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CHAPEUZINHO VERMELHO E A PERDA DA INOCÊNCIA RENATA ZUOLO CARVALHO (USP)

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Academic year: 2021

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CHAPEUZINHO VERMELHO E A PERDA DA INOCÊNCIA RENATA ZUOLO CARVALHO (USP)

O presente trabalho discute a influência do imaginário coletivo na criação literária, neste caso, a infantil-juvenil. O recorte feito para tal estudo usará Chapeuzinho Vermelho dos irmãos Grimm, e duas variantes brasileiras, Chapeuzinho Amarelo de Chico Buarque e Fita Verde no Cabelo de Guimarães Rosa.

Para tal discussão levarei em conta os estudos psicanalíticos do início do século XX, nos quais há a descoberta de um inconscien-te. O nosso pensamento não é somente um encadeamento racional de idéias, mas sobretudo, é também aquilo encontrado em diversas situ-ações inconscientes de nossas vidas, como nas imagens de sonhos, em neuroses e criações poético-literárias.

Levando-se e conta os estudos reveladores de Freud em que nossa mente produz idéias, conceitos ou sentimentos que nunca estão presentes o tempo todo em nossa vida no nível consciente. Todos os elementos psíquicos, que nos fazem humanos, que constituem nossa “alma” não são controlados e muito menos reconhecidos pelo nosso raciocínio lógico, mas na verdade, eles vêm à tona em determinados momentos e depois recolhem-se novamente em nosso inconsciente.

Então tudo que é reprimido encontra-se no inconsciente, entre-tanto nem tudo o que está lá será necessariamente mantido por todo tempo de nossas vidas, ou seja, temos muitas coisas submergidas no inconsciente que, às vezes, emergem e são colocadas no consciente

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sob diversas formas concretas, como ações, atitudes e expressões artísticas.

Porém para Freud o inconsciente é de natureza exclusivamente pessoal, que cada indivíduo possui o seu; mas para outro estudioso deste campo, Jung, que revela haver não somente o inconsciente pessoal, como também, o coletivo. O inconsciente coletivo é forma-do por elementos psíquicos que são compartilhaforma-dos por toforma-dos seres humanos, independentes de culturas ou épocas, fazendo assim, que todos nós tenhamos algo em comum.

Para Jung este inconsciente coletivo também pode ser manifestado, “vir à tona” através de “fórmulas conscientes”, ou seja, nossa estrutura psíquica está presente em estórias transmitidas o-ralmente por povos ou rituais esotéricos, religiosos, expressões dramáticas nos quais os elementos psíquicos guardados neste inconsciente coletivo são expostos e vivenciados de uma maneira mais consciente. Assim podemos entender o porquê tantas narrativas dramáti-cas e literárias são consideradas universais e clássidramáti-cas, por perdura-rem por tantos anos, pois nelas estão representadas acontecimentos, comportamentos e sentimentos que são divididos, entendidos e acei-tos por todos os grupos humanos. Tais narrativas nascidas no incons-ciente coletivo são contadas através dos anos de diversas maneiras, mesmo sofrendo modificações estilísticas, manterão sempre a essên-cia.

Analisaremos tais colocações nas narrativas de Chapeuzinho Vermelho, que independentes dos recursos discursivos, são

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reconhe-cidas por representarem o mesmo tema: a perda da inocência, a pas-sagem da infância para a vida adulta, o crescimento e amadurecimen-to. As versões dessa estória sempre retratam esta fase comum a todos seres humanos, que é muito marcante pois adentramos em um novo mundo de relações interpessoais, em que as regras sociais mudam drasticamente.

A versão mais antiga de Chapeuzinho que será considerada nesta análise é a dos irmãos Grimm, na qual a menina tem esse ape-lido por usar um gorro de veludo vermelho dado por sua avó, que a ama tanto quanto sua mãe. E um dia, esta avó adoece e a menina é mandada por sua mãe até ela para que possa levar pão e vinho. Após diversas recomendações de como se comportar e ser responsável, Chapeuzinho parte prometendo cumprir bem sua tarefa.

Entretanto, no caminho a menina encontra o Lobo que inicia uma conversa com ela no intuito de aproveitar-se de alguma maneira da situação, e assim o Lobo consegue fazer, deixando Chapeuzinho no bosque, distraída com as flores, e chegando antes dela na casa da avó. Lá, o Lobo devora a senhora e travestido com as roupas dela, espera pela neta, que logo chega e não se sente à vontade na casa da avó, sente-se diferente. Porém a menina continua adentrando ao quarto da avó para perceber que há algo de estranho e iniciar o clás-sico questionário sobre como são tão grandes os olhos, nariz, orelhas e boca da avó, finalizado com o Lobo a devorando-a.

O resgate de Chapeuzinho e sua avó se dá por um astuto caça-dor que percebe algo de estranho na casa da senhora, entra e encontra

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o Lobo dormindo depois de tão farta refeição, então, cuidadosamente corta a barriga do animal e tira avó e neta vivas. Chapeuzinho apanha várias pedras e coloca na barriga do Lobo que é costurada e quando este acorda caba morrendo com o peso delas.

Mas os perigos não acabam aí, a narração continua relatando que Chapeuzinho ainda se livrara por outra vez de outro Lobo que a tentara enganar da mesma forma, mas como ela já havia cometido um erro em confiar em um Lobo, nesta ocasião ela consegue desven-cilhar-se da lábia do Lobo e ainda matá-lo quando este tenta pegá-la na casa da avó.

A estória de Chico Buarque já trata de uma menina apelidada de Chapeuzinho Amarelo, não por usar tal acessório, mas sim por ser muito medrosa. Esta menina tinha medo de tudo, desde insetos a trovões, sequer dormia para não correr o risco de ter pesadelos, po-rém seu maior medo era do Lobo.

Chapeuzinho Amarelo nem sabia realmente se tal Lobo existi-a, porém seu medo dia após dia aumentavexisti-a, e transformou-se em o medo do medo de um dia encontrar tal Lobo. Mas um dia, o tão te-mido encontro acontece e Chapeuzinho ao invés de apavorar-se, perde completamente o medo que tinha pelo Lobo.

A situação inusitada, a menina não ter mais medo do Lobo, faz com este fique em uma posição muito desconfortável, na qual ele tenta desesperadamente causar medo na menina. As tentativas foram em vão pois Chapeuzinho além de não temer mais o Lobo, deixou de ter medo de todas as outras coisas que a impediam de levar uma vida

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normal. Todos seus medos foram transformados em motivo de risos e sua vida agora estava em suas mãos, ela era livre para fazer o que quisesse.

Agora, a versão de Guimarães Rosa se aproxima mais da dos irmãos Grimm, pois a narrativa conta a estória de uma menina em uma vila que usava uma fita verde no cabelo e não possuía juízo como os outros da aldeia, que saíra para visitar a avó com um cesto. Porém nesta versão a menina não encontra o Lobo, pois os lenhado-res já haviam exterminado com ele.

Então ela segue seu caminho sozinha, decidindo tomar o mais “louco e longo e não o outro, encurtoso”. Assim, demorou a chegar na casa da avó e quando lá entrou, Fita Verde entristeceu-se pois percebera que havia perdido sua fita no caminho e encontrara sua avó muito doente na cama.

Neste momento há o diálogo entre a neta e a avó, porém a neta pergunta porque os braços da avó estavam tão magros, os lábios tão roxos, os olhos tão fundos e antes que avó desse seu último gemido, Fita Verde cria “juízo pela primeira vez” e grita ter medo do Lobo, mas agora a avó já não estava mais lá, era apenas um corpo frio.

Na versão dos irmãos Grimm, Chapeuzinho é uma menina que não possui ainda total entendimento dos jogos de sedução e sexo da vida adulta, porém sua curiosidade coloca-a em uma situação da qual não consegue lidar com a problemática surgida de ações e preci-sa que um adulto a ajude resolver tal situação.

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A menina retratada nessa narrativa ainda não consegue lidar com a sexualidade imposta pela maturidade, ela ainda não se sente à vontade em ser uma mulher, porém não é mais uma garotinha; por isso ela não sente alegria ao entrar na casa da avó, ao contrário, sen-te-se estranha. Este é momento em que Chapeuzinho deverá optar em deixar sua infância para adentrar na vida adulta.

O encontro com o Lobo no bosque simboliza o primeiro conta-to com a sedução existente nos relacionamenconta-tos adulconta-tos, o olhar masculino desejando a mulher e as palavras amáveis buscando por aceitação. Já o encontro no quarto é o momento em que a sexualida-de do ser humano é exercida, em que se evisexualida-dencia que o Lobo está pronto para exercer a dele, mas Chapeuzinho não. Ela tem a curiosi-dade de saber e entender de como é a vida de uma mulher, mas ela não é segura o suficiente para tomar o passo final de adentrar nesta nova fase da vida, desta forma o Lobo o faz por ela e acaba por devo-rar-lhe.

É nesta transição que se descobre sobre as demandas sexuais existentes na vida adulta e que o ser humano começa a investigar o que elas lhe dizem respeito. É a fase em que estamos curiosos porém ainda despreparados para a vida sexual, buscamos vivenciá-la e nos deixamos ser o objeto de um desejo erótico sem ainda entendê-lo completamente.

Na versão de Chico Buarque, Chapeuzinho Amarelo é uma menina já consciente ao mundo adulto, mas não aquele que diz res-peito à sexualidade, mas ao mundo em que deixamos de ser

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inocen-tes e inconseqüeninocen-tes, em que não haja sanções para nossos atos. Ela não quer entrar neste mundo adulto e enfrentar as novas expectativas sociais que lhe serão cobradas.

Desta forma, Chapeuzinho Amarelo teme tudo, não apenas e-lementos do imaginário, como também os reais e cotidianos. Ela teme principalmente encarar a realidade, enxergar o novo mundo de relações pessoais e sociais que ela deve entrar, o novo papel que deverá desempenhar na vida. Sendo assim, Chapeuzinho Amarelo teme sair da infância, então ela deixa de fazer tudo para se prender em um comportamento basicamente infantil, o de agir com uma lógi-ca muito peculiar, que apenas ela era lógi-capaz de entender.

Chapeuzinho Amarelo desenvolve uma mania que a faz evitar tudo, ela “não tomava banho para não descolar. Não falava para não engasgar. Não ficava em pé com medo de cair”. Mas seu medo mai-or, aquele que ela gostava mais de alimentar e acreditar, era o Lobo. “Um Lobo que nunca se via, que mora lá longe, (...) que vai ver que o tal Lobo nem existia.”

Este comportamento que a personagem apresenta, de temer al-go inexistente é a maneira que ela encontra de permanecer mais tem-po na infância, já que esta é a fase em que todas as pessoas temem coisas simples e corriqueiras por ter a maturidade de entender as explicações racionais dos fatos cotidianos. Mas, então quando enten-demos o que é um trovão, que o escuro não nos causa mal e outras coisas é porque tomamos consciência para as explicações racionais

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da vida, ou seja, deixamos de ser crianças, amadurecemos, cresce-mos e nos tornacresce-mos adultos.

Porém Chapeuzinho Amarelo ao encontrar o Lobo vê que não pode manter-se para sempre em uma fase da vida, como também percebe que não precisa abandoná-la bruscamente, de forma trauma-tizante. Ela vê que pode deixar de ser criança aos poucos e assumir gradativamente as responsabilidades, os papéis da vida adulta, que há uma fase transitória, não há a necessidade de sair de casa pela manhã como uma menina e tornar-se uma mulher à tarde, como Chapeuzi-nho Vermelho.

Em Fita Verde no Cabelo a transição da infância para fase a-dulta é dada por outra maneira, uma que mesmo os adultos não gos-tam de lidar: a morte. A narrativa mostra uma personagem que vive sem juízo, ou seja, que tomava consciência que ao seu redor as pes-soas nasciam, amadureciam, envelheciam e morriam.

Entretanto no dia em que sua avó adoece e ela deve visitá-la, sua consciência sobre o ciclo da vida começa aflorar. Ela não encon-tra com o Lobo, pois esse não existe mais, não é este que lhe fará enxergar a nova fase de sua vida, como fez o da Chapeuzinho Ver-melho, aqui quem a fará entrar nesta fase é a avó.

A neta sente-se mal ao entrar na casa da avó e vê-la doente, ver todos os sinais da idade, da decadência da vida, tanto que ela tenta evitar este contato tomando um caminho mais longo, porém mais louco, já que ninguém pode fugir desta realidade, o tempo é inexorável para todos e a morte inevitável.

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Ao ouvir a avó dizer que nunca mais irá abraçá-la, beijá-la ou vê-la Fita Verde “cria juízo” e grita ter medo do Lobo, ou seja, da verdade, do evidente: a morte. A separação daqueles que nós ama-mos, das mudanças causadas pelo tempo, pela nossa impotência di-ante a certos fatos da vida. Assim a avó cumpre seu papel de ajudar Fita Verde a encarar uma nova etapa na vida humana, ela perde sua fita verde e amadurece e parte para esse novo mundo.

Portanto, as três narrativas são reconhecidas por compartilha-rem o mesmo tema, a perda da inocência, a transição da infância para o mundo adulto. Em cada uma delas esse amadurecimento é alcança-do de uma forma, mais traumática ou espontaneamente, mais brus-camente ou tranqüilamente, porém ela é feita, já que todos os seres humanos passarão mais cedo ou mais tarde por isso; desta maneira, Chapeuzinho sempre existirá em nossa literatura, expressões artísti-cas e imaginário coletivo pois ela reflete um sentimento comparti-lhado por todos nós, o medo e desconforto enfrentados no início de uma jornada em um mundo desconhecido e imprevisível, a vida adulta.

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Bibliografia Bibliográfica:

BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. Rio de Janeiro: José Olympo, 2003.

CORSO, Diana L. e Mário. Fadas no Divã. Psicanálise nas histórias

infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.

FREUD, Sigmund. A consciência e o que é inconsciente. In: Obras Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

GRIMM, Jacob e Wilheim. Chapeuzinho Vermelho. In: Obras Com-pletas. Rio de Janeiro: Itatiaia, 2000.

JUNG, C. Gustav. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópo-lis: Vozes, 2006.

ROSA, J. Guimarães. Fita Verde no Cabelo. Nova Velha Estória. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.

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