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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Isabel Mattos Porto Pato

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Academic year: 2019

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Isabel Mattos Porto Pato

DIREITO À CULTURA Organizações da sociedade civil

Mestrado em Ciências Sociais

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ISABEL MATTOS PORTO PATO

DIREITO À CULTURA Organizações da sociedade civil

Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo sob a orientação da Profa. Dra. Silvia Helena Simões Borelli

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Banca Examinadora

__________________________________

__________________________________

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Dedico este trabalho:

aos meus pais, Lucila e Maurício;

ao Rodrigo, meu companheiro e amado, grata

pela paciência e apoio e pelo trabalho lindo que

faz, a cada dia, mostrando que arte transforma, é

vida. E à nossa obra de arte mais perfeita, Alice;

ao Sergio Haddad.

E a todos os loucos, artistas, agitadores e

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Agradecimentos

Agradeço à Capes, pela bolsa, e aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUCSP. À Rita de Cássia Oliveira e à Érica Peçanha do Nascimento, pelas leituras atentas e contribuições na banca de qualificação. À Vera Lidia de Sá Cicaroni, pela revisão cuidadosa, e à Márcia Macedo, pelas traduções.

À minha orientadora, Silvia Helena Simões Borelli, pelas contribuições e diálogos para a fundamentação desta dissertação.

À equipe da Ação Educativa, em especial Eleilson, pela disponibilidade e confiança. Às pessoas que me ajudaram e, de alguma forma, fizeram parte desta pesquisa: Antonio Eleilson Leite, Elisa de Oliveira, Luciana Guimarães, Maria Carolina Zanforlin, Mirca Bonano, Rodrigo Medeiros e Taciana Gouveia.

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Toda essa experiência em que desemboca a arte, o próprio problema da

liberdade, do dilatamento da consciência do indivíduo, da volta ao mito,

redescobrindo o ritmo, a dança, o corpo, os sentidos, o que resta, enfim,

a nós como arma de conhecimento direto, perceptivo, participante,

levanta de imediato a reação dos conformistas de toda espécie, já que é

ela (a experiência), a libertação dos prejuízos do condicionamento social

a que está submetido o indivíduo. A posição é, pois, revolucionária no

sentido total do comportamento – não se iludam, pois seremos tachados

de loucos a todo instante: isto faz parte do esquema de reação. A arte já

não é mais instrumento de domínio intelectual, já não poderá mais ser

usada como algo “supremo”, inatingível, prazer do burguês tomador de

whisky ou do intelectual especulativo: só restará da arte passada o que

puder ser apreendido como emoção direta, o que conseguir mover o

indivíduo do seu condicionamento opressivo, dando-lhe uma nova

dimensão que encontre uma resposta no seu comportamento. O resto

cairá, pois era instrumento de domínio.

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Resumo

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a ação das organizações da sociedade civil no âmbito da cultura e das artes, identificando as formas distintas de perfis institucionais existentes. A partir de um contexto histórico no Brasil foi possível observar a existência de três eixos que constituem parâmetros para o contexto da sociedade civil organizada e vinculada à área temática da arte e cultura: as organizações que prestam serviços culturais; as que financiam projetos de cultura; e aquelas vinculadas ao atendimento às populações e que oferecem oficinas de arte e cultura. Na hipótese da existência de uma quarta vertente, que seriam as organizações que atuam pelo direito à cultura, esta pesquisa debruçou-se na experiência da Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação. Fundada em 1994, propõe-se a trabalhar cultura e arte na perspectiva dos direitos humanos, com foco nas manifestações artísticas produzidas nas regiões periféricas da cidade de São Paulo, por sujeitos inseridos numa mobilização mais ampla, conhecida por “cultura de periferia”. Para fundamentar a análise, partiu-se da compreensão da cultura para a transformação social e do direito à cultura na sua totalidade: acesso, fruição, produção e criação de bens culturais, utilizando, como referencial teórico, a noção de cidadania cultural apresentada por Marilena Chaui, assim como o conceito de cultura, de Raymond Williams, em suas dimensões de cultura popular, produzida e apropriada por sujeitos na vida cotidiana. O momento é complexo para a sustentabilidade financeira e política das organizações da sociedade civil, que têm sofrido ataques a sua idoneidade e dificuldade para a manutenção financeira dos seus projetos. Sendo assim, é preciso que elas se reinventem. E, a aproximação com o contexto cultural e das artes é uma forma de reinventar-se, de ampliar sua ação. O aumento dos programas públicos culturais possibilitou essa aproximação e configurou-se como uma oportunidade. Tais organizações surgiram da educação popular e do apoio aos movimentos sociais, e essa forma de pensar está enraizada em sua forma de fazer. Direito à cultura, quando trabalhado nas organizações, torna-se também espaço de luta contra as desigualdades e pela transformação social e por um projeto novo de sociedade. Metodologia pressupõe uma análise multidisciplinar que compreende a dimensão antropológica/cultural e política dos fenômenos. Estratégias de análise estão centradas no mapeamento e incorporação das referências bibliográficas e na pesquisa de campo.

