Zé Maria fala sobre ciência e
tecnologia
A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) encaminhou queastionário a Zé Maria (16), candidato à presidência da República nestas eleições. As respostas do candidato esboçam um programa dos socialistas para a ciência e a tecnologia no Brasil.
Política Nacional de C,T&I
ANPG: Historicamente, muitos países alcançaram elevados
patamares de desenvolvimento quando foram capazes de apresentar inovações tecnológicas capazes de influenciar o cotidiano de seus cidadãos e, posteriormente, de cidadãos de outros países. Nesses casos, houveram fortes investimentos estatais (muitas vezes na área de Defesa Nacional) que
i m p u l s i o n a r a m a p e s q u i s a b á s i c a p a r a o p o s t e r i o r desenvolvimento tecnológico. Como o seu eventual futuro mandato pretende relacionar a questão Ciência&Tecnologia com o Desenvolvimento Nacional?
Zé Maria: Não há desenvolvimento científico e tecnológico sem uma decidida política estatal que oriente e financie as iniciativas de pesquisa. E não existe desenvolvimento nacional autônomo sem uma política científica e tecnológica nacional. Quando falamos em desenvolvimento nacional não estamos pensando exclusivamente em crescimento econômico ou aumento do PIB. Essa é uma visão simplificadora. Nossa prioridade são os trabalhadores e trabalhadores deste país, por isso para nós desenvolvimento implica em bem-estar e proteção social. Nossa candidatura tem um firme compromisso com a destinação de 10% do PIB para o financiamento da educação pública. Também estamos comprometidos com a proposta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, que considera necessário que 2% do PIB sejam destinados para o desenvolvimento harmonioso da ciência básica, da ciência aplicada e da tecnologia nacional. ANPG: O que propõem para aumentar o número de patentes
registradas no Brasil? Quais suas considerações sobre a atual Lei de Patentes?
Z.M.: Uma observação preliminar: o problema não é o de aumentar simplesmente o número de patentes, mas o de desenvolver o conhecimento que possa aumentar o bem estar da população. A Lei de Patentes precisa ser rediscutida. Em sua forma atual destina-se a proteger os ativos das grandes corporações farmacêuticas e tecnológicas. Não achamos correto que os resultados de pesquisas realizadas com financiamento público sejam apropriados privadamente. Além disto, a propriedade de uma patente não pode se contrapor à necessidade pública, como muitas vezes ocorre no caso de medicamentos. O bem comum sempre deve prevalecer sobre a propriedade privada, inclusive no campo das ideias.
ANPG: O crescimento da pós-graduação strictu senso nos últimos
anos se deu na esteira da expansão das Universidades Federais. Essa expansão tem aumentado significativamente a demanda por recursos. Quais suas propostas para atingir a meta de mestres e doutores expressa pelo PNPG?
Z.M.: O crescimento da pós-graduação tem ocorrido de maneira desordenada, assim como a expansão das universidades federais, a qual é orientada, muitas vezes, por critérios meramente clientelistas. A expansão das vagas sem uma expansão proporcional dos recursos é insustentável e demagógica. Sou a favor de uma ampla democratização do acesso às universidades em todos os níveis mas para isso a prioridade é a destinação de 10% do PIB para a educação. Sem recursos apropriados a expansão é feita sem qualidade e baseada na precarização e superexploração do trabalho dos docentes e servidores técnico-administrativos.
Financiamento de C,T&I
ANPG: A aprovação do PNE e da destinação de 75% dos royalties
do pré-sal foram respostas às demandas por mais financiamento na Educação. A regulamentação, entretanto, trouxe esvaziamento de parte do FNDCT. Qual sua proposta para recompor esse fundo e para ampliar o investimento no setor?
Z.M.: O PNE compromete seriamente um ensino público, gratuito, universal, laico, unitário e de qualidade social, como dever do Estado e direito universal. Ele dilui o dever do Estado na garantia do direito à Educação Pública institucionalizando as Parcerias Público Privadas (PPP’s). Dois princípios norteiam nossa visão a respeito. Primeiro, o aumento dos recursos destinados à educação não pode ser uma moeda de troca para a privatização da exploração do petróleo no Brasil. Segundo, os recursos públicos não podem ser dirigidos para o benefício de instituições privadas, as verbas públicas devem ser destinadas a universidades e centros de pesquisa públicos e estatais. O caminho adotado pelo governo viola esses dois princípios. O
PNE prevê a destinação de recursos públicos para empresas privadas de ensino. Consolida, assim, a política do governo federal, o qual destinou recentemente R$ 5 bilhões para o Fundo de Financiamento Estudantil, destinado a socorrer as instituições privadas de ensino. O esvaziamento dos recursos destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico é a contrapartida dessa política privatista. Desse modo, a recomposição desse fundo passa pelo fim do financiamento público às instituições privadas, as quais reconhecidamente tem uma participação irrelevante na produção de novos conhecimentos, e pela destinação de 2% do PIB para C&T.
Regulamentação do Lato Sensu
ANPG: A expansão do número de formados no ensino superior
ampliou as expectativas do mercado sobre as especializações como fator de diferenciação. A proliferação de cursos de especialização aconteceu sem qualquer tipo de regulamentação por parte do governo. Qual sua proposta para regulamentação do ensino superior?
Z.M.: O sistema nacional de ensino superior deve ser completamente público e gratuito. Seu objetivo deve ser a formação intelectual e profissional de nossa juventude e o combate às desigualdades sociais. As instituições particulares de ensino estão orientadas pelo lucro. Não tem outro propósito. É por essa razão que o ensino nessas instituições é geralmente de má qualidade e que a pesquisa feita nelas praticamente inexiste. A regulamentação dessas instituições particulares tem se revelado ineficaz. As recorrentes fraudes nos sistemas de avaliação e as artimanhas inventadas para elevar artificialmente os conceitos obtidos por essas instituições mostram que se trata de um beco sem saída. O ensino superior, e isto inclui o sistema de pós-graduação, deve ser completamente público e estatal. Esse é o começo de toda e qualquer regulamentação eficaz e de um planejamento consistente, que permita expandir o ensino e pesquisa onde as
carências são maiores. A regulamentação do ensino superior deve ser parte de uma política de expansão com qualidade. Ela deve ser sensível às desigualdades regionais e as diferentes demandas das comunidades locais, garantindo padrões de qualidade e a relevância social das instituições. As instituições de ensino superior devem estar mais próximas do povo trabalhador e não podem estar subordinadas às necessidades imediatas do mercado ou subordinada a polícias clientelistas, como até o momento.
Ciências sem Fronteiras
ANPG: O programa Ciências sem Fronteiras é uma forte aposta no
intercâmbio acadêmico com outros países. Qual sua opinião sobre o programa? Como resolver a contradição de oferecer bolsas de estudo para estudantes no exterior enquanto este benefício não está universalizado nas Universidades brasileiras?
Z.M.: A universidade brasileira precisa se internacionalizar. Ela deve estar atenta ao que está ocorrendo no mundo, precisa trocar experiências com instituições de pesquisa de outros países. Não é possível produzir conhecimento inovador encerrado em um casulo. Por isso o intercâmbio acadêmico de estudantes, professores e pesquisadores com outros países é muito importante. Mas se o cobertor é curto uma parte vai ficar de fora. Enquanto as verbas para a educação continuarem a ser drenadas para pagar a dívida pública, esse cobertor continuará curto. Oferecer bolsas de estudo no exterior sem um aumento considerável das bolsas de estudo no Brasil é um absurdo. Mas é um absurdo perfeitamente compreensível, embora não justificável. O governo fez uma opção errada, uma opção preferencial pelos banqueiros.
Bolsas de pesquisa: natureza, concessão e valorização
ANPG: O desenvolvimento econômico dos últimos anos elevou os
através do pagamento de altos salários, passou a competir pelos melhores profissionais com a academia e a carreira cientifica, que oferece pífias bolsas de estudo ao passo que exige dedicação exclusiva. Em um futuro e eventual governo, como pretende lidar com o problema da falta de valorização das bolsas de pesquisa? Existe alguma outra proposta para manter o interesse de jovens profissionais na carreira acadêmica?
Z.M.: A solução passa por uma política de valorização da pesquisa científica e da atividade docente, ou seja, valorização das bolsas e salários dos pesquisadores e docentes. Sem condições de uma permanência digna na universidade durante a formação e sem perspectivas profissionais razoáveis não conseguiremos segurar jovens promissores nas instituições de ensino superior. É preciso lembrar que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva acabou com um dos poucos atrativos da carreira docente, o direito à aposentadoria integral. Isso precisa ser revertido imediatamente. O Brasil não está perdendo talentos só para as grandes corporações. Está perdendo, também, para instituições de ensino e pesquisa no exterior.
ANPG: As bolsas de pesquisa, ofertadas pela CAPES e CNPq,
sofreram forte desvalorização se comparadas com o salário mínimo nos últimos dez anos. Qual sua proposta para reverter essa tendência?
Z.M.: As bolsas de pesquisa precisam ser reajustadas imediatamente recuperando suas perdas históricas e é preciso definir uma política de reajuste automático de acordo com a inflação. Atualmente esses reajustes dependem da vontade arbitrária das agências de fomento.
ANPG: O que o sr. pensa sobre o acúmulo entre bolsa de
pesquisa e vínculo empregatício?
Z.M.: Só se justifica se a atividade laboral tiver um número restrito de horas semanais, estiver diretamente associada às
atividades de ensino e pesquisa e não implicar na precarização do trabalho do docente e do pesquisador.
Direitos dos pós-graduandos
ANPG: O pós-graduando ocupa uma função social híbrida. Ao
mesmo tempo que é um estudante, é também um trabalhador, de quem se exige um produto (dissertação ou tese). Se esse produto não for entregue o pós-graduando bolsista pode ser acionado judicialmente para que o Estado receba de volta o valor pago a título de bolsas, afastando a interpretação de que a bolsa é um mero auxílio ou apoio assistencial. A ANPG tem se dedicado a debater as condições de trabalho dos pós graduandos. Qual sua opinião a respeito? Quais direitos devem ser garantidos? Como viabilizar essa demanda?
Z.M.: De maneira cada vez mais nítida estudantes de pós-graduação têm se tornado trabalhadores precários. Não se exige deles apenas um produto final. Trabalham cotidianamente em laboratórios e centros de pesquisa, muitas vezes participam de atividades pedagógicas e auxiliam na formação de colegas mais jovens. Essa precarização do trabalho intelectual tem que acabar. Eu defendo que os pós-graduandos tenham seus direitos trabalhistas assegurados, dentre eles, evidentemente, a seguridade social, a licença maternidade, férias e décimo-terceiro.