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HTLV-I: Manifestações Neurológicas e Tratamento

Augusto Cesar Penalva de Oliveira, Felipe von Glehn e Jorge Casseb

O HTLV-I (vírus linfotrópico de células T humanas tipo 1) é um membro da família Retroviridae, vírus que infectam principalmente animais vertebrados. Foi o primeiro retrovírus a ser isolado em seres humanos em 1980 nos Estados Unidos, quando um paciente portador de linfoma teve seu quadro clínico associado ao mesmo e ao longo do tempo outras doenças também foram associadas a sua infecção, tais como paraparesia espástica tropical/ mielopatia associada ao HTLV-I (HAM/TSP), leucemia/ linfoma de células T do adulto (ATL), uveíte e outras manifestações inflamatórias.

Com a criação de testes sorológicos para detectar anticorpos anti-HTLV-I e II em 1983, vários inquéritos epidemiológicos observaram o HTLV em

diversas partes do mundo, obtendo uma estimativa global atual de 15 a 20 milhões de pessoas infectadas. No Brasil, o HTLV-I já foi demonstrado em todas as regiões geográficas. Em estudo nacional com doadores de sangue, a prevalência total foi de 0,45%, estimando-se que cerca de um milhão de brasileiros são portadores do HTLV.

O vírus HTLV-I tem sua organização genômica composta por um core central eletrodenso, que contém duas cópias de ácido ribonucleico (RNA) de

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fita única com 8,8 e 9 quilobases de tamanho, enzima transcriptase reversa (RT), proteínas da matriz viral e capsídeo proteico, além de um envelope

externo composto de glicoproteínas, formando um tamanho aproximado de 100 nanômetros de diâmetro.

O HTLV-I e HTLV-II são vírus de baixa virulência e a maioria dos indivíduos infectados não desenvolverá doenças (menos de 5%),

permanecendo assintomática pelo resto das suas vidas. Este fato tem importantes implicações no aconselhamento e avaliação prospectiva dessa população. Outro ponto importante é a pesquisa de co-infecções nestes pacientes, principalmente HIV e HCV, pois esta associação provoca um

aumento da probabilidade anterior do desenvolvimento de doenças associadas ao HTLV-I, como a HAM/TSP, chegando a aproximadamente 20-25%.

O envolvimento do sistema nervoso central (SNC) pelo HTLV-I

começou a ser estudado inicialmente e de forma independente nos trópicos e no Japão como duas doenças neurológicas crônicas distintas na década de 80. No Japão, estudos de Osame e colaboradores associaram casos diagnosticados inicialmente como paraparesia espástica espinhal com uma alta frequencia sorológica de anticorpo anti-HTLV-I e a denominaram mielopatia associada

ao HTLV-I (HAM). Nas ilhas do Caribe, Gessain, Roman e Rodgers, entre

outros, detectaram alta frequência desta infecção com quadro de

mieloneuropatia espástica e a denominaram paraparesia espástica tropical

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evidências, TSP e HAM foram consideradas como uma única entidade clínica em 1988 pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

A HAM/TSP é caracterizada por uma paraparesia espástica que se inicia nos membros inferiores, evoluindo com graus variáveis de distúrbios sensoriais como parestesias e dores lombares, distúrbios urinários, constipação intestinal e disfunção erétil. O início dos sintomas ocorre geralmente na quarta década de vida, sendo incomum o seu aparecimento antes dos 20 ou após os 70 anos, predominando no sexo feminino. Esta diferença de gênero provavelmente reflete a forma de transmissão sexual mais eficiente do homem para mulher. Ocorre de forma esporádica, exibindo poucas vezes um caráter familiar. A evolução é usualmente crônica, progredindo por vários anos. Há, no entanto, alguns casos de progressão subaguda com intervalos de remissão e reativação da doença.

Possivelmente, o mecanismo envolvido é uma reação inflamatória induzida ou não por antígenos do HTLV-I ao nível medular.

Histopatologicamente, observa-se um processo inflamatório crônico com infiltração linfocitária, que ao longo do tempo, é substituído por um processo degenerativo da substância branca medular e reação glio-mesenquimal. O sítio de maior acometimento é a medula torácica baixa, embora todo o neuro-eixo possa estar envolvido.

De fato, a carga de DNA pró-viral parece ter um papel crucial na

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complexo de histocompatibilidade principal (MHC), que predisporia a uma resposta inflamatória mais intensa e contínua contra ao HTLV no SNC, com consequente desmielinização e degeneração medular. Um estudo japonês observou uma carga pró-viral 5 a 20 vezes maior nas células mononucleares periféricas dos pacientes com HAM/TSP, quando comparados a indivíduos assintomáticos. O líquido cefalorraquidiano (LCR) pode apresentar linfocitose e pleiocitose, hiperproteinorraquia e aumento da síntese intratecal de anticorpos específicos.

O diagnóstico da HAM/TSP se baseia na confirmação laboratorial da infecção pelo HTLV-I através da detecção de seus antígenos ou anticorpos anti-HTLV-I e/ou pelo seu isolamento viral direto a partir de amostras de sangue ou LCR; associado ao típico quadro clínico medular. Menos frequentemente, outras manifestações neurológicas como uma síndrome neuropática periférica, síndrome muscular e síndrome autonômica podem acompanhar ou não a

síndrome medular clássica, exigindo uma ampla investigação diagnóstica para afastar outras etiologias (infecciosas, toxico-metabólicas, autoimunes,

paraneoplásicas e de origem genética). Tratamento

A principal medida já tomada contra o HTLV ocorreu em 1986, quando o governo japonês instituiu a aplicação de testes de triagem para HTLV nos bancos de sangue, descartando os hemoderivados positivos, o que provocou a diminuição drástica dos novos casos de HAM/TSP associados a transfusões no

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Japão. Com estes resultados, também os governos dos EUA em 1988, e do Brasil em 1993, determinaram testes de triagem obrigatória em seus bancos de sangue, reduzindo assim esta forma de transmissão.

Indivíduos portadores do HTLV-I saudáveis devem ser aconselhados quanto aos mecanismos de transmissão da infecção (relação sexual

desprotegida, compartilhamento de agulhas e seringas para os usuários de drogas, transmissão vertical, principalmente, através do aleitamento materno) e assegurados quanto à reduzida probabilidade de virem a desenvolver doença no futuro. Se necessário, devem ser encaminhados para acompanhamento

psicológico especializado. No momento, baseado em evidências científicas, não existe qualquer indicação de que determinado tipo de intervenção farmacológica contra o HTLV-I desempenhe algum papel na profilaxia do desenvolvimento das doenças relacionadas.

Portadores do vírus, uma vez identificados, devem ser submetidos à anamnese e exame físico geral, objetivando a identificação de manifestações precoces de doença e prováveis vias de aquisição da infecção, devendo ser avaliados periodicamente a cada 6 a 12 meses. Nos usuários de drogas endovenosas recomenda-se a pesquisa de outros patógenos comuns a esta população, como Hepatite B e C, HIV, entre outros. Nos indivíduos com vida sexualmente ativa, recomenda-se a testagem para HTLV dos parceiros. Em mulheres infectadas pelo HTLV-I, os filhos deveriam ser testados a partir do segundo ano de vida.

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Indivíduos que apresentarem alterações dermatológicas, tais como xerose, xerostomia e xeroftalmia, devem ser também avaliados por um especialista em dermatologia. Abaixo, segue o tratamento sintomático proposto:

 Xerose: Creme de ureia a 10% , uma a duas vezes ao dia.

 Xerostomia: Manter elevada ingesta hídrica e uso de saliva artificial.  Xeroftalmia: Colírios de lágrima artificial.

Vale ressaltar que a pele pode ser um dos primeiros sítios de

aparecimento de um quadro de leucemia/ linfoma de células T do adulto (ATL) e que nos casos suspeitos de comprometimento hematológico, investigação adequada deverá ser realizada rapidamente como, por exemplo, biópsia de pele e linfonodos comprometidos, esfregaço de sangue periférico e

imunofenotipagem do sangue.

No tratamento específico da HAM/TSP, é importante salientar que não existem estudos duplos cegos randomizados controlados recentes na literatura e as terapias propostas se baseiam em pequenos estudos observacionais ou

experiência de especialistas. Os corticosteróides em pulso de altas doses têm sido relatados como vantajosos, sobretudo para os pacientes em fase inicial da instalação dos sintomas. Sugere-se, para os casos com LCR demonstrando padrão inflamatório, um pulso de metilprednisolona (1g/dia, IV, por três dias). Durante o acompanhamento bimestral ou trimestral, são aplicadas as escalas neurológicas, como a escala de marcha de Osame (Quadro 1) e a escala de

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três ou quatro pulsos, comparam-se os valores basais com os do

acompanhamento e pode-se determinar se o paciente apresenta resposta satisfatória ou não ao corticoide.

O interferon-alfa (IFN-α) se mostrou efetivo na inibição da replicação viral in vitro e também pode ser alternativa no tratamento da HAM/TSP. Drogas antirretrovirais, usadas em pacientes infectadas pelo HIV, como a zidovudina (AZT), inibiram a replicação do HTLV-I in vitro e in vivo. Em estudos pontuais, o uso de 2g/dia nas primeiras quatro semanas, seguidos de 1g/dia por mais 20 semanas, mostrou, que após melhora nas primeiras semanas, em 90% dos pacientes houve retorno da sintomatologia depois da suspensão da medicação.

O ácido valpróico (VPA) na dose de 20mg/kg/dia também tem sido utilizado por alguns autores, baseados em estudos em modelos experimentais, onde a medicação aumentaria a expressão de antígenos virais na superfície de linfócitos infectados, como a proteína p19, facilitando a sua eliminação e com consequente redução da carga pró-viral. Este efeito precisa ser comprovado por mais estudos. Alguns efeitos colaterais limitam o seu uso, tais como sonolência, vertigem, tremor, sintomas digestivos e alopécia.

Assim, corticosteróides, fisioterapia motora e medidas que reduzam a espasticidade são atualmente os eixos no tratamento da HAM/TSP.

É ainda importante observar que alguns pacientes apresentarão co-infecções que podem influir na evolução e/ou compartilhar opções de

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cujo tratamento inclui o uso de IFN-α, que pode atuar contra os dois agentes. Outra situação semelhante é observada na co-infecção com o HIV, em que a mielopatia aparece de modo mais frequente que na infecção exclusiva pelo HIV (mielopatia vacuolar), bem como na infecção exclusiva pelo HTLV-I, e o uso de um esquema antirretroviral combinado apresenta impacto terapêutico clínico mais significativo nesses casos.

Tratamento sintomático

Os pacientes com HAM/TSP podem apresentar sinais e sintomas comuns aos indivíduos acometidos por mielopatias de diversas etiologias, tais como dor neuropática, para ou tetraparesia, espasticidade, bexiga neurogênica,

constipação intestinal e disfunção sexual. O tratamento medicamentoso sugerido pode ser consultado no capítulo de mielites transversas deste livro.

Todos os pacientes com HAM/TSP deverão ser avaliados e

acompanhados por equipe multidisciplinar, incluindo fisioterapeuta, que

planejará atividades individualizadas para cada paciente, objetivando melhorar a força muscular e evitar atrofias e contraturas. Assim, um plano terapêutico fisioterápico deverá ser estabelecido, com metas a serem atingidas para cada paciente em seguimento.

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Quadro 1. Escala de Marcha de Osame.

0. Corre e anda normalmente. 1. Marcha normal, corre devagar.

2. Marcha anormal cambaleante ou espástica, ainda capaz de correr. 3. Marcha anormal incapaz de correr.

4. Necessita de suporte de uma mão para andar. 5. Necessita de suporte de duas mãos para andar.

6. O anterior e só consegue deambular no máximo 10m. 7. O anterior e só consegue deambular no máximo 05m. 8. Incapaz de deambular engatinha usando mãos e joelhos. 9. O anterior, só que se arrasta usando força dos braços. 10. Não anda ou engatinha, mas se move no leito sem auxílio. 11. Não se vira sem auxílio, move apenas os dedos dos pés. 12. Completamente paralisado.

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