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Pós-mangue: A Re-hibridação Cultural na Música Pernambucana por meio da. Orquestra Contemporânea de Olinda 1

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Pós-mangue: A Re-hibridação Cultural na Música Pernambucana por meio da Orquestra Contemporânea de Olinda1

João Victor de Oliveira CORREIA2

Matheus Martins HERNANDES3

Gustavo Luiz Ferreira SANTOS4

Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR

RESUMO

Este artigo apresenta uma análise da Orquestra Contemporânea de Olinda fundamentada na teoria de hibridação do antropólogo argentine Néstor García Canclini, buscando evidenciar a construção de um momento de re-hibridação conhecido como Pós-Mangue, visto que teve como base o movimento, já híbrido, do gênero musical Manguebeat, e se utilizando da estratégia de reconversão visando fins mercadológicos.

PALAVRAS-CHAVE: hibridação; cultura; pós-mangue; manguebeat; gênero musical

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1 INTRODUÇÃO

Na década de 1990, a cidade de Recife-PE foi o centro de um movimento musical chamado Manguebeat. A denominada “Manguetown”, em razão da vegetação característica da cidade, situada entre os biomas terrestre e marinho, foi palco de uma ebulição de ideias de jovens que se interessavam por produções culturais nacionais como Jackson do Pandeiro e internacionais como Os Simpsons (LEIA, 2009).

Em seu Manifesto, redigido pelo músico Fred Zero Quatro, da banda Mundo Livre S/A, os integrantes do movimento visavam “injetar um pouco de energia na lama e estimular o que ainda resta de fertilidade nas veias do Recife” (LEIA, 2009, n.p), que por meio de suas produções culturais propunham revitalizar a cidade, tendo como expoente do movimento a banda Chico Science & Nação Zumbi. O movi5mento tornou-se uma referência, principalmente, depois do falecimento de Chico Science em 1997, após um acidente automobilístico. A estética e a ideia do Manguebeat ativeram-se a sua década, contudo foi influência para novas bandas no início do século (MOURA, 2016).

O Manguebeat pode ser considerado um processo de hibridação cultural, por

1 Trabalho apresentado no IJ07 – Comunicação, Espaço e Cidadania, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação

Científica em Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2 Estudante de Graduação 3º. ano do Curso de Comunicação e Multimeios da UEM, e-mail: ra110632@uem.br 3 Estudante de Graduação 3º. ano do Curso de Comunicação e Multimeios da UEM, e-mail: ra93997@uem.br 4 Orientador do trabalho. Professor do Curso de Comunicação e Multimeios da UEM, e-mail: glfsantos2@uem.br

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meio de suas músicas, ritmos, neologismos e moda. Toda a estética acontece por meio do encontro de culturas. A mistura do maracatu, da embolada com o rock, o pop, o hip/hop; a apropriação do Mangue e a criação da Manguetown (a cidade de Recife) pelos Mangueboys e Manguegirls (os integrantes do movimento); até mesmo na utilização de roupas que segundo Beltrão, Chico Science “misturou peças de roupas rurais (chapéu de palha) com a moda da atualidade (óculos escuros)” (p. 2, 2019).

Hibridação cultural é o conceito estudado e abordado por Canclini (1997, p. 19) que o define como “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas”. Assim, propomos um olhar para os desdobramentos do momento que denominamos Pós-Mangue, que acontece posterior ao Manguebeat, em meados da primeira década de 2000, justamente como processo de re-hibridação, uma vez que novas práticas foram combinadas para sua existência.

Decidimos utilizar o termo Pós-Mangue a fim de demarcar uma temporalidade posterior ao período chamado de Manguebeat. Leão (2007, p. 225) define o termo como “cena cultural, plural, permeada por manifestações na música, vestuário, gírias, gestos, dança, teatro, cinema, literatura. Caracterizadamente pós-moderno, cosmopolita, central” e vai basear tal definição a partir de discussões trazidas em uma matéria de crítica jornalística musical veiculada na Revista Continente Musical em 2006 (apud LEÃO, 2007, p. 40), trazendo a ideia que pós-mangue é tal cena cultural “intitulada desse modo sobretudo pela mídia nos últimos anos após o falecimento de Chico Science”. Hall (2003, p. 107, grifos do autor), em texto em que discute a abordagem de momento e limite do pós-colonial, aborda que há a possibilidade de entendimento do prefixo pós para demarcar seus limites temporais, bem como “o conceito pode nos ajudar a fazer e descrever ou caracterizar a mudança nas relações globais”. Partindo do exposto, apesar das possibilidades, o termo que nós utilizamos quer se mostrar como um momento e não, necessariamente, pela caracterização pós-moderna que Leão (2007) aponta em sua definição, já que essa abordagem nos levaria a um debate além do proposto neste artigo.

