PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO - 34ª CÂMARA

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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO - 34ª CÂMARA

APELAÇÃO COM REVISÃO Nº 772.362-0/2 – PORTO FELIZ Apelante: Santander Brasil Arrendamento Mercantil S. A. Apelada: Monte Real Roupas Profissionais

ARRENDAMENTO MERCANTIL. LEASING. AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE. CONDIÇÕES DA AÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. A legitimidade, o interesse e a possibilidade jurídica do pedido representam as condições da ação, matéria de ordem pública, suscetível de ser conhecida "ex officio" e que não exige invocação pelas partes. Pode e deve ser apreciada em qualquer época e grau de jurisdição.

REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ARRENDANTE NA POSSE DIRETA DO BEM ANTES DA PROPOSITURA DA AÇÃO. INTERESSE DE AGIR. AUSÊNCIA. CARÊNCIA DA AÇÃO. Ao propor a ação a Arrendante tinha a posse direta do veículo há oito meses e omitiu essa particularidade. Evidente a falta de interesse de agir.

Voto nº 8.348. Visto,

SANTANDER BRASIL ARRENDAMENTO MERCANTIL S. A. ingressou com Ação de Reintegração de Posse contra MONTE REAL ROUPAS PROFISSIONAIS, caracteres das partes nos autos, objetivando a reintegração liminar e, depois a (reintegração) definitiva na posse do bem descrito na inicial.

Expedido o mandado para cumprimento da liminar e citação, o Sr. Oficial de Justiça certificou:

"... deixei de reintegrar na posse o veículo indicado pelo fato do mesmo, segundo Dona Lucia Helena, já ter sido entregue ao autor ..." (folha 28 verso). Formalizada a angularidade, LUCIA HELENA AREIAS SCHMIDTTEL apresentou contestação e opôs Impugnação ao Valor da Causa, que foi autuada em apenso.

Nos autos da Impugnação ao Valor da Causa, o r. Juízo despachou:

“... Processe-se na forma do artigo 261 do CPC, sem suspensão do processo, ouvindo-se o autor em cinco dias ...” (folha 4).

Decorrido o prazo, sem manifestação do Requerente, o r. Juízo definiu:

“... acolho a impugnação para fixar o valor da causa em R$ 91.577,37 ...”. “... Recolha a autora as custas remanescentes em 48 horas, sob pena de extinção do feito ...” (folha 6 verso).

Em 6/2/2002, nos autos da Ação de Reintegração de Posse, o Cartório certificou: “... em 13.12.2001 decorreu o prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sem que a autora recolhesse as custas remanescentes conforme determinado às fls. 06/06 vº dos autos em apenso ...” (folha 55).

Seguiu-se a entrega da prestação jurisdicional:

“... JULGO EXTINTO o presente feito nos termos do art. 267, IV do CPC, ficando revogada a liminar concedida, devendo o veículo ser imediatamente devolvido ao ora réu.

Por ser vencida, arcará a autora com as custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 20% do valor da causa fixado nos autos em apenso ...” (folha 56 – destaque do original).

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SANTANDER BRASIL ARRENDAMENTO MERCANTIL S. A. recorreu. Persegue a reforma da decisão aduzindo que:

“... se estamos de uma ação movida contra uma pessoa jurídica, e quem recebeu a citação não tem poderes para tal, pois sequer sócia da empresa é, temos, assim, que a citação é totalmente irregular e o PROCESSO TORNOU-SE EIVADO DE NULIDADE A PARTIR DE ENTÃO. Portanto, a peça contestatória e a impugnação ao valor da causa deveriam ser desentranhadas dos autos ...” (folha 63 – destaques do original).

“... se a Apelante manteve-se silente, mesmo havendo sido instada a manifestar-se sobre a aludida impugnação, certo é que a mesma não se pronunciou, pois como já salientado entende que tal demanda jamais deveria ter prosseguido, pois A CITAÇÃO FOI INVÁLIDA, IRREGULAR, E O PROCESSO, PORTANTO, EIVANDO DE NULIDADE ...” (folha 64 – destaques do original). LUCIA HELENA AREIAS SCHIMITTEL apresentou contra-razões defendendo o acerto da decisão (folhas 72/74).

Os autos foram remetidos a esta Corte. Em 6/6/2005 determinou-se à Apelante:

“... Há notícia de que a Apelante, quando da propositura desta ação, já estava na posse do veículo (folhas 34/42), por força de liminar concedida em outra ação idêntica.

Comprove-se, documentalmente, a atual fase daquele processo, inclusive com cópia de eventual sentença ali proferida ...” (folha 82).

SANTANDER BRASIL ARRENDAMENTO MERCANTIL S. A. manifestou-se: “... conforme se depreende da cópia ora anexada, aquele processo foi julgado extinto SEM O JULGAMENTO DO MÉRITO.

Quando da extinção daquele feito, o ora Recorrente estava ciente de que deveria proceder a devolução do veículo, objeto do arrendamento ao Requerido.

No entanto, como se vislumbra dos autos, outros são os sócios proprietários, razão pela qual a devolução não ocorreu na pessoa da Recorrida neste feito ...”.

“... Embora a pretensão do Recorrente fosse proceder a devolução do bem a quem de direito (novos sócios proprietários), certo é que não os localizou para este fim.

Assim, Excelência, o Autor ingressou a demanda contra a pessoa jurídica Monte Real Roupas Profissionais, requerendo a reintegração do bem, objeto da garantia contratual, visando a prolatação de uma sentença de mérito na qual se consolidasse a posse plena do veículo em mãos do Requerente para posteriormente realizar a venda do mesmo ...” (folha 86).

Relatado o processo, decide-se.

Para propor ou responder ação é necessário ter interesse e legitimidade1. O interesse processual reflete-se na necessidade do pedido da sentença de mérito e na utilidade dessa prestação jurisdicional. Legitimidade é o consentimento dado pelo ordenamento jurídico para que alguém se afirme, em juízo, como titular de um direito material. O pedido é juridicamente possível quando não encontrar óbice ou proibição legal.

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São as "condições da ação" matéria de ordem pública que pode e deve ser apreciada em qualquer época e grau de jurisdição. O Requerente será considerado carecedor da ação quando não estiverem presentes todas as suas condições, ou seja, basta a ausência de uma delas para que o processo seja extinto sem julgamento do mérito.

A questão de ordem pública é suscetível de ser conhecida ex officio e não exige a invocação das partes.

Constitui o arrendamento mercantil (leasing) relação jurídica de direito material pela qual uma das partes envolvidas – arrendador - cede o uso de um ou de mais bens (como veículos, máquinas ou equipamentos) para a outra, mediante o pagamento de prestações periódicas, sendo que ao fim do contrato o arrendatário tenha as opções de comprá-los, de devolvê-los ou de renovar a avença.

Esse contrato tem natureza jurídica própria, ainda que nele possam ser identificados alguns elementos dos compromissos de compra e venda, da locação ou do mútuo, já que findo o prazo do ajuste (que não passa de concessão de crédito para compra de determinada coisa) há possível opção de aquisição do bem, com abatimento das prestações pagas como contraprestação mensal pelo seu uso, gozo e fruição. Pontos assemelhados mas com diferenças impeditivas da adoção do mesmo tratamento jurídico.

Em 6/6/2001, alegando “esbulho” praticado pela “Arrendatária”, porque teria deixado de honrar o pagamento das prestações ajustadas, o Requerente ingressou com Ação de Reintegração de Posse pretendendo a (reintegração) na posse do bem “arrendado”.

Em 18/6/2001, O Sr. Oficial de Justiça certificou:

"... deixei de reintegrar na posse o veículo indicado pelo fato do mesmo, segundo Dona Lúcia Helena, já ter sido entregue ao autor ..." (folha 28 verso). LÚCIA HELENA AREIAS SCHIMITTEL apresentou contestação, encartando cópia do "Auto de Reintegração de Posse”, relativo ao bem, objeto desta ação, lavrado pelo Oficial de Justiça em 18/10/2000, no processo sob o nº 227/00, que tramitou pela 1ª Vara Cível da Comarca de Porto Feliz:

"... Aos dezoito dia(s) do mês de outubro de 2000, nesta Comarca de São Paulo (...) passamos a reintegrar o autor na posse do veículo marca Fiat, tipo Pálio EDX, cor verde, chassis 9BD178226V0185374, ano 1997/97 ...” (folha 40). Em 24/1/2006, o Apelante (Requerente) admitiu que foi reintegrado na posse do veículo, objeto desta ação, por força de liminar concedida em outro processo, em período anterior à propositura desta ação e, esclareceu, que, não obstante a extinção daquele processo e da ordem de devolução à Requerida (naqueles autos), permanece com o bem:

“... aquele processo foi julgado extinto SEM O JULGAMENTO DO MÉRITO ...”.

“... estava ciente de que deveria proceder a devolução do veículo ...” (folha 85 – destaques do original).

“... Embora a pretensão do Recorrente fosse proceder a devolução do bem a quem de direito (novos sócios proprietários), certo é que não os localizou para este fim.

Assim, Excelência (...) ingressou com a demanda (...) visando a prolação de uma sentença de mérito na qual se consolidasse a posse plena do veículo em mãos do Requerente ...” (folha 86).

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Ao propor a ação o Requerente tinha a posse direta do bem há oito meses e omitiu essa particularidade.

Estando (na posse direta do bem) deveria ter ingressado em Juízo com ação competente, diversa, evidentemente, da eleita, pela falta do interesse processual.

Sobre o tema, são relevantes os subsídios da jurisprudência desta Corte:

"... O direito de ação é o direito subjetivo público de pleitear ao Poder Judiciário uma decisão sobre uma pretensão. Em suma, é o direito de obter do Estado uma decisão sobre determinado pedido.

A pretensão é o bem jurídico que o autor deseja obter por meio da atuação jurisdicional.

O direito de ação é dividido em dois planos: o plano do direito constitucional e o plano processual.

Sob o aspecto constitucional o direito de ação é amplo, genérico e incondicionado (artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal), salvo as restrições constantes da própria Constituição.

Quanto ao direito processual de ação não é incondicionado e genérico, mas conexo a uma pretensão, com quem mantém certos liames. O direito de ação não existe para satisfazer a si mesmo, mas para fazer atuar toda a ordem jurídica, de modo que o seu exercício é condicionado a determinados requisitos, ligados à pretensão, chamados condições da ação.

Os vínculos existentes entre o direito de ação e a pretensão, formando uma relação de instrumentalidade, levam-nos à conclusão de que o exercício da ação está sujeito à existência de três condições. São elas: legitimidade, interesse e possibilidade jurídica do pedido.

Passemos à análise da que nos interessa, ou seja, o interesse processual. O interesse processual é a necessidade de se recorrer ao Judiciário para a obtenção do resultado pretendido, independentemente da legitimidade ou legalidade da pretensão.

Haverá interesse processual para a ação quando se responder afirmativamente à seguinte indagação: para obter o que pretende o autor necessita da providência jurisdicional pleiteada ?

Não se indaga se o pedido é legítimo ou ilegítimo, se é moral ou imoral. Basta que seja necessário, isto é, que o autor não possa obter o mesmo resultado por outro meio extraprocessual.

Faltará o interesse processual se a via jurisdicional não for indispensável, como, por exemplo, se o mesmo resultado puder ser alcançado por meio de um negócio jurídico sem a participação do Judiciário.

De regra, o interesse processual nasce diante da resistência que alguém oferece à satisfação da pretensão de outrem.

No dizer de LIEBMAN, o interesse processual é secundário e instrumental em relação ao interesse substancial, que é primário, porque aquele se exercita para a tutela deste último. O interesse de agir surge da necessidade de obter do processo a proteção do interesse substancial; pressupõe, pois, a lesão desse interesse e a idoneidade do provimento pleiteado para protegê-lo e satisfazê-lo.

O interesse processual, portanto, é uma relação de necessidade e uma relação de adequação, porque é inútil a provocação da tutela jurisdicional se ela,

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em tese, não for apta a produzir a correção da lesão argüida na inicial. Haverá, pois, falta de interesse processual se, descrita determinada situação jurídica, a providência pleiteada não for adequada a essa situação.

Evidentemente, a existência de interesse não quer dizer, ainda, que o autor tem razão e que a demanda será julgada procedente, diversamente do que ocorre com a posição chiovendiana a respeito do tema. Este resultado dependerá de outra ordem de indagações, ou seja, de se saber se a situação descrita corresponde à verdade, e se a ordem jurídica protege a posição afirmada pelo autor. Esta verificação consiste no mérito da demanda.

No entender de CHIOVENDA, reunidas as condições da ação, ou seja, existindo a ação, tem o autor de vencer a demanda, pois, para esse processualista, seria condição da ação a própria existência do direito subjetivo material.

Contudo, para nossa lei vigente, basta haver possibilidade jurídica do pedido do autor, aliada à legitimidade para aquela causa e ao interesse processual, para que estejam preenchidas as condições de exercício do direito subjetivo de ação.

Assim, ‘ocorre o interesse processual ou de agir, quando a satisfação do interesse substancial ou jurídico, tutelado pelo Direito, não puder ser alcançado sem o recurso à autoridade judiciária’, (TJRJ - 3ª C. - Ap. 2.146 - Rel. Vivalde

Brandão Couto - v.u. - 10.6.76) ...”. 2

O trancamento da ação com base na falta de interesse deve ser realizado, se não existirem dúvidas sobre a ausência da condição, o que restou demonstrado nos autos.

A Requerida MONTE REAL ROUPAS PROFISSIONAIS foi citada na pessoa de LUCIA HELENA AREIAS SCHIMITTEL, que ingressou nos autos em nome próprio, apresentou contestação e opôs Impugnação ao Valor da Causa.

LUCIA HELENA AREIAS SCHIMITTEL não é parte no processo, nele não possuindo interesse jurídico para intervir, sendo incabível a pretensão ao recebimento das verbas de sucumbência.

Em face ao exposto, ex officio, altera-se o dispositivo da sentença para declarar-se a carência da ação e, extinguir-declarar-se o processo declarar-sem julgamento do mérito, nos termos do inciso VI, e § 3º, do artigo 267 do Código de Processo Civil, sem condenação nas verbas de sucumbência.

IRINEU PEDROTTI

Desembargador Relator.

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