A ETIOLOGIA DAS PSICONEUROSES NOS PRIMÓRDIOS DA PSICANÁLISE: UM ESTUDO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DOS QUADROS
DE HISTERIA E NEUROSE OBSESSIVA, 1886- 1897.
Isabelle Maurutto Schoffen (PIC/CNPq-UEM), Helio Honda (Orientador), e-mail: hhonda@uem.br.
Universidade Estadual de Maringá/Departamento de Psicologia/Maringá, PR. Área: Ciências Humanas (7.07.00.00-1) e sub-área do conhecimento: História, Teorias e Sistemas em Psicologia (7.07.01.01-6).
Palavras-chave: Metapsicologia, Histeria, Neurose obsessiva. Resumo:
A pesquisa é limitada ao estudo dos textos que compreendem o período de 1886 a 1897, em que Freud empreende as primeiras tentativas de inovação na nosografia corrente na medicina da época, fase em que Freud propõe o método psicanalítico para estudar a histeria e as neuroses em geral. Examina as classificações e nosografias na história da psiquiatria e medicina e as justificativas para a inovação nosográfica proposta por Freud, a fim de evidenciar os mecanismos psíquicos descobertos por Freud para explicar cada um dos diferentes quadros de neuroses. Reúne também alguns elementos teóricos que vieram a constituir os conceitos que embasam a psicanálise até os dias de hoje. Por fim, levantam-se alguns questionamentos acerca da clínica contemporânea, suas dificuldades, e também sobre as chamadas psicopatologias da contemporaneidade.
Introdução
Na literatura psicanalítica atual, conforme Carvalho (2004) é freqüente a menção sobre as manifestações que desafiariam a clínica psicanalítica, ou seja, quadros de sofrimentos psíquicos que aparentemente desafiam o modelo teórico clássico freudiano. Dentre as mais recorrentes estariam os distúrbios alimentares, depressões, síndrome do pânico, as toxicomanias ou adicções, as doenças psicossomáticas, além dos ditos casos limítrofes ou borderline. Estes últimos são considerados difíceis, um desafio para os profissionais, causando certo desconforto e dúvidas para conduzir o tratamento das ditas novas doenças da alma (KRISTEVA, 2002), supostamente atribuídas ao que se denomina subjetividade contemporânea. Frente a tantas classificações e nomenclaturas médicas, é comum o profissional psicólogo encontrar dificuldades, uma vez que é convocado a dar respostas a uma variedade de supostos novos sintomas ou sintomas pós-modernos.
A dificuldade que se enfrenta hoje em se traçar uma hipótese diagnóstica traz-nos muitas questões como, por exemplo: será que as
relações sociais sofreram uma mudança tal a ponto de ter produzido alterações radicais nos mecanismos psíquicos descritos pela metapsicologia freudiana? Será que a psicanálise de Freud ainda é capaz de responder a demanda das supostas novas doenças da alma? A psicanálise pode explicar tanta violência e agressividade, diariamente veiculadas pelos meios de comunicação? Ou, ao contrário, talvez não seja o caso de se falar de novas doenças da alma, nem de uma constituição subjetiva pós-moderna radicalmente distinta de épocas anteriores, mas o que se requer seria a necessidade de uma escuta teoricamente orientada, capaz de identificar e distinguir os tipos de mecanismo psíquico predominantes e que determinariam o funcionamento do aparelho psíquico e a conduta de cada indivíduo, podendo assim a metapsicologia servir de guia para uma intervenção clínica mais adequada e melhor fundamentada? Não pretendemos responder a estas questões, mas quisemos iniciar nesta pesquisa uma discussão sobre o sentido da psicopatologia na obra de Freud.
Materiais e métodos
A fim de especificar melhor o objeto da pesquisa, delimitamos o período de 1886 a 1897, período em que Freud propõe o método psicanalítico para estudar a histeria e, igualmente, período que compreende uma das grandes viradas em sua obra. Mediante revisão bibliográfica dos textos, pretendeu-se reconstruir uma linha condutora cronológica da primeira nosografia freudiana, centrada nos fundamentos teóricos, ou seja, nos conceitos metapsicológicos organizadores do trabalho freudiano de inovação da nosografia corrente. Os textos centrais analisados foram aqueles diretamente ligados ao esforço freudiano por uma inovação nosográfica, entre os quais indicamos os principais: As neuropsicoses de defesa (1894), Obsessões e fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia (1895), Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa (1896).
Resultados e Discussão
Freud, em seus textos intitulados “As neuropsicoses de defesa” (1894), “Obsessões e fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia” (1895) e “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa” (1896), apresenta sua hipótese de que a defesa era para ele, naquele momento, “o ponto nuclear no mecanismo psíquico das neuroses” (1896, p.163). Nesse sentido, classificou as histerias, as obsessões e certos casos de confusão alucinatória como neuropsicoses de defesa, pois seus sintomas seriam advindos de um mecanismo psíquico de defesa, ou seja, de uma tentativa de reprimir uma idéia incompatível que se impunha ao Eu do paciente.
Freud chega a conclusão de que uma situação desagradável e insuportável para o Eu, ou inconciliável com o restante do Eu, implica na idéia de conflito. Diante de uma idéia incompatível, o Eu tentaria defender-se
por meio de mecanismos psíquicos de defesa, em particular pelo mecanismo da repressão. Este consistiria na retirada da carga afetiva que envolve uma idéia. Assim, o que se conhece como sintoma e o sofrimento nele implicado adviriam de um dos destinos tomados pelo afeto desprendido da idéia reprimida. No quadro da histeria, Freud considerou que a “tendência” predominante seria a da conversão, mediante a qual o afeto desprendido da idéia seria transposto da esfera psíquica para o plano somático, do que resultaria, p. ex., uma paralisia histérica. Na neurose obsessiva, dada a ausência da tendência à conversão para o somático, o afeto desprendido de uma idéia reprimida tenderia a permanecer na esfera psíquica, transpondo-se para outra idéia. Em outras palavras, no quadro da neurotranspondo-se obtranspondo-sessiva, o mecanismo que predominaria no funcionamento psíquico seria a “tendência” à substituição de uma idéia por outra, ou seja, ocorreria uma transposição do afeto para outra idéia aceitável, presente na mesma cadeia associativa. Para Freud, a substituição ocorreria sempre entre uma idéia reprimida de natureza sexual para outra de natureza não sexual, permanecendo o afeto no plano psíquico como que deslizando por entre as representações. É importante compreender que, para Freud, a predominância de um mecanismo psíquico ou outro não depende da deliberação consciente do indivíduo, mas tem a ver com a forma predominante de funcionamento psíquico inconsciente.
Depois de descobrir o mecanismo específico da histeria e da neurose obsessiva, Freud se vê em condições de propor sua primeira hipótese teórica com vistas a explicar a etiologia das neuroses, a Teoria da Sedução. De acordo com essa teoria, na histeria o determinante seria o que ele denomina de “passividade sexual durante o período pré-sexual” (1896, p.164), ou seja, uma experiência de passividade sexual vivenciada na infância. Já na neurose obsessiva, o que estaria em questão seria “atos de agressão praticados com prazer e de participação prazerosa em atos sexuais – ou seja, trata-se de atividade sexual” (1896, p.168). Embora de caráter sexual, essas vivências não seriam compreendidas como tal, uma vez que neste período Freud compartilhava a crença dominante no meio cientifico da época, segundo a qual a sexualidade humana só teria lugar após a puberdade. Apesar disso, essas vivências sexuais prematuras deixariam seus rastros mnêmicos no psiquismo do indivíduo. Assim, uma histeria poderia ter ocasião no período pós-púbere se traços mnêmicos das vivências sexuais prematuras fossem reavivados, mediante associação, por vivências atuais que as despertassem. Ocorrendo isso, a lembrança da vivência prematura seria experimentada como insuportável pelo conjunto do Eu, razão pela qual se daria a repressão e a conseqüente conversão do afeto a ela ligado para alguma inervação corporal, dando origem a um sintoma histérico. Na neurose obsessiva, de acordo com os relatos de seus pacientes, Freud levanta a hipótese de que antes do prazer sentido pelo trauma sexual na infância, teria ocorrido uma cena de passividade sexual, ou seja, antes de atuar de forma ativa o indivíduo teria sido submetido a outro indivíduo de maior idade. Ao prazer experimentado nessas atividades sexuais infantis estariam associados sentimentos de culpa e
auto-acusações. Por isso, Freud considera que “as idéias obsessivas são, invariavelmente, auto-acusações transformadas que reemergiram da repressão e que sempre se relacionam com algum ato sexual praticado com prazer na infância” (1896, p.169). Vale ressaltar que Freud, posteriormente em seus estudos, abandona a hipótese de lembrança de uma atividade ou passividade sexual reais, e passa a compreender que as cenas sexuais correspondentes às lembranças podem resultar de uma construção na fantasia do indivíduo, que a tomou como real em sua memória.
Conclusões
Buscamos nesta pesquisa reconstruir a primeira teoria sobre a etiologia das neuroses, a primeira classificação nosográfica freudiana e os conceitos basilares propostos no inicio da psicanálise. Buscamos, ainda, levantar alguns dos elementos basilares da clínica e teoria freudianas, pois ainda que anos depois Freud venha a propor uma concepção de aparelho psíquico mais complexo, tudo indica que os conceitos fundamentais da psicanálise que conhecemos hoje tenham sido estabelecidos neste primeiro período de estudos sobre as neuroses. Neste sentido, com o melhor entendimento acerca dos conceitos psicanalíticos de base, visamos construir uma formação acadêmica mais sólida para que possamos compreender os fenômenos da contemporaneidade. Esperamos poder dar continuidade a essa pesquisa, buscando compreender cada vez mais a metapsicologia freudiana, no sentido de buscar subsídios para enfrentar os desafios que a clínica de nosso tempo nos impõe e ter condições de conduzir um processo analítico mais eficiente e capaz de auxiliar o indivíduo contemporâneo na compreensão e superação de seu sofrimento psíquico.
Agradecimentos
Agradecemos ao Grupo de Estudos e Pesquisa em Metapsicologia/CNPq-UEM pelas discussões enriquecedoras.
Referências
CARVALHO, M. T. M. Sobre o alcance e os limites do recalcamento nas chamadas “psicopatologias da contemporaneidade”. In: Marta Rezende Cardoso (organizador). Limites. São Paulo: Escuta, 2004, p.151-165.
FREUD, S. As neuropsicoses de defesa (1894). In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 51-71. vol. III. ______. Obsessões e fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia (1895). In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 75-86. vol. III.
______. Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa (1896). In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 159-183. vol. III.