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Abstract

The aim of this research is to examine the actions of civil society organizations in the cultural and artistic fields by identifying existing institutional profiles. Based on a historical context, in Brazil, three categories have been identified within the context of organized civil society working in the fields of art and culture – organizations that provide cultural services, organizations that offer financial support to cultural projects and organizations that directly deal with populations and offer art and culture workshops. Working on the hypothesis of a fourth category, which would include organizations that develop actions related to the right to culture, this research examined the experience of Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação, which is an organization, stablished in 1994, whose work is guided by a human rights-based approach to art and culture. The organization focuses on artistic expressions produced in low-income neighborhoods of the city of São Paulo, which are part of a more comprehensive movement known as cultura de periferia. This study is based on Marilena Chaui’s concept of cultural citizenship, on the understanding of culture as a tool for social change and on the full right to culture: access, fruition, production and creation. Raymond Williams’s concept of culture, its dimensions of popular culture and culture is ordinary. This is a challenging moment for civil society organizations with respect to their political and financial sustainability, since their reliability is being questioned and they have been facing project-funding difficulties. In view of this situation, they must reinvent themselves. And, certainly, getting connected with the cultural and artistic fields is a way of both reinventing themselves and expanding their scope of action. The increase in the number of cultural public programs has enabled this connection and has become an opportunity. These organizations have emerged from popular education and from the support to social movements; therefore, their actions are rooted in this way of thinking. In addition, when organizations deal with the human right to culture, they become spaces that foster the fight against social inequalities, as well as social transformation and a new project of society. The methodology of this research is a multidisciplinary analysis of the facts in its political, anthropologic/culture dimensions. Based on the bibliographic references and on the field research as strategies of analysis, as realization of interviews and participation on some events organized by Ação Educativa.

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SUMÁRIO

Introdução ... .09

Capítulo 1 - Sociedade civil e Cultura ... .19

1.1 Sociedade civil no Brasil ... .19

1.2 Cultura em movimento ... .28

1.2.1 Prestando serviços públicos de cultura ... .30

1.2.2 Financiando projetos de educação e cultura ... .33

1.2.3 Ensinando artes e cultura ... .38

1.3 Cultura e educação ... .50

1.4 Cultura, juventude e direitos ... .53

Capítulo 2 - Do direito à cultura... .67

2.1 A propósito do conceito de cultura... .67

2.2 Cultura como direito humano ... .71

2.3 Exercício dos direitos culturais ... .78

2.3.1 Programa Nacional de Cultura, Educação e Cidadania - Cultura Viva... .80

2.3.2 Programa de Ação Cultural - Proac... .83

2.3.3 Programa para Valorização de Iniciativas Culturais - VAI ... .85

Capítulo 3 – Periferia no Centro... .93

3.1 Ação Educativa: história e características ... .93

3.1.1 Ponto de Cultura Periferia no Centro ... .97

3.1.2 Arte na Casa: oficinas culturais... 105

3.1.3 Pontão de Cultura ... 107

3.1.4 Estética da Periferia ... 108

3.2 Cultura de periferia... 112

3.3 Cultura, desigualdades e projeto político... 117

Considerações Finais... 122

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Introdução

No Brasil, a sociedade civil organizada teve seu embrião na luta contra a ditadura militar durante os anos 60 e 70 com organizações que, naquele momento, eram ligadas, algumas, à Igreja Católica e trabalhavam no apoio aos movimentos sociais e na defesa dos direitos humanos. Era um período de ação quase clandestina em centros de direitos humanos e movimentos de educação popular. Com o fim do regime militar e com a denominada “abertura democrática”, ao final dos anos 1970 e início dos 1980 esses núcleos começaram a se institucionalizar e a se tornar organizações laicas com apoio da cooperação internacional. Com o financiamento dessas instituições internacionais, consolidaram-se como espaços de formação e capacitação para os movimentos sociais e de acompanhamento do processo de abertura política na luta pelos direitos humanos e pela consolidação da democracia.

Nos anos 1990, houve uma proliferação dessas organizações que se ramificaram por todo o Brasil com diversos formatos, identidades e objetivos distintos. Surgiram novos perfis institucionais. A Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) é criada, também, no início dos anos 90 com intuito de fortalecer essa gama de organizações existentes e criar uma rede de ONGs que pudesse ser identificada como um único ator político com o seguinte propósito: reunir organizações em defesa dos direitos e da consolidação de um estado democrático brasileiro. O objetivo da Abong, na época, era separar tais organizações de uma massa nomeada de “terceiro setor” que englobava um universo amplo de organizações, fundações, institutos, etc. Entre essa gama, encontravam-se fundações ligadas às empresas e à responsabilidade social criadas para o apoio a entidades e grupos sociais. Outras organizações sociais emergiram como ramificações do Estado para o atendimento direto a serviços públicos.

Diferentemente, as organizações que fundaram a Abong eram formadas por pessoas ligadas aos movimentos de “esquerda” no país, que lutaram pela redemocratização e pela consolidação de um Estado que garantisse à população seus direitos básicos – sociais, ambientais, educacionais, políticos, etc. Historicamente, organizações como essa nasciam dos movimentos de educação popular e das comunidades eclesiais de base.

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dificuldades com a retirada dos aportes financeiros ligados à cooperação internacional e sendo questionadas na grande mídia, indicadas como possíveis espaços criados para o mau uso dos recursos públicos e como eventuais aparelhos montados para a corrupção. Para Armani (2008), tais circunstâncias exigiriam da sociedade civil organizada a necessidade de se reinventar. O autor aponta quatro fatores do contexto atual que desafiam os movimentos sociais e as organizações para a manutenção da sua sustentabilidade sociopolítica e financeira nos âmbitos nacional e internacional. O primeiro deles é a necessidade de maior qualidade técnica e gerencial para comprovar seus resultados políticos e sociais. As organizações precisam se estruturar melhor, ter mecanismos de avaliação e monitoramento de suas ações e saber comunicar com eficácia suas atividades para o público atendido, financiadores e sociedade como um todo. Ou seja, é preciso melhorar os canais de comunicação, capacitação de equipe, entre outras questões.

O segundo fator diz respeito a constatação da diversificação do setor não governamental, com a emergência de novos atores e novos espaços de ação e participação política. Pode-se dizer que existe uma oportunidade: a de criar atores coletivos para o fortalecimento da luta política. Espaços como o Fórum Social Mundial tornam-se oportunidades para essa ação coletiva e fortalecimento da sociedade civil, a medida que, juntos, no coletivo, há mais forca de intervenção política e escuta das lutas políticas.

O desafio de construir uma capacidade sólida de intervenção política em nível nacional e internacional, ou “capacidade de lobby e de advocacy”, segundo Armani (2008:27), é o terceiro fator que interfere o contexto atual.

E, por fim, o desafio de construir a sua própria sustentabilidade, dada a crise financeira que muitas organizações têm vivenciado atualmente.

Para além dos esforços e das conquistas parciais de organizações singulares, é fundamental incidir sobre os fatores estruturais que limitam as possibilidades locais para a sustentação política e financeira de entidades.

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ONGs com uma abordagem de direitos como forças vitais no processo de construção da nação, do desenvolvimento e da democracia (Armani, 2008:28).

Traduzindo os aspectos apontados por Armani, comunicar para a sociedade brasileira quem são, o que fazem e para que servem as organizações da sociedade civil é, hoje, fundamental para sua própria sobrevivência. Isso, em um contexto controverso com constantes ataques à sua idoneidade e poucos recursos disponíveis. As análises do pesquisador permitem uma contextualização da atuação das organizações e movimentos nos dias atuais. Uma crise financeira grave que tem obrigado a reinvenção institucional, como dito pelo autor, mas também uma realidade complexa e difícil, que interfere nas ações cotidianas e numa constante “caça” de recursos para manutenção das atividades.

Entre suas qualidades, as organizações podem ser importantes atores para a consolidação de novos direitos. O autor destaca o papel dessas organizações no debate e aprovação da Constituição de 1988, com a criação de novos direitos, como, por exemplo, o direito à participação.

No plano nacional, os acúmulos da pressão social exercida pelas organizações democráticas da sociedade civil desde o regime militar levaram à consagração de novos direitos sociais, econômicos e políticos na Constituição de 1988. Essa conquista de novos direitos, entre eles o direito à participação, abriu caminho para novas demandas por parte dos movimentos sociais, bem como projetou novos temas à agenda do desenvolvimento social do país (Armani, 2008:25).

Compreendendo, portanto, que a cultura é um direito humano e que as organizações da sociedade civil são importantes atores para a consolidação de novos direitos, esta pesquisa passou a indagar sobre quais seriam as organizações que pudessem trabalhar ações de cultura no espectro dos direitos humanos. Em outras palavras, existem organizações que concebem cultura como direito?

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O laço que une a esquerda e cultura é indissolúvel porque é própria da esquerda a posição crítica, visando à ruptura das condições estabelecidas, nas quais se reproduzem a exploração e a dominação, assim como lhe é próprio afirmar a possibilidade da justiça e da liberdade, isto é, da emancipação, por meio da prática social e política (Chaui, 2006:08).

A cultura seria, de acordo com Chaui (2006:8) o caminho para a emancipação, a esperança racional na qual transparecerão as lutas de classe e as conformidades de uma sociedade, espaço importante para transparecer os caminhos para a luta política; “é a capacidade de decifrar as formas de produção social da memória e do esquecimento, das experiências, das ideias e dos valores, da produção das obras de pensamento e das obras de arte” (Ibidem) a partir das quais “surja um sentido libertário, com força para orientar novas práticas sociais e políticas das quais possa nascer outra sociedade” (Ibidem).

Tal contexto reflete o modo como a cultura deve ser entendida, portanto não como lazer ou consumo de bens culturais – ou mesmo como “arte” e “civilização”, expressão de uma concepção ilustrada de cultura – mas como energia vital da sociedade que pulsa e se comunica pelas manifestações culturais produzidas e apropriadas na vida cotidiana. Com base nas leituras propostas por Chaui, seria um erro que a sociedade e, em particular, a esquerda não desse a devida importância à cultura.

Internacionalmente, a Unesco - Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - procurou discutir a importância da cultura e das artes para os povos, organizando uma Convenção sobre a diversidade cultural. Desse encontro, resultou a definição do que se entende por diversidade cultural – “multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedade encontram sua expressão” (Unesco, 2005) – e a afirmação da necessidade de resguardar essas manifestações “dos diversos modos de criação artística, produção, difusão e distribuição e fruição das expressões artísticas” (Ibidem).

O Brasil ratificou a Convenção da Unesco, em 2007, que passou a indicar os princípios para a atuação do Ministério da Cultura e a apresentar o desafio de criar políticas públicas que pudessem assegurar a proteção das manifestações culturais dos povos e a participação dos cidadãos como produtores, consumidores e usuários da cultura.

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experimentar, refletir, comunicar e ter acesso a processos de formação e informação sobre a cultura de um determinado país, estado ou município.

Todo esse contexto provocou em mim, autora desta dissertação, questionamentos que me levaram a procurar respostas para certas indagações. Tenho atuado profissionalmente há mais de 10 anos no universo das ONGs, o que reflete questionamentos oriundos da minha experiência profissional e da provocação de Chaui, que identifica uma relação intrínseca entre política e cultura, mas, infelizmente, aponta que a “esquerda”1 ainda não havia percebido a importância da cultura para a transformação social. Com essa inquietação, passei, portanto, a buscar organizações que pudessem mostrar algumas experiências dentro dessa perspectiva, ou seja, que trabalhassem, em suas atividades, a concepção de cultura como direito humano.

As análises preliminares apontaram que, em boa parte, as organizações tendem a trabalhar com a cultura de forma mais instrumental, como ferramenta para a formação do público jovem, e/ou de forma mais secundária, para a consolidação de outro direito, como, por exemplo, o direito à educação, as atividades culturais eram propostas sob forma de alcançar um objetivo pedagógico ou educacional, e não como experimentação artística. Normalmente, a maior parte das organizações da sociedade civil que trabalha com o ensino das artes, concebe cultura como espaço de formação em belas artes e nas linguagens artísticas, com maior foco na perspectiva da arte-educação. Essa relação será discutida ao longo do capítulo 1, sendo o estudo de Lívia Marques Carvalho sobre o ensino das artes em ONGs fundamental para a construção dos argumentos ali apresentados. A autora revela que, mesmo nessas experiências, há uma concepção de cultura como direito, porém ela não está evidenciada de forma institucional, mas, sim, no cotidiano dessas instituições.

Foram muitos os motivos pelos quais escolhi me debruçar sobre o trabalho da Ação Educativa2. Trabalhei por cinco anos na Abong, cujo escritório está alocado na sede da Ação Educativa, e pude ali perceber e conhecer melhor essa organização e seu cotidiano. A Ação

1

Há aqui uma referência ao texto “Política Cultural”, indicado na bibliografia desta dissertação, em que a autora faz uma crítica aos dirigentes do Partido dos Trabalhadores, PT, por não darem o devido valor à cultura dentro das propostas de projeto político para o Brasil.

2 Adotaremos, aqui, a designação Ação Educativa, omitindo seus subtítulos, Assessoria, Pesquisa e

Informação, para a Organização da Sociedade Civil em estudo, por ser, assim, mais conhecida e para tornar a leitura deste texto mais fluente.

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Educativa também fazia parte do contexto da Abong, na medida em que seus coordenadores participavam da direção da Abong: Antonio Eleilson Leite foi diretor da regional São Paulo; Sergio Haddad foi presidente e diretor executivo nacional; e, depois, Vera Maria Masagão Ribeiro pertenceu à direção colegiada da Abong.

O que me intrigava é que, diferente do que encontrava nas demais associações que conhecia, existia, ali, um programa específico de cultura, separado das suas demais áreas institucionais, no caso as de juventude e educação. Ali, portanto, a cultura fazia parte do projeto institