O direito à privacidade -‐ normas internacionais e o
balanceamento de interesses
Njal Hostmalingen, Director do International Law and Policy Institute (ILPI) Fala para Cefojor, Luanda, em 15 Junho 2015
O International Law and Policy Institute (ILPI) é contratado pela Embaixada da Noruega em Luanda, a cooperar com o Ministério da Justiça e Direitos Humanos (MJDH) no projecto "Angola Human Rights Training ". No outono passado, tivemos o prazer de ter uma delegação de média de Angola a visitar a Noruega, e tivemos reuniões de acompanhamento com os representantes das delegações e das suas instituições nesta primavera. O seminário de hoje é uma continuação dessas actividades.
Vou examinar brevemente a privacidade e os novos meios de comunicação, em seguida, a privacidade como um direito humano. Vamos conhecer as normas internacionais e regionais, e os direitos e deveres. Isto vai ser seguido por uma secção sobre o alcance do equilíbrio. Vou terminar minha breve fala com atenção especial sobre o papel da média. A minha colega Anja S. Ostgard irá guiar-‐nos através dos novos meios de comunicação.
Privacidade e novos meios de comunicação
A comunicação é um elemento fundamental em nossas vidas como seres humanos. Nós todos nos relacionamos em uma grande variedade de cenários e contextos. A família -‐ seja o núcleo ou grupo alargado, como casais, filhos, pais, avós e tios e tias -‐ é o elemento-‐chave. A próxima seção normalmente incluiria amigos, comunidade e relações de aldeia. A terceira seção é mais sobre as relações de identidade, como sendo parte de uma cidade, nação ou região.
Identificamo-‐nos como indivíduos, não só de nossa personalidade interior, mas também de nossas relações. Ainda como seres sociais, nós somos independentes. Mas em nossa independência, ficamos juntos a fim de sentir e de obter segurança. E em nossas relações com os outros nós desenvolvemos tanto como indivíduos, mas também como sociedade.
Grande parte dessa comunicação é realizada através da média. Somos influenciados por jornais, rádio e televisão, como temos sido nos últimos séculos. Mas hoje as novas (ou sociais) médias desempenham um papel ainda mais importante. E uma das diferenças interessantes é que as novas médias não só se comunicam connosco, mas também nos permite, em grande medida, comunicar-‐ nos uns com os outros. Desta forma, os novos meios de comunicação ampliam nossa arena privacidade.
Privacidade como um direito humano
Privacidade é uma disposição de Direitos Humanos bem estabelecida. Ela é protegida em tratados universais e regionais de Direitos Humanos, bem como em muitas constituições, como a de Angola e da Noruega.
Ao mesmo tempo, muitas outras disposições de Direitos Humanos também abrangem a arena da privacidade. O direito à vida é dito ser a mais extrema disposição sobre privacidade. Um outro direito, à educação, permite que cada um de nós seja educado para tomar decisões individuais e posições na vida. O direito à religião é, obviamente, também intimamente ligado à vida privada, como aquilo em que acreditamos ou não, e como nós praticamos. A proibição da tortura e dos maus tratos é garantir que este tipo de violação do direito à privacidade seja proibida.
O direito à privacidade pode, assim, ser visto como uma categoria conclusiva dos Direitos Humanos a que não foram atribuídas disposições específicas nas convenções.
O direito à privacidade é um direito humano que se desenvolve de acordo com a evolução da sociedade em geral. Embora não existisse vigilância na Internet quando as convenções fundamentais de Direitos Humanos foram adoptadas, essa violação da privacidade é regulada pelas disposições existentes.
Normas internacionais
A privacidade é protegida no artigo 12o da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada pelas Nações Unidas em 1948: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques a sua honra e reputação. Todo o homem tem direito à protecção da lei contra tais interferências ou ataques.”
Nós encontramos um artigo semelhante no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), artigo 17o: " 1. Ninguém será objecto de intervenções arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem de atentados ilegais à sua honra e à sua reputação. 2. Toda e qualquer pessoa tem direito à protecção da lei contra tais intervenções ou tais atentados." Tanto Angola quanto a Noruega ratificaram esta convenção, e são legalmente obrigados a implementar isso em seus respectivos países.
No plano regional, o artigo 8o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem é muito importante para os países europeus. A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos não tem uma disposição específica sobre esta matéria. O artigo 5o da Carta está a considerar este direito, mas dá menos protecção aos indivíduos que o PIDCP mencionado acima: "Todo indivíduo tem direito ao respeito da dignidade inerente à pessoa humana e ao reconhecimento da sua personalidade jurídica."
Conteúdo do direito à privacidade
O direito à privacidade inclui muitos e diferentes elementos. A família é explicitamente mencionada no artigo 17o do PIDCP, e isso inclui o direito de constituir família e de viver juntos como uma família. A disposição protege a livre escolha na orientação e actividade sexual. O direito de ter um nome e de escolher e mudar o seu nome também está incluído no artigo 17o. A correspondência também está listada, seja ela cartas, telefone, conversas -‐ ou correspondência baseada na Internet. O direito de viver livre de vigilância não é
mencionado, mas aceito como um elemento importante da privacidade. O direito de ter uma casa livre de interferências de outros é explicitamente mencionado, seguindo o velho dito britânico "Minha casa é meu castelo". Muitos outros elementos estão incluídos, tais como o direito de permanecer em silêncio, o direito ao controle de natalidade, o direito de escolher sua própria educação ou o seu trabalho de escolha. A lista é muito longa.
Limitações
Por outro lado, o direito à privacidade não é ilimitado. O artigo 18o do PIDCP afirma que apenas a interferência "arbitrária ou ilegal" é proibida. Nós temos o mesmo sistema sob liberdade de expressão e liberdade de religião ou crença, ou ao abrigo da liberdade de reunião e associação. Esta é a famosa cláusula de recuperação.
A interferência legal tem que cumprir três condições:
1) A interferência tem que ser de acordo com a lei. Isso geralmente é uma condição formal que deve ser fácil de superar, a estabelecer leis formais ou a dar referência ao Direito Consuetudinário.
2) A interferência tem que cumprir alguns objectivos específicos, geralmente de segurança nacional, segurança pública, ordem pública, de protecção da saúde pública ou moral, ou a protecção dos direitos e liberdades de outrem. Estes objectivos específicos abrangem bastante, e geralmente são considerados aceitáveis.
3) O terceiro critério é que a interferência deve ser necessária em uma sociedade democrática. Isso geralmente é o verdadeiro teste para estabelecer uma violação do direito à privacidade ou não. O Estado em questão tem uma margem de apreciação, mas com limites claros. Se ele não pode argumentar que a interferência está de acordo com estes três critérios, haverá violação do direito à privacidade.
Direitos e deveres
O sistema de leis de Direitos Humanos é muito simples: Os indivíduos são titulares de direitos e o Estado é o único garantidor de cumprimento.
"Indivíduos", neste contexto, é bastante amplo: inclui blogueiros, jornalistas, editores, órgãos de comunicação, sindicatos, organizações da sociedade civil, etc.
Definição do Estado, por outro lado, inclui todos os órgãos do Estado e os indivíduos que são representantes do Estado. Assim, um Ministério pode ser responsável, assim como burocratas, policiais, professores, etc.
Convenções sobre Direitos Humanos pedem resultados. Se um Estado não protege o direito à privacidade, então não há nenhum uso para argumentar que não havia recursos suficientes, que não havia mal-‐entendidos ou falta de implementação a nível local, etc. Tudo refere-‐se a o que você entregar ou não.
A alcançar o equilíbrio
As normas internacionais de Direitos Humanos foram criadas como uma forma de balancear o poder entre Estado e indivíduo. Isso é, de algum modo, regras definidas para garantir o Contrato Social de Rousseau.
Mas no sector de média não é apenas o Estado que é poderoso, mas também os meios de comunicação. Desta forma, os meios de comunicação também devem prestar atenção ao dever de respeitar a privacidade dos indivíduos. A média deve evitar prejudicar desnecessariamente, além de proteger os indivíduos contra eles mesmos. Isso poderá ser necessário com uma abordagem passo a passo, e aceitar o contexto em que cada um se comunica.
Dito isto, as obrigações de Direitos Humanos sempre descansam sobre as autoridades estaduais. Portanto, se os particulares estão sujeitos à violação de sua privacidade pela média, as autoridades do Estado devem dar às pessoas a devida protecção.
Média a respeitar e desafiar
A média, tanto em Angola quanto na Noruega, têm diferentes incumbências que também influenciam a sua relação com disposições de Direitos Humanos.
Uma incumbência óbvia é a de entreter. Vemos isso em todo o mundo, e nós vemos isto na vasta quantidade de artigos sobre desporto, lazer, música e cinema estrelas.
Outra incumbência é informar: o que está acontecendo em diferentes sectores da sociedade, o que está acontecendo na cena internacional.
Uma terceira incumbência é educar e ensinar como uma elaboração do dever de informar.
Uma quarta incumbência é contestar, não só as autoridades do Estado, mas também empresas, organismos internacionais, outros Estados, sociedades religiosas, tendências na sociedade (como a violência doméstica etc.)
Uma quinta incumbência é fazer dinheiro, não só para os proprietários, mas também para permitir salários para os jornalistas e funcionários.
Em todas essas incumbências, pode haver conflitos com o direito à privacidade. Como exemplo, os jornais europeus têm sido muito activos em suas cobertura de famílias reais. Uma vez que os jornais têm a incumbência de entreter, informar, contestar e, não menos importante, ganhar dinheiro, eles têm que encontrar um equilíbrio que não esteja a violar a privacidade dos indivíduos envolvidos. A história trágica da princesa Diana é bem conhecida e deveria ter sido evitada, enquanto a princesa Stephanie de Mónaco processou jornais em diferentes países europeus.
Os novos meios de comunicação não necessariamente têm as mesmas incumbências como a média tradicional, e agora estou a deixar a palavra para Anja e os novos meios de comunicação.
Anja Ostgard, Consultora do International Law and Policy Institute (ILPI):
Ao encerrar esta palestra, vou dar uma breve introdução sobre o direito à privacidade em relação a desenvolvimentos tecnológicos e o novo panorama mediático.
O direito à privacidade e os novos meios de comunicação
O direito à privacidade, no sentido convencional, tem seu fundamento em três principais instrumentos internacionais. A Carta Internacional dos Direitos Humanos, de 1948, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, estes últimos, ambos foram adoptados em 1966 e entraram em vigor 1976.
Porém, as convenções e acordos internacionais e regionais foram desenvolvidos com base de meios de comunicação tradicionais, tal como a imprensa escrita, televisão, rádio, etc.
Como sabemos o conceito de comunicação sempre está a desenvolver-‐se junto com as novas tecnologias de informação e comunicação, então é em conceito em movimento. Novos documentos de direitos humanos reflectem o desenvolvimento dessas tecnologias e novas demandas sociais em consequência de tal quadro. Por exemplo, os Comentários e resoluções do Comité dos Direitos do Homem da ONU; HRC/20/L.13 (2012) e HRC Res/12/16 (2009), bem como resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas, GA Res/66/184 (2012), entre outros dispositivos. A inclusão de considerações sobre as novas tecnologias em provisões e directrizes sobre o direito à privacidade e protecção de dados é um processo paulatino. Por exemplo, na União Europeia, a Directriz de Protecção de Dados de 1995 tem tido adição de várias novas directrizes para seguir os desenvolvimentos técnicos, como comércio online e a Directiva sobre Comércio Electrónico de 2000. O último processo de revisão e proposta de um pacote legislativo, a decisão-‐quadro proposta relativa à protecção de dados pessoais, começou em 2009 e ainda está sujeito a debate e sob consideração.
O novo panorama mediático
As novas tecnologias de informação e comunicação, incluindo páginas de internet, blogs, jornais online, média social, etc. constituem um instrumento valioso de expressão, opinião e associação, já que abrem as possibilidades de receber informação, contribuir e divulgar informação.
As novas médias são, portanto, valiosos instrumentos para a democracia, já que permitem acesso mais abrangente a todo tipo de informação bem como estabelecem uma participação mais ampla de diversos atores e a ampliação do público-‐alvo. Por exemplo, nota-‐se a influencia de indivíduos e suas opiniões por meio de páginas de internet, blogs, comentários, entre outras plataformas. Dessa forma, mais pessoas tem acesso a variadas fontes de opinião, o que dificulta a
manipulação por veículos de comunicação específicos, ou mesmo um grupo mediático.
Porém, ao mesmo tempo que os novos meios de comunicação abrem oportunidades e vantagens, também criam desafios. Um desafio pelos atores no sector de media pode ser a verificação de fontes e informação. Dada a velocidade dos novos meios de comunicação, o fluxo de informações compartilhadas, bem como as proporções de seu conteúdo, jornalistas devem estar atentos às fontes, bem como à verificação da veracidade de tal conteúdo.
Outros desafios na profissão dos jornalistas podem ser a protecção de fontes, a garantia de qualidade com um ritmo de trabalho acelerado, além do dever de retirar ou editar informação publicada.
Em relação ao papel de editores, os desafios incluem a verificação de fontes e informação transmitidas em segunda ou terceira mão, a responsabilidade por comentários e debates em páginas de internet ou jornais online, e a possibilidade de retirar ou editar informação publicada.
Em conclusão,
Como é um sector submetido a desenvolvimentos tecnológicos contínuos, é importante ter conhecimento sobre os novos meios e plataformas de comunicação e seu uso. Os conflitos com o direito à privacidade resultam de tal processo e as respostas do Direito Internacional devem estar em consonância com avanços tecnológicos e demandas sociais.
As novas tecnologias de informação e comunicação oferecem uma plataforma muito valiosa para a liberdade de expressão, acesso à informação e contribuições por mais contribuidores.
Entretanto, o novo panorama mediático exige novas tarefas e maneiras de trabalhar pelos jornalistas e os editores. Nesse sentido, é importante que profissionais desse sector e outros atores sociais estejam cientes de seu papel e das consequências de suas acções, a fim de desenvolver práticas que combinem e balancem a ampla disseminação de informações e o respeito do direito à privacidade daqueles envolvidos.