53
Solvência
Solvência,
o terceiro ângulo
da regulamentação
Resultados estáticos,
embora exigidos pela
legislação, pouco
ajudam a compreender
o verdadeiro estado
econômico-atuarial
dos planos
POR RENÉ RUSCHEL
A
análise de solvência deum plano de benefício, segundo o atuário, mes-tre em Economia e professor da USP/Fipecafi, José Ângelo Rodrigues, em seu livro “Ges-tão de Risco Atuarial”, pode ser estudada sob dois aspec-tos: solvência econômica e sol-vência financeira. O plano de benefícios poderá ser conside-rado solvente economicamente
54
Solvência
quando o valor presente de seus bens e direitos se mostrar igual ou superior ao valor presente de suas obrigações. No segundo caso, será considerado solvente financeiramente quando houver capaci-dade em honrar as exigibilicapaci-dades cor-rentes, previdenciais e administrativas. Do ponto de vista da gestão estruturada, ainda de acordo com Rodrigues, resul-tados estáticos, embora exigidos pela le-gislação, pouco ajudam a compreender o verdadeiro estado financeiro-atuarial dos planos.
A solvência no sistema
Para o atuário e diretor-presidente da Gama Consultores Associados, Antô-nio Fernando Gazzoni, na legislação que rege os fundos de pensão no Brasil não existem referências objetivas à solvên-cia. “Não há nesse aparato regulatório uma definição ou regramento específico que oriente os atores do sistema.” Para ele, trata-se de uma medida necessária e de importância capital para verificar a “saúde” do plano de benefícios, tal qual acontece nos sistemas mais avançados do mundo.
Para entender a solvência como o ín-dice que mede a cobertura patrimonial de um plano de benefícios - aliás, esta é ape-nas uma das possíveis métricas aplicá-veis ao tema - a Lei Complementar nº 109, de 2001, definiu que para qualquer des-tinação e utilização de superávit deve-se primeiro observar uma “reserva de até
25%” do patrimônio sobre as provisões matemáticas. Em 2008, o então Conse-lho de Gestão da Previdência Comple-mentar – CGPC, por meio da Resolução nº 26, definiu, dentre outras obrigações, que todos os planos, para procederem a destinação e utilização do superávit, de-veriam reservar até 25% de seu patrimô-nio para contingências”. No entanto, ao não disciplinar como esse limite deveria ser observado em cada plano de benefí-cios, acabou por tratar igualmente planos desiguais.
De forma diferente ao que foi obser-vado em relação ao “superávit”, o CGPC definiu uma regra para o equaciona-mento do déficit, admitindo, na mesma norma, que os planos de benefícios que possuíssem um nível de insuficiência de cobertura patrimonial (déficit) de até 10% em relação às reservas matemáticas teriam um tratamento; e aqueles planos que superassem esse patamar deveriam obedecer outras regras. Verifica-se, nes-te particular, que a LC 109/01 não aden-trou em qualquer nível o que deveria ser observado nessas ocasiões, diferente-mente do que ocorreu com o superávit.
Essas normas causam distorções. Um plano jovem e aberto a novas ade-sões, que possui muitos anos pela frente para capitalizar seus recursos, em caso de déficit, é tratado da mesma forma que um plano extremamente maduro, fecha-do a novas adesões e que tenha apenas assistidos. Os níveis de solvência e
pra-Na legislação que rege os fundos de pensão brasileiros,
não existem referências objetivas à solvência, dificultando
a verificação da “saúde” do plano de benefícios
55
Solvência
zos de equacionamentos desses planos são distintos, no entanto, eles são obri-gados a seguir as mesmas normas.
Acumulada uma razoável expe-riência em relação aos superávits e déficits, bem como a experiência inter-nacional a ser observada, é preciso pro-mover ajustes nas normas que regem a solvência dos planos, começando por conceitua-la, até para que se tenha uma mesma métrica, independente de quem for aferi-la. É nessa direção que os es-tudos promovidos pela Comissão Ad
Hoc instituída pela Abrapp têm
avan-çado na tentativa de subsidiar tecnica-mente o debate que deverá ser travado entre sociedade civil e governo. Para Gazzoni, “o importante é que todos os envolvidos no processo cheguem a um bom termo, como foi na questão de precificação de ativos e passivos, que-brando paradigmas com medidas que atendam nosso sistema, confiram o de-vido ajuste, e modernizem o que tanto precisamos”.
Em linhas gerais, existem dois mo-delos de tratamento da solvência vi-gentes no mundo. O primeiro engloba a Holanda e países escandinavos, onde os patrocinadores não são responsáveis por cobrir déficits e o prazo para equa-cionamento do plano é curto.
Já o outro grupo de países, que abrange Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, dentre outros, e que se
asse-melha ao modelo atual do Brasil, pos-sui regras opostas. Os patrocinadores possuem, sim, suas parcelas de respon-sabilidade em caso de desequilíbrio do plano, e o prazo para equacionamento costuma ser maior, inclusive com a uti-lização de corredores para permitir que o plano de benefícios conviva com al-gum déficit ou superávit; ou seja, não é exigido, durante todo o tempo, uma co-bertura patrimonial para o passivo.
Nos Estados Unidos, as regras, bastante concessivas, permitem manter, indefinidamente, déficits de até 20%. Tanto os EUA quanto o Reino Unido implementaram fundos de solvência. No caso americano, trata-se do Pension
Benefit Guaranty Corporation (PBGC),
que existe desde 1974. No Reino Unido, o Pension Protection Fund (PPF) foi cria-do há 10 anos como parte das medidas propostas pelo Pension Act de 2004.
O PBGC e o PPF são “instituições externas” que recebem prêmios (apor-tes) dos fundos de pensão e, em contra-partida, caso estes não tenham recursos para o pagamento dos benefícios con-tratados em um determinado nível (in-solvência parcial), o fundo de (in-solvência é chamado a arcar com os benefícios. A Lei Complementar 109/2001 prevê a criação de um fundo de solvência para os fundos de pensão brasileiros, porém tal dispositivo legal ainda carece de re-gulamentação específica.
A LC 109/2001 prevê a criação de um fundo de solvência
para as fundações brasileiras, porém tal dispositivo
56
Solvência
Novas regras buscam
corrigir distorções
As mudanças no método de precifi-cação do passivo vão em linha com mo-delos bem sucedidos de outros países, tais como Estados Unidos, Canadá e Rei-no Unido, que adotam taxas de títulos públicos e/ou privados de alta qualida-de para mensuração dos passivos atua-riais. Outras alterações significativas estão relacionadas ao prazo para amor-tização do déficit e ajustes contábeis na apuração dos resultados.
A Resolução CNPC nº 16, por sua vez, permitiu que as Entidades incorpo-rassem aos seus resultados os ganhos ou perdas futuras de títulos federais atrela-dos a índices de preços mantiatrela-dos até o vencimento para fins de equacionamento de déficit ou somente as perdas em caso de destinação de superávit. Embora os balanços patrimoniais não reflitam tais ajustes, uma vez que a norma contábil não permite incorporar ganhos ou perdas futuras nos resultados do exercício, a sol-vência do plano passará a ser observada com foco no resultado ajustado.
Mudanças pontuais
Passada esta etapa, o setor se volta à proposta de novo regramento da solvên-cia. As principais alterações a serem dis-cutidas giram em torno, principalmente, de limitar o déficit ao prazo de duration de cada plano e não a um patamar fixo,
como é atualmente. O limite de déficit seria de 1% para cada ano de duration, até o patamar máximo de 15%.
“As entidades pedem que, assim como em períodos econômicos favorá-veis é necessário observar a Reserva de Contingência, nos períodos ruins haja regras flexíveis para o equacionamento de déficit desde que a sustentabilidade não seja colocada em xeque” explica o atuário Magno Camelo, da Luz Solu-ções Financeiras.
“Hoje os fundos previdenciais não são considerados no índice de co-bertura (solvência). Existem fundos previdenciais que podem ser utilizados para abatimento de déficits, segundo re-gras dispostas em Regulamento e Nota Técnica Atuarial e, neste caso, seria justi-ficável considerá-los no cálculo do índi-ce de cobertura”, diz Carmelo.
O passo seguinte seria ampliar a análise dos níveis de solvência dos pla-nos de benefícios para além do índice de cobertura. “A solvência não deve ser analisada como uma relação entre o pa-trimônio e a obrigação trazida a valor presente, mas como se dará o comporta-mento dos fluxos financeiros.”
Outro desafio é o aumento da expec-tativa de vida da população. As análises dos níveis de solvência não devem re-fletir apenas a expectativa de sobrevida dos participantes e assistidos na data da avaliação, mas observar a tendência de novos aumentos da longevidade no
de-Discute-se a imposição de um limite de déficit
de 1% para cada ano de duration do plano de
benefícios, até o patamar máximo de 15%
57
Solvência
correr do tempo. As entidades devem monitorar esse risco e, quando necessá-rio, adequar suas hipóteses biométricas. A Previc e o CNPC podem, eventual-mente, criar regras que possibilitem eventuais déficits pela adoção de tábuas mais conservadoras e prever que os ga-nhos de sobrevida futuros sejam equa-cionados com prazos diferenciados.
Expectativas para 2015
Para Silvio Rangel, diretor-superin-tendente da Fundação Itaipu e coorde-nador da Comissão Ad Hoc da Abrapp, grupo responsável pela elaboração das propostas que serão analisadas pelo CNPC, o sistema de Previdência Com-plementar fechado demandava, há anos, novas regras para precificação de ativos e passivos previdenciários, assim como de solvência. Em parte, tais demandas foram atendidas com a aprovação das Resoluções nº 15 e 16. “Agora é preci-so concluir o debate preci-sobre a preci-solvência, a ponta que falta para dar coerência ao modelo regulatório do sistema.”
Em relação ao passivo, a nova regra aprovada prevê que cada plano de bene-fícios utilize uma taxa de juros atuarial diferenciada, compatível com sua car-teira de investimentos e com o fluxo de pagamento de seus benefícios, dentro de um intervalo que considera a taxa de ju-ros dos títulos federais com mesmo prazo
do fluxo de seus benefícios, acrescido de 0,40% (teto) e decrescido de 30% (piso). Taxas de juros atuarial fora deste interva-lo serão admitidas mediante estudo téc-nico e prévia aprovação da Previc.
Outra vantagem, ainda segundo Rangel, é a introdução do conceito de equidade. O critério diferenciador pas-sa a ser o prazo médio do fluxo de caixa de pagamento dos benefícios (duration). Assim, planos com pagamentos con-centrados no curto prazo terão taxas de desconto atuarial diferentes dos planos cujos pagamentos de benefícios estão diluídos em prazos mais longos, esti-mulando estratégias diferenciadas para gestão de investimentos.
Já em relação aos ativos, a regra de-termina que em caso de eventual déficit ou superávit seja realizado um prévio ajuste de valores dos títulos federais, con-siderando a diferença entre o valor contá-bil dos títulos marcados na curva e o valor precificado pela taxa atuarial. Com isto, os resultados econômicos das operações de “hedge de fluxo” serão contemplados na análise da solvência, evitando desti-nações de superávit ou equacionamentos de déficits desnecessários. “As novas re-gras representam um avanço normativo em linha com as melhores práticas inter-nacionais e as necessidades dos planos de benefícios, de seus patrocinadores e dos
participantes”, afirmou Rangel.