetrar na auto-imagem deste último e, com isso, enfraquecê-lo e desarmá-lo”. (Elias, 2000, p.24).

O fato é que, em vários casos, as constelações as quais a corporeidade de um grupo de indivíduos está sujeito são deveras importante no contexto das análises do habitus e os contornos identitários possíveis de observação empírica, nos registros deixados no passado e no presente.

“... o contato de alguém com o mundo dos espíritos é algo central.

Ali onde uma pessoa se vê ligada aos deuses, uma confirmação dessa crença pode fortalecer muito seu sentimento de amor-próprio; grandes discrepâncias entre as previsões e o curso efetivo dos acontecimentos podem enfraquecê-lo ou até destruí-lo” (Elias,

2000, p. 209).

Sabemos que o habitus é adquirido ou reivindicado por indivíduos em um contexto social particular e, dependendo de suas características, pode-se estar tratando de figurações bastante singulares, seja em grupamentos artísticos e esportivos, seja a partir de grupos que se ligam pelos pertencimentos racial, político-ideológico ou mesmo educacionais.

O habitus pode ser compreendido como a ‘história incorporada’ no indivíduo, materializada pelas circunstâncias das experiências de vida do ator social, adquirida e acumulada ao longo de sua existência. De qualquer modo tais figurações são agrupamentos étnicos, no sentido mais amplo que esta terminologia pode alcançar, como podemos verificar em Philippe Poutignat, (1998).

A memória histórica pode estar, em última instância, latente no corpo do indivíduo e emergir a qualquer momento através das circunstâncias experimentadas pela pessoa em diferentes momentos. Assim, a corporeidade se articula de muitas maneiras nas expressões da identidade e seus contornos, imprimindo, às vezes, marcas muito profundas nos

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indivíduos e grupos partícipes das histórias que contam por meio de espetáculos de dança, por exemplo.

Em uma determinada perspectiva, a sociologia da cultura busca por meio dos discursos e imagens a coesão social que dar sentido às construções identitárias, por meio das quais são eixados determinados atributos e valores compartilhados.

Tais afirmações são fundamentais para a compreensão dos produtos culturais das populações afro-brasileiras, uma vez que nos permite compreender os discursos pautados não só pelos registros deixados pelas atividades que desenvolvem, como também pelas representações de outros grupos étnicos em relação às suas próprias práticas sociais.

A teoria das configurações e da de campo de produção, portanto, apresentam em sua estrutura aspectos significativos no que dizem respeito às relações de poder, a construção de sentido e, principalmente a dinâmica pela qual as práticas e os agentes sociais se firmam em determinados espaços e tempo.

Nesse contexto, é possível se utilizar enquanto modelo conceitual de análise o campo de produção, o habitus e individualização, para verificar os processos de desenvolvimento artístico-cultural dos grupos de indivíduos, na construção de suas identidades étnicas.

BIBLIOGRAFIA

AUGÉ, Marc. O sentido dos outros: atualidade em antropologia. Trad. Francisco da Rocha Filho. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1999.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 3ª ed. Trad. de Sergio Miceli et al. São Paulo. Editora Perspectiva, 1992.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. 2 ed.Trad. de Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.

ELIAS, Norbert, e SCOTSON, John Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

POUTIGNAT, Philippe STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade: seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. Trad. Elcio Fernandes. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.

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SOUZA, Edilson Fernandes de. Os outsiders afro-brasileiros e suas danças ancestrais. In.: ArtCultura. Vol. 4, número 5. Dezembro. Universidade Federal de Uberlândia, 2002.

Referências

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