Plebiscito da V
ale do Rio Doce em aldeia Guarani (SP) –
Foto: Jussara Rezende
ISSN 0102-0625
Ano XXX • N0 300 • Brasília-DF • Novembro - 2007
R$ 3,00
Prova de resistência, compromisso e coragem,
o jornal fundado em 1978 segue até hoje com a
mesma postura crítica em defesa da causa indígena
Porantim
Edição 300
Madeireiros invadem
aldeia e matam um
Guajajara no Maranhão
Página 11Índios na cidade:
onde e como moram
estes povos?
2 Novembro-2007
O seu lançamento foi no dia 1º de maio de 1978, em plena ditadura militar. Nas comemorações do Dia Internacional do Trabalhador, os pro-fessores amazonenses, que fizeram uma manifestação tímida, tiveram uma surpresa. Durante o ato, foram distribuídos centenas de exemplares do primeiro número do Porantim: três folhas de papel tamanho ofício, mimeografadas, frente e verso. Pan-fleto sim, mas pretensioso.
O objetivo inicial do boletim do Cimi, cujo comitê editorial era for-mado por Paulo Suess, Renato Athias, Ademir Ramos e o autor dessas linhas, era divulgar, em Manaus, informações sobre a questão indígena. Queríamos que o Porantim fosse uma espécie de espelho, onde parte da população da cidade visse refletida não só a imagem dos povos indígenas, mas a sua pró-pria imagem.
Apesar de dirigido preferencial-mente à população de Manaus, exem-plares do jornal foram logo enviados para as comunidades indígenas do Amazonas: missionários, agentes de pastoral e líderes indígenas, alfabeti-zados em português. A estrutura do Cimi nos forneceu uma vasta rede de o final dos anos 60, no Rio
de Janeiro, meus amigos im-ploravam: “vai para O Globo,
vai”. Diziam isso por causa
da minha fama de pé-frio. Todos os órgãos de imprensa, onde fui repór-ter, fecharam suas portas. Foi assim com dois diários alternativos O Sol e O Paiz, com a Agência de Notícias
Asapress, com o Jornal de Vanguarda
da TV Continental, com o semanário
Poder Jovem e até mesmo com o
cen-tenário Correio da Manhã. No exílio, fui correspondente em Paris do Opinião, que também fechou. No seu programa
Comitê de Imprensa da TV Câmara,
Pau-lo José Cunha brincou me chamando no ar de “fechador de jornais”.
Um deles, porém, que eu ajudei a fundar, não fechou. O único: o
Poran-tim. Ele foi criado em 1978 na cozinha
da minha residência, em Manaus, depois da passagem encorajadora de Dom Tomás Balduíno e Dom Pedro Casaldáliga pela cidade. Dois anos depois, a redação foi transferida para Brasília, onde permanece até hoje, chegando ao seu número 300. O nome escolhido contém forte carga simbólica: instrumento de trabalho, arma de combate, memória coletiva.
Porantim velho de guerra
MARIOSAN
correspondentes, espalhados pelas aldeias indígenas, que abasteciam o jornal com notas redigidas até em papel de embrulho. O Porantim foi ganhando maior credibilidade e aumentando a tiragem. A rede de correspondentes e a distribuição do jornal se espalharam por todo o Brasil. O jornal passou a ser vendido em algumas bancas das cidades do Norte, dialogando com outros perió-dicos alternativos como o Varadouro, do Acre.
Ninguém podia imaginar, muito menos um “fechador de jornal”, que quase trinta anos depois o Porantim estaria firme e forte, combatendo o bom combate em defesa da causa indígena, mantendo sua postura crí-tica e de denúncia e tentando, como um pequeno David, lutar contra os preconceitos e a desinformação da grande imprensa.
Espero receber um convite, daqui a 20 anos, para escrever sobre meio século de vida do Porantim. A luta continua.
José Ribamar Bessa Freire Coordenador do Programa de Estudos dos Povos Indígenas da UERJ, um dos fundadores e primeiro editor do Porantim
Porantinadas
Edição fechada em 26/10/2007
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Opinião
N
Mudar pra quê?
A Vale do Rio Doce vai mudar de nome e de logomarca a partir deste mês. A in-tenção da companhia é reposicioná-la no mercado de uma forma mais compatível com a situação de multinacional e apagar a imagem de quando foi uma empresa do governo. A mudança ocorre em um mo-mento de questionamo-mento da privatização da empresa, quando várias entidades defendem a reestatização da mineradora. Oportuno lembrar que a Vale se negou, no mês passado, a pagar indenização aos Xikrin, no Pará, pelos impactos que o programa de Carajás causa às comuni-dades indígenas. Só resta questionar: de que vale mudar as aparências se a postura continua a mesma?Um engasgo
chamado PAC
O Tribunal de Contas da União deter-minou a paralisação de 77 obras federais que parecem ter irregularidades graves. Elas não poderão receber verbas do Orçamento da União em 2008 até que os problemas sejam resolvidos. Desse con-junto, quase 40% (29 obras) fazem parte do PAC, entre elas a transposição do rio São Francisco. O Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit) responde por 49% das obras com irregula-ridades graves. A suspeita mais freqüente é sobre preço e superfaturamento de obras. Ao que parece esse tal Pacote de Aceleração do Crescimento peca pela falta de transparência não apenas quando se trata da violação dos direitos indígenas.
Em Roraima...
Os 19 anos da criação de Roraima, comemorado em outubro, foram lembra-dos por deputalembra-dos estaduais como Chicão da Silveira (PDT), Ivo Som (PTN), Erci de Moraes (PPS) e Célio Wanderley (DEM), que em seus discursos enalteceram a esperança do povo no desenvolvimento da região e na superação dos “problemas” indígenas, fundiários e ambientais. “A par-tir do momento em que tivermos a posse dessas terras com certeza será encontrada a matriz para o nosso desenvolvimento”, disse Wanderley. A partir desta lógica, o que se constata infelizmente é que Rorai-ma pouco tem a comemorar.
3 Novembro-2007
Conjuntura
Paulo Maldos Assessor político do Cimi
m abril de 2007, foi instala-da a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). Desde então, reuniões da CNPI foram feitas, subcomissões te-máticas foram organizadas, temas específicos vêm sendo trabalhados e, no âmbito geral dessa Comissão, temas importantes vêm sendo en-caminhados, como o Estatuto dos Povos Indígenas.
É importante ressaltar o caráter inovador da CNPI e reconhecer o valor desse espaço de avaliação e discussão articulada das questões indígenas em nosso país, colocan-do numa mesma mesa represen-tantes dos vários ministérios, dos povos indígenas e das entidades indigenistas.
Trata-se de um novo patamar de debate acerca da política indige-nista como um todo e das políticas públicas, específicas e diferencia-das, para os povos indígenas. É importante também reconhecer o avanço na postura da Fundação Nacional do Índio (Funai) na coor-denação deste processo, facilitan-do a interlocução entre os vários atores, respeitando e valorizando o protagonismo dos representantes indígenas.
No entanto, enquanto ocorrem as reuniões da CNPI, no cotidiano das aldeias e dos territórios indí-genas, muitos problemas graves continuam ocorrendo. Processos de identificação de terras per-manecem sem providência; pro-cessos de desintrusão de terras demarcadas não são concluídos; violências continuam sendo come-tidas contra os povos indígenas. Em 2007, mais de 50 indígenas foram assassinados em todo o país; houve cerca de 40 tentativas de assassinato; houve quase 30 suicídios indígenas.
A situação do povo Guarani do Mato Grosso do Sul continua
im-pactando, devido a um genocídio que se aprofunda e se desdobra internamente, envolvendo os pró-prios indígenas numa sucessão interminável de mortes e num contexto de alcoolismo, sem pers-pectivas.
Durante esse período, as oli-garquias regionais não deixaram um só minuto de boicotar as decisões, do Poder Executivo ou do Judiciário, que significaram o reconhecimento dos direitos indí-genas. Tem sido assim na Terra In-dígena Raposa Serra do Sol, onde um grupo pequeno de arrozeiros simplesmente se recusa a sair da área invadida. Com o apoio de for-ças políticas locais e contando com a omissão dos órgãos do Estado, responsáveis por encaminhar a desintrusão, os fazendeiros afron-tam decisões do governo federal, desrespeitam decisões judiciais e seguem impunes.
Setores antiindígenas em di-versos estados continuam atuando para que o Governo não demarque as terras, os serviços não sejam prestados, os povos indígenas não sejam protegidos e atuam também para que lideranças sejam crimi-nalizadas e presas injustamente. Estas ações ocorrem no nordeste, na Amazônia, na região Sul, no
Congresso Nacional, nos meios de comunicação nacionais e re-gionais, no interior dos governos federal e estadual, e até no Poder Judiciário.
Grupos econômicos, redes de interesse em explorar minérios ou o agronegócio nas terras indígenas atuam dentro e fora do Estado, para que os direitos constitucionais dos povos indígenas não sejam respeitados. Estes setores atuam, inclusive, no Congresso para que tais direitos sejam eliminados, e, nesse sentido, já contam com mui-tos projemui-tos de lei em discussão.
Todo esse poder de pressão dos setores antiindígenas fragiliza a CNPI e seu poder real de interfe-rir na realidade, garantindo a vida das comunidades indígenas em nosso país. Devido a esse contexto contraditório e adverso, nos depa-ramos com um desafio: o que fazer para que a sociedade e o Estado brasileiro não voltem atrás no res-peito aos direitos constitucionais dos povos indígenas?
Sem dúvida, um caminho im-portante a ser percorrido para que tal garantia seja alcançada é o da criação do Conselho Nacional de Política Indigenista – proposta que vem sendo amadurecida no interior da CNPI.
Rumo ao Conselho
Nacional de Política
Indigenista
Um Conselho, com força institucional, poderia enfrentar
as graves violências sofridas pelos povos e as tentativas de
diminuírem os direitos indígenas
Por que a criação do
Conselho seria importante?
A CNPI foi criada por decreto do presidente da República; já o Conselho será criado por lei e, portanto, será um espaço institu-cional de participação indígena na aprovação das diretrizes da política indigenista. Neste sentido, será um fato inédito da nossa história.
Será papel do Conselho acom-panhar o cumprimento da política indigenista pelo governo federal. O representante do Cimi na CNPI, Saulo Feitosa, defende que o futuro Conselho, ao exercer este papel, tenha condições institucionais de intervir de maneira determinante na execução dessa política. O Conselho atuaria principalmente nos casos graves, que envolvem a vida das comunidades, como a situação dos Guarani e nas demais situações de risco crônico, assim como, na articulação dos órgãos públicos, cujos problemas ainda subsistem.
A ação administrativa que executa a política indigenista é do governo federal, mas o futuro Conselho deverá integrar a admi-nistração pública, portanto o Cimi considera que esta instância ad-ministrativa terá plenas condições de contribuir para que a ação do governo federal seja a de maior qualidade possível.
Este salto de qualidade será possível, inclusive, porque o Con-selho contará, além do conjunto de órgãos públicos articulados, com a participação direta dos povos indígenas e das entidades indigenistas.
O Conselho Nacional de Po-lítica Indigenista poderá ser um instrumento importante para a construção e execução de uma polí-tica indigenista que preste serviços relevantes em defesa da vida dos povos indígenas no Brasil.
E
Questões graves: situação dos Guarani no Mato Grosso do Sul (no alto) e pressão dos antiindígenas contra as terras demarcadas (acima Toldo Pinhal - SC)
Porantim nº 1 - maio de 1978 Manaus/AM
A estréia do Porantim aconteceu em cinco páginas de papel ofício escritas à máquina e mimeografa-das. Seu primeiro número já deixa claro o papel do jornal na defesa dos povos indígenas: “Os índios estão fadados a desaparecer da face da terra aniquilados pelos avanços do progresso. Impren-sados contra o último recurso de defesa que lhes resta, a selva amazônica – eles lutam como animais acuados para preservar os derradeiros vestígios do que foi, no passado, florescentes nações indígenas”, dizia uma nota em referência ao Dia do Índio. Editado em Manaus, e apesar de ser cen-trar no que acontecia na região Amazônica, o jornal também trazia notícias sobre a situação indígena em outras regiões do Brasil.
Foto: Equipe Chapecó – Cimi Sul
4 Novembro-2007
O
5ª Celam
Paulo Suess Assessor Teológico do Cimi
mundo descontextualizado pela globalização econômica e cultural e os mundos contex-tualizados das nossas comuni-dades mostram que antigas fronteiras caíram. Onde existiam muros de iden-tidades fechadas hoje se observam arbustos que permitem a comunicação além do território que marcam e geram crises de identidade. O olhar macro sobre o universo e a observação micro das ciências confirmam esse desapare-cimento de fronteiras. Vivemos num tempo em que todo conhecimento é influenciado pelo conhecimento de uma vizinhança global; estamos num mundo em que nenhum conhecimento é completamente autônomo.
Hoje, o diálogo é constitutivo para a compreensão de si mesmo e dos outros. Também o conhecimento religioso não é autônomo. Depende de mediações so-ciais, históricas, culturais, econômicas e políticas, que condicionam a compreen-são da experiência religiosa e a prática da fé. Essas mediações são formas de diálogo entre diferentes pontos de vista e fontes de sabedoria. Nesse diálogo amplo de compreensões incompletas e historicamente situadas dos mistérios divinos e humanos se insere o diálogo inter-religioso.
Compreendido a partir dos conheci-mentos da ciência que estuda a religião, a Teologia, o diálogo não é instrumento para construir a verdade, mas para se aproximar dela. A aproximação entre vários ramos do conhecimento e
co-munitária aos mistérios da vida e da fé é mais profunda e abrangente que uma aproximação solitária e fechada dentro de uma só disciplina.
Documento de Aparecida
Ao admitir que nenhum conheci-mento é completo, a 5º Conferência para o Episcopado Laitino Americano (Celam), que aconteceu de 13 a 31 de maio de 2007, em Aparecida-SP, situa o diálogo interreligioso num território onde se sobrepõe uma compreensão incompleta de cada participante do diálogo à convicção de uma prática religiosa própria entre cristãos e não-cristãos, que confere aos parti-cipantes do diálogo sua identidade religiosa. Deve-se distinguir entre o diálogo inter-religioso, o diálogo com os não-crentes e o diálogo ecumênico
(baseado nas mensagens do Evange-lho), que é um terreno mais familiar aos cristãos.
Já que geralmente o conhecimento das religiões não-cristãs entre os cris-tãos não é muito profundo, deve-se, segundo o DA, “investir no conheci-mento das religiões, no discerniconheci-mento teológico-pastoral e na formação de agentes competentes para o diálogo inter-religioso”, sobretudo para o diálo-go com as religiões monoteístas (crença em um único Deus).
Parte-se do pressuposto que, de an-temão, ninguém quer trocar a sua reli-gião e ninguém fala com o outro somen-te para convertê-lo. Nem o judeu quer ser cristão, nem o cristão muçulmano ou judeu. Seguindo as orientações do Concílio, o Documento de Aparecida reafirma que “pelo sopro do Espírito
O Diálogo interreligioso segundo Aparecida
Uma reflexão a partir do Documento de Aparecida (DA) que sugere o diálogo interreligioso para construir um sentido que une a humanidade
Santo e outros meios conhecidos por Deus, a graça de Cristo pode alcançar a todos os que Ele redimiu, para além da comunidade eclesial”. Na convivência, todos se respeitam reciprocamente e têm o direito de viver e comunicar as suas convicções uns aos outros”. Nesse diálogo está embutida uma confissão da própria fé e seu anúncio. Esse anúncio faz parte da necessidade de falar da-quilo que faz sentido à nossa vida e que nos faz crescer. “O diálogo interre-ligioso (...) tem um especial significado na construção da nova humanidade: abre caminhos inéditos de testemunho cristão, promove a liberdade e dignida-de dos povos, estimula a colaboração para o bem comum, supera a violência motivada por atitudes religiosas funda-mentalistas, educa à paz e à convivência dos cidadãos.A Conferência de Puebla (em 1979) já tinha lembrado o caráter testemunhal e respeitoso do diálogo e advertido para “suas exigências de lealdade e integridade da parte de ambos os inter-locutores”. Lealdade com as convicções da própria comunidade religiosa e inte-gridade do conteúdo apresentam pres-supostos do diálogo. A Conferência de Aparecida responde claramente à preo-cupação com a missão e ao anúncio que sempre acompanham a reflexão sobre o diálogo religioso: o diálogo inter-religioso não substitui a missão, nem o anúncio. A missão exige o diálogo e o diálogo “se fundamenta justamente na missão que Cristo nos confiou”; exige “a sábia articulação entre o anúncio e o diálogo como elementos constitutivos da evangelização”. Acima: Encontros que debateram a Teologia Índia, na Guatemala e em Manaus - espaços de diálogo entre povos e religiões. À direita: O trabalho missionário – um constante diálogo
Foto: Pietro/Arquivo Cimi
Foto:
Arquivo Cimi
Foto:
5 Novembro-2007
O
Educação
Egon D. Heck Cimi MS
acesso ao ensino superior é um desafio que se coloca na agenda atual dos povos indígenas latino-america-nos. Mas adentrar e ter condições de permanecer na universidade não são os únicos pontos em ques-tão. Uma grande conquista, nesse sentido, é conseguir preservar a relação e o compromisso dos es-tudantes com suas comunidades e as lutas de seus povos.
Estes temas foram debatidos num seminário internacional de estudantes indígenas e represen-tantes de universidades brasileiras e de outros países da América Latina, desde o México até a Argentina, em agosto, no Mato Grosso do Sul.
O seminário reuniu mais de 400 participantes em momentos de discussões, intercâmbio e reflexão. Eles relataram suas experiências e os desafios que precisam superar cotidianamente como a discrimi-nação, a falta de recursos e de apoio às condições básicas para estudar. Dificuldades que levam vários estudantes a abandonar a universidade.
A universidade e a luta
Lideranças, acadêmicos e re-presentantes de organizações indígenas apontaram os pontos comuns da caminhada em busca de seus direitos e identificaram os principais desafios colocados pela realidade dos diversos povos. “Temos que aprender entre nós, com nossas experiências e lutas, a partir de nossos direitos, nossas diferenças e projetos de autonomia de nossos povos”, expressou Ger-sen, liderança Baniwa, do alto Rio Negro, atualmente doutorando da Universidade de Brasília (UnB).
A superação da dificuldade em manter o vínculo entre acadêmicos e comunidades foi considerada essencial para não acontecer o que tem sido bastante comum até o momento: o indígena se forma, se dá bem na vida e fica distante de seu povo. Com o objetivo de evitar esta situação, tem se busca-do um diálogo permanente e uma articulação entre a comunidade e o estudante, desde o ingresso na universidade até sua formação e o retorno.
Dionito Makuxi, coordenador do Conselho Indígena de Roraima, falou da forte vinculação existente em seu estado entre o movimento dos professores e universitários indígenas. Destacou que não tem sido fácil construir essa articu-lação, mas que ela é fruto de 30 anos de luta pela terra e autonomia dos territórios. “Foi preciso muita força, coragem e decisão. O nosso movimento teve que enfrentar: ou vai ou racha, tem sido o lema”, ressaltou.
A situação do engajamento dos universitários nas lutas de suas comunidades foi pontuada diversas vezes. Hamilton Lopes, liderança Guarani desde a década de 1980, desabafou: “Eu vejo hoje esse grande número de acadêmi-cos. Quando comecei a luta não tinha praticamente nenhum. E nós conquistamos mais de 15 tekoha
(territórios tradicionais) Kaiowá Guarani. Hoje, com todos esses estudantes, não estamos conse-guindo mais conquistar nenhum pedaço de terra”.
Wilson Matos, advogado in-dígena Terena-Guarani, destacou que “há 20 anos não tínhamos gente formada na universidade e conquistamos bastante coisa. A faculdade leva ao emprego e não à luta”.
Zacarias, cacique Terena do acampamento Mãe Terra Cachoei-rinha, lembrou que é importante esse diálogo com os acadêmicos para que eles participem da luta e ajudem a articular e organizar sempre mais “pois estamos numa luta que é muito difícil”. Finalizou dizendo que a esperança é a recon-quista da terra e que depositam grande esperança na participação e contribuição dos acadêmicos.
Indígenas discutem sua presença nas universidades
São muitos os desafios que se colocam diante da conquista de saberes que respeitem as diferenças culturais
A Universidade Federal de São Carlos irá fazer o primeiro vestibular voltado exclusivamente para indígenas no estado de São Paulo. As inscrições foram abertas no dia primeiro de novembro para ingresso em 2008. As provas deverão ser realizadas em fevereiro e os candidatos disputarão 37 vagas,
uma para cada um dos cursos de graduação da instituição. A iniciativa faz parte da implantação de políticas afirmativas e é inédita na universidade. Ações como essa já acontecem em outros estados, como no Mato Grosso e no Paraná.
Fonte: Agência Chasque de Notícia
Universidade Indígena –
ilusão ou utopia!
Nos debates, os indígenas pontuaram que “a escola, em todos os níveis, da aldeia à universidade foi colocada para nos dominar, deixarmos de ser índios, perder nossa identidade, direitos, nossas terras e recursos naturais”. A uni-versidade não tem sido diferente. Conservadora, formadora das eli-tes dominadoras, ela tem sido um espaço de discriminação, que era fechado para os povos indígenas até pouco tempo atrás.
Depois de muita luta, parece que o acesso e a permanência dos indígenas estão em curso. Quem sabe milhares de indígenas aos poucos consigam subverter esse espaço fazendo o que fizeram com a maioria das escolas: de mecanismos de opressão foram transformados em instrumentos de fortalecimento da identidade, dos direitos e das lutas de suas comunidades e de seus povos.
Não se pode ter ilusões. Muita luta será necessária para conquis-tar mudanças profundas nas uni-versidades, e para que se chegue a uma educação verdadeiramente intercultural, de mão dupla. Essas conquistas serão fruto da luta do movimento indígena e seus aliados, da presença indígena nas universidades e de uma ampla arti-culação nacional e continental.
São Paulo tem 1º vestibular específico para índios
Universitários indígenas discutiram como manter o compromisso dos estudantes com as lutas de seus povos
Fotos: Egon D. Heck
Capa do Porantim - Ano III - nº 27 Março de 1981 - Manaus/AM
Nesta edição, o Porantim denun-ciou o financiamento do Banco Mundial para a construção da estrada que liga Cuiabá, no Mato Grosso, a Porto Velho, em Rondô-nia. A via beneficiaria diretamente 22 fazendeiros da região. Por atravessar o Vale do Guaporé (MT) terra dos Nambikuara, o jornal já denunciava o risco que corriam às comunidades indígenas daquele local. Uma campanha interna-cional por parte das entidades de defesa dos índios foi lançada acusando o Banco Mundial de genocídio contra os povos Nam-bikuara.
6 Novembro-2007
C
Índios na Cidade
Priscila D. Carvalho Especial para as Agências Repórter
Brasil e Carta Maior*
erca de 1.600 dos 4.641 mil indígenas de Campo Grande, autodeclarados no censo de 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vivem nas 293 casas das três aldeias urbanas construídas na capital: Marçal de Souza, Jardim Noroeste e Água Bonita.
O primeiro loteamento, Marçal de Souza, foi construído depois que um grupo Terena ocupou, em 1995, um terreno - na época, ainda vazio - que a Prefeitura de Campo Grande havia doado à Fundação Nacional do Índio (Funai) para o estabelecimento de uma Casa do Índio. Em 1999, o poder municipal forneceu material de construção e os próprios moradores ergueram 135 casas. A prefeitura construiu também escola e um prédio que abriga o Memorial de Cultura Indígena, espaço de exposição de artesanatos. Lideranças da aldeia contam 200 famílias que somam um total de 1050 pessoas.
A Aldeia de Água Bonita, iniciativa do governo estadual, foi o segundo loteamento construído em Campo Grande. Fica na saída para Cuiabá, no final de um conjunto habitacional, e reúne 60 famílias em casas dispostas em círculos, decoradas com grafismos dos povos indígenas. A gerente de Produção
e Planejamento da Agência Estadual de Habitação (Agehab), Maria Teresa Rojes Palermo, ressalta que Água Bonita fez parte de uma iniciativa mais ampla do governo estadual que construiu 1055 unidades habitacionais para indígenas de todo o Mato Grosso do Sul, com recursos estaduais e federais para sane-amento básico e dentro do Programa de Subsidio à Habitação de Interesse Social (PHS). Não existiu, segundo ela, nenhum planejamento maior na decisão de cons-truir casas para índios na cidade. “Foi um projeto pontual. Não era intenção fazer para índio desaldeado. Foi decisão do diretor da época”. A aldeia urbana, ad-mite Maria Teresa, fugiu das regras dos programas habitacionais do Estado. “A política habitacional é de colocar perto de locais de trabalho, inseridos na malha urbana. A aldeia de Marçal [de Souza] tem ônibus, escola, posto de saúde. Lá em Água Bonita não tem nada”.
Em 2006, os moradores receberam o comprovante de quitação e a posse das casas, mas o restante da área total de 13 hectares de Água Bonita permanece em desuso. Leopoldo Vicente (Terena) e Nito Nelson (Guarani) lideranças de Água Bonita, afirmam que tentam desenvol-ver projetos na parte desocupada que contribuam com o sustento da comuni-dade, como produção de mandioca e a construção de um salão para a comuni-dade produzir artesanato. Mostram um documento de protocolo do pedido para
uso da área encaminhado à Procuradoria Geral do Estado.
“Existe, sim, a solicitação no papel para passar a área para eles. Mas nunca passou na minha mão um projeto de desenvolvimento para a área. Seria inte-ressante. Mas eles não se organizam su-ficientemente para fazer uma proposta com credibilidade”, reclama a gerente da Agehab. Na frente de Água Bonita, cresce uma nova ocupação que já reúne outras 60 famílias. Por hora, Maria Teresa nega a possibilidade de construção de novas ca-sas em curto prazo. “O governo estadual já entrou com pedido de reintegração de posse [da área ocupada pelas 60 famílias] porque este é o procedimento padrão. Sabemos que a demanda é maior que a oferta. Mas existe um sistema de inscri-ção que precisa ser respeitado”.
As 98 casas do Jardim Noroeste, ter-ceira aldeia urbana de Campo Grande, foram inauguradas em 2007. O lotea-mento foi fruto de uma reivindicação do Conselho Municipal de Indígenas
encaminhada à Empresa Municipal de Habitação (EMHA). O Conselho reúne lideranças da cidade e é responsável por intermediar o diálogo entre o poder público e as comunidades. “Na mesma semana em que o Conselho encaminhou a reivindicação, por coincidência, o pre-feito [André Pucinelli, atual governador do estado] tinha uma reunião com a Caixa Econômica Federal e perguntou sobre a possibilidade de projeto es-pecífico para os indígenas. Descobriu que havia recursos disponíveis pelo FNHIS [Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social]. Foi o primeiro convênio realizado no Centro-Oeste pelo Fundo”, relata Rodrigo Aquino, diretor-presidente da EMHA.
O projeto que deu origem a este trabalho foi ganhador das Bolsas AVINA de Jornalismo Investigativo. A Fundação AVINA não tem responsabilidade pelos conceitos, opiniões e outros aspectos de seu conteúdo.
Povos lutam por moradia
adequada nas cidades
As aldeias urbanas, os conflitos pela posse da terra, a vida em conjuntos habitacionais
e em periferias e a disputa por áreas públicas são problemas relacionados à moradia de
indígenas que vivem nas cidades
o Morro do Osso, em Porto Alegre, vivem 23 famílias Kaingang, parcela mínima dos 13.794 autodeclarados indígenas na capital gaúcha.
O principal problema no Morro do Osso, porém, diz respeito à posse da terra. As 23 famílias vivem desde 2004 na entrada do Parque Natural do Morro do Osso, unidade de con-servação municipal. De acordo com o secretário de Meio Ambiente de Por-to Alegre, BePor-to Moesch, o parque foi criado a partir de demanda dos mo-radores da região pela preservação
da área, último espaço remanescente de Mata Atlântica da cidade.
Um sonho levou a pajé da comunida-de ao local, oncomunida-de ela encontrou vestígios de ocupação Kaingang e Guarani. Uma decisão da Justiça Federal em julho de 2006 permitiu ao grupo permanecer nas casas até o julgamento do mérito da reintegração de posse pedida pela prefeitura - que propôs a transferência da comunidade para uma outra área. Os indígenas não aceitaram, pois con-sideram o Morro do Osso um tekoha (território tradicional).
O secretário apresenta uma tese
Alegre, discorda. “O Parque foi criado sobre uma área de ocupação tradicional. A prefeitura divulgava, na sua página na internet, informações turísticas de que ali existem sítios arqueológicos e cemitério indígena. A existência deles caracteriza a área como sendo, de fato, de ocupação indígena”, argumenta.
Os Kaingang conseguiram uma área de 5,8 hectares, na Lomba do Pinheiro, comprada pela prefeitura por decisão
Porto Alegre: Morro do Osso
controversa para defender a saída dos Kaingang do Parque do Osso. Os índios, sustenta Moesch, danificam o parque. “Está no processo a comprovação triste de como eles destroem o meio ambien-te. A área ficou comprometida com queimadas, clarões, plantio de espécies exóticas que mostram o desconhecimen-to deles em relação ao ecossistema”.
Roberto Liebgott, do Conselho In-digenista Missionário (Cimi) em Porto
N
Foto: Egon D. Heck
7 Novembro-2007
do Orçamento Participativo (OP). Mas a construção das moradias só se tornou possível graças a um convênio firmado entre a adminis-tração municipal e a organização não-governamental basca Fundación
Paz y Solidaridad, sensibilizada pela
situação dos indígenas durante a primeira edição do Fórum Social Mundial, em 2001.
A cooperação internacional trou-xe cerca de R$ 1 milhão para as obras no terreno e, em contrapartida, a prefeitura entrou com R$ 500 mil. Em 2006, foram finalizadas 23 casas,
m Manaus, o caos criado pela ocupação desordena-da impulsionadesordena-da pela Zona Franca levou a uma multiplicação de bairros pobres e sem estrutura – falta saneamento, água encanada, transporte organizado -, mas sem-pre com muita gente. “Não houve e não há planejamento”, afirma a diretora da escola de Educação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Arminda Mourão, que vem estudando o processo de industria-lização do estado.
Ela avalia que a violenta migra-ção que ocorreu em Manaus não só foi feita sem o planejamento urba-no necessário, como teve efeitos sobre as cidades vizinhas da região. “Manaus se desenvolve e a ativida-de econômica dos municípios se esvazia. O esvaziamento ocorre não só na atividade produtiva, mas também na saúde e educação. Não havia nem mesmo ensino médio fora da cidade. Tudo se concentra em Manaus”, avalia.
Foi neste contexto em que parte das terras destinadas à Zona Franca acabaram sendo ocupadas pelos migrantes para habitação. Um grupo de indígenas Kokama
São Paulo: Doações e
programas habitacionais
cidade de São Paulo tem três tekohas do povo Gua-rani: Tenondeporã (Morro da Saudade) e Krukutu ficam em Parelheiros, zona sul da cidade, e a terra Jaraguá, na zona norte. Foram demarcadas na década de 1980, pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Krukutu foi uma terra onde os índios viviam e que foi deixada para eles pela pessoa que tinha a posse da terra, depois regularizada como terra indígena.
As terras do Jaraguá foram da Sociedade de Geografia de São Paulo, cujos sócios convidaram para serem caseiros uma família Guarani que vivia em situação de pobreza. Esta família foi o prin-cípio do grupo que vive hoje na “aldeia de baixo”, registrada com dois hectares. Seguindo a lógica das migrações Guarani, novas famílias chegam, se agregam em torno de uma liderança - em geral religiosa - e os grupos, aos poucos, crescem. Com a chegada do pajé José Fernandes, cresceu no Jaraguá a “aldeia de cima”. As famílias das
Manaus: Zona Franca
vive em terras que pertencem à Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa).
Alguns setores, entre eles a pastoral indigenista de Manaus, têm tentado a regularização da terra pela Funai, mas Edgard Fernandes Rodri-gues, do povo Baré, administrador do órgão federal, não vê muita pos-sibilidade de avanços. “A legislação da Funai não incorporou o apoio a índios urbanos”, responde.
A Suframa vem encaminhando a regularização da área da mesma forma como acontece com famílias não indígenas que ocupam terras da superintendência. “No Distrito Industrial não existe área rural, toda a área é urbana. Acontece que a ocupação nessa região se deu por produtores rurais. A reivindicação dos índios é resultado da ocupação de produtores que, no caso, se dizem índios, fato que está sendo averiguado pela própria Funai. Será como produtores que a regulari-zação dessas terras se fará. E esta condição é defendida pela própria Funai”, afirma o coordenador geral de Análise e Acompanhamento de Projetos Agropecuários da Suframa, Paulo Sérgio Cal.
duas aldeias, separadas por uma rua, são proibidas de usar 4,9 milhões de metros quadrados de mata do Parque do Jaraguá, do qual são vizinhas.
São poucos os indígenas que conseguem ser contemplados em conjuntos habitacionais popula-res. Na capital paulista, algumas famílias Pankararu e Kaingang são atendidas por programas públicos desse tipo nos bairros de São Mateus e Itaquera, mas o único conjunto habitacional que atende especificamente indígenas no Real Parque sofre críticas dos outros Pankararu, que continuaram mo-rando na área de favela no mesmo local. “Só arrumaram a parte da frente da favela. Só fizeram esses prédios aqui para cobrir a favela. Para não ver o que está atrás. Esses prédios são um espelho para quem passa de carro. E a gente se escon-de atrás do espelho”, questiona José Carlos da Silva, apontando para os prédios do Cingapura, que se vêem da porta de seu barraco de madeira.
com saneamento ambiental, além de escola bilíngüe e posto de saúde. “Nas vilas, é muito perigoso para os filhos da gente. Tem muito assalto, banditismo. Ia pra feira, tinha que levar as crianças para não acontecer alguma coisa. Aqui, a gente se sente bem porque está entre os índios, não tem misturança. Não dava pra fazer rituais no meio das vilas. Precisamos de espaço para fazer danças, para o pajé fazer trabalhos”, discorre Dona Irundina, do povo Kaingang.
A
E
Dona Erundina Kaigang em sua casa no Morro do Osso
As aldeias nas cidades podem ser terras cedidas pelos estados, como a Água Bonita, em Campo Grande (acima), ou terras tradicionais dos povos como a aldeia Jaraguá, em São Paulo (abaixo)
Foto: Priscila D. Carvalho
Capa do Porantim - Ano VIII - nº 91 Outubro de 1986 - Brasília/DF
No início processo da Consti-tuinte, o Porantim indicava os cinco principais pontos sobre os direitos indígenas que deveriam ser considerados na nova Consti-tuição Federal. Eles se referiam ao reconhecimento dos povos como primeiros habitantes do Brasil; à demarcação e garantia das terras indígenas; ao usufruto exclusivo dos povos das riquezas naturais existentes no solo e subsolo dos seus territórios; ao reassentamen-to, em condições dignas e justas, dos posseiros pobres que se en-contram em terras indígenas; e ao reconhecimento das organizações dos povos indígenas e da garantia de plena cidadania.
8 Novembro-2007
Clarissa Tavares Editora do Porantim
a contramão dos grandes veí-culos de comunicação, rema a favor dos povos indígenas um jornal que é marca de resistên-cia, compromisso e coragem. Criado em maio de 1978, na cidade de Manaus, pela equipe Norte I do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, o Porantim chega ao seu número 300 conservando a linha editorial crítica e a postura de denúncia diante da violação aos direitos dos povos indígenas.
Num país onde os meios de comuni-cação de massa estão concentrados nas mãos de poucas famílias e as informações são manipuladas conforme interesses de grupos econômicos e políticos, o Porantim é também arma. Arma de todos os povos e defensores da causa indígena que, sol a sol, travam verda-deiras batalhas para garantir o respeito e o cumprimento aos direitos já reconhe-cidos. Ao olharmos para trás, sabemos que este reconhecimento é valioso, mas ainda
insuficiente para assegurar uma vida digna, de acordo com a cultura de cada povo. Cultura que é história, tradição. Na projeção do futuro, não se pode esquecer o que passou. Assim, Porantim se faz memória.
Há quase trinta anos, o jornal Poran-tim segue firme na missão que lhe foi confiada. Foi criado para ser remo, arma e memória - significado de porantim na língua do povo Sateré-Mawé - e assim prossegue até hoje.
Ponte entre os povos
Em Roraima, no extremo norte do Brasil, na terra Raposa Serra do Sol, os 18 mil indígenas da região acompanham a cada mês como vivem os parentes de Pernambuco, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, e demais estados brasileiros. “As notícias chegam pelo Porantim e são compartilhadas e discutidas de forma coletiva em assembléias e encontros”, relata Júlio Makuxi, do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
No sul da Bahia, a professora Gilcélia Tupinambá leva exemplares para a sala de aula e discute as matérias com os alunos. “É muito importante eles saberem que existem parentes em outros lugares que passam pelas mesmas situações”, conta. O Porantim também fica disponível na minibi-blioteca da associação e é lido nas reuniões mensais. “É o jornal que mostra a realidade e a dificuldade das aldeias”, pontua.
O remo mágico
dos Sateré-Mawé
“M
ais que um veículo que defen-de a causa indígena, o jornal Porantim é uma ferramenta de luta. Na chamada sociedade da comunicação, sobra quantidade e falta qualidade na informação. São raras as publicações que nos levam à reflexão e à ação, ao debate e à mobilização, como faz o Porantim. Ao chegar à sua 300ª edição, o jornal consegue firmar-se como uma voz que une todos os significados que a palavra Porantim tem: remo, arma, memória. É o remo que nos impulsiona até o campo de batalha, é a arma que usamos pelos direitos indígenas, é a memória dessa luta. Parabéns!”Felício Pontes Júnior Procurador-chefe da Procuradoria da
República no Pará
Da mesma forma que Júlio, Gilcélia e suas comunidades, muitos outros povos utilizam o jornal para informar e serem informados sobre as questões indígenas. Assim o Porantim – que é arma, remo e memória – também é ponte. Ponte entre missionários, indígenas, indigenistas e apoiadores da causa.
Na mira do Porantim
No ano de fundação do jornal causou emoção o depoimento de um índio Tuka-no que, durante assembléia realizada em Manaus, anunciou ter ouvido falar pela primeira vez do projeto de ”emancipa-ção” do ministro Rangel Reis através das
“Porantim, uma luta sem fim Chegar aos trezentos, Atravessar o mar da ditadura, Com luta e ternura,
Vencer as turbulências Das crises financeiras, Já é em si um feito heróico. Porém continuar sendo arma Memória, remando
Na construção de um novo país, Plural e justo,
É dignificar nossa história. Parabéns Porantim,
Que venham outros trezentos!”
Egon Heck Coordenador do Cimi-MS
páginas do Porantim, lido em sua aldeia no alto Rio Negro.
Esta notícia, publicada pelo Porantim em junho de1978, denunciava a intenção do governo militar de resolver o “proble-ma indígena”, apontando como saída a sua emancipação, ou seja, fazendo com que os índios deixassem de ser índios. Na verdade, o que se pretendia não era demarcar e garantir as terras indígenas, mas, ao contrário, torná-las disponíveis para atividades especulativas.
Assim como no caso da tentativa de “emancipação” pelo governo militar, o Porantim denunciou muitos outros atentados à cultura, à terra e à vida dos
N
Porantim chega ao número 300 firme no compromisso que lhe
foi confiado: dar voz aos povos e vez às questões indígenas
Porantim 300
O Porantim em atividades de educação escolar indígena ou simplesmente visto: um dos únicos veículos de comunicação onde os povos se vêemFoto: Sônia da S. Lorenz
Foto: Adalberto Lopez Foto: Adalberto Lopez
9 Novembro-2007
s objetivos do Porantim se confundem com os do Cimi. Desde 1972, quando foi fundado, o Conselho atua em defesa dos territórios indígenas e da auto-nomia dos povos. Criado em plena ditadura militar (1978), quando os donos do poder perseguiam e silenciavam a oposição, o Cimi compreendeu a necessidade urgente de comunicar o que se passava com os índios brasileiros. Ou a situação dos indígenas se tornava notícia ou eles poderiam desaparecer.
Em 1982, a sede do Porantim transfere-se de Manaus para Brasília, onde ficava o Secretariado Nacional do Cimi e onde permanece atualmente. A mudança ocorre por dois motivos: dificuldade de recursos humanos e materiais e a transferência do então secretário regional do Norte I, Paulo
Suess – um dos fundadores do jornal – para assumir o cargo de secretário nacional. Em Brasília, o Porantim passa a ter uma dimensão nacional com notícias de diversas partes do país referentes à questão indígena. Ainda em 1982, recebe o prêmio Pierre Chevalier, concedido pela União Católica Internacional de Imprensa, na Alemanha.
Outro reconhecimento do conteúdo publicado no Porantim veio em 2000. Um livro com artigos que haviam sido publicados no jornal foi colocado na lista dos 100 livros que marcaram a cultura do Brasil, de acordo com a Câmara Brasileira do Livro. Foi nas páginas do Porantim que primeiro se publicou, em forma de artigos, o conteúdo do livro - “Línguas Brasileiras” - do professor Aryon Rodrigues, colaborador do jornal de 1982 a 1984.
que o jornal citado era uma simples folha mimeografada”, relembra Bessa.
A notícia causou agitação nos gabine-tes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e o general Ismarth de Araújo Oliveira, então presidente do órgão, desmentiu tudo. O Porantim retrucou, o general desmentiu várias vezes e em todas foi obrigado a retroceder. No número 10 (agosto 1979) o Porantim noticiou a morte de 85 índios Deni, no rio Juruá. A Funai disse que era mentira. O jornal então publicou a lista com os nomes e as idades dos 85 mortos. Mais uma vez a Funai reconheceu a veraci-dade da notícia publicada pelo Porantim.
E foi com este mesmo espírito comba-tivo que o Porantim seguiu ao longo dos anos. Em 1987, o jornal O Estado de São Paulo realizou uma verdadeira campanha contra o Cimi. Noticiou, sucessivas vezes, que a entidade servia de testa de ferro a empresas internacionais com interesses de explorar minérios no território brasileiro e que este seria o verdadeiro interesse do Cimi junto às comunidades indígenas.
A estratégia do Estadão era de des-legitimar o Cimi junto à opinião pública e enfraquecer a entidade que, à época, mostrava-se combativa na defesa dos di-reitos indígenas no processo Constituinte (1986-1988). “O Cimi participou ativamen-te da formulação dos artigos
constitucio-nais referentes aos direitos indígenas. A Constituição de 1988 representa um avanço na relação do Estado brasileiro com os povos indígenas. Passou de uma perspectiva integracionista - de querer “integrar” os povos indígenas à sociedade nacional - para o respeito às diferenças e o reconhecimento dos direitos indígenas tanto territoriais como culturais”, avalia Paulo Maldos, assessor político do Cimi.
O Cimi desmascarou toda a mentira e explicitou os interesses que os grupos antiindígenas usavam para barrar o avanço no reconhecimento dos direitos indígenas na Constituinte. Aqui, mais uma vez, o Porantim teve um importante papel no es-clarecimento dos fatos e no enfrentamento ao pensamento conservador das elites.
E foi assim. Desde quando o primeiro editorial disse que boletim facilitaria a troca de informações entre os missioná-rios nas aldeias “a fim de que a Pastoral Indígena possa ser executada de maneira mais eficaz.” É assim até hoje, quando Paulo Suess, assessor teológico do Cimi e um dos fundadores do jornal, lembra que, por 300 vezes, o arco foi puxado pela equipe do Cimi e as “flechas-notícias” atingiram os que agem contra os povos indígenas.
E assim continuará. Pois, nosso Po-rantim, além de remo-arma-memória, é também união! Das missionárias, missio-nários, colaboradores e de todos os que lutam para que a causa indígena tenha vez e voz. Vida longa ao Porantim!!!
“N
a travessia de águas revoltas, você é remo forte e resistente. Na luta sem trégua contra os inimigos, você é arma poderosa e certeira. Na construção de uma história de sabedorias ancestrais, você é memória fiel, imprescindível e veraz. Porantim de tantas e tantas edi-ções significativas, seu número 300 é sinal de compromisso e de esperança, celebrando a resistência invencível dos povos indígenas”Elizabeth Amarante Missionária que trabalha com o povo Myky, no Mato Grosso
“O
Porantim para mim é considerado mais que um instrumento de di-vulgação do nosso povo. É uma arma de apoio às nossas lutas, que nos incentiva a continuar caminhando em busca de novos horizontes com dignidade, respeito e compromisso com a nossa causa. O Porantim tem um caráter social e político que informa, para a sociedade, a realidade da situação que nos encontramos no Pará e em todo o Brasill. O povo do Xingu te agradece Porantim. Pakane!”Sheyla Juruna Moradora da aldeia Boa Vista, Vitória
do Xingu, Pará
“S
ou leitor do Porantim há mais de 10 anos e gosto de ler esse jornal porque mostra e divulga as notícias de interesse dos povos indígenas. nossos direitos são negados diariamente e a chamada ‘grande imprensa’ não quer no-ticiar. O Porantim pelo seu compromisso humanitário com os povos indígenas está desmascarando a mentira oficial (ou versão oficial) que é divulgada para enganar e iludir”Antônio Veríssimo Liderança do povo Apinajé, morador da
aldeia Pedra Branca, Tocantins
povos indígenas por sucessivos governos. Ribamar Bessa, um dos fundadores e primeiro editor do jornal, relata o caso de uma matéria com os Yanomami. No Porantim n.3, a manchete “Mais de cem
índios mortos no rio Maia (a imprensa calou)”
denunciava a irresponsabilidade da Funai diante da morte de 100 Yanomami vítimas de malária e tuberculose.
A matéria, carregada de indignação, mexeu com os brios da grande imprensa. No dia seguinte, a maioria dos jornais brasileiros explorou os fatos citando como fonte o jornal Porantim. “O doutor Júlio de Mesquita colocou o assunto na primeira página do Estadão [O Estado de S.Paulo], tratando-nos de ‘confrade’, sem suspeitar
Memória do Porantim
O
Momentos históricos: Porantim nas mãos do Tuxáua Manoelzinho, em (1978); reunião do Conselho Editorial do Porantim, com A.C. Moura (antigo editor, falecido em 2006), Antônio Brand, Dom Tomás Balduíno e Pedro Tierra (1984); Assembléia do Povo Sateré-Mawé, Porantim presente (1980)“
E
10 Outubro-2007Movimento
Cimi Sul Equipe Paranáu não conhecia a maioria dos meus parentes. Estou muito feliz de saber que eles existem e ter conhecido todos eles. Não sabia que eram tantos”. Assim manifestou-se Ana Maria
Tiguá Xetá ao avaliar o “Encontro do Povo Xetá” ocorrido em Guarapuava, Paraná, entre os dias 6 e 8 de outubro. Carregada de emoção, a manifestação de Ana Maria expressa uma experiência pessoal marcada pela violência da sepa-ração arbitrária dos parentes e do chão onde nasceu.
Ana Maria nasceu na Serra dos Dou-rados, região noroeste do estado do Paraná, de onde foi arrancada de seus pais com menos de dez anos, durante o processo de colonização implementado sobre as terras onde seu povo vivia. Residente em São Bernardo do Campo, São Paulo, somente agora conheceu
pessoalmente a maior parte dos seus parentes e demais membros do povo ao qual pertence.
Durante três dias, mais de 80 Xetá, entre os quais cinco dos seis sobrevi-ventes vivos, estiveram reunidos num mesmo espaço físico para se conhece-rem, conversar sobre o passado, analisar o presente e tomar decisões coletivas sobre o futuro do povo.
A experiência da convivência promo-vida pelo reencontro daqueles que já se conheciam e pelo encontro com tantos ainda não conhecidos foi o elemento mais importante do evento. Essa
con-vivência propiciou o fortalecimento da auto-estima pessoal e coletiva e poten-cializou o sentimento de pertença a um grupo culturalmente diferenciado. Isto foi manifestado com bastante evidência, durante o encontro e no documento final, por meio da autodeterminação dos participantes como membros do povo Xetá. “Todos nós queremos ser reconhecidos como membros do povo Xetá. Independentemente de sermos sobreviventes ou descendentes, todos nos reconhecemos como Xetá”.
Os Xetá sofreram um dos maiores massacres já verificados contra
po-pulações indígenas no Brasil. Quase todos foram mortos em menos de uma década, devido à selvagem colonização implementada no território em que viviam. Os poucos sobreviventes e seus descendentes vivem dispersos em terras de outros povos e em centros urbanos nos estados do Paraná, Santa Catarina e São Paulo.
O Encontro propiciou também uma oportunidade de estudo sobre a regularização da terra indígena Xetá. Conscientes das dificuldades, dos desafios e dos prováveis conflitos, o povo decidiu soberanamente, conforme explicitado no documento final, “reto-mar, com todas as nossas forças, a luta pela demarcação de nossa terra”. Para tanto, formaram uma comissão que dará seguimento a esse assunto até o próximo encontro.
Conscientes das dificuldades do reagrupamento num curto espaço de tempo, como gostariam que ocorresse, e preocupados com as conseqüências históricas do distanciamento, os Xetá definiram pela reivindicação de cria-ção de um programa governamental específico para o fortalecimento da língua xetá.
Clarissa Tavares Editora do Porantim
ministro do Supremo Tribu-nal Federal (STF), Eros Grau, recebeu no dia 8 de outubro, lideranças do povo Pataxó Hã-Hã-Hãe que vive no sul da Bahia. Os indí-genas solicitaram a audiência para, mais uma vez, pedir a anulação dos títulos de propriedade que o governo da Bahia concedeu aos invasores do território deste povo. Os Hã-Hã-Hãe lutam há 25 anos pelo direito de voltar a viver em suas terras tradicionais.
Os Pataxó Hã-Hã-Hãe possuem uma história marcada por perseguições, intolerâncias e mortes. Em 1926, o en-tão Serviço de Proteção ao Índio (SPI) demarcou uma área de 300 km² para os indígenas e os colocou aldeados. A partir daí, começaram os conflitos com fazen-deiros e em 1937 a área foi reduzida e homologada. Na década de 1940, o SPI iniciou a prática ilegal de arrendamento das terras indígenas aos fazendeiros. Estes fizeram com que alguns índios trabalhassem para eles e mataram
muitos outros. Os que sobreviveram se espalharam. Entre 1976 e 1980, os governadores da Bahia, Roberto Santos e Antônio Carlos Magalhães, distribuíram títulos de propriedade aos fazendeiros arrendatários.
Algumas famílias indígenas con-seguiram resistir em seus territórios como a da liderança Samado, na loca-lidade de Panelão. Outras, que tinham se dispersado, iniciaram, a partir de 1982, o processo de retomada de suas terras numa área de cerca de mil hectares, invadida pelo proprietário da
fazenda São Lucas. Na mesma época, a Fundação Nacional do Índio (Funai) entrou com ação na justiça, pedindo a declaração de nulidade dos títulos de propriedade emitidos para os fazen-deiros. Em novembro desse mesmo ano, a ação já estava no STF, onde se encontra aguardando decisão definitiva até hoje. Atualmente a comunidade ocupa apenas 18 mil dos 54 mil hectares reivindicados.
“Muitos parentes que passaram por essa luta já foram assassinados na disputa pela terra. Já perdemos mais de
Encontro unifica a luta e fortalece o povo Xetá
Uma das questões mais
debatida foi a luta
pela demarcação do
território Xetá
Pataxó Hã-Hã-Hãe
Lideranças participam de audiência com ministro do STF
Elas pediram a anulação dos títulos de propriedade que o governo da Bahia concedeu aos invasores de seu território
20 lideranças”, relatou Ilza Pataxó Hã-Hã-Hãe, cacique do povo. “Queremos viver em paz para nossos filhos terem a segurança de que vamos sair e voltar para casa. O povo está cansado. Por isso pedimos a anulação desses títulos para que a gente possa viver em paz na nossa terra”, complementou Reginaldo Pataxó Hã-Hã-Hãe.
O ministro Eros Grau ouviu com atenção o relato das lideranças e afirmou que, mesmo diante do trabalho exces-sivo do STF, vai, junto com sua equipe, fazer o possível para resolver a questão ainda este ano. “Esse processo está aqui há 25 anos e digo a vocês que, se não é o processo mais importante, é motivo de recorrermos a ele pelo menos uma vez por semana”, disse.
As lideranças, que ainda estiveram reunidas com o procurador da Funai e a assessoria da Comissão de Direitos Hu-manos e Minorias da Câmara, voltaram para a Bahia animadas com a expectativa de ver resolvido o conflito que já se arrasta há tanto tempo e esperançosas de que possam voltar a viver definitiva-mente em seus territórios.
Diferentes gerações Xetá, entre eles, quatro sobreviventes do massacre, se reencontraram
O
Lideranças Pataxó Hã-Hã-Hãe relatam a situação em que vivem ao ministro Eros Grau
Fotos: Diego Pelizzari – Cimi Sul
Foto: Clarissa T
N
11 Novembro-2007CNPI discute
agenda social do
governo para os
povos indígenas
Os membros da Comissão estiveram
reunidos durante os dias 10 e 11 de
outubro, em Brasília
Clarissa Tavares Editora do Porantim
agenda social para os povos indíge-nas foi lançada no dia 21 de setem-bro, em São Gabriel da Cachoeira, AM, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira. No entanto, as lideranças indígenas integrantes da Comis-são Nacional de Política Indigenista (CNPI) reclamaram do fato de a agenda ter sido apresentada sem ser submetida à Comissão e aos povos indígenas como determina a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Agenda social não se constrói assim. Se constrói com a nossa participação, fortale-cendo o Estado democrático. Até para haver equilíbrio de uma agenda que contemple os povos do Nordeste e Sul do Brasil. Essa pro-posta não contempla esses nossos parentes”, afirmou Jecinaldo Barbosa, do povo Sateré Mawé, representante da região Amazônica. “As propostas deveriam passar antes pela CNPI, para, a partir daí, construir uma agenda que contemple as diversidades regionais”, comple-mentou Marcos Xucuru, da região Nordeste.
Saulo Feitosa, representante do Cimi na CNPI, questionou vários pontos da agenda social: como a falta de indicação dos territórios indígenas impactados pelo PAC; a não apresen-tação da listagem de terras indígenas a serem demarcadas; os critérios de prioridade de ações destinadas a determinados povos em de-trimento de outros; esclarecimentos sobre as parcerias para o projeto de documentação das línguas indígenas, previsto pelo governo.
Na reunião, também foi apresentada a proposta de reestruturação da Funai e defi-nido que, na próxima reunião da Comissão – prevista para dezembro – será apresenta-do o texto de anteprojeto de lei que cria o Conselho Nacional de Política Indigenista. Se aprovado, o texto será enviado à Casa Civil e, de lá, encaminhado ao Congresso Nacional. A proposta de texto será elaborada por uma sub-comissão da CNPI que irá se reunir nos dias 23 e 24 de novembro.
Os indígenas ainda questionaram o governo sobre a indicação do nome que representará o Brasil para concorrer ao cargo de relator para os povos indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU). Eles apresentaram um documento solicitando que seja respeitado o caráter da consulta prévia aos povos, antes de o governo fazer qualquer indicação.
Cimi – Regional Maranhão
a manhã do dia 15 de outubro, um grupo de 15 homens armados invadiu a aldeia Lagoa Comprida, na terra Araribóia, no município de Amarante, região centro-oeste do Mara-nhão. Mataram Tomé Guajaja-ra, de 60 anos e deixaram dois baleados: Madalena Paulino Guajajara (esposa de Tomé), baleada no pescoço, e Antônio Paulino Guajajara, com um tiro no braço direito. Atualmente, os dois estão passando bem.
Segundo informações da comunidade, os invasores já entraram na aldeia atirando nas casas. Ao ver a esposa baleada, Tomé atirou em um dos madereiros. Em seguida, outros pistoleiros entraram na casa de Tomé e o atingiram com seis tiros. Enquanto isso, outros madeireiros levavam indígenas como reféns para centro da aldeia Um destes foi baleado e outro espancado. Depois, saíram, ameaçando voltar com mais homens,
dizendo que a aldeia iria de-saparecer.
A ação foi uma represália dos madeireiros contra os Guajajara que, no início de setembro, apreenderam um caminhão madeireiro que passava pela terra indígena. Os madeireiros tentaram recu-perar o caminhão, oferecendo mil reais aos indígenas. Os Guajajara não negociaram e comunicaram o fato à Fudação Nacional do Índio (Funai). Mesmo sabendo da apreensão do caminhão e do risco de conflito, a Funai deixou passar mais de um mês sem tomar nenhuma providência.
Os Guajajara responsa-bilizam a Funai e o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) pela situação crítica em que vivem. Desde maio de 2007, a comunidade resolveu combater a venda da madeira na terra, inclusive enfrentanto outros indígenas favoráveis à atividade.
Eles procuraram o Ministé-rio Público e a Funai e recebe-ram a promessa de que seria
realizada uma grande opera-ção dentro da terra indígena Araribóia. No entanto, após vários meses, a operação não ocorreu, por isso os Guajajara apreenderam o caminhão.
Medo
A comunidade ficou apa-vorada após o ataque. Uma mulher ficou tão desesperada que se escondeu na mata com o filho recém-nascido e só foi encontrada dois dias depois. Segundo o Procurador da Re-pública em Imperatriz, a Polícia Federal instaurou um inquérito para apurar a situação. A PF esteve na aldeia para colher depoimentos, mas não conse-guiu sair da área por onde os madeireiros entraram, pois ao sair, os madeireiros incendia-ram a mata, para dificultar o trabalho da polícia.
O povo está sem caça, pois o incêndio matou muitos ani-mais. A comunidade também está preocupada com os Awá Guajá que vivem sem contato na mata que os madeireiros queimaram.
Madeireiros invadem aldeia e
matam um Guajajara no Maranhão
Comunidade teme novos ataques na área, que tem histórico de violência
Já é antiga a situação de conflito entre povos indígenas e madeireiros na terra in-dígena Araribóia. Desde o início da década de 1980, essa terra sofre com a exploração madeireira. Segundo informações da co-munidade da aldeia Lagoa Comprida, no ano de 2002, o indígena Kelé Apolinário, 55 anos, morador da aldeia Abraão (lda mesma terra indígena) foi encontrado morto dentro da mata. Os índios suspeitam
que a morte aconteceu em decorrência da ação de madeireiros, mas o caso nunca foi investigado.
Na mesma terra, o povo Awá Guajá também sofre com a exploração madeirei-ra. Em 2003, o corpo de um Awá Guajá foi encontrado na mata. Suspeita-se que ele teria morrido de sede, já que as fontes de água da região estão secando por causa do desmatamento.
Histórico de violência
Destruição: mata queimada pelos madeireiros e apreensão entre os Guajajara
A
Capa do Porantim - Ano X - nº 101 Setembro de 1987 - Brasília/DF
Nesta e em outras edições do pe-ríodo, o Porantim desmascarou a farsa criada pelo jornal O Estado de S.Paulo contra o Cimi. O Estadão, a serviço de grupos econômicos com interesse na mineração em terras indígenas, acusou o Cimi, usando documentos falsos, de explorar minérios nas terras indí-genas. A intenção era prejudicar a imagem do Cimi, que estava trabalhando intensamente para que o texto final da Constituição Federal garantisse os direitos indígenas.
Foto: Diego Janatã/Coapima
O
12 Outubro-2007
Egon D. Heck Cimi MS
Conselho Nacional dos Direi-tos da Criança e do Adolescen-te (Conanda) está formulando diretrizes para uma política de atendimento específica para in-dígenas. Para compreender melhor a realidade indígena, o Conselho reali-zou uma Audiência Pública, no dia 3 de outubro, onde foram denunciadas violências sofridas por jovens e crian-ças indígenas.
questão; incentivo à participação de indígenas nos conselhos tutelares locais e até no próprio Conanda, chamando a atenção de ministérios e órgãos públi-cos que tratam da questão.
As falas indígenas manifestaram cer-ta descrença em face de inúmeras reu-niões realizadas em outras ocasiões e de documentos que não se transformam em ações. Apesar disso, existe uma expectativa de importantes resultados a favor da vida e do futuro das crianças indígenas do estado.
A referência para as ações do Conse-lho, que pretende atuar respeitando as especificidades dos povos, será a Decla-ração da ONU sobre o Direito dos Povos Indígenas. Participaram da reunião os 29 conselheiros nacionais do Conanda, representantes de vários ministérios, do Unicef, líderes indígenas e representan-tes de entidades da sociedade.
Cimi Leste Equipe Itabuna
om um forte apelo pela imediata resolução da questão de seu ter-ritório e muitas reivindicações de cunho ambiental, cerca de 500 Tupinambá marcharam, no dia 30 de setembro, de forma animada pelos 8 km que separam a Vila de Olivença da Praia do Cururupe, no sul da Bahia.
A Caminhada dos Mártires está em sua sétima edição e acontece para relembrar a memória dos indígenas
que morreram em Ilhéus, no massacre do rio Cururupe, ocorrido em 1938. O movimento insurgente, que ficou conhecido como a Revolta do Caboclo Marcelino, começou em 1929 por conta da construção de uma ponte sobre o rio Cururupe que ocasionou graves im-pactos na comunidade indígena. Como relembrou dona Nivalda (mãe da cacique Valdelice), a reação dos “caboclos” de Oli-vença de recuperar as terras e expulsar os ocupantes das aldeias acabou com a morte dos líderes.
Concentrados no centro de Olivença, os Tupinambá receberam seus parentes, convidados, aliados e parceiros para a re-alização da marcha. Primeiro, foram che-gando os parentes Tupinambá, depois os Tupinikim do Espírito Santo, os Pataxó Hã-Hã-Hãe e os do extremo sul da Bahia, assim como também os parceiros.
Logo no início da manhã, após o Porancim (ritual sagrado) e a benção do padre de Olivença, teve início a ca-minhada. À frente, crianças carregavam faixas com as reivindicações do povo
Conanda prepara políticas específicas
para crianças e jovens indígenas
Os conselheiros estiveram no MS onde grande parte das crianças vivem em situação precária
A reunião ocorreu em Campo Gran-de, Mato Grosso do Sul, estado onde muitas crianças, especialmente do povo Guarani, vivem em precária situação. O confinamento de indígenas em pe-quenas terras, o aumento do consumo de álcool e drogas e a dependência de distribuição de cestas básicas faz au-mentar a violência nas comunidades e, com isso, crescem as agressões sofridas pelas crianças, a fome e a desnutrição. O trabalho infantil nas usinas de álcool e até o tráfico de crianças indígenas também são realidades na região.
A situação em que vivem os povos no Mato Grosso do Sul fragiliza os laços sociais e familiares e deixa os indígenas, especialmente os mais jovens, apáticos e desanimados com a falta de terra, trabalho e perspectiva de futuro. Esta situação foi discutida com preocupação na Audiência.
Diante da gravidade da situação, o Conanda deve definir seu compromis-so de lutar pelos direitos das crianças indígenas, por meio de diversa medi-das, como: formação e sensibilização dos conselheiros tutelares para esta
Afora
País
Crianças Terena (MS) participam da oficina de formação “Olhares Cruzados”, em junho de 2007Tupinambá: “Governantes, respeitem nossos direitos”; “Saúde e Educação diferenciada para o povo Tupinambá”; “Demarcação do nosso território, já”; “Nossas nascentes pedem socorro, pre-servem a natureza”.
Nas falas das lideranças indígenas duas questões foram destacadas: a ne-cessidade de união do povo e da luta pelo território e por direitos. Os caciques Tupinambá pediram a palavra e exigiram que a “Funai cumpra com a sua obrigação da forma mais rápida possível para a publicação do relatório de identificação do nosso território, ou as retomadas continuarão acontecendo como forma de pressionar para que os nossos direitos venham a ser respeitados”.
Vale lembrar que só nos últimos dois meses o povo Tupinambá já realizou quatro retomadas. A última delas acon-teceu na véspera da caminhada na região conhecida como Porto da Lancha, no Km 12 da rodovia Ilhéus - Olivença. Dentre os motivos da retomada, a necessidade de pressionar a Funai para cumprir com o seu papel, conforme documento enviado à imprensa e entidades de apoio.
Povo Tupinambá participa da marcha em memória dos índios mortos no massacre ocorrido em 1938 no rio Cururupe
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7ª Caminhada dos Mártires Tupinambá na Bahia
O povo reivindicou terras e o reconhecimento de seus direitos
Fotos: Egon Heck – Cimi MS
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