Uma das bandas surgidas nesse momento de Pós-Mangue foi a Orquestra Contemporânea de Olinda. Idealizada pelo percussionista Gilú, a orquestra possui

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músicos tradicionais do frevo advindos do Grêmio Musical Henrique Dias, que existe desde 1954, além da utilização de instrumentos como baixo, teclados sintetizadores, guitarra e rabeca, performados por músicos pernambucanos da geração posterior ao Manguebeat, como evidenciado na descrição da banda em sua página oficial no

Facebook6(DORIGATTI, 2010; ORQUESTRA, 2012).

Assim, a partir dos estudos de hibridação cultural e as noções de gênero musical, visamos responder à pergunta: De que maneira se fundamenta o processo de re-hibridação no Pós-Mangue? Para respondermos esta pergunta, elencamos os seguintes objetivos: classificar o Manguebeat como gênero musical; analisar o processo de re-hibridação para criação no Pós-Mangue e evidenciar as estratégias por meio da Orquestra Contemporânea de Olinda. Com a hipótese de que o Pós-Mangue é um processo de re-hibridação que se apropriou da solidificação e do legado do Manguebeat, formado pela hibridação cultural.

2 GÊNERO MUSICAL E CICLOS DE HIBRIDAÇÃO CULTURAL EM RECIFE

Para a realização do trabalho, fizemos uma pesquisa bibliográfica a fim de encontrar os artigos usados para a definição de gênero musical e de hibridação. Para que seja possível uma posterior análise sobre o processo de re-hibridação existente no Pós-Mangue, procuramos primeiramente definir o que é um gênero musical, nos fundamentando por meio de autores como Janotti Jr. (2004). Segundo ele, os gêneros musicais envolvem questões como direcionamento e apropriações culturais, estratégias de produção de sentido inscritas nos produtos musicais e regras que envolvem a recepção musical e a produção.

Aliada à questão da música e sua produção, Janotti Jr. (2004) cita a relação do gênero musical com o mercado, afirmando que ele é uma forma de definição do potencial mercadológico presente na música. Ele explica também que, para se mapear um gênero musical, é necessário que se atente ao que se ouve, ao que se vê, a como uma música é embalada e aos valores e ideologias incorporadas em determinadas expressões musicais. A conclusão de que o produto musical carrega consigo sentidos potenciais através da ligação entre músicos, produtores, distribuidores, consumidores e críticos.

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Janotti Jr. (2003) mostra que a definição de gênero vai além de apenas um estilo de texto musical, visto que se trata também de como sua forma e estilo são percebidas por quem ouve. Com isso, se pode afirmar que todo gênero é capaz de possuir um consumidor em potencial. Assim, os gêneros musicais são capazes de determinar competências e julgamentos estéticos para construir possíveis quadros de valor acerca de expressões musicais.

Para compreendermos o Manguebeat, além gênero musical, o conceito de cultura híbrida de Canclini (1997), a fim de demonstrar o multiculturalismo e o conflito tradição-modernidade, já que a cultura latino-americana não se coloca, especificamente, nem como erudita, nem popular, nem de massas, o que demonstra sua complexidade pela soma de influências heterogêneas (MARTINO, 2017).

Segundo Canclini (1997), o processo de hibridação pode ocorrer tanto “de modo não planejado ou é resultado imprevisto de processos migratórios, turísticos e de intercâmbio econômico ou comunicacional” (p. 22), quanto de alguma criatividade individual e coletiva. Sua utilização é resultado de uma reconversão, em que há uma reinserção da prática ou estrutura hibridizada em “novas condições de produção e mercado” (p. 22). Assim, o autor acaba por reafirmar que seu objeto de estudo é o processo de hibridação, já que a maneira como se hibridizam interessa à hegemonia e ao popular que desejam se apropriar do que é considerado moderno.

Então, a partir do funcionamento do processo de hibridação que se pode questionar a identidade, já que se pode afirmar a não existência das puras ou autênticas e ainda que há um risco de delimitar uma identidade local. Canclini (1997) debate que ao definir a identidade por “um processo de abstração de traços (língua, tradições, condutas estereotipadas) frequentemente se tende a desvincular essas práticas da história de misturas em que se formaram” (p. 23). Estas misturas que podem evidenciar um processo de articulação hegemônicos e que, historicamente, em um mundo tão plural, as identidades são reestruturadas “em meio a conjuntos interétnicos, transclassistas e transnacionais” (p.23). Os processos culturais demonstram a heterogeneidade e como as hibridações ocorrem, além de afirmar as identidades. Nos movimentos globalizados, podem gerar interações, mas, também, segregações e desigualdades.

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Armorial, tendo como expoente Ariano Suassuna, que visava construir uma identidade nas artes da região como uma “arte popular-erudita brasileira”, por meio da herança medieval ibérica da época da colonização portuguesa, hibridizado com as práticas indígenas, africanas e europeias que o país recebeu de influências com o tempo. Suassuna pretendia, assim, estabelecer uma “nordestinidade”, em uma identidade local, frente às influências imperialistas estadunidenses e europeias, valorizando o que ali era e se produzia (VENTURA, 2007).

Entendendo a questão de como se desenvolvia a arte na cidade de Recife-PE, antes da ocorrência do Manguebeat dois séculos mais tarde, houve uma chamada segregação nesse primeiro momento, contudo há de se compreender a existência do processo de reconversão. Canclini (1997) afirma que “alguns atores sociais encontram, nesses processos, recursos para resistir à globalização ou modificá-la e repropor as condições de intercâmbio entre culturas” (p.31), o que podemos relacionar com a reproposição do movimento Manguebeat em suas reapropriações, como comentado na introdução do trabalho. Nosso foco, então, vale-se de evidenciar, como isso acontece em ciclos. Não há uma identidade pura. Mesmo o movimento que tentou apropriar-se como erudito e local, teve muitas influências e hibridações. Então, no início dos anos 2000, não somente na cidade, mas em toda região da capital pernambucana, acaba por ocorrer uma uma re-hibridação na música local. Não se trata de um conceito novo da hibridação, mas uma escolha discursiva que demonstra uma outra reconversão de práticas, uma nova proposta de hibridação de um movimento já hibridizado. Este momento que surge, cunhado de Pós-Mangue, então representa a cena musical desenvolvida nesta década em que se utiliza do Manguebeat e de outras influências para criar suas músicas (CANCLINI, 1997; MOURA, 2016).

Além disso, utilizamos a pesquisa documental para a parte metodológica, tomando como base entrevistas e reportagens sobre a cena musical posterior ao Manguebeat e, especificamente, a Orquestra Contemporânea de Olinda, nosso objeto de estudo e análise para justificar os nossos argumentos que serão apresentados posteriormente para evidenciar o momento Pós-Mangue. Elas foram escolhidas pois constam depoimentos dos próprios integrantes da Orquestra sobre como ela surgiu, suas influências e seu estilo. Assim também é feito no site do guitarrista da orquestra, Juliano Holanda, citando também algumas nomeações e indicações a prêmios, o que será usado

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na análise como argumento de que houve a reconversão, a adaptação para o comércio, fator presente na teoria da hibridação (ORQUESTRA, 2012).

Foi utilizada uma reportagem da Folha de S. Paulo, em que se diz sobre a nova cena musical em Pernambuco na primeira década de 2000, citando nomeações que a Orquestra Contemporânea de Olinda havia obtido até o momento de sua publicação, em 23 de dezembro de 2009, além de discutir as referências e as bases musicais utilizadas; inclusive, a partir de seu título “Sem maracatu, cena musical se renova”, pudemos obter material para a análise (SEM, 2009). Outra matéria utilizada, foi uma retirada do site da revista Rolling Stone, publicada em nove de agosto de 2007, explorando entrevista com os integrantes da banda e explicando sobre a Orquestra em si (ANTUNES, 2007). Além dela, utilizamos uma matéria do site da revista Superinteressante, publicada em 31 de outubro de 2016, onde obtivemos informações sobre aparições da banda Chico Science & Nação Zumbi em programas de televisão e suas turnês internacionais (MANGUE, 2016).

Já a pesquisa exploratória foi necessária para sabermos sobre o Manguebeat, fazendo um estudo sobre o que já foi escrito sobre o movimento e, ao fim, encontrando o momento posterior ao seu término, denominado Pós-Mangue. A partir disso, pudemos iniciar uma reflexão sobre a mescla de novos elementos ao Manguebeat, que já é um movimento híbrido. Decidimos nomear tal mescla como re-hibridação para facilitar o entendimento de que estamos falando do processo de tornar híbrido algo que já é hibridizado. Posteriormente fizemos uma pesquisa sobre o Pós-Mangue, encontrando e definindo como nosso objeto a Orquestra Contemporânea de Olinda, para que pudéssemos usá-la como uma evidência da re-hibridação.

3 DISCUSSÃO E ANÁLISE

3.1 Manguebeat como gênero musical

Para iniciar a análise, primeiro vimos a necessidade de definir o Manguebeat como gênero musical. Em nossa pesquisa bibliográfica, evidenciamos que Janotti Jr. (2004) a definição de um gênero musical está intimamente ligada à questão mercadológica, bem como os valores e ideologias que são incorporados. Tal afirmação se justifica no Manguebeat, visto que em seu manifesto, denominado “Caranguejos com

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cérebro”, o músico pernambucano Fred Zero Quatro explica o conceito da vegetação mangue, presente em Recife, e que nos anos 90 se iniciou um núcleo de pesquisas e produção de ideias pop para unir os conceitos pop com o mangue, tendo como símbolo a antena fincada na lama. Fred Zero Quatro ainda define os adeptos como mangueboys e manguegirls, assim como seus interesses:

Hoje, Os mangueboys e manguegirls são indivíduos interessados em hip-hop, colapso da modernidade, Caos, ataques de predadores marítimos (principalmente tubarões), moda, Jackson do Pandeiro, Josué de Castro, rádio, sexo não-virtual, sabotagem, música de rua, conflitos étnicos, midiotia, Malcom Maclaren, Os Simpsons e todos os avanços da química aplicados no terreno da alteração e expansão da consciência (LEIA, 2009, n.p).

O Manifesto é uma explicitação de que o Manguebeat tinha valores, possuía uma base para se sustentar e criar a partir de sua ideologia. Como já evidenciada a ocorrência da hibridação cultural, então vale destacar que suas práticas além de ter esse fundamento a partir do texto que os validavam, mostra na multiplicidade de referências, concentrada nesse processo híbrido, a formação de uma identidade única aos que eram e fizeram o Manguebeat acontecer. Saindo da esfera musical, tornando-se uma estética específica aos mangueboys e manguegirls, revitalizando a Manguetown, interferindo na arte, na moda, na linguagem, o que posteriormente vem a se reverberar no momento de Pós-Mangue a ser analisado. (BELTRÃO, 2019; CANCLINI, 1997; MOURA, 2016)

Junto aos valores, a adaptação da ideologia para o comércio citada por Janotti (2004) necessita da ligação entre músicos, produtores, distribuidores, consumidores e críticos. Isso se mostra parte da história do Manguebeat, pois a música, os seus componentes e todos os seus valores, que são repletos de questões regionais como o maracatu, ritmo regional base do Manguebeat, conquistaram o mercado da música e ampliaram seus horizontes, se confirmando quando Chico Science assinou contrato com a produtora Sony Music (MOURA, 2016). A partir disso, se tornou possível o aumento da quantidade de consumidores em potencial, bem como uma maior difusão de competências e julgamentos estéticos que pudessem gerar possíveis quadros de valor sobre as características pertencentes à região do Manguebeat.

A maior difusão e ampliação de horizontes com relação ao Manguebeat também pode ser relacionada à questão mercadológica e pode ser fundamentada através das aparições e da divulgação da imagem da banda Chico Science & Nação Zumbi. A

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banda, por meio do disco Da Lama ao Caos (1994), teve um alcance nacional, participando de programas da tv aberta em rede nacional como o Domingão do Faustão e o Programa do Jô, além de ter sido um álbum muito festejado pela imprensa. Já com o disco Afrociberdelia (1996), a banda ampliou mais ainda as suas fronteiras, passando a ter um alcance internacional. Além de shows realizados nos Estados Unidos, a banda também fez uma turnê pela Europa (MANGUE, 2016).

3.2 Estratégias de re-hibridação

Ao definirmos a Orquestra Contemporânea de Olinda como objeto de análise, notamos que tal análise sobre o processo de re-hibridação pode se iniciar por meio de seu nome.

O termo “orquestra”78 é utilizado para classificar um grupo de músicos que, ao utilizarem vários instrumentos, interpretam obras musicais. Já o termo “contemporâneo”9 é vinculado a concepção artística. Ao tratarmos a música como uma forma de arte, podemos nos ater e aproximar a definição de “orquestra contemporânea” ao conceito de arte contemporânea, que em sua síntese se trata de uma tendência artística que estimula a reflexão subjetiva sobre a obra através de expressões e técnicas inovadoras. Isso se justifica ao notar na Orquestra Contemporânea de Olinda características regionais e próprias, tanto nos instrumentos e ritmos quanto no sotaque e nos discursos utilizados, fazendo com que esses fatores em conjunto levem o ouvinte à reflexão das músicas. Isso faz que o nome do grupo se distancie das características mais tradicionais e formais da concepção de orquestra mais difundida e conhecida.

Escolhemos abordar algumas outras características da Orquestra Contemporânea de Olinda que não são propriamente as letras das músicas por vermos todas como estratégias que podem ser tratadas como um processo de re-hibridação, mesmo que não tenham sido necessariamente pensadas dessa forma pela banda. Nos ancoramos também na afirmação de Janotti Jr. (2003) de que um gênero musical vai além de apenas um estilo de texto musical, abordando também as questões de forma e estilo. Por isso, optamos por ir mais a fundo e analisarmos alguns pontos como a ocupação de espaços,

7Disponível em <conceito.de/orquestra>. Acesso em 11 de jan. 2020 8Disponível em <dicio.com.br/orquestra>. Acesso em 11 de jan. 2020.

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os gêneros musicais que a compõem, o que a diferencia do Manguebeat e até mesmo os instrumentos que são usados pela orquestra.

Uma das estratégias utilizadas pela Orquestra Contemporânea de Olinda, foi a da utilização de discursos que outrora estiveram presentes no Manguebeat. Como já dito, não iremos contemplar as letras de suas composições, contudo a territorialização e a ocupação de certos espaços corroboram na intenção da Orquestra, como a influência que a Manguetown, vizinha da cidade que está presente no nome da Orquestra. A cidade é um ponto extremamente importante na construção do Manifesto dos Caranguejos com Cérebro, então demarcar a sua localidade, ainda mais por nascer numa cidade que detém uma relevância histórica para o país e que faz remeter a região dos predecessores.

A mistura de gêneros musicais torna-se uma das características da formação do Manguebeat, assim como acaba por se dar no momento Pós-Mangue. Em específico, de acordo com Gilú, fundador da banda, numa entrevista para o site da revista Rolling Stone, as referências são frevo, jazz, afrobeat, ska, música jamaicana, funk, samba e o samba de gafieira (ANTUNES, 2007). Vale notar que existe o regionalismo como o frevo, ritmo local, assim como influências de outras partes do Brasil como o samba e o samba de gafieira, além dos outros ritmos provenientes de outros países.

Logo, evidencia-se a re-hibridação ao fazer de uma maneira similar, porém entendendo se enquadrar neste momento de maneira autêntica por não usar referências iguais. Isto fica ainda mais nítido quando, na mesma resposta da entrevista, Gilú diz que não se utilizam do maracatu, que este ficara para o Manguebeat. Além disso, outras bandas no Pós-Mangue adotam a mesma estratégia, estando avessas ao maracatu e bebendo de outras fontes regionais para a re- hibridação cultural, como explicitado na matéria da Folha de S. Paulo em que o título e sua linha-fina apresentam a questão:

Sem maracatu, cena musical se renova. Novas bandas oscilam entre o antagonismo direto ao manguebeat e a reinvenção de ritmos populares como o brega. Numa via de mão dupla, grupos fazem releitura de sons globais sem sair de Recife e buscam concretizar carreiras internacionais (SEM, 2009. n.p).

A utilização dessas referências musicais é fundamentada no uso dos instrumentos musicais da banda. No site do guitarrista da banda, Juliano Holanda, em uma matéria em que se anuncia o lançamento do álbum “Pra Ficar” à época, há uma ficha técnica explicitando quais os instrumentos utilizados e quais os músicos que os

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tocam. Logo, a reprodução de sonoridades por eles confirma a imbricação de gêneros e, principalmente, da marcação regionalista, assim como o Manguebeat se utilizava do maracatu e seus instrumentos de percussão, o frevo se explicita no uso do trombone, do trompete, da tuba e do saxofone (ORQUESTRA, 2012). Em um método de construção de identidade musical parecido, no Pós-Mangue a prática é reconvertida, como conceituado por Canclini (1997), quando a prática é reinserida em uma nova condição de produção e, consequentemente, de mercado.

Assim, a cena musical no Pós-Mangue entende essa lógica de reconversão para si mesma, pela criação da identidade própria. Como dito por Moura (2016), a memória do Manguebeat “é importante para Pernambuco, pois pode-se dizer que foi graças a esta mobilização que se a cultura Pernambucana tornou-se conhecida e que tem uma forte referência por sua identidade específica” (p. 13-14). Ainda, cita que de mesmo modo produzido antes, há uma ideia contra-hegemônica a fim de não depender da lógica capitalista de lançamento da arte, com a valorização do trabalho autoral, mostrando a apropriação no processo de reconversão citado.

Apesar da ideia de não depender da lógica capitalista, a questão da reconversão acarreta na adaptação para o comércio. Com o caminho aberto pela banda Chico Science & Nação Zumbi, que foi reconhecida e apoiada por uma gravadora, a Orquestra Contemporânea de Olinda lançou seu disco homônimo com a gravadora Som Livre, disco o qual foi indicado ao Prêmio da Música Brasileira (2009) e Grammy Latino (2010). Seu show ainda foi considerado um dos melhores de 2009 pelo jornal O Globo e estampou meia página do jornal americano The New York Times pela apresentação feita no Lincoln Center (NY), em 2010 (ORQUESTRA, 2012).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final do trabalho, pudemos entender mais sobre a forma de um gênero musical e como ocorre o processo de hibridação cultural, além de seu funcionamento e reverberações nas práticas cotidianas. Ainda, pode-se ter uma maior discussão sobre a reconversão e a identificação que ocorrem em consequência da hibridação.

Os objetivos foram alcançados, uma vez que dos três elencados, todos puderam ser respondidos no decorrer do artigo. Primeiramente, o Manguebeat foi classificado

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como gênero musical. De acordo com a pesquisa bibliográfica feita, a questão mercadológica foi observada, além de seus valores e ideologias, demonstrando como foi um produto de exploração comercial que possuía uma identidade, um fundamento de existir, advindo de uma hibridez cultural.

Tal processo pode ser analisado desde a existência do Movimento Armorial, passando para o Manguebeat e que, numa nova ocorrência, deu-se para a existência do Pós-Mangue. Denominamos como re-hibridação para evidenciar a partir de outra hibridação que ocorrera na década anterior e pudemos refletir que nos países latino-americanos há uma lógica de hibridez cultural extremamente complexificada, uma vez que fundem-se desde às práticas locais, advindas dos indígenas, das raízes africanas, da exploração europeia no período colonial até reverberar nas hegemonias globalizadas atuais que promovem a inserção de suas práticas em uma amplitude territorial ainda maior. Logo, entendemos o Pós-Mangue como um momento, em que diferentes grupos musicais se utilizaram de uma reconversão para promover sua existência a partir do Manguebeat, com formas diferentes, mas bebendo de uma mesma fonte de inspiração de como se constituir.

Já o terceiro objetivo, em que evidenciamos as estratégias utilizadas pela Orquestra Contemporânea de Olinda, foi contemplado ao debatermos seu nome, que logo na sua identificação primária de ser demonstra a mudança na significação e construção das palavras para se mostrarem como um novo formato. Os discursos do Manguebeat também foram concebidos como estratégia da banda, uma vez que contempla desde a territorialização, a imbricação de distintos gêneros musicais, além de instrumentos que permitem a exploração de uma sonoridade característica, iniciada no gênero inspirador, tudo demonstrado pelas reportagens exploradas. E, ainda, se utiliza da lógica mercadológica, que apesar da identidade contra-hegemônica, mostra-se adaptável à comercialização, evidenciado nas diversas nomeações, prêmios conquistados e exposição em mídias de larga escala como o jornal O Globo e o The New York Times.

Entendemos que nossa hipótese foi contemplada, já que por meio dos objetivos explorados, observamos que, sim, o Pós-Mangue é um processo de re-hibridação que se apropriou da solidificação e do legado do Manguebeat, formado pela hibridação

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cultural, e a pergunta que deu tônica à problemática da pesquisa pôde ser respondida, que o Pós-Mangue fez o uso de discursos e estratégias provenientes do Manguebeat na construção da sua identidade musical para si mesmo, evidenciando um processo de reconversão.

Por fim, é interessante que novas pesquisas possam suscitar desse tema, explorando novas possíveis formas de hibridações culturais, a partir do momento Pós-Mangue. O que se ocorreu na década subsequente do século XXI? Existem, de alguma maneira, inspirações provenientes direto da fonte do Manguebeat? Ainda, podem ser feitas análises de discurso, tendo como objetos de pesquisa músicas do Manguebeat em comparação às do Pós-Mangue, podendo mostrar outras possíveis características de reconversão a partir do movimento posterior, para além dos levantados na pesquisa.

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Referências

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