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The Uses of Literacy: Hoggart e a cultura como expressão dos processos sociais Por Itania Maria Mota Gomes

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Academic year: 2021

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The Uses of Literacy: Hoggart e a cultura como expressão dos processos sociais Por Itania Maria Mota Gomes

The Uses of Literacy. Aspects of working-class life with special reference to publications and entertainments, de Richard Hoggart, publicado em Londres em 1957, forma juntamente com Culture and Society:1780-1950, de Raymond Williams (1958), e The Making of the English Working Class, de Edward Thompson (1963), os textos inauguradores dos Estudos Culturais ingleses . Nosso objetivo neste ensaio é proceder a uma crítica dessa obra fundadora. Ao explorar sua contigüidade a algumas correntes de investigação sobre a cultura e a comunicação de massa e ao mostrar suas rupturas com essa mesma tradição intentamos compreender, no embalo da atual redescoberta dos Estudos Culturais no Brasil, qual a contribuição dessa obra para o entendimento da cultura e da comunicação contemporâneas e, particularmente, para os estudos de recepção que eles têm abrigado. A dificuldade de acesso a essa obra hoje

, no Brasil, justifica nosso procedimento de apresentar sua estrutura interna, detalha seus conteúdos básicos e só então explorar suas conseqüências.

Richard Hoggart estrutura seu livro em duas partes. Na primeira, Uma velha ordem , ele pretende indicar o caráter múltiplo e infinitamente multifacetário da vida da classe operária. Nesse primeiro momento, dá-se ênfase a aspectos da oralidade, ao papel da família e da comunidade na configuração da cultura tradicional, investiga-se o modo como o concreto, o pessoal e o local, o presente e o imediato modelam essa cultura. Na segunda parte do livro, Cedendo lugar ao novo , Hoggart concentra-se nos aspectos “mais lamentáveis” das mudanças trazidas pela cultura de massa. Embora analise detidamente as publicações populares e o entretenimento , Hoggart acredita que seu diagnóstico poderá, com alguns ajustes, valer também para o cinema, a radiodifusão, a televisão e a publicidade. Nessa segunda parte do livro, a forma de abordar a relação entre meios e público não difere daquela que na maior parte das vezes configura a forma mais usual de investigação sobre os efeitos: da análise das publicações e entretenimento deduz-se o efeito que eles causam.

Igualmente usual na tradição de investigação sobre os media, a preocupação de Hoggart também está na natureza da produção de massa – concentração da produção, organização comercial em larga escala, o interesse do lucro – e os efeitos dessa massificação sobre os consumidores, efeitos sobre a sexualidade, a violência, os hábitos de leitura, sobre os valores. A questão de fundo é que a cultura, agora, é um jogo de fazer dinheiro, um negócio, um comércio quase sempre enganador e fraudulento (cf.HOGGART.1957:197) possibilitado pela produção industrial e pela tecnologia.

Essa associação entre cultura e negócio traz como conseqüência o próprio processo de massificação ou, dito de outro modo, a mudança rumo a uma sociedade culturalmente sem classes (cf.Ibidem:15;201;279). Hoggart , diferentemente de Raymond Williams ,acreditava que em pelo menos um sentido a sociedade caminhava, naquele momento, em direção a “um tipo mais medíocre de cultura sem classe ou ...uma cultura ‘sem rosto’” (Ibid.:280). E isso porque a indústria do entretenimento, para alcançar uma audiência maior, precisaria deixar de lado os limites de classe. A especial dedicação que a produção de massa tem para com a classe trabalhadora e a baixa classe média justifica-se apenas porque elas formam a maioria de seus potenciais consumidores – nem que seja no simples sentido de que essas classes formam a maioria da população. Para Hoggart, então, a identificação entre cultura de massa e classe

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trabalhadora dá-se por uma relação de mercado: uma forma o público consumidor da outra.

1. Qualidades da Cultura Operária

Hoggart descreve as mudanças na vida operária da Inglaterra do pós-guerra através de sua própria experiência pessoal: seus exemplos são freqüentemente garimpados na história de sua família ou dele próprio, quem viveu entre as milhares de casas amontoadas e enfumaçadas do distrito operário de Leeds; quem, aos 11 anos, passeava pelo bairro em direção ao centro comercial para comprar suas revistas semanais preferidas; ou, ainda, quem analisa muitos dos detalhes da leitura e de outros hábitos a partir dos seus próprios.

No que pretende ser um simples diagnóstico sem aspirar possuir o caráter cientificamente testado dos levantamentos sociológicos, uma visão individual de algumas tendências da situação cultural baseada parcialmente na sua própria experiência pessoal e parcialmente no seu interesse como especialista, Hoggart se esforçará por

“ver além dos hábitos, o que eles significam; ver através dos relatos o que os relatos verdadeiramente querem dizer (o que pode ser o oposto dos relatos mesmos); detectar as diferentes pressões da emoção atrás das frases idiomáticas e das práticas rituais” (Ibid.:18).

A essência da vida e da cultura da classe trabalhadora é um certo “sentido do pessoal, do concreto, do local” (Ibid.:32,g.n.). É uma “‘vida densa e concreta’, uma vida cuja principal atenção é dada ao que é íntimo, sensório, detalhado e pessoal”(Ibid.:88,g.n.). Essa essência é incorporada na idéia de família, na de comunidade, na fala, nas formas da cultura e nas atitudes tal como elas se expressam na vida cotidiana. Hoggart presta especial atenção às maneiras de falar, de vestir, de morar; a aspectos da experiência diária (tais como o hábito de comprar a crédito e pagar em pequenas prestações (cf. Ibid.:21); às superstições e aos mitos (cf.Ibid.:29ss). O mundo concreto e local é o que pode ser compreendido, manuseado, é aquele no qual se pode confiar, e é a partir dele que se poderá compreender as relações da subcultura operária com as “debilitantes forças externas” (Ibid.:146) representadas pelas publicações e entretenimentos de massa.

A importância que se dá ao concreto, ao pessoal, ao íntimo, ao local nas culturas populares justifica seu interesse pelas representações da vida cotidiana: essa gente é imensamente interessada em gente: “eles têm a fascinação do romancista pelo comportamento individual, pelos relacionamentos” (Ibid.:89). Hoggart chama a atenção para o fato de que a indústria do entretenimento é extremamente habilidosa em usar isso a seu favor: a ênfase que dá aos aspectos da vida cotidiana - por exemplo, quando seus seriados refletem diariamente os pormenores da vida comum - é uma estratégia de captura de audiência. A cultura de maior apelo entre a classe trabalhadora será sempre aquela que apresentar como seu pressuposto a compreensão de que “a vida humana já é fascinante em si mesma” (Ibid.:100). O alimento básico dos seriados populares não é alguma coisa que sugira uma fuga da vida comum; antes é o que assume que a vida comum é intrinsecamente interessante. Daí porque, menos que uma fuga da rotina diária, essas produções culturais devem ser, reiteradamente, uma apresentação do que já é essencialmente conhecido.

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“[São] programas comuns realmente despretensiosos, freqüentemente compostos... de uma série de itens ligados apenas pelo fato de que todos eles ocupam-se da vida comum da gente comum... eles simplesmente ‘apresentam o povo ao povo’ e são apreciados por isso... Se (um programa) é realmente despretensioso e comum, ele será interessante e popular” (Ibid.:101,g.n.).

2. A mudança social

Os efeitos, em The Uses of Literacy, são compreendidos em termos de mudanças sociais. E, sendo assim, eles são apenas um aspecto de uma interação de fatores culturais, sociais, políticos, econômicos. “Concentrar-se nos prováveis efeitos de certos desenvolvimentos nas publicações e entretenimento é, claro, isolar apenas um segmento dentre um vasta e complicada interação de mudanças sociais, políticas e econômicas. Tudo está contribuindo para alterar atitudes...” (Ibid.:141). Além disso, o processo de mudança social é lento: não podemos pensar num corte abrupto entre o mundo antes da cultura de massa e o mundo depois dele. “As mudanças nas atitudes se processam de modo muito lento através de muitos aspectos da vida social. Elas são incorporadas nas atitudes existentes e freqüentemente parecem, à primeira vista, formas renovadas daquelas ‘velhas’ atitudes” (Ibid.:142).

Como decorrência dos processos de massificação, Hoggart, de modo similar a vários investigadores do período, eventualmente se preocupa com os problemas da degradação do gosto , da apelação sexual , da incitação à violência , do sensacionalismo , e mesmo se preocupa com o fato de que “a imprensa popular...é uma das maiores forças conservadoras na vida pública hoje em dia: sua natureza requer que ela promova o conservadorismo e a conformidade” (Ibid.:196). Mas não são esses os efeitos que detêm sua atenção. O interesse de Hoggart coloca-se precipuamente sobre a mudança nos hábitos de leitura e sobre a reinterpretação de valores básicos da cultura ocidental burguesa, tais como liberdade, igualdade e progresso.

2.1. Os hábitos de leitura

Em relação à leitura , o problema é que ao avanço no sistema de ensino, à diminuição do analfabetismo na Inglaterra e à maior facilidade de acesso às publicações não corresponde uma melhoria da qualidade da leitura. Hoggart faz logo a ressalva de que não é possível dar uma resposta estatística à análise da qualidade da leitura já que a questão envolve distinções de valor.

Segundo Hoggart, há um grande incremento no consumo das publicações voltadas para o entretenimento e esse consumo não deve ser lastimado. O problema é que em alguma medida “o tamanho do incremento parece haver sido decidido nem tanto pela necessidade de satisfazer apetites anteriormente insatisfeitos, mas pela forte persuasão daqueles que fornecem o entretenimento” (Ibid.:270). É o esforço da indústria do entretenimento por alcançar vendas cada vez maiores que dita as regras da oferta e não os interesses do público ou mesmo do sistema educacional, com todas as conseqüências “lamentáveis” desse processo.

A objeção é de que ao incremento da capacidade de leitura não corresponde um incremento na sua qualidade. Ao contrário, a centralização da produção, a preocupação com os lucros e o crescimento do número de leitores implicam que as pessoas sejam forçosamente mantidas num “espantoso baixo nível em suas leituras”.

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Mas o critério de qualidade de Hoggart é surpreendentemente diferenciado dos critérios de qualidade da cultura erudita e vincula-se às características que ele identificou na cultura popular. Para Richard Hoggart, a ausência de qualidade das publicações populares pode ser evidenciada não pelo fato de que elas não conseguem, por exemplo, chegar ao mesmo nível intelectual que The Times; mas pelo fato de que elas (assim como tudo o mais a que servem de exemplo: os programas televisivos, o cinema popular e muito do rádio comercial) não conseguem apelar verdadeiramente ao concreto, ao local, ao pessoal.

“Desejar que a maioria da população algum dia venha a ler The Times é esperar que a natureza humana seja essencialmente diferente, e isso é cair num esnobismo intelectual. A habilidade para ler os semanários respeitáveis não é condição sine qua non de um vida digna... A objeção mais forte aos entretenimentos populares mais banais não é que eles impedem seus leitores de se tornarem intelectuais, mas que eles dificultam que as pessoas sem inclinação intelectual tornem-se inteligentes à sua própria maneira” (Ibid:276).

2.2. Liberdade, Igualdade e Progresso

Ao investigar o processo de mudança cultural favorecido pelos modernos meios de comunicação, a questão que preocupa Hoggart é a da mudança dos antigos valores. Ele analisa particularmente o modo como valores próprios da cultura da classe trabalhadora, como a tolerância, o sentimento de grupo, a atenção ao presente, vinculam-se aos conceitos de liberdade, igualdade e progresso no modo como eles são reinterpretados pela cultura de massa.

“Que relações podem existir entre a antiga tolerância e as formas contemporâneas da idéia de liberdade, entre o antigo sentimento de grupo e o moderno igualitarismo democrático e entre (paradoxalmente, como parece ser à primeira vista) o velho sentimento da necessidade de viver no presente e o novo progressivismo? De que modo a tolerância contribui para as atividades dos novos entretenimentos?... Pode a idéia de aproveitar o tempo enquanto se pode porque a vida é dura abrir caminho ao hedonismo de massa? Pode o sentimento de grupo transformar-se num conformismo arrogante e desonesto?...”(Ibid.:142).

Na análise que faz das publicações e do entretenimento de massa, Hoggart verifica que há um forte apelo a essas idéias de liberdade, igualdade e progresso, que são tão caras ao mundo burguês, mas que particularmente alimentam o patrimônio cultural da classe trabalhadora. O apelo a essas idéias é uma estratégia da cultura de massa para manter a audiência receptiva a suas abordagens (cf.Ibid.:144). Esse apelo não se faz, entretanto, sem que essas idéias passem por um processo de modelagem com fins de se tornarem mais adequadas aos propósitos da cultura industrial.

Hoggart analisa a leitura que esses conceitos de liberdade, igualdade e progresso recebem no seio da cultura operária tradicional; analisa o tratamento que esses conceitos recebem nos diversos produtos de massa; e chega à conclusão de que a maioria dos entretenimentos de massa tende “a uma visão de mundo na qual o progresso é concebido como uma busca da possessão material, igualdade como nivelamento moral e liberdade como o fundamento do prazer infinitamente irresponsável” (Ibid.:277).

Assim, o conceito de progresso, por exemplo, mantém-se como uma noção inegavelmente válida para a classe trabalhadora em função dos benefícios e serviços

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que a sociedade tecnológica possibilita, porque a ausência desses benefícios e serviços tornaria muito difícil viver uma vida digna (cf.Ibid.:143). As novidades tecnológicas facilitam o dia-a-dia, liberando tempo livre para o lazer. Nesse sentido, progresso combina com as idéias de viver no presente e curtir a vida (cf.Ibid:157ss).

No processo de reinterpretação engendrado pelos meios de massa, entretanto, o progresso se transforma em progressivismo, ou seja, assume uma forma de materialismo: incentiva-se não a busca por melhores benefícios e serviços simplesmente, mas a ganância, o consumismo, o “desejo de por as mãos nos produtos cintilantes da sociedade tecnológica” (Ibid.:143). O progressivismo oferece uma infinita perspectiva de divertimento, na medida em que a tecnologia cada vez mais serve à indústria do entretenimento fácil.

Semelhante processo ocorre à idéia de liberdade. No modo como tem sido transmitida à classe trabalhadora através da cultura de massa, ela apresenta-se como uma justificação. “É sempre liberdade de, nunca liberdade para; liberdade como um benefício em si mesmo” (Ibid.:147). No interesse do entretenimento de massa, o apelo é feito pelo recurso a uma noção de liberdade individual quase ilimitada, pelo recurso a uma crença de que todas as velhas sanções foram finalmente removidas. Nesse sentido, “liberdade eqüivale a permissão para prover tudo que melhore as vendas” (Ibid.:198).

Pela mesma “peneira deformadora e simplificante” (Ibid.:144) pela qual a cultura de massa passa todas as grandes idéias, igualdade assume o caráter de igualitarismo. Esse “bisonho igualitarismo democrático” é o próprio fundamento da massificação; ele garante que a produção massificada seja, de fato, bem aceita pelas camadas populares e garante a tendência de se comprar as mesmas marcas de tênis, assistir os mesmos programas, ler os mesmos jornais e revistas. Esse igualitarismo apoia-se fortemente no sentimento de grupo próprio da cultura da classe trabalhadora: o sentimento de grupo, que se traduz no fato de que todos gostamos de sentir que “estamos indo aonde todo mundo vai”, tem sido usado em prol da mudança social e da persuasão de massa. “...Há algo acolhedor no sentimento de que você está com alguém mais. Ouvi pessoas darem, como razão para ouvir um popular programa de rádio, não o fato de que ele diverte, mas de que ele ‘lhe dá algo sobre o que conversar depois’ com as pessoas no trabalho” (Ibid.:156).

A discussão sobre o igualitarismo traz uma das passagens mais contraditórias de The uses of Literacy. Segundo Hoggart, a tendência ao igualitarismo coopera para a emergência de um agrupamento cultural quase tão amplo quanto a soma de todos os outros grupos, daí sua compreensão de que caminhamos rumo a uma sociedade culturalmente sem classe. Mas tal agrupamento tão amplo “seria um grupo apenas no sentido de que seus membros compartilhavam uma passividade... Os olhos registrariam mas não conectariam aos nervos, ao coração ou ao cérebro” (Ibid.:157).

O sentimento de grupo é o responsável pelo prazer que os consumidores dos produtos culturais de massa possam eventualmente tirar do seu consumo. Segundo Hoggart, o prazer advém não das possibilidades contidas no objeto de consumo em si, mas do sentimento de prazer proporcionado pelo fato de que todos desfrutamos os mesmos romances, as mesmas publicações ilustradas, os mesmos programas de rádio, os mesmos hits musicais. O prazer é decorrência da partilha.

Hoggart fala em passividade dos receptores ao mesmo tempo em que discute o prazer de consumir os produtos de massa. O prazer será considerado para os Estudos Culturais dos anos 80 e 90 como a evidência de um consumo ativo por parte dos receptores. Para Hoggart, entretanto, o prazer do consumo não impedia a passividade

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dos consumidores diante dos produtos da imprensa, da televisão, do cinema, não impedia a aceitação passiva do que lhe era imposto pela indústria do entretenimento. 3. Contigüidades...

Cada uma das partes do livro de Hoggart foi escrita com a linguagem e as inquietações do seu tempo e, analisadas isoladamente, quase nada as afastaria do pensamento canônico sobre a cultura de massa. A inquietação básica é aquela já nossa velha conhecida dos primórdios dos estudos de comunicação:

“que estamos caminhando rumo à criação de uma cultura de massa; que os resquícios do que era, pelo menos em parte, uma cultura urbana ‘do povo’ estão sendo destruídos; e que a nova cultura de massa é, em alguns aspectos importantes, menos sadia do que a freqüentemente tosca cultura que ela está substituindo” (Ibid.:23-4). Exceto, talvez, o uso de um método mais requintado de análise oriundo dos estudos literários associado a observações de caráter etnográfico, quase não há o que diferencie o diagnóstico elaborado por Hoggart da produção intelectual própria da investigação em comunicação dos anos 40 e 50; quase nada há que o afaste do generalizado tom de queixa e preocupação com os efeitos da associação entre cultura, tecnologia e produção em larga escala. Mesmo a linguagem é aquela, dos efeitos, das atitudes, da massificação. Analisado nesses termos, The Uses of Literacy faria parte, tranqüilamente, do leque de obras que analisam as produções da cultura de massa e se assustam com o que nelas encontram.

Há, de fato, alguma aproximação entre The Uses of Literacy e algumas correntes de investigação sobre os media. Marcadamente, Hoggart realiza um diagnóstico muito afim ao da Escola de Frankfurt , mais especificamente ao pensamento de Horkheimer e Adorno na fase posterior à Dialética do Esclarecimento . Em outros aspectos, no entanto, Hoggart parece ligar-se às investigações do período dos efeitos limitados, especialmente às investigações de Lazarsfeld sobre os grupos de referência, ao uso do conceito de subcultura e à aposta nos métodos de investigação etnográficos.

A compreensão socialista da cultura é talvez o aspecto que melhor justifique a proximidade, sobretudo na segunda parte do livro, entre The Uses of Literacy e essa outra corrente de investigação crítica da cultura, elaborada por pesquisadores ligados a Frankfurt - e isso apesar de não se poder classificar Richard Hoggart como um intelectual marxista: “ele não era, e nunca tinha sido, um marxista” (SPARKS. 1996: 72). Hoggart não formou sua visão da cultura operária com referência ao Partido Comunista Inglês – que formou outros intelectuais proeminentes dos Estudos Culturais, Williams e Hall entre eles - nem com referência a qualquer outra variante do marxismo. Além disso, não aparece explicitamente em Hoggart a preocupação com um tema marxista clássico, a ideologia, tão crucial para os pensadores de Frankfurt quanto será mais tarde para os Estudos Culturais.

Embora os frankfurtianos demonstrem maior perspicácia e capacidade crítica ao analisar a cultura e a comunicação de massa como inseridas no sistema capitalista de produção, obedecendo ao mesmo modelo de gestão, organização e distribuição, à mesma racionalidade técnica que caracteriza qualquer produto industrializado, também em Hoggart essa compreensão está presente e se evidencia sobretudo quando ele descreve os processos de centralização da produção e quando assume que o mercado é a categoria que distingue tanto a cultura popular autêntica quanto a cultura erudita da cultura de massa. Em The Uses of Literacy também se assume que o elemento

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determinante na configuração da cultura de massa é a “especulação sobre o efeito”, é “a motivação do lucro”.

As relações entre cultura e sistema capitalista constituíram a preocupação primordial de Hoggart, tal como para Adorno e Horkheimer. Mas elas não são interpretadas do mesmo modo. Em Hoggart, em última instância, a ênfase é posta nos aspectos criativos da atividade humana como propulsora da mudança social.

O tratamento que The Use of Literacy faz da comunicação e da cultura de massa aproxima-se, igualmente, das investigações ligadas ao chamado período dos efeitos limitados . A afinidade está em considerar os media como causa necessária mas não suficiente para a produção dos efeitos. Praticamente ao mesmo tempo em que Klapper dizia que "quase todos os aspectos da vida do membro da audiência e da cultura na qual ocorre a comunicação parecem suscetíveis de serem relacionados com o processo dos efeitos da comunicação" (KLAPPER.1987 :164), Hoggart, do outro lado do Atlântico, afirmava que os efeitos da massificação deveriam ser analisados contra o pano de fundo geral da cultura e empreendia uma investigação sobre o processo de mudança social em que tomava em consideração as relações entre a cultura operária e a cultura de massa.

Embora Hoggart de modo algum faça referência ao modelo do two-step flow of communication, sua compreensão dos processos comunicativos remete à idéia de que tais processos ocorrem nos contextos das culturais locais. Certamente Hoggart é influenciado por um clima intelectual que, animado com as descobertas antropológicas, lança mão do conceito de subcultura e dos métodos de investigação etnográfica. Mas, diferentemente das investigações americanas, Hoggart não se preocupa com as influências a curto prazo. Ao contrário, é o processo de mudança social, entendido por ele como um processo necessariamente lento, que atrai seu interesse.

Tal como na investigação dos efeitos limitados, The Uses of Literacy também rejeita o diagnóstico de que as transformações implicadas pela Revolução Industrial tenham necessariamente como conseqüência a segmentação das relações sociais, o enfraquecimento dos grupos primários, o isolamento social dos indivíduos. Hoggart chega mesmo a afirmar que quanto mais as rápidas transformações sociais desorientam os indivíduos, quanto mais o mundo exterior parece mais e mais fluido, tanto mais a família e a comunidade surgem como um porto seguro, como algo “real e reconhecível” (HOGGART.1957:88). E mais: esses laços comunitários e familiares acabam funcionando como instâncias de mediação entre os indivíduos e a cultura de massa.

Se nas investigações americanas dos anos 40 a ênfase acabou por ser posta nas mediações individuais, ou seja, nas características psicológicas, na estrutura cognitiva e nos processos perceptivos e mesmo quando se pensava na força dos relacionamentos pessoais o destaque ia para os líderes de opinião, Hoggart parece se aproximar mais dos desdobramentos das investigações de Lazarsfeld sobre os grupos de referência. São os grupos familiares ou comunitários que mais freqüentemente aparecem em The Uses of Literacy como intermediando a relação entre a cultura e a comunicação de massa e os indivíduos. A classe social aparece como o principal fator de mediação para Hoggart, ainda que ele leve em consideração também outras características socio-estruturais e culturais dos membros da audiência, tais como a faixa etária ou o grau de instrução.

Acreditamos que nem esse avizinhar-se de algumas correntes de investigação sobre os efeitos dos media, nem mesmo a própria insistência de Hoggart em descrever os efeitos das publicações e entretenimentos de massa devem ofuscar a contribuição decisiva de

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Hoggart – e dessa obra em particular – para a fundação dos Estudos Culturais e, consequentemente, para o giro que as investigações sobre comunicação e cultura deram para as análises de recepção.

4. Rupturas

Em certos momentos, Hoggart detém-se nas mudanças ocorridas em conseqüência da massificação da cultura, com ênfase nos efeitos negativos dessa massificação; em outros – e por mais que pretenda o contrário - produz uma romântica declaração de amor à cultura da classe trabalhadora. Essa ambivalência levará Simon DURING (1997:03) a considerar The Uses of Literacy um livro esquizofrênico, que contém, por um lado, uma evocação sentimental das comunidades operárias tradicionais, relativamente intocadas pela cultura comercial, e, por outro, um ataque à moderna cultura de massa. Entretanto, acreditamos que o livro de Hoggart não deve ser visto com tanta má vontade. Só é possível enxergar esquizofrenia em The Uses of Literacy se sua leitura admitir cada um dos capítulos como um texto isolado dos demais, sem conexões internas. Mas essa não parece ser a leitura preferencial desta obra fundadora dos cultural studies.

De todo modo, uma questão se põe: o que pode haver num livro que freqüentemente transita entre o saudosismo e a desesperança; num autor que acredita que a cultura de massa atua como uma combinação de forças para embotar o poder de discriminação da mente, incapacitando-a para todo exercício voluntário até “reduzi-la a um estado de quase selvagem torpor” (HOGGART.1957:171); que acredita, enfim, que os meios de entretenimento de massa são uma anti-vida (cf.Ibid.:277); o que pode haver aí que justifique considerá-los, obra e autor, como fundadores de uma corrente de investigação que definirá o processo de construção de sentido como um processo ativo e consciente, que afirmará a atividade e a criatividade do receptor-sujeito e chegará mesmo a saudar a cultura de massa?

O ponto de ruptura da obra de Hoggart com a tradição de investigação dos media, aquilo que possibilitou à investigação britânica sobre a comunicação de massa produzir, a partir dele, uma virada de paradigma, evidencia-se, sobretudo, na conexão entre as partes do livro: há a cultura popular autêntica; há a cultura de massa; e os efeitos de uma sobre a outra só podem ser considerados a partir da sua inter-relação. Ou, dito de outro modo, os efeitos da massificação só podem ser analisados contra o pano de fundo geral da cultura. É necessário, primeiro, descrever a qualidade da vida cotidiana para, depois, identificar que mudanças sociais são processadas em decorrência dos apelos da cultura do entretenimento.

Baseado em observações etnográficas do modo de construção das formas culturais da classe trabalhadora, Hoggart tentou captar como os media associavam-se a aspectos da cultura operária, sendo então reinterpretados e reapropriados. Naquele momento, o trabalho de Hoggart optava por relativizar a idéia da onipotência da cultura de massa: âmbitos importantes da vida cotidiana ainda permaneceriam impermeáveis à sua influência.

Não há nada de esquizofrênico, portanto, em perceber, através da análise detalhada de seus produtos, que a cultura e a comunicação de massa visam determinados objetivos, buscam cumprir determinadas diretrizes, engendram todos os esforços para capturar seus receptores, mas que não são todo-poderosos. Há, no lado do consumidor desses produtos, certos aspectos que devem ser considerados: esses consumidores têm uma

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cultura própria, interesses próprios, uma vida pessoal, cotidiana, concreta na qual esse consumo se dá e que lhe molda os padrões.

“O efeito é... controlado e neutralizado continuamente por outras forças. As pessoas não vivem vidas que são imaginativamente tão pobres quanto a mera leitura de sua literatura poderia sugerir. Sabemos isso, simplesmente, da nossa experiência diária. A maioria dos entretenimentos populares contemporâneos encoraja uma estéril atitude para com a vida, mas muito da vida ainda tem pouca conexão direta com isso. Existem as guerras e o medo da guerra; há o mundo do trabalho, do parentesco, as lealdades e as tensões; existem as obrigações domésticas e a gestão do dinheiro; existem os laços e as solicitações comunitários; há doença e cansaço e nascimento e morte...” (Ibid.:264-5).

Se em alguns momentos Hoggart afirma a passividade dos consumidores diante das produções de massa; se identifica nas publicações e nos entretenimentos populares uma certa inclinação por “manter seus leitores num nível de aceitação passiva, no qual eles nunca realmente questionam, mas alegremente aceitam o que lhes é dado e não pensam em mudança” (Ibid.:196); Hoggart não deixa de reconhecer que essa aceitação é freqüentemente apenas aparente e quase sempre limitada ao presente. As classes populares possuem uma forte habilidade para silenciosamente ignorar aquilo que não lhes interessa, “para sobreviver às mudanças adaptando ou assimilando o que elas querem do novo e ignorando o resto” (Ibid.:31).

E o que lhes garante esse jogo de cintura, o que, em outros termos, possibilita às pessoas resistirem às investidas da cultura de massa, são as “ainda consideráveis reservas morais da gente da classe trabalhadora” (Ibid.:266), reservas que as capacitam a colocar sua própria visão de mundo na interpretação que fazem dos produtos culturais que recebem e, neste processo, chegar mesmo a transformar e melhorar muito do que recebem da cultura de massa. É claro que toda essa energia para resistir pode mostrar-se desprezível diante da força e da amplitude dos processos de massificação, mas – acredita Hoggart - foi essa mesma energia que possibilitou que as pessoas da classe operária sobrevivessem “à mudança de uma vida rural para uma vida urbana sem se tornarem um lumpem proletariado apático...” (Ibid.:269).

Essa “cultura completamente penetrante” (Ibid.:31) da classe operária é a força que faz com que as pessoas sejam muito menos afetadas pela massificação cultural do que poderíamos acreditar partindo exclusivamente da análise dos produtos de massa. Além de reconhecer que, se os efeitos da massificação existem – e Hoggart é bastante aplicado na tarefa de apontá-los - eles não se dão independentemente de outros fatores sociais, políticos, econômicos e culturais, The Uses of Literacy é precoce em demonstrar que o apelo da indústria do entretenimento só se efetiva quando e na medida em que essa indústria mostra-se hábil em adequar-se à cultura de seus receptores. Sendo a classe trabalhadora (e a baixa classe média) seus maiores consumidores, o sistema da cultura de massa deve estar atento para conhecer a cultura dessa classe e só então formular estratégias de abordagem. Para que o efeito se produza é necessário que leitores e escritores, receptores e consumidores partilhem um mesmo ethos (cf.Ibid.:175).

Assim, por exemplo, se uma idéia propagada pela cultura de massa parece ser bem acolhida entre a classe trabalhadora é porque essa idéia de algum modo remete à cultura própria dessas pessoas; é porque parece estar em concordância com certas idéias chaves “que elas têm tradicionalmente conhecido como idéias inspiradoras do desenvolvimento social e espiritual” (Ibid.:282). Entretanto, ao mesmo tempo em que pode funcionar como uma espécie de antídoto ou barreira para a penetração da cultura

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de massa, a cultura tradicional também é a responsável por permitir que ela exerça seus efeitos:

“Pode haver alguma verdade profética nas discussões sobre ‘a vasta massa anônima com suas respostas completamente estúpidas’. Mas até aqui as classes trabalhadoras não são tão perversamente atingidas quanto a frase sugere, porque com uma grande parte de si mesmas elas simplesmente ‘não estão nem aí’, estão vivendo em algum outro lugar, vivendo intuitivamente, habitualmente, verbalmente, recorrendo a mito, aforismos e ritual. Isso as salva de alguns dos piores efeitos das presentes investidas; isso também as torna, de outros modos, sujeitos fáceis daquelas abordagens. Tanto quanto elas têm sido afetadas pelas condições modernas, elas têm sido afetadas nos pontos nos quais suas antigas tradições as tornaram mais abertas e suscetíveis” (Ibid.:31).

O que Hoggart fez, concretamente, em The Uses of Literacy, aquilo que tornou este livro tão decisivo para a fundação dos Estudos Culturais, foi explorar um certo leque de atitudes próprias das classes populares de modo a mostrar que elas representavam não o resultado de um processo simples de massificação, brutalização e lavagem cerebral das massas, mas eram mais matizadas, ambíguas e até incorporavam valores positivos que encontravam expressão na vida cultural da classe operária. Em outras palavras, Hoggart mostrou como a classe operária cria, no seu encontro com os processos de industrialização e urbanização, formas culturais específicas e, ao fazê-lo, mostrou que a produção e o consumo culturais expressam as relações sociais básicas, as formas de vida de uma dada sociedade. A preocupação fundamental era mostrar que a vida material e a vida cultural estão profundamente interligadas. A hipótese que guia Hoggart é a de que a cultura é expressão dos processos sociais básicos.

A contribuição de Richard Hoggart para os Estudos Culturais se dá por uma via ao mesmo tempo teórico-metodológica e política. Para chamar a atenção para a cultura operária, Richard Hoggart procedeu a uma reformulação do conceito de cultura de modo a por fim à supremacia do conceito de cultura que vigorava então e que acabava por limitar a cultura ao domínio da arte, da estética, dos valores morais ou criativos. Ele, Raymond Williams e Edward Thompson são considerados fundadores dos Estudos Culturais por impor, na Inglaterra dos anos 50, uma transformação radical do conceito de cultura que se afastava daquela defendida pelos principais intelectuais da época e criar as bases para uma compreensão de cultura como a esfera do sentido que unifica as esferas da produção (a economia) e das relações sociais (a política).

Por outro lado, ao chamar a atenção para a solidariedade de rua da classe trabalhadora, para as subculturas operárias, Hoggart marca a opção da escola inglesa por metodologias de investigação qualitativa: os métodos etnográficos de pesquisa de campo, a opção pela consideração das culturas vivas, pela atenção aos receptores concretos irão conviver com métodos de análise literária. Uma contribuição fundamental de Hoggart para os Estudos Culturais – tanto de seu próprio esforço investigativo quanto da direção que imprimiu ao CCCS – foi estabelecer a premissa de que os métodos de análise literária podem ser aplicados a um rol mais amplo de produtos culturais .

Ao mesmo tempo, o interesse por entender quem são e como se constituem as classes trabalhadoras, a preocupação com a sua difícil situação social e cultural levam Hoggart a definir um modelo de investigação explicitamente engajado. Foi desde essa fase inicial, que os culturalistas marcaram uma posição que se tornou central para os Estudos Culturais posteriormente: puseram o foco da atenção nos aspectos criativos

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da atividade humana e, portanto, destacavam o processo ativo e consciente de construção de sentido na cultura.

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Profa. Dra. do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia.

Os Estudos Culturais surgem na Inglaterra dos anos 60 preocupados e compreender as “culturas vivas”, as práticas e as instituições culturais e suas relações com a sociedade e as transformações sociais. Organizam-se institucionalmente em torno do Center for Contemporary Cultural Studies (CCCS), da Universidade de Birmingham, fundado em 1964, sob a direção de Hoggart. Stuart Hall, Raymond Williams e Richard Hoggart são os três principais intelectuais dos Estudos Culturais. Hoggart e Williams foram seus fundadores ao reformular o conceito de cultura. Hall dirigiu o CCCS entre 1968 e 1979, criou sua revista, Working Papers in Cultural Studies, e conduziu as investigações dos Estudos Culturais a uma aproximação com o estruturalismo francês – e através dele, com o marxismo – e com a semiótica.

Os Estudos Culturais não são propriamente uma disciplina acadêmica que se defina por uma metodologia ou um campo de investigação claramente demarcados, nem possuem uma teoria unificada, um cânone textual próprio ou metodologia comum. Eles são construídos por uma série de metodologias e posições teóricas a tal ponto distintas que levaram Stuart Hall a afirmar que o trabalho teórico desenvolvido pelo CCCS seria mais apropriadamente qualificado como uma algazarra teórica – e isso sem nenhum desmerecimento. Ao contrário, para Hall, ao se configurarem como uma abordagem altamente contextual, um método de análise variável, flexível e crítico, como a expressão de uma insatisfação com as disciplinas e uma aposta na abordagem interdisciplinar da cultura, os Estudos Culturais criam as condições internas para “estar sempre abertos para aquilo que ainda não se conhece, para aquilo que ainda não se pode denominar” (Hall.1996:263). Essa algazarra teórica parece constituir a própria

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identidade dos Estudos Culturais enquanto um campo em permanente diálogo com os problemas suscitados por conjunturas históricas específicas.

Esse esforço interdisciplinar tem consistido, ao longo desses seus 40 anos, em trazer para a interpretação da cultura as contribuições da sociologia, da história, da filosofia e, o mais importante na concepção de Richard Hoggart (cf.1970:255), da crítica literária. Mais recentemente, a partir dos anos 70, a abertura e o ecletismo dos Estudos Culturais têm permitido a contribuição do estruturalismo, da semiótica, da psicanálise e, nos dias atuais, dos estudos pós-estruturalistas – marcadamente as discussões sobre feminismo, raça e identidade. Para uma visão mais ampla dos Estudos Culturais, ver CURRAN; MORLEY & WALKERDINE.1998; DURING. 1997; GIROUX et al.1998; HALL. 1984; HALL. 1986; HALL. 1996a; HALL.1996b; HALL.1998; HALL; HOBSON; LOVE & WILLIS.1984; HARTLEY. 1991; MORLEY & CHEN.1996; SCHULMAN.1993; SPARKS. 1996.

Paul GILROY (1998:77) chama atenção para que, de fato, os Estudos Culturais tê um caráter marcadamente inglês, mais que britânico.

Tanto as edições inglesas quanto uma tradução portuguesa dessa obra (A utilizações da Cultura: aspectos da vida cultural da classe trabalhadora, Lisboa: Editorial Presença,1973) estão esgotadas. Neste trabalho, utilizamos a primeira edição inglesa, da qual foram livremente traduzidas todas as citações indicadas.

An‘ Older’ Order. Yielding Place to New.

Hoggart debruça-se, entre outros materiais, sobre as publicações ilustradas, os romances populares, os calendários de parede com fotos de mulheres nuas e as letras das canções populares.

Com o giro que os Estudos Culturais darão, no final dos anos 60, em direção a marxismo, considerar a cultura tanto em termos de massa quanto em termos da cultura própria de uma sociedade sem classes será despolitizar o conceito de cultura. Williams rejeita firmemente a idéia de que a industrialização, com seu interesse pela expansão dos mercados e com seu processo de uniformização cultural, daria lugar ao aparecimento de uma cultura que se poderia dizer sem classes. Essa crença somente se justificaria com base numa grosseira interpretação de classe. Quando se refere à classe trabalhadora, Williams quer se referir a um sentimento de classe que é ao mesmo tempo uma espécie de modo de ser; um modo de ser que se corporifica nas organizações e instituições daquela classe específica – o que não quer dizer que apareça individualmente e obrigatoriamente em cada um dos membros daquela classe. A idéia de classe é muito rígida e não serve para classificar os indivíduos. Serve, entretanto, para falar dos “modos coletivos de expressão” (WILLIAMS.1969:335). Pensar a cultura como um modo de vida e, sobretudo, colocar o centro do seu interesse na cultura da classe trabalhadora permitirá aos Estudos Culturais, a partir de Williams, rejeitar a idéia de uma cultura de massa e o próprio conceito de massa que lhe dá sustentação. Em conseqüência, atinge-se também a idéia de manipulação das massas, que era então o termo chave com o qual se explicava a relação do homem com a cultura e a comunicação contemporâneas. Implica, também, rejeitar a idéia correlata de uma cultura sem classe.

Por exemplo, entre as páginas 24 e 26, Hoggart conta como sua família atravessou as duas guerras mundiais e foi obrigada a deixar a área rural e se instalar em zona urbana em busca de maiores facilidades educacionais e sociais– por exemplo, acesso a médicos – e como, mesmo então, seu passado rural se evidenciava no corpo, nas atitudes, na linguagem, no estilo de moradia, na decoração das casas, nos aforismos.

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“O argumento mais forte contra o moderno entretenimento de massa não é que el degrada o gosto – a degradação pode ser viva e ativa – mas que ele super excita o gosto, consequentemente o entorpece e finalmente o mata; ele o enfraquece em vez de o corromper...Ele o aniquila em suas forças, e ainda confunde e persuade sua audiência de que ela é quase completamente incapaz de olhar adiante... Ainda não alcançamos esse estágio, mas essas são as linhas nas quais estamos nos movendo” (HOGGART.1957:163).

Hoggart desconfia, por exemplo, da capacidade de algumas publicações ilustradas ou dos calendários com mulheres nuas de incrementar a imoralidade sexual entre os jovens. Ele não consegue “imaginar muita conexão entre [essas publicações] e a atividade sexual. Eles podem encorajar a masturbação: em sua forma simbólica eles podem promover aquele tipo de resposta sexual secreta” (HOGGART.1957:192).

Entre as páginas 210 e 223, Hoggart analisa os romances de sexo-e-violência. Ver à página 191, de Hoggart.1957, referências à imprensa sensacionalista.

No início dos anos 70, no Brasil Ecléa BOSI (1986) realizou uma investigação empírica, de cunho sociológico, sobre leitura de operárias de uma fábrica em Osasco, periferia de São Paulo. Nessa pesquisa Bosi apresenta, em termos muito próximos dos defendidos por Richard Hoggart em The Uses of Literacy, largamente citado no livro que resultou da investigação, a relação entre cultura de massa e cultura popular. Inicialmente interessada em saber se se verificavam hábitos de leitura entre mulheres operárias, a autora leva em consideração a leitura de qualquer material impresso, desde a Bíblia e clássicos da literatura até as publicações de massa, tais como jornais, revistas, histórias em quadrinhos, fotonovelas e os romances comerciais. Dessa investigação, o que se ressalta é a relação entre leitura e vida cotidiana, relação que se mostra tanto na escolha do material impresso ou do que efetivamente se lê nesse material (por exemplo, Bosi mostra a relação entre a preferência pelos horóscopos e a busca de orientação para a vida diária, p.127) quanto nos hábitos de leitura em si (por exemplo, como o tempo para a leitura se insere na divisão do tempo entre a jornada de trabalho fabril e de trabalho doméstico, p.22). Esse trabalho de Ecléa Bosi é considerado uma das primeiras investigações sobre recepção no Brasil.

John Fiske é quem, dentro dos Estudos Culturais americanos, mais tem desenvolvido a hipótese de que o prazer que o receptor tira da sua relação com os media é a prova de que a recepção é um processo ativo. Ele parte dos desenvolvimentos de Barthes sobre O prazer do texto (BARTHES. 1993b), para fazer uma investigação sobre a televisão. Ver FISKE. 1987.

Vertente européia de investigação, reconhecida a partir da produção intelectual do autores filiados ao Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, fundado na década de 20, e cujos autores de maior expressão são Walter Benjamin, Leo Lowenthal, Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Jürgen Habermas, a Escola de Frankfurt se propunha analisar os fenômenos sociais considerando seus aspectos econômicos, culturais, históricos e ideológicos e, com isso, possibilitou ao campo de estudos da comunicação uma abordagem mais especulativa e menos empírica. São temas chaves dessa corrente de estudos de filiação freudo-marxista o problema da homogeneização cultural e da estandardização vistos como estratégias montadas para manipular os consumidores dos produtos da indústria cultural e obter adesão ao sistema. Em geral, os pensadores de Frankfurt entendem a cultura e a comunicação de massa como inseridas no sistema capitalista, submetidas à mesma racionalidade técnica, que caracteriza qualquer produto industrializado. A conjunção entre arte e tecnologia será um dos mais freqüentes alvos da reflexão frankfurtiana sobre a cultura.

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A partir de Dialética do Esclarecimento Adorno Horkheimer assumem um tom cada vez mais desesperançado e radical em suas análises sobre a cultura.

É muito pouco provável qu Hoggart tivesse conhecimento das investigações conduzidas pelos pensadores ligados ao Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt quando escreveu The Uses of Literacy. Os textos de Frankfurt, majoritariamente escritos em alemão, receberam traduções tardias para o inglês, particularmente a partir da década de 70 (cf. INGLIS.1993: 57-8). Raymond Williams fala explicitamente, em Marxismo e Literatura, do seu acesso tardio às obras da Escola de Frankfurt e de como sua leitura dos frankfurtianos, em especial de Walter Benjamin, e de outros investigadores marxistas conduziu ao compromisso do seu trabalho com a vida da classe trabalhadora (WILLIAMS.1979:10).

Considera-se como período dos efeitos limitados aquele que vai da Segunda Guerr Mundial até os anos 50. Ele estará marcado pela investigação de aspectos que problematizam a eficácia direta dos media. Esse ciclo é chamado de "efeitos limitados" porque as características psicológicas individuais, as experiências passadas, as redes de relações interpessoais, desempenhariam um papel de mediação entre receptores e mensagens midiáticas. As características psicológicas, culturais e sociais dos indivíduos implicariam seletivos padrões de atenção, percepção e memorização dos conteúdos dos media.

Original de 1958

No mesmo ano de publicação d The Uses of Literacy, também Roland Barthes (1993a) irá aplicar, aos textos e produtos culturais uma metodologia de análise inspirada na lingüística saussureana. Mas Mitologias terá que esperar até os anos 70 para inspirar os Estudos Culturais.

Referências

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