• Nenhum resultado encontrado

Geociencias, comunicação e cidadania : aspectos da construção de dialogos numa televisão de natureza publica

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Geociencias, comunicação e cidadania : aspectos da construção de dialogos numa televisão de natureza publica"

Copied!
233
0
0

Texto

(1)

UNICAMP

Número: 325/2005 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOCIÊNCIAS

CIDOV AL MORAIS DE SOUSA

GEOCIÊNCIAS, COMlJNICAÇÃO E CIDADANIA: ASPECTOS DA CONSTRUÇÃO DE DIÁLÓGOS NUMA TELEVISÃO DE NATUREZA PÍIBLICA

Orientadora: Profa. Dra. Maria Margaret Lopes

Tese apresentada ao Instituto de Geociências como parte dos requisitos para obtenção do título de Doutor em Ciências.

CAMPINAS- SÃO PAULO

(2)

© by Cidoval Morais de Sousa, 2005

Catalogação na Publicação elaborada pela Biblioteca

do Instituto de Geodências!UNICAMP

Sousa, Cidoval Morais de

I

So85g Geociências comunicação e cidadaoia: aspectos da construção de um

I

diálogo numa televisão natureza í Cidoval Morais de

I

Sousa.-- Campinas,SP.: [s.n.], 2005.

I

Orientador: Maria Margaret Lopes.

Tese (doutorado) Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências.

1. Geociências estudo e ensino. 2. Televisão na educação -Vale do Parmba Paulista (SP). 3. Comunicação na educação.

4. Cidadaoia. I. Lopes, Maria Margaret. II. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências. III. Título.

I

Título em inglês: Geoscience, communication and citizenship: aspects the construction o f a dialogue in a public television

Keywords: - Geoscience; - Comunication; - Citizenship;

Área de concentração: Educação Aplicada às Geociências Titulação: Doutor em Ciências

Banca exmninadora: - Maria Margaret Lopes; - Mauricio Compiani; - Maria Tereza Citeli;

- V era Regina Toledo Camargo; - Maria Conceição da Costa Data da defesa: 25/2/2005

(3)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOCIÊNCIAS

ÁREA DE EDUCAÇÃO APLICADA ÁS GEOCIÊNCIAS

UN~CAMP

AUTOR: CIDOVAL MORAIS DE SOUSA

GEOCIÊNCIAS, COMUNICAÇÃO E CIDADANIA: ASPECTOS

CONSTRUÇÃO DE UM DIÁLOGO NUMA TELEVISÃO DE NATUREZA PÚBLICA

ORIENTADORA: Profa. Dra. Maria Margaret Lopes

Aprovada em: - - - -f

2

/':J<J;o

EXAMINADORES:

Profa. Dra. Maria Margaret Lopes Prof. Dr. Maurício Compiani

Profa. Dra. Maria Conceição da Costa Profa. Dra. Maria Tereza Citeli

=tfu:~:

i

Profa. Dra. V era Regina Toledo Camargo

(4)

AGRADECIMENTOS

À profa. Dra. Maria Margaret Lopes, minha orientadora, pela paciência, estímulo, cuidado, e, principalmente, disponibilidade para ajudar. Não tenho palavras. Chegamos de novo ao começo.

À Elvira, companheira de todas as horas. Pelos "empurrões", pelas cobranças, pelas apostas que

fizemos e tantas vezes perdi ... Por você, por nós, por Caro!, por Cibely, por Címara. Obrigado!

À profa. Dra. Maria Júlia, pelo zelo, pela assertividade, e, sobretudo, pelo apoio nas horas

difíceis.

À

Tati (cadê você?).

Tão longe, tão perto. Meus pais, irmãos, amigos de seca!

Aos colegas de turma, pelo apoio, pelas contribuições nos seminários, pela amizade. À Coordenação e professores do programa de Pós-graduação em Geociências. Aos amigos da Secretaria.

Aos amigos da ABJC.

Aos colegas professores da Unitau, pela partilha das angústias, das crises e das alegrias.

(5)

Sumário

Introdução ... 1

Geociências e Público ... 1

... 5

Capítulo 8 A notícia geocientífica na televisão ... 8

Introdução ... g Tradução, traição, déficits, desafios ... 8

Delimitando o foco ... 27

Sobre os pontos de partida- aspectos teórico-metodológicos ... 29

Limites e possibilidades ... 30

Jornalismo e notícia em pauta ... 39

Pensar os Bastidores ... 46

O detalhe ... 50

A cidadania como pano de fundo ... 52

Visões de 57 Capítulo 62 Televisão Pública: espaço de popularização das Geociências ... 62

Introdução ... 62

História: descoberta múltipla ... 63

Aldeia Global ... 68

Lugar privilegiado ... 71

Televisão no contexto dos estudos da comunicação de massa ... 74

Os caminhos da TV Pública ... 78

Considerações gerais ... 86

Ciência e televisão ... 88

Capítulo

m ...

105

O lugar da Pauta Cidadã a partir do olhar das Geociências ... 105

Introdução ... 105

O lugar Físico ... 105

O lugar do humano I o humano lugar ... 107

Lugar de C&T ... 112

Lugar de Comunicação ... 116

Lugar da TV Regional ... 117

O lugar da TV Estudada ... 126

Capítulo IV ... 136

Pauta Cidadã: um jeito de comunicar Meio Ambiente ... 136

Introdução ... 136

Linhas deAção ... l40 A caíxa preta da pauta ... 141

A Pauta Cidadã na rotína da TV ... 144

A reunião: o perfil dos novos atores ... 147

O perfil das sugestões ... 150

Participação Cidadã ... 153

Tensões, crises, sustentação ... 161

MeioAmbiente ... l65 Resultados, agendas e questões ... 168

Visão de natureza ... 175

A Pauta Cidadã e a Agenda 21 ... 180

(6)

Desafios da Agenda 21 local ... !86

Capítulo V ... 198

Considerações finais ... 198

Introdução ... 198

De volta ao oomeço: digressão ... 203

(7)

Lista de tabelas

Tabela U: Séries do JN oom temas geocientíficos (1996-2004) ... 8

Tabela 1.2: MA na PUS (1992-2004) ... 21

Tabela 2.2: Ciências apresentadas no Globo Ciência (1984- 1994) ... 91

Tabela 2.3: Programa Repórter Eco ... 92

Tabela 3.1: Grupos de Pesquisas e Pesquisadores- Estado de São Paulo ... 113

Tabela 3.2: IES no Vale do Parruba ... 114

Tabela 3.3: Produção Científica das lnstitnições do Vale ... l15 Tabela 3.4: Emissoras de TV de sinal aberto ... 117

Tabela 3.5: Ooorrências no Google ... 130

Tabela 4.1: Funcionários da TV Setorial Ago-Dez 2000 ... 139

Tabela 4.2: Perfil dos Participantes da Pauta Cidadã (2001- 2002) ... 149

Tabela 4.3: Natureza das Sugestões ... 152

Tabela 4.4: Perfil dos porta-vozes do meio runbiente ... 166

Lista

de quad.ros Quadro 2.1: Emissoras públicas criadas entre 1967-1974 ... 79

Quadro 4.1: Cultura e Turismo ... 190

Quadro 4.2: Educação ... 191

Quadro 4.3:Caracteristicas da Cidade Ideal. ... 191

Quadro 4.4: Agricultura ... 192

Quadro 4.5: Recursos Hídricos ... 192

Quadro 4.6: Saúde ... 193

Quadro 4.7: Pesquisa e Desenvolvimento ... 194

Quadro 4.8: Resíduos Sólidos ... 195

Lista de figu.ras Figura2.1 ... 66

Lista

de gráficos Gráfico 1.1: Presença do CPTEC na Mídia entre 2000-2002 ... 10

(8)

UNICAMP

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS/ INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOCIÊNCIAS

GEOCIÊNCIAS, COMUNICAÇÃO E CIDADANIA: ASPECTOS DA CONSTRUÇÃO DE DIÁLOGOS NUMA TELEVISÃO PÚBLICA

RESIJMO

TESE DE DOUTORADO

Cidoval Morais de Sousa

O presente trabalho investiga e discute aspectos da construção de um diálogo envolvendo atores de campos bastante distintos, numa televisão de natureza pública e regional, em torno de um projeto singular: a comunicação pública da ciência como ferramenta de cidadania O foco de nossa atenção se volta para um modelo de tomada de decisões sobre a construção de notícias geocientíficas, particularmente as relacionadas ao meio ambiente. Procura-se, de um lado, analisar as particularidades do modelo, e, de outro, discutir as dimensões dessa proposta e suas contribuições para o agendamento de questões críticas para a construção de uma sociedade sustentável, cidadã. O estudo concentra-se, principalmente, na reunião

de pauta aberta à participação da comunidade. A experiência, pioneira em emissoras do Vale do Par.nba

paulista, oferece argumentos não só para uma critica da práxis jornalística, mas, também, para que se

repense, particularmente no campo das Geociências, estratégias mais eficientes e cidadãs de comunicação

pública das Ciências. Busca-se, por um lado, identificar os atores que participaram das reuniões, as

estratégias utilizadas para "vender" suas idéias e! ou sugestões, e o perfil das sugestões apresentadas; e, por

outro, refletir sobre o encaminhamento das discussões, as negociações de enfoque e como, depois de cada reunião, os jornalistas trabalhavam com o material recolhido. Tenta-se, ao longo do trabalho, responder a três questões fundamentais: em que medida modelos estratégicos como a pauta cidadã, democráticos, contribuem para agendar conteúdos jornalísticos de natureza geocientíficos na televisão? Que tipo de contribuição atores estranhos ao mundo do jornalismo (comunidade) agendam, particularmente em relação

à questão ambiental (visão de valores-notícia, leituras de mundo e natureza)? E, por fim, a pauta cidadã

gera compromissos, fideliza audiência? Observamos, entre outras coisas, que a comunidade quando convocada a participar de projetos como a pauta cidadã, sente-se valorizada, tem contribuições significativas a oferecer, particularmente sobre conteúdos de natureza ambiental; no entanto, os valores-notícia presentes nas sugestões não diferem muito dos valores dominantes da mídia, assim como a visão

de ambiente é uma visão fragmentada, restrita aos problemas locais, imediatista, mas que,

paradoxalmente, contempla, em grande medida, a temática da sustentabilidade. A pauta cidadã agenda pelo menos três grandes debates: os riscos da abertura das arenas de decisões para cientistas e jornalistas; qual o papel do cientista e do divulgador nesse tipo de ambiente; e que tipo de agenda de ciência e comunicação a comunidade constrói.

(9)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS/ INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOCIÊNCIAS

GEOSCIENCE, COMMUNICATION A.l'\Jl) CITIZENSHIP: ASPECTS OF THE

CONSTRUCTION OF DIALOGUES IN A PUBLIC TELEVISION

ABSTRACT

DOCTORATE THESIS

Cidoval Morais de Sousa

The present work investigates and discusses the aspects of the conatruction of a dialogue involving actors from very distinct fields in a television of regional and public nature, regarding a singular project: the public communication of the science as a citizenship tool. The focus of our attention is a model of decision-taking about the conatruction of geoscientific news, particularly related to the environment. On one side, we analyze the particularities ofthe model, and, on the other, we discuss the size ofthat proposal and its contribution for the schedule of criticai questiona for the conatruction of a sustainable citizen society. The study concentrates mainly in guidelines meetings open for the participation of the

community. The pioneering experience in broadcasting in Vale do Para~ba (São Paulo) offers arguments

not only for the criticism of journalism but also to reconaider more efficient and citizen strategies of public

communication of Science, mainly in the Geosciences field. On one si de, our aim is to identify the actors

who had participated in the meetings, the strategies used to "seU" their ideas and/or suggestiona, and the

profile of the presented suggestiona, and, on the other side, to think over the guiding of the discussiona,

the aim of the negotiationa and how the journalists worked with the material collected after each meeting.

During the work, we try to answer to three essential questiona: in what extent do strategic models as the

citizen guidelines, as well as the democratic ones, contribute to schedule journalism contents of geoscientific nature on television? What type of contribution do the actors not fa!Uiliar with the journalism world (community) give, mainly as regards the environment issue (view ofthe valueslnews, world reading

and nature?) And finally, do the citizen guidelines create commitments, turn audience faithful? We have

observed, a!Uong other things, that the community, when called to participate in projects !ike the citizen guidelines, shows appreciation, has significant contributiona to offer, mainly regarding contents of environment nature, however, the values/news presented in the suggestiona do not differ very much from the dominant values of media, as the view of environment is a fragmented one, of an immediate kind, restricted to the local problema, but that paradoxically sees the thematic of the sustainabi!ity in a large way. The citizen guidelines arise at least three great issues: the risks of the opening of the arenas of the decisiona for the scientists and journalists, what the scientist and the broadcaster role in this kind of environment is; and what type of science and communication agenda the community builds.

(10)

Introdução

Geociências e Público

Nas conclusões do polêmico livro "O Golem", Co !Iins e Pinch (2000), quando discutem a relação entre a ciência e o cidadão, afirmam que o debate sobre a compreensão pública da ciência tem sido dificultado, em grande medida, pelas confusões envolvendo mêtodo e conteúdo.

No entendimento dos autores, o que deveria ser explicado ao público leigo de uma forma geral são os mêtodos, os processos de produção dos fatos científicos; mas o que boa parte dos envolvidos com as questões de popularização enfatiza, por exemplo, é o que se chama de verdade sobre o mundo natural.

Na realidade, corúorme os autores, há uma intencionalidade clara na condução desse debate: acredíta-se, equivocadamente, que quanto mais o público souber ciência (e não sobre ciência), mais ele estará apto a votar e a tomar decisões importantes, como o destino dos transgênicos, por exemplo.

Não se discute, em tese, que os conteúdos da ciência não devam chegar ao grande público, mas o que se questiona é a força de verdade que recai sobre eles, negando disputas, conflitos, tensões, desacordos, que se estendem por todo processo de produção.

É como se os tomadores de decisões, no campo da política, tivessem medo das reações que poderiam advir de um processo inverso de comunicação pública das ciências, ou seja, se o público, ao invés dos resultados em primeira instãncia, recebesse informações sobre o mêtodo.

O equívoco se espalha pela sociedade com apoio da academia, da política e, principalmente, dos meios de comunicação, responsáveis, em grande medida, pela construção da imagem de ciência verdade, que predomina em nosso meio.

Como afirma Latour (1999), apesar do quadro rico, ambíguo, desconcertante e fascinante que a ciência em ação revela, poucos são os que entraram nas suas atividades internas e depois saíram para explicar, aos que continuam do lado de fora, como tudo aquilo funciona.

Boa parte dos discursos das ciências trata de conteúdos, fundamentos, às vezes de perigo, mas quase ninguém se arrisca a falar dos processos de construção, da mistura caótica que se revela nos bastidores: prefere-se os contornos organizados do método e da racionalidade científica (!999: 34).

(11)

Mesmo nos estudos sobre popularização, a percepção de público ainda está fortemente centrada na identificação de um ator externo, estranho ao universo da produção e comunicação dos fatos tecnocientíficos, com um pape! cognitivo passivo, que, por sua vez, assegura a manutenção das fronteiras epistemológicas entre o científico e o não científico (Lopes et 2004).

Os modelos mais comuns de divulgação científica consideram a existência de apenas dois estágios nessa atividade: no primeiro, os cientistas formulam conhecimentos originais, genuínos, puros, verdadeiros; na fase posterior entram em cena os divulgadores, que se apropriam desses conhecimentos, simplificam-no, contam histórias sobre eles, conformando uma visão de ciência ideal, heróica, acritica, partilhada por ambas as comunidades: cientistas e divulgadores (Lopes et a!., 2004).

Como se ver, os modelos tradicionais, de reforçarem os critérios de diferenciação entre ciência e divulgação, delimitando bem as fronteiras (ciência é pura, genuína, verdadeira; divulgação simplifica), não incluem o público, a não ser, como já pontuamos antes, como receptor passivo.

Na divisão do trabalho cognitivo tudo parece colaborar para, de um lado, assegurar, no topo da hierarquia, a "pura ciência", longe de riscos de contaminação (tradução, simplificação) e bem segura de si em suas fronteiras, e, de outro, manter os divulgadores e, principalmente, o público bem cientes de seus papéis de não fazedores de ciência.

Mas essa é apenas uma das muitas questões não resolvidas, envolvendo as relações ciências e público.

É no curso da critica a esses modelos e visões de ciência, divulgação e público discutidos acima que posicionamos esta investigação e sua intenção de deslocar -se das representações de fronteiras, para aproximar-se das construções dialógicas.

Neste trabalho, particularmente, queremos chamar atenção para urna outra dimensão desse problema. Sabemos, pelo que foi mostrado, que há uma forma dominante de se apresentar os produtos da ciência e da tecnologia, que parece confortável, não só para os que fazem C&T, mas, também, para os policy maker.

Essa forma, por sua vez, oferece uma leitura de público numa perspectiva utilitarista: sujeito que deve ser "instruído" porque é útil para legitimar interesses, programas, projetos.

(12)

A "instrução", nesse caso, apresenta-se em sua versão totalitária, bradando verdades absolutas aos quatro ventos, desprezando saberes marginais, impodo-se como centro, em torno do qual se reúnem aqueles que sabem, e por isso podem.

Nossa investigação problematiza a compreensão de um outro lugar para o público: ele é percebido não mais como receptor passivo de mensagens de toda sorte, mas, principalmente, sujeito histórico, inserido num mundo pleno de significados, que reage aos conteúdos que recebe, produzindo sobre os mesmos novos significados.

No nosso caso, compreendendo o público como um ator ativo, sujeito histórico, cidadão, portador de saberes, de capacidade cognitiva, tentamos encontrá-lo em ação, significando e ressignificando conteúdos, interagindo com produtores de ciência e, principalmente, com aqueles que a tomam pública.

Fomos encontrá-lo, portanto, com na massa', para usar um termo do senso comum, ainda não dentro dos laboratórios das universidades, dos centros e institutos de pesquisa, mas no interior de um veículo de comunicação, que se dispôs a rever conceitos e práticas, e dar um passo largo em direção à construção da cidadania.

Investigamos, portanto, um modelo de tomada de decisões sobre a construção de notícias geocientíficas, numa televisão de natureza educativa e regional, no Vale do Paraiba Paulista- TV Setorial, afiliada a TVE-Rio e à Rede Pública de Televisão.

Buscamos, de um lado, analisar dimensões e particularidades, e, de outro, discutir as contribuições desse modelo para a conatrução de uma agenda sustentável de comunicação das Ciências no telejomalismo regional.

Concentramo-nos no que, para nós, continua sendo o ponto forte desse modelo particular de apropriar e comunicar ciências: a reunião de pauta aberta à participação da comunidade (Pauta

Cidadã), experiência pioneira, que nos deu argumentos não só para uma critica da práxis jornalística, mas, também, para uma reflexão sobre estratégias cidadãs de comunicação pública

das Geociências.

Procuramos, entre outras questões, identificar os atores que participaram das reuniões, as estratégias de "venda" de suas idéias e/ou sugestões, o perfil dessas sugestões; refletir sobre as discussões e negociações de enfoque; e tentar compreender como, depois das reuniões, das quais também participaram pesquisadores, os jornalistas trabalhavam com o material recolhido.

(13)

Trabalhamos com quatro momentos sígníficativos: a preparação da reunião, o recebimento e acomodação dos atores externos, a reunião propriamente dita e a pós-reunião.

Confrontamos, por fim, o material recolhido nas reuniões com as propostas do documento base Agenda 21 para o Vale do Paraíba, produzido pelo movimento Rede Ambiental, em parceria com prefeituras e universidades da região, tentando identificar, de um lado, aproximações dialógicas entre as duas agendas (a da comunidade e a da Agenda 21), e, de outro, visões de natureza/meio ambiente.

Procuramos, no percurso, responder a questões como contribuições da Pauta Cidadã para uma agenda jornalística de fatos geocientíficos na televisão (o que atores não jornalistas científicos e não cientistas poderiam agendar, particularmente em relação à questão ambiental) e se a Pauta Cidadã gerava algum tipo de compromisso desse público, com a emissora, com a ciência eíou com a comunicação pública ciência.

Para responder às questões acima partimos do seguinte pressuposto: a comunidade, quando convocada a participar de projetos abertos e de natureza democrática como a Pauta

Cidadã sente-se valorizada, quer contribuir, porque, de um lado, tem interesses e valores a defender, e, de outro, sabe que a expressão de seus valores, interesses e crenças, nesses novos espaços públicos, pode ser positiva.

Em outras palavras, o público, quando reconhecido nas dimensões aqui consideradas, se engaja, experimenta o projeto ou programa nos seus limites e possibilidades, partilha o que sabe e o que

diz

não saber, não se sente ameaçado por um outro saber que se pretenda dominante (científico ou jornalístico), interage, constrói e descontrói conteúdos, agenda cidadania.

Neste trabalho, em resumo, compreendemos a ciência e sua comunicação como construções sociais importantes (mas não únicas) para construção da cidadania, que, por sua vez, é entendida como um mecanismo de inclusão/exclusão, a expressão de uma construção coletiva que organiza as relações entre sujeitos sociais, que se formam no próprio processo de definição daqueles que pertencem ou não a uma determinada sociedade politicamente organizada.

A cidadania supõe, entre outras coisas, a existência de uma comunidade cultural e social, está associada à expectativa de compartilhar línguas, usos e costumes e tem como metafundamento social a dupla individuo-comunidade.

O indivíduo é, simultaneamente, uma singularidade- procura maximizar seus interesses pessoais pelo uso de sua racionalidade instrumental - e parte de uma "comunidade sociocultural

(14)

dotada de sistema de valores e sentido de pertencimento, dentro da qual ele encontra as motivações e o contexto social sobre o qual exerce sua capacidade reflexiva e suas estratégias de inserção social" (Sorj, 2004: 23).

Assim, seguindo a metáfora da Caixa de Pandora, podemos dizer que ao abrirmos a

Cidadã, experienciamos problemas, crises, conflitos de identidade, entre tantos outros desafios,

mas lá no fundo encontramos, não o que julgávamos perdido, mas o que de fato precisava ser resgatado para as Geociências e para os sistemas de comunicação: o público com toda sua força de agenda, de esperança, de cidadania.

Conteúdo

A tese está dn'ldJtda em cinco capítulos.

No primeiro tentamos problematizar a presença de conteúdos de natureza geocientífica no telejomalismo brasileiro e identificar as características que os tornam "atraentes" para a televisão.

Observamos que, com freqüência, as grandes redes trabalham com produtos das Geociências, principalmente quando explicam e ajudam a noticiar catástrofes ( sísmos, vulcanismos, terremotos, maremotos como o recente na Indonésia, desastres ambientais).

No entanto, a mesma freqüência não se observa nas emissoras regionais e/ou regionalizadas. A partir desse ponto agendamos, de um lado, uma leitura, digamos, classificatória, dos estudos sobre as relações comunicativas entre ciência e sociedade, tendo a mídia como protagonista, e, de outro, um programa de investigação, que não só procurasse encontrar as Geociências na televisão, mas que oferecesse possibilidades de localizar, também, um outro ator nesse processo: o público.

Assim, delineiam-se os objetivos, os pressupostos teóricos e metodológicos e compreensões conceituais importantes para o desenvolvimento do projeto. O capítulo resume-se no entendimento de que, mais eficaz do que procurar as Geociências na frente da tela, nos materiais já produzidos, zapiando pelos canais, é embrenhar-se nos bastidores da televisão para tentar encontrá-las, de preferência, no momento em que são apenas conjecturas, possibilidades e não notícia de fato.

A promessa do capítulo é que isso será feito numa televisão de natureza pública e educativa, onde a agenda noticiosa é definida com a participação de atores não convencionais: a

(15)

comunidade. Sugere-se que a investigação sobre a Pauta Cidadã (nome do projeto) tomará como norte abordagens qualitativas, que privilegiam a interdísciplinaridade, o diálogo de saberes.

O segundo capítulo parte do pressuposto de que a tarefa em questão não pode ser executada sem uma compreensão, primeiro, do lugar social da televisão hoje, lugar historicamente construído e afirmado como instituição, tecnologia, cultura, e, segundo, da diversidade de possibilidades que o veículo oferece como ambiente comunicativo.

Discute-se, por exemplo, projetos relacionados à pública, no Brasil e no mundo, e conclui-se, ao menos provisoriamente, que esse tipo de emissora favorece a experimentação dos novos conceitos de qualidade, de integração com o público, de construção de cidadania.

Encontramos na televisão, particularmente na televisão regional, ambientes sensíveis às Geociências, principalmente quando se quebram barreiras entre saberes e as linhas de ação são pensadas em processos decisórios democráticos, inclusivos, com a participação de um ator, desejado como consumidor, mas quase sempre desprezado como agente de mudança - o telespectador.

O terceiro capítulo começa com um desafio: encontrar, a partir de alguns olhares, das Geociências, inclusive, o lugar da experiência, ou seja, o lugar da televisão regional que, rompendo com as amarras dos paradigmas tradicionais de produção da notícia, transforma o público num aliado importante: discute, decide e planeja com ele conteúdos e processos.

O lugar, neste trabalho, não é visto como um espaço dado, mas um conjunto de relações; não é natural; é social, construído. Não é apenas uma dimensão geográfica que se impõe como ferramenta de localização da experiência humana no mundo; mas a própria experiência que se articula e se constrói no processo de produção e reprodução da vida sociaL

No quarto capítulo, apresentamos a experiência da Pauta Cidadã em toda a sua complexidade: os processos que lhe deram origem, os interesses nem sempre alinhados que ora impediam seu avanço, ora funcionavam como motor, fazendo-a romper barreiras e afirmar-se no ambiente midiático da região; os atores que foram convidados a fazer parte do processo, seu perfil, suas representações de notícia, suas visões de meio ambiente, sua disposição de dialogar, trocar experiências, partilhar saberes. A força de agenda da Pauta: que tipo de conteúdos geocientíficos eram sugeridos como possibilidade noticiosa, como eles eram discutidos, como eram trabalhados jornalisticamente. Também se discute a relação desses conteúdos com a Agenda 21 do Vale, tentando encontrar pontos de aproximação e de distanciamento.

(16)

Por fim, na esteira das discussões sobre desenvolvimento sustentável, inevitável na abordagem de conteúdos ambientais, a Pauta afirma-se como possibilidade estratégica de construção, não apenas de processos sustentáveis de comunicação televisiva, mas de alternativas cidadãs de interação homem-ambiente. Diga-se de passagem, plural, pautada na ética e na dinâmica dos saberes ambientais.

quinto e último capítulo tenta amarrar as reflexões produzidas ao longo da tese, chamar atenção para seus resultados mais significativos - a qualidade dos diálogos de saberes produzidos pela Pauta, por exemplo - e para as questões continuam em aberto, convocando novas investigações.

A tese não é dada como um produto definitivo; constitui-se, apenas, uma leitura de tantas outras possíveis de um processo, ao nosso ver, rico, dinâmico e desafiador, cuja experimentação o autor, bem uma oportunidade de repensar práticas e teorias, mas, principalmente, uma lição de vida!

(17)

Capítulo I

A notícia geocientífica na televisão

Introdução

As noticias relacionadas às Geociências não estão na lista das mais freqüentes no telejornalismo brasileiro, mas não se pode dizer que essa grande àrea do conhecimento humano seja ignorada pelos telejomalistas. Pelo contrário. Embora ainda não tenha sido mensurada, é cada vez mais significativa a presença de matérias geocientíficas e entrevistas com especialistas da àrea nos telejornais de maior audiência do País.

Para se ter uma idéia, num levantamento feito pelo autor sobre a presença das Ciências nas grandes reportagens realizadas pelo Jornal Nacional (JN), entre 1996 e observou-se que 14,4% do material produzido contemplava conteúdos geocientíficos, conforme mostra a tabela abaixo.

Tabela 1.1: Séries do JN com temas geocientíficos

(1996-2004).

Ano Temas Total

1996

-

-1997

Agua, Lixo, Agrotóxico.

03

1998

Pesquisa da ONU sobre qualidade de vida

01

1999

Seca

01

2000

Desperdício de Alimentos, Amazônia.

02

2001

Indicadores Sociais do ffiGE, Fome no Brasil, Agua, Fósseis.

03

2002

Saúde e saneamento, grandes cidades, desigualdades regionais.

03

2003

Petróleo.

01

2004

Nossa Mata

01

Base de cálculo (séries realizadas até maio

2004)

104

A quantificação especifica apenas o conjunto temático, mas também foi observada a presença de Geociências em séries sobre condições de estradas, problemas habitacionais, pesca, Brasil ruraL Oriente Médio, custo Brasil entre outras.

Para essa distinção tomou-se como referência a classificação do CNPq, que fatia as Geociências em várias subáreas, nas quais se incluem desde a Geologia, passando pela Geofisica, Petrologia, Geodésia, Geografia Física, Mineralogia, Meteorologia e os conteúdos ambientais, que com denominações diferentes perpassam todas as disciplinas geocientíficas.

(18)

Entre os temas mrus comuns, que marcaram presença nos noticiários televisivos, nacionais e/ou regionais, nos últimos anos, destacam-se o colapso do solo devido a rebaixamento do nível freático, pela exploração superdimensionada da água subterrânea (Cajamar, SP); e a exploração a céu aberto de carvão mineral, evidenciando a grande mobilização de material natural para retirada do minério, que contém elementos tóxicos e permanece exposto a processos que podem poluir as águas e os solos (Charqueadas, RS)o

Além disso, problemas como assoreamento de rios, cansado por uso impróprio do solo das margens; movimentos de massa, em decorrência da abertura de estradas e desmatamentos; garimpos irregulares; portos de areia; modificação do ciclo local de água; abalos sísmicos em cidades do Nordeste (PE e RN); ocupação irregular dos solos rural e urbano; dinossauros; e o monitoramento dos recursos naturais renováveis e não renováveis por Sensoriamento Remoto também têm merecido a atenção da televisão, principalmente quando revelam tragédias"

Se considerarmos, também, a televisão fechada vamos observar que nos canais pagos as Geociências são privilegiadas em relação às demais áreas: só perdem em espaço para as Ciências da Saúde" Canais como Disoovery, National Geographlc, History e Weather ocupam a maior parte de sua grade com progrrunas jornalísticos e documentários envolvendo assuntos geocientíficos"

Um levantamento do CPTEC (Centro de Previsão do Tempo e estudos Climáticos -:INPE) confirma o interesse da midia televisiva por assuntos geocientíficoso No ano de 2000, excluindo as notas de previsão do tempo, as emissoras de TV exibiram 20 matérias envolvendo o trabalho do Centro" 1

Em 2001, em conseqüência da crise energética, esse número cresceu para 140" E de janeiro até o dia O 1 de novembro de 2002, cerca de 150 matérias. Desse total, mais de 30"/o foram produzidos para programas exibidos nacionalmente, com predominância para os telejornais da Rede Globo e da Rede Bandeirantes"

É

certo que a crise energética (200 l ), sem dúvida, contribuiu para que a procura por informações e explicações do CPTEC, principalmente pela televisão, aumentasse, dado que a instituição é referência na América Latina em previsão do tempo e estudos climáticos"

1 O CPTEC fornece informações sobre previsão do tempo para todos os canais de TV do País, públicos ou

(19)

No entanto, fatores de natureza estratégica, ao nosso ver, também favoreceram e estimularam essa busca. Em pnmerro lugar, a acessibilidade: o Centro disponibilizou informações, num portal, que possibilitavam não só a compreensão, mas, principalmente, o monitoramento da crise com atualizações diárias sobre a situação dos principais reservatórios de água do País.

E, em segundo, a disponibilidade de recursos humanos (geólogos, meteorologistas) para atender os jornalistas e contribuir com a qualificação das infonnações, num momento de crise. Durante muito tempo a ausência desses dois fatores constituiu-se num dos principais entraves das relações Mídia e Ciência. O caso abaixo é bastante ilustrativo.

180 160 140 120 100 80 60 40 20 o

Gráfico 1.1: Presença do CPTEC na Mídia entre 2000-2002

2002 2001 C Televisá •.Jornais O Rádios o Revistas •Internet

Num trabalho preparado para uma conferência internacional sobre tecnologias de infonnação e comunicação na educação Henriques (2001) parece se decepcionar com os resultados de sua pesquisa sobre a presença de assuntos relacionados à Geologia no jornal português "Público".

Durante um mês inteiro a autora folheou cada edição do jornal para chegar à conclusão de que o espaço médio ocupado por esse tipo de notícia não representava 2% da amostra.

Pelo menos cinco questões chamam a atenção no trabalho mencionado. A primeira é a localização da noticia geocientífica nos jornais. Ela aparece (quando aparece) em diversas

(20)

editorias e/ou seções, e não especificamente só na página de Ciências. Foram encontradas noticias até em colunas sociais.

A segunda diz respeito aos temas mais abordados. Destacam-se, entre eles, na página especifica de Ciências, matérias sobre Astronomia (60%), Oceanos (20%) e Dinossauros (10%).

Esses temas também freqüentam outras editorias, mas nelas há mais diversidade e assuntos como meio ambiente, catástrofes naturais, recursos hídricos, patrimônio geológico ocupam, dentro das proporções auferidas, espaços significativos.

A autora chega afirmar, com uma certa precipitação, que há um total divórcio entre o jornalismo e a atividade científica portuguesa relacionada á Geologia e dá duas explicações para o fato: os jornalistas ainda consideram muito dificil de entender aguilo gue os cientistas produzem e os cientistas não dão grande importância para os jornalistas.

Há, no entanto, uma questão que passa ao largo das reflexões da autora: o pe1ioc!o escolhido para a seleção e leitura dos jornais. Conforme ela informa na metodologia, foram separadas 30 edições do mês de janeiro de 1998.

Embora o número de edições seja significativo a concentração num único mês, particularmente o primeiro do ano, não parece forte o suficiente como indicador de uma tendência.

Por outro lado, há uma questão decorrente da leitura dos resultados da investigação que corrobora com a decepção da autora: os jornalistas do Público não privilegiaram, ao menos no periodo estudado, a pesquisa portuguesa, particularmente na área de Astronomia. Todas as fontes mencionadas são estrangeiras.

Por fim, há, ainda na pesquisa de Henriques, uma questão que, ao meu ver, não se sustenta com os dados e suportes de entrevistas e leituras feitos e/ou coletados. No começo da discussão dos resultados ela pontua que não se noticia Geologia porque os ternas relacionados a essa área não constituem valor -noticia.

É certo que alguns temas, particularmente ligados à geofísica, geotecnia e à pedologia, de alguma forma, apresentam-se, à primeira vista, com baixo potencial de mídia, mas isso não significa que não tenham valor-notícia.

Na realidade há outros fatores que prec1sam ser considerados em avaliações dessa natureza. A formação dos jornalistas, por exemplo, não contempla em sua grade curricular na

(21)

graduação a preparação para reportar Ciências, principalmente aquelas mrus duras, como a Geologia.

Os cientistas, por sua vez, trunbém não são treinados para a comunicação. Pelo menos para um específico de comunicação - a mídiática. Noticia-se, geralmente, aquilo se "enxerga" socialmente; e as Ciências não estão tão "visíveis" assim, seja por questões relativas à sua organização interna, seja pelas escolhas negociadas como prioritàrias por seus produtores, entre as quais pode não se incluir a

A observação pessoal (e profissional), o levantrunemo do CPTEC, os especiais produzidos pelo Jornal Nacional, e mesmo o trabalho de Henriques reforçrun a constatação inicial de que assuntos de Geociências são notícias. A questão, agora, é verificar em que circunstâncias eles despertrun interesse.

A discussão sobre noticiabilidade é antiga no campo É famosa, nas redações, a máxima que reduz o conceito de notícia ao inusitado, ao grotesco,

ao

sensacional: se um cachorro morde um homem, não há novidade. Mas se um homem morde um cachorro,

está a notícia.

Partindo desse ponto de vista, não precisrunos de muito esforço de pesquisa e reflexão para afirmar que fatos geocientíficos são notícia na televisão em situações, geralmente, catastróficas: enchentes, crise energética, tremores de terra, desastres runbientais (vazamento de óleo no mar, queimadas, desmatamentos), poluição de rios, ocupação desordenada dos espaços urbano e rural, efeito estufa entre outros.

Considerando os critérios de noticiabilidade implícitos na máxima, os exemplos acima estão dentro do que vrunos chrunar de normalidade jornalística, ou seja, a situação que privilegia o impacto, o drruna, a sensação, a atualidade, a tragédia. 2

No telejornaiismo brasileiro, como bem mostra Rezende (2000) e Priolli e Borelli (2000), com poucas exceções, há um padrão estabelecido que pode ser resumído no seguinte: matérias 'quentes' no primeiro bloco (crime, denúncias, tragédias, desastres), matérias de 'intensidade média' no segundo e no terceiro blocos (consumidor, serviço, saúde, educação, C&T, meio runbiente) e matérias 'amenas' no encerramento (cultura, esporte, finais felizes de drrunas do cotidiano, entre outros).

2 Essas características estão inclusas nos critérios de noticiabilidade discutido por vários autores, reunidos numa coletânea sobre noticia organizada por Traquina (2000).

(22)

Assim, como já VImos, na condição de tragédia, os fatos geocientíficos têm lugar reservado na primeira fila; o mesmo não se pode dizer quando a natureza dos fatos foge desse padrão, e é, por exemplo, conhecimento ou tecnologia construídos em universidades e/ou outras instituições pesqUisa.

Até aqui trabalhamos com uma visão generalista a respeito dos fatos geocientificos nos telejornals brasileiros. Essa visão contempla toda matéria relacionada a alguma sub-área das Geociências, necessariamente resultado de investigações acadêmicas, mas sempre reforçada pelo saber de um especialista, vinculado a uma instituição de pesquisa. Um exemplo são as matérias que mostram desastres ambientais. Elas seguem, geralmente, o mesmo formato: o problema, as conseqüências, as providências e a opinião dos experts.

Uma visão mais específica contempla as notícias cuja matéria prima foi construída dentro das universidades, nos laboratórios, nos ambientes pesquisa. Mesmo quando o da investigação é um determinado tipo de desastre, independe da factualidade.

Nesse caso,

na

falta de uma imagem espetacular, o conhecimento (ou a técnica) ganha proeminência, pelo prestígio do pesquisador ou da instituição (ou tudo junto), pela importância social do projeto (medida em termos de beneficios), ou pelo inusitado da descoberta3

Tanto num caso como no outro (generalista ou específica), temos, pela televisão, um processo de comunicação pública do conhecimento. E é nele que reside nosso interesse maior. Mas, por enquanto, vamos nos deter no seguinte: a ação de noticiar um fato científico (ou de outra natureza)

na

televisão é resultado de negociações que se travam numa arena impregnada de interesses, onde se constroem consensos (ainda que temporários) e se articulam decisões.

Portanto, noticiar, em outras palavras, significa tomar decisões. E decidir o que é notícia, por sua vez, não é uma tarefa simples e envolve, sempre, diferentes atores e culturas.

A notícia pronta, no ar, não reflete as disputas internas, as teias (tramas) que transformam o processo de produção numa rede de interesses, com um olho

na

audiência e outro no mercado.

O telespectador não imagina que ela (a notícia) foi construída em negociações que continuarão mesmo depois do "boa noite" do apresentador e que, dependendo do fato, pode durar semanas.

3 Burket (1990) discute situações em que a mídia se interessa por assuntos de C&T, destacando, entre

elas, a natureza da descoberta, a possibilidade de aplicação imediata e as polêmicas geradas em tomo do novo conhecimento.

(23)

A mobilização de urna equipe de reportagem para a cobertura de um desastre ecológico como o afundamento do petroleiro Prestige, na costa da Espanha, em novembro de 2002, com quase 77 toneladas de óleo, por exemplo, envolve, praticamente, todos os setores da empresa jornalística.

Recebida e confirmada a informação, o editor-chefe discute a extensão e gravidade do problema com sua equipe. Primeiro desafio: decidir se a cobertura será feita com equipe própria ou se com material fornecido pelas agências de noticias. A decisão não depende apenas da urgência jornalística. Outro setor precisa ser consultado: o financeiro.

Se o orçamento não permite enviar equipes do Brasil, a opção mais barata pode ser mobilizar escritórios e correspondentes na Europa. Ou mesmo jornalistas.free lance.

Fechada essa etapa, uma outra negociação se abre: como conduzir a matéria, qual é o a ser explorado. voz pode a fragmentação do em duas ou

uma, com imagens das agências, caracterizando o desastre, com detalhes técnicos, inclusive; outra, já com a equipe da emissora, explorando as dimensões do vazamento de óleo, ancorado na fala de especialistas, ambientalistas, com imagens fortes e previsões de impactos, de preferência catastróficos; e, por fim, uma outra, fechada no Brasil repercutindo a tragédia no mundo.

A fragmentação é sempre bem recebida nas redações quando há escassez de fatos "quentes". Os produtores (jornalistas apuradores), no Brasil e no exterior, acompanham por telefone, fax, rádio e, principalmente, pela Internet o desenrolar da tragédia.

Descobre-se, por exemplo, que já houve, num passado recente, desastres de proporções parecidas. Entram em cena novos atores: o arquivo para a tarefa de recuperação, com texto e imagens. Mais negociações: em que lugar na hierarquia do telejornal o desastre vai ser veiculado? E o tempo? O material da equipe vai chegar no dead fine preestabelecido nas primeiras conversações? Como e de onde vai ser gerado? A equipe vai permanecer no local? Por quanto tempo? Que outros desdobramentos podem ter fenômeno? Algum grupo do Brasil vai ajudar no processo de salvamento dos animais atingidos pela mancha negra de óleo?

Em resumo, as negociações não param. Em cada momento micro-decisões vão sendo tomadas. Algumas são descartadas, outras aperfeiçoadas, e outras, ainda, implementadas sem mudanças significativas.

O certo é que para cada movimento das equipes as negociações envolvem diferentes setores da empresa (financeiro-administrativo, técnico-operacional, recursos humanos,

(24)

jornalismo), e, cada um deles, de alguma forma, 1mpmge à notícia em construção, uma preocupação, uma direção.

Como veremos mais adiante, há poucos estudos sobre os processos de construção da notícia, principalmente, sobre como se decide o é notícia, de qualquer natureza, na televisão.

A presente investigação é uma tentativa de chamar atenção para um dos muitos aspectos desse processo - a reunião de pauta.

O foco não são as grandes redes, mas uma experiência regional e suas particularidades. Ressalvadas as proporções e a natureza do veículo, cremos ser possível trazer elementos novos para um debate já bastante controverso sobre a comunicação pública das ciências nos telejomais brasileiros.

Tradução, tn1iç:ão, déficits, de:safios

Os estudos sobre a relação Comunicação-Ciências aumentaram e se diversificaram nos últimos anos, na Europa, no Estados Unidos e, particularmente, aqui, na América Latina. Observa-se pelo menos cinco tendências: os estudos de recuperação histórica (Moreira &

Massarani, 2002; Lopes e Figueroa, 1997; Geraldes, 2002); os estudos de mensuração (Marques de Melo, 1986, 1991; Destácio,l999; Moraes, 1999; Vasconcelos, 1999); estudos centrados na análise de discurso (Braga, 1996; Zamboni, 2001; Barros, 2000); estudos que destacam a relação sempre tensa entre cientistas e jornalistas (Cavalcanti, 1995; Mello Gomes, 2003) e estudos que investigam as relações Mídia, Ciência, Tecnologia e Sociedade (Bueno, 1982; Caldas, 2004; Oliveira, 2001), incluindo entre outros enfoques a questão da cidadania (Albagli, 1996; Sousa e Lopes, 2004).

Sobre a listagem aCima algumas reflexões. A primeira diz respeito à natureza da classificação. O agrupamento de autores em determinada categoria não significa que eles tenham se dedicado a produzir exclusivamente a respeito da abordagem à qual, aqui, arbitrariamente, foram vinculados. Boa parte deles, também, transita por todas as categorias. Porém, consideramos o critério de dominância, ou seja, a linha mais enfatizada nas publicações de cada um.

A segunda diz respeito aos conteúdos. Embora trabalhando em perspectivas diferenciadas os diversos autores convergem para um núcleo comum de interesses, que pode ser resumido, também arbitrariamente, nos seguintes eixos:

(25)

a. Interesse da mídia por assuntos de Ciência e Tecnologia - trata-se não apenas de mensurar, a partir de levantamentos em jornais, revistas, meios eletrônicos, a presença da C&T na mídia, mas, também, de apontar fontes, temas de maior interesse, mensuração do status (lugar ocupado), comparações entre veículos de mesma natureza,

b. Tratamento discursivo - mesmo nos levantamentos de natureza quantitativa a discussão sobre o discurso da mídia a respeito da C&T é apontado como superficial, descontextualizado, simplificador, em síntese (Oliveira, 1992; Trachtman, 1996), Em alguns casos, preocupado, excessivamente com o que Cascais (2003) chama de mitologia dos resultados: representar a atividade científica pelos seus produtos; subsumir os processos científicos à consecução finalista e cumulativa de resultados; e isolar exclusivamente como resultados aqueles que são avaliados, a posteriori, como êxitos de aplicação, outros, com o caráter sensacionalista, espetacular, mílagroso da "venda a varejo", corno frisa Nelkin (1995), ou ainda com a qualidade da tradução nos termos definidos por Jakobson (1992), citado num estudo de Trench (1998): a comunicação realizada no interior de uma disciplina científica pode ser chamada de intralingual; a comunicação entre disciplinas pode se caracterizar como a tradução interlingual; e a comunicação entre Ciência e não Ciência, como a intersemiótica, Para Trench, o que projeta essa categorização é que a tradução, seja de qual tipo for, é parte necessária do processo de comunicação, Todavia há muitas discussões sobre o processo de tradução do discurso científico, Alguns autores, como Dearing (1995), chegam a relacionar tradução com traição, O que se pontua é que um fato científico, traduzido para a comunidade de expertos do autor, num processo de comunicação pública (mídia, por exemplo), pode ser apresentado de forma a realçar, não os aspectos mais equilibrados do ponto de vista da Ciência, e, sim, aqueles que ressaltam maiores possibilidades de chamar atenção e de provocar controvérsia;

c. Modelo de déficit (ou formação) - é outra característica comum nos trabalhos a presença de falas destacando a necessidade de se preparar melhor os divulgadores de Ciência e, na outra ponta, os Cientistas para se relacionarem melhor com a mídia, O ponto de partida é o reconhecimento da existência de um fosso cognitivo separando as duas culturas - a ciência, de um lado, e a comunicação midiática, de outro, Nos últimos anos, particularmente no Brasil, é voz corrente em dezenas de congressos Científicos, e

(26)

movimentos liderados pela ABJC, SBPC, ABRADIC, que é preciso estimular a inclusão de disciplinas relacionando Comunicação e Ciência, não apenas nos cursos de jornalismo, mas em todas as áreas do conhecimento. A FAPESP, por exemplo, há pouco mais de 2 anos, criou uma linha específica de financiamento para a capacitação de divulgadores de C&T;

A relação custo-beneficio - outra referência bastante comum nos estudos sobre Comunicação e Ciência é a afirmação, às vezes peremptória, dos beneficios que a primeira proporciona à segunda, e vice e versa. Destaca-se, por exemplo, o fato de a mídia atingir públicos diferenciados e, principalmente, ter um forte poder de agenda entre os tomadores de decisão (Sousa e Scalco, 2001; Sousa e Santos, 2000). Aquilo que aparece na imprensa, de uma forma geral, tende a ser comentado, dipado e procurado como referência. É

C&T sm:l!lu:a, de um lado, com consenso,

verbas para a continuidade das pesquisas, chama atenção para emergência de novas redes de investigação, projeta lideres estratégicos para a continuidade de determinados programas, mobiliza recursos humanos e não humanos em torno de determinadas agendas, como orçamentos, políticas de incentivos fiscais, publicações; e , de outro, com possibilidades mais concretas de apropriação social do conhecimento, tema do próximo item;

e. A dimensão pedagógica - também é bastante comum, quando se discute a relação Comunicação e Ciência, chamar atenção para aspectos como alfabetização científica, transmissão de valores, consciência e prática da excelência, conhecimento e fortalecimento da cultura científica nacional, educação objetiva, criativa e participativa (Martinez, 1997), entre outros. Aplicando o modelo de déficit para a relação Ciência -Público leigo, não é preciso muita investigação para se chegar à conclusão de que este conhece muito pouco de Ciência, quando muito alimenta uma visão fantasiosa, com representações massificadas pelos meios que vão de mito, passando por ritual a espetáculo (Siqueira, 1999). A comunicação, dentro desse contexto, é considerada ferramenta estratégica para a redução do índice de analfabetos científicos• Entretanto, como pontua

4 Para a UNESCO é considerado alfabetizado científico o indivíduo capaz de identificar conceitos básicos e gerais de áreas chaves da Ciência e ter um mínimo de informação sobre os processos de construção do conhecimento.

(27)

alguns estudos, embora boa parte dos educadores de ensmo fundamental e médio confirme que se informa sobre assuntos de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente pela televisão (Bortolozzi, 1999), por exemplo, não é uma questão resolvida que a mídia tenha um específico na educação formal. Vemos, com reserva, iniciativas ufanistas que levam informações da mídia para a escola como a última palavra em C&T e Meio Ambiente, desprovida de qualquer crítica e de leituras mais especializadas. Ao nosso ver, o material produzido pelos meios de comunicação são também inscrições, que precisam de guias e de tradutores com uma boa leitura critica da realidade e, no caso em tela, dos processos de produção do conhecimento;

f. Tipo ideal - um tema recorrente, em grande parte dos trabalhos, é a proposição de "saídas", "sugestões", "recomendações", "modelos", na visão dos diversos autores, capazes de contribuir a redução, um lado, tensões entre dívulgadores e cientistas, e, outro, do fosso que ainda é grande entre Ciência e Público. Assim, para Caldas (2003), a relação entre cientistas e jornalistas deve ser de parceira. Para Bueno (2004), a formação do díwlgador não pode prescindir de uma crítica contextualizada, partindo-se do princípio de que a atividade de divulgação não se alimenta apenas de conhecimento científico e de técnicas de comunicação, mas também de perspectivas históricas, sociológicas e culturais (Pereira, Serra e Peiriço, 2003). Há, ainda, proposições que reclamam investimentos governamentais em programas de divulgação, cursos de aperfeiçoamento e especialização que reúnam, num mesmo espaço, cientistas e divulgadores, treino para o díálogo no interior de cada comunidade, entre outras. No caso das Geociências, trabalhos como o de Eerola (1994), sugerem ações como incentivo por parte de agências financiadoras à divulgação em vídeo, artigos, palestras, exposições de resultados de pesquisas geológicas; o aumento dos tópicos de geologia no ensino de geografia e outras ciências; contribuição pessoal dos geólogos para a divulgação nos trabalhos de campo; e mudança de atitude dos geólogos e cientistas em relação à divulgação científica, conscientes de que esta não constitui "um 'sacrilégio', mas sim uma contribuição valiosa para o desenvolvimento e valorização do conhecimento do Pais" (1994: 162);

g. Relação Ciência, Tecnologia e Sociedade- destacamos aqui um aspecto, ao nosso ver, chave, em relação aos estudos aos quais fizemos referência, de forma direta (citando alguns) e de

(28)

forma indireta (destacando ccnhecimentos já socialmente apropriados sem referenciar seus autores): o lugar da ccmunicação, particularmente a midiática, no processo de construção do ccnhecimento e da técnica, e, principalmente, na sua apropriação pela sociedade" Nesse ponto não consensos ccnstruídos" A visão de Ciência que aparece, em boa parte dos trabalhos, contempla o ethos Mertoniano: universalismo, comunismo, ceticismo organizado e desinteresse (Medeiros, 2003; Targino et aL, 2003), ou, na forma detalhada de Bunge

à

busca da verdade, preocupação cem a ccmprovação, independência de opinião, disposição para aceitar ccrreções e honestidade" Escapa, em ccnseqüência, uma reflexão que posicione os meios de ccmunicação, por exemplo, ccmo parte do sistema interno de produção da C&To Lewenstein (1992) chama atenção que numa democracia, para se tornar decisões acerca de políticas públicas de C&T é necessário que as pessoas saibam de onde vem as idéias científicas e porque elas

ccnfiáveis do que as idéias que vêm de outros setores" Lembra, também, que é necessário que essas mesmas pessoas conheçam e saibam porque existem toda uma série de interações envolvendo poderes públiccs, setores industriais, tratados de ccmércio exterior acerca de ternas científiccs" Esse conhecimento, segundo ele, a sociedade não científica precisa ter para participar de forma mais efetiva do processo democrático - valor que a ccmunicação, considerada aqui como um processo que se desenvolve em redes de disputas no interior da Ciência pode agregar" Não há, nessa perspectiva, separação entre dois mundos: o da Ciência e o da Comunicação, realidades comuns em parte dos estudos aqui mencionados;

li. A dimensão ética - é interessante observar ccmo essa dimensão sempre está presente, porém nunca definida claramente"

quem fale em relação de ccnfiança, ccmpromissos éticos, ou do respeito aos critérios de tratamento da fonte (Chaparro, 2003); outros pontuam questões ccmo transparência (Gómez, 2002), critérios de seleção e quadro de referência (Julve, 1996), riscos de publicidade em benefício próprio e depreciação dos meios (Rodés e Trilla, 1999), e cuidados com informações que podem causar dano (Cazaux, 2002);

outros, ainda, discutem saídas ccmo a integração de especialistas, tomadores de decisão e representantes da sociedade civil para identificar problemas, formular orientações e propor mudanças para o futuro (Ribas e Revuelta, 1998); e, também, quem invoque os princípios da bioética como referência para a prática da divulgação (Silva, 2002)0 No

(29)

entanto essa é ainda uma questão em aberto, que promete muita discussão, principalmente se considerarmos os cenários que se desenham para algumas disciplinas como a genômica, a biologia molecular, e a questão ambientaL

A terceira questão realça a diversidade de formações trabalhando hoje com a relação comunicação - ciência - sociedade. Os trabalhos referenciados até agora agrupam engenheiros, físicos, pesquisadores das áreas de saúde, geociências, sociólogos, historiadores, comunicadores, especialistas em informação, enfim um grupo bastante heterogêneo - caracteristica que é própria da década de 1990.

A década anterior, 1980, surpreende pela disposição da mídia em divulgar Ciências: criam-se editorias especializadas nos principais jornais, as TV's Globo e Manchete (hoje Rede

programas

e

realizam-se os

Congressos da Associação Brasileira de Jornalismo Científico.

O CNPq, por sua vez, encomenda a primeira pesquisa para verificar o interesse do brasileiro por assuntos de C&T. No contexto internscional, já no final da déoada, dois fatos de grande repercussão: o polêmico anúncio da fusão a frio, e o lançamento do documento da ONU "Nosso Futuro Comum", em preparação para a Rio- 92.

Assim os anos 1990, que testemunham a morte de muitas editorias de C&T, têm no material produzido na déoada anterior um vasto, rico e diverso campo de investigação transdisciplinar.

Se por um lado, retraem-se as estruturas de comunicação das Ciências nos jornais e na TV, por outro, registra-se um movimento ns academia no sentido de procurar entender, por exemplo, quando a C&T é noticia. E aqui o Meio Ambiente (MA) entra, com mais intensidade, na agenda dos estudos sobre CPC. Vejamos.

Por essa época (1992) surge, na Europa, a revista

Public Understanding oj Science

(PUS), como espaço de debate do conceito e da prática da Comunicação Pública da Ciência. De periodicidade trimestral, foram editados, até agora, 48 números (13 volumes).

Em levantamento específico, feito para este trabalho, constatamos que dos cerca de 250 artigos publicados pela revista, nos últimos 12 anos, 34 trataram, exclusivamente, das relações mídia e meio ambiente (ver tabela 2), o que corresponde a aproximadamente a 13,6% do total.

(30)

Tabela 1.2: MA na PUS (1992-2004)

Volume Números MA Ano

01 02 e 03. 07 1992 02 Ole 02. 02 1993 113 03. 01 1994 115 02 e 03. 04 19% 06 01 e 03. 03 1997 07 02 e 03. 02 1998 09 01, 02 e 03. ll 2000 10 04. 02 2001 11 02. 01 2002 13 01, 02, 03 e 04. 04 2004 Total 20 Edições 34

Destacamos, dentre os artigos sobre as questões ambientais, algumas tendências que nos pareceram fortes. delas vamos de tratamento do risco - estudos se debruçaram sobre enfoques e intenções midiáticas em torno da crise ambiental, que, para alguns autores, se manifesta em duas dimensões: de um lado, a chamada poluição da miséria -subnutrição, ausência de água potável e esgotos, falta de tratamento do lixo, falta de cuidado médicos, consumo de álcool e drogas, entre outros - e, de outro, a poluição da riqueza, caracterizada pela presença de usinas nucleares, chuva ácida, consumo suntuário e doenças relativas ao consumo excessivo de alimentos, drogas e álcool.

A poluicão da miséria, que hoje atinge mais de um terço da população mundial, decorre, em grande medida, da poluição da riquezª' pelos níveis de concentração e agressão ao meio ambiente que esta tem provocado, graças

à

industrialização e à modernização tecnocientífica, que trouxeram, no seu bojo, novos riscos: radiação nuclear, mutação genética, contaminação químico-bacteriológica.

Mas esses riscos nem sempre são percebidos, uma vez que, segundo Beck (1993, 1995), eles obrigam o cidadão comum a recorrer an conhecimento, aos instrumentos e interpretações técnico-científicas para orientar seus comportamentos, concentrando demasiado poder em tomo da ciência e da comunídade científica, em detrimento das dimensões políticas, social e cultural.

Para Beck, os novos riscos tecnológicos são por demais complexos para serem monopolizados apenas pelas comunídades científicas e empresariais. Por isso defende a participação da sociedade civil mos processos de discussão, negociação e formulação de políticas públicas, definição dos níveis toleráveis de risco em todas as situações que envolvem riscos ao bem-estar público (caso das plantas nucleares, dos transgênícos ), nos quais peritos e leigos

(31)

possam negociar, de forma díalógica, soluções que mcorporem o interesse da maioria da população.

Nos trabalhos publicados na Public Understanding of Science, incluídos aqui na categoria tratamento do Beck e sua teoria social risco estão presentes, fundamentando hipóteses e levantamentos, seja oferecendo suporte para discussões teóricas.

Um dos artigos, por exemplo, descreve os resultados de uma pesquisa feita com 354 jornalistas que cobrem, regularmente, temas de natureza ambiental, e aponta que a maioria reportou, em suas matérias, a idéia de risco ambiental presentificando uma realidade mais forte do que a que de fato foi observada (Sachsman, Simone Valenti, 2004).

As reportagens, segundo a pesquisa, na compreensão dos jornalistas, abordam a questão ambiental de diferentes ângulos: do ponto de vista dos governos, da política, dos interesses humanos, dos negócios, da saúde, ciência, e, também, na perspectiva do risco, mesmo reconhecendo que em alguns momentos esse enfoque beira o sensacionalismo.

Ainda sobre a abordagem do risco, a questão do aquecimento global mereceu urna atenção especial. Em julho de 2000 a revista publicou um número inteiro dedicado ao tema, reunindo sete artigos com os mais diversos enfoques, entre eles conhecimento, ignorância e cultura popular (Ungar, 2000), pesquisa social sobre a mudança do clima (Trumbo & Shanaban, 2000), em que sentido o público necessita compreender a mudança global do clima (Bord, O'Connor, Fischer, 2000), comunicação de massa e compreensão pública de problemas ambientais (Stamm, Clark e Eb!acas, 2000) e discursos sobre a mudança do clima na ciência, na política e nos meios de comunicação (Weingart, Engels e Pansegrau, 2000).

O último trabalho sumaria os resultados de um projeto de pesqmsa que analisa a comunicação sobre o aquecimento nos campos da ciência, da política e da mídia na Alemanha, entre 1975 e 1995. A metodologia da análise do discurso foi aplicada para investigar as percepções da mudança do clima ao longo do tempo e o que fez com que esse tema conquistasse um lugar importante na agenda política daquele Pais.

Os resultados sugerem que há uma dinâmica especifica comum ao discurso de cada urna das três esferas, bem como algumas discrepâncias, indicando que as sociedades modernas devem lidar não somente com os riscos ambientais, mas também com os riscos inerentes à comunicação desses riscos.

(32)

Outro trabalho revela, a partir da análiae de 841 notícias publicadas sobre meio ambiente em 93 jornais, entre 1997 e 1998, que a notícia ambiental tende a ser dramática e ambígua e que contém pouca informação útil para as comunidades sobre a questão dos riscos. Quase 60% das matérias, aegundo a pesquisa, não mencionou a questão risco e forneceram informações "limitadas" para a compreensão pública dos riscos ambientais (Major & Atwood, 2004).

Avaliando, agora, a percepção dos jovens sobre riscos, particularmente os relacionados à energia nuclear, Pifer (1995) obaervou que os avanços da ciência, as atitudes científicas e acadêmicas e a matricula dos jovens em curso superior não afetaram, significativamente, as atitudes dos mesmos em relação aos riscos nucleares, que, confrontadas com percepções obtidas em estudos anteriores, permaneciam com baixos niveis de comprometimento.

Em 1992 a revista dedicou um número inteiro à discussão sobre os diversos aspectos da comunicação pública acidente de Chernobyl, também se encaixa na perspectiva

que estamos abordando.

Dos 06 artigos, pelo menos 05 trataram de forma direta do tema, destacando questões como o tratamento da causas e dos efeitos (Knorre, 1992), os resultados inevitáveis (Shlyakhter & Wilson, 1992), o acidente, ciência e a ameaça (Paine, 1992), como os meios dos EUA trataram a indústria nuclear (Friedman, Gomey e Egolf, 1992) e a credibilidade das fontes de informação na Alemanha Ocidental após o desastre de Chernobyl (Peters, 1992).

O estudo de Friedman, Gorney e Egolf (1992), por exemplo, tentou descobrir se as informações de fundo sobre o poder das indústrias nucleares nos EUA, na URSS e na Europa oriental e ocidental tinham sido incluídas, na agenda mídia americana, durante as duas primeiras semanas de cobertura do acidente de Chernobyl, de modo que os americanos não se deixassem enganar em suas compreensões e atitudes em relação a esse poder. O estudo contemplou o material divulgado em cinco grandes jornais e nos newscasts da noite das principais redes de televisão.

Apesar da intensa cobertura do acidente, segundo o autor, não mais de 25% do material produzido foram dedicados à informação sobre questões de segurança e ao status atual das indústrias nucleares. Registrou-se, ainda, pouca informação sobre o nivel de compreensão pública do poder nuclear, colocando o acidente de Chernobyl no contexto.

Peters (1992), por vez, procurou verificar como o desastre foi tratado pela mídia na Alemanha Ocidental, focando um ponto critico: a credibilidade das fontes. O levantamento feito

Referências

Documentos relacionados

Nessa medida, procedeu-se inicialmente à revisão da literatura disponível sobre a resiliência, com especial ênfase na sua relação com a prática desportiva e o suporte social,

patula inibe a multiplicação do DENV-3 nas células, (Figura 4), além disso, nas análises microscópicas não foi observado efeito citotóxico do extrato sobre as

Para devolver quantidade óssea na região posterior de maxila desenvolveu-se a técnica de eleva- ção do assoalho do seio maxilar, este procedimento envolve a colocação de

2 - OBJETIVOS O objetivo geral deste trabalho é avaliar o tratamento biológico anaeróbio de substrato sintético contendo feno!, sob condições mesofilicas, em um Reator

Este trabalho tem como objetivo contribuir para o estudo de espécies de Myrtaceae, com dados de anatomia e desenvolvimento floral, para fins taxonômicos, filogenéticos e

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

Acrescenta que “a ‘fonte do direito’ é o próprio direito em sua passagem de um estado de fluidez e invisibilidade subterrânea ao estado de segurança e clareza” (Montoro, 2016,

No direito brasileiro, a transmissão da propriedade imóvel acima de determinado valor (art. 108 Código Civil brasileiro) exigirá documento elaborado exclusivamente pelo notário e