MÃES MULHERES ENCARCERADAS: A PENA É DUPLICADA
Eveline Franco da Silva
O Sistema Penitenciário Nacional apresentou uma população carcerária em 2010 de 496.251 indivíduos.(1) Os estados brasileiros que apresentam maior população carcerária no mesmo período foram: São Paulo, com 163.676 indivíduos, Minas Gerais, com 37315 indivíduos, e Rio Grande do Sul, com 31.383 indivíduos. Paraná é o sexto estado com maior índice de reclusos do sistema penal, com 19.760 indivíduos.(1)
Frente a estes dados, observa-se necessária a investigação da situação do sistema carcerário brasileiro, sobretudo no que se refere à saúde, uma vez que a população sob esta custódia reflete importância epidemiológica e sanitária ao país. Nesta perspectiva e reconhecendo a necessidade de implementação de uma política de inclusão social, voltada à promoção dos Direitos Humanos, fundamentado nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e da atenção humanizada, foi instituído, pelos Ministérios da Saúde e da Justiça, o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário.(2)
Este Plano tem por finalidade prover a atenção integral à população carcerária e reorientar as práticas de saúde no sistema penitenciário, assegurando a eficácia das ações de promoção, prevenção e atenção integral à saúde.(3) Sua elaboração foi e está sendo considerado um avanço para a saúde no sistema penitenciário. Contudo, ressalta-se que a promoção da saúde no sistema carcerário não se constitui em uma responsabilidade apenas do Estado e representa uma missão e um desafio aos profissionais de saúde e cidadãos que acreditam em uma sociedade melhor.(2)
No Brasil, pesquisadores buscam inserir esta realidade na academia científica, porém a maioria dos estudos desenvolvidos sobre a população carcerária é direcionado somente ao universo masculino, abordando questões sociais e religiosas, na área da saúde limitam-se à temática DST/AIDS e saúde mental.(4-5)
Constata-se que a saúde da mulher no período grávido-puerperal sob este sistema é pouco abordada.
A saúde no sistema prisional é uma área de atuação da Enfermagem ainda pouco conhecida no Brasil, a escassa atenção dada ao tema aponta para a relevância da investigação de questões que envolvem a saúde da mulher durante o período gestacional em ambientes prisionais.
O Rio Grande do Sul finalizou seus relatórios em 2010 apresentando uma população carcerária equivalente a 31.383 indivíduos, deste total, 2.085 representou o número de mulheres que cumpriam pena nos presídios do estado.(1) Na metade do mês de julho a número da população carcerária no RS correspondia a 30.051 pessoas, destas 2.041 são mulheres.(6)
A maioria das mulheres que cumpre pena nos presídios do Rio Grande do Sul está em idade reprodutiva, possui baixa escolaridade e quando em liberdade exercem atividades de baixa remuneração. Estes dados já apresentados na literatura (7) puderem ser confirmados em 2010, quando realizei a pesquisa na penitenciária feminina do estado. A experiência que tenho com esta população é como pesquisadora do processo grávido-puerperal em situação de prisão.
Apesar da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher elucidar a atenção à mulher em situação de prisão, a promoção à saúde das mulheres em situação prisional é reduzida a ações de prevenção e controle de DST, HIV/AIDS. Entende-se que esta população feminina necessita de ações específicas, contudo, nem mesmo o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário destaca aspectos sobre a saúde na maternidade.
Frente a essas lacunas, foi instituída em 2009, a lei nº 11.942, que assegura às mães presas e a seus bebês condições mínimas da assistência.(8) Contudo, constata-se que esta é uma área de atuação da Enfermagem ainda pouco conhecida. A escassa atenção dada ao tema aponta para a relevância da investigação de questões que envolvem a saúde da mulher durante o período gestacional em ambientes prisionais.
encarceradas sobre o processo da maternidade. Trata-se de uma pesquisa qualitativa com oito mulheres que vivenciaram o ciclo grávido-puerperal na penitenciária feminina do Rio Grande do Sul. As vivências referidas pelas participantes do estudo centravam-se no medo de ficarem doentes ou que os filhos adoecessem; medo da violência por parte dos funcionários, por parte das colegas de sela. Estar mulheres expressaram muitas dificuldades enfrentas pela falta de recursos e a adaptação ao ambiente, além da ausência da assistência à saúde no pré-natal, parto, puerpério e à saúde da criança, conforme preconiza o Ministério da Saúde.
Somente duas participantes do estudo realizaram pré-natal conforme é preconizado pelo Ministério da Saúde, uma referiu ter realizado oito consultas quando estava em liberdade, após ingresso na penitenciária não finalizou o pré-natal, e a outra realizou assistência pré-natal enquanto estava em uma penitenciária do interior do RS. A não realização do pré-natal quando em liberdade ocorreu em razão das mulheres não suspeitarem da gestação, serem usuárias de drogas ilícitas e não buscarem atendimento, e pela falta de reconhecimento da assistência como direito assegurado. Já em situação de prisão, muitas mulheres acabam sem a assistência pré-natal em decorrência da falta de funcionários para a condução e escolta armada para o transporte pois, esta assistência à saúde ocorre na rede básica de saúde do município.
Embora o processo gestacional remeta à garantia de acesso aos serviços de saúde, a Legislação de Execução Penal não prevê a assistência ginecológica ou pediátrica. Da mesma forma, esta legislação não define período mínimo de permanência da criança junto à mãe reclusa.(7-8) O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que a criança permaneça junto à mãe durante o período de amamentação. Estudo realizado em 79 penitenciárias femininas do Brasil revela que o tempo de permanência dos filhos de encarceradas varia de quatro meses a seis anos, no RS há crianças com até três anos no presídio.
Para as mulheres encarceradas ser mãe é a parte positiva de ser mulher, embora a maternidade represente sofrimento.(9-10) Constata-se que mulheres em
situação de prisão que são mães têm mais sintomas depressivos do que aquelas que não têm filhos.(7) Se por um lado a maternidade para estas mulheres suaviza a pena do isolamento social, por outro, a maternidade no cárcere é limitada e estas mulheres carregam consigo o sentimento de culpa, pois desde o momento em que adentram na prisão sentem-se culpadas por não poder cuidar dos filhos como gostariam, por estarem longe deles ou por fazê-los passar pela restrição de liberdade.
O quadro de profissionais de saúde que atuam nesta penitenciária é constituído por dois médicos (clínico geral), um dentista, duas nutricionistas e uma enfermeira. Estes profissionais atuam principalmente, nas demandas imediatas, e dessa forma o trabalho de promoção da saúde e prevenção de doenças proposto no Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário torna-se inviável.
É difícil adentrar em uma prisão com alguma simpatia, este ambiente, impermeável ao respeito da dignidade humana, é constante alvo de críticas. Contudo, é necessário que se conheça esse universo feminino “esquecido” pelas políticas públicas e debates acadêmicos.
Percebe-se que mulheres e depois seus filhos enfrentam a ociosidade neste ambiente, enquanto poderiam estar desenvolvendo atividades educativas junto aos profissionais das mais diversas áreas de conhecimento. No entanto, os profissionais que atuam em ambientes prisionais são numericamente insuficientes e sem formação específica para atender o binômio mãe/criança. Portanto, é necessário dar visibilidade às vivências das mulheres encarceradas no ciclo grávido-puerperal e às dificuldades enfrentadas pelas mesmas para a assistência de saúde mínima, preconizada pelo Ministério da Saúde e Ministério da Justiça, e garantia de seus direitos reprodutivos e de cidadania.
Este trabalho poderia ser apenas de denúncia, porém a partir do conhecimento da realidade vivenciada por um grupo de mulheres que são mães em um ambiente tão restrito a tudo, foi possível perceber que há possibilidades da atuação da enfermagem para além dos modelos tradicionais da assistência. Neste universo desconhecido é possível que a enfermagem exerça atividades educativas
para saúde de mulheres e crianças, além de ações de prevenção de doenças e agravos à saúde. Neste sentido, é pertinente instigar enfermeiros, e demais profissionais da classe, a repensarem os fenômenos que envolvem a maternidade em ambientes prisionais, bem como a maneira que estão sendo assistidas e ressocializadas as mulheres encarceradas.
Referências
1. Brasil. Relatórios estatísticos-analíticos do sistema prisional de cada Estado da Federação [internet]. Brasília: Ministério da Justiça; 2011 [acesso 06 Mai 2011]; Disponível em:
http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624 D28407509CPTBRIE.htm.
2. Brasil. Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. Portaria Interministerial nº 1.777 de 09 de novembro de 2003. Brasília: Minisério da Saúde; 2004.
3. Brasil. Legislação em saúde no sistema penitenciário. Brasília: Ministério Saúde; 2010.
4. Coelho MTÁD. Concepções de normalidade e saúde mental entre infratores presos de uma unidade prisional da cidade do Salvador. Cien Saude Col. 2009;14 (2):567-75.
5. Peres CA, Paiva V, Silveira F, Peres RA, Hearst N. Prevenção da Aids com
adolescentes encarcerados em São Paulo, SP. Rev Saude Publ. 2002;36(4 Supl):76-81.
6. SUSEPE. Dados estatísticos [internet]. Porto Alegre: Superintendência dos
em: www.susepe.rs.gov.br.
7. Wolff M, Oliveira F, Moraes M, Giugliani S. Mulheres e prisão: a experiência do observatório de direitos humanos da Penitenciária Feminina Madre Pelletier. Porto Alegre: Dom Quixote; 2007.
8. Brasil. Presidência da República. Lei nº 11.942, de 28 de maio de 2009: dá nova redação aos arts. 14, 83 e 89 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal, para assegurar às mães presas e aos recém-nascidos condições mínimas de assistência. [documento da internet]. Brasília; 2009 [citado 09 jun 2009]. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11942.htm.
9. SantaRita RP. Mães e crianças atrás das grades: em questão o princípio da dignidade da pessoa humana [Mestrado]. Brasília: Universidade de Brasília; 2006.
10. Lima M. Da visita íntima à intimidade da visita: a mulher no sistema prisional [Mestrado]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2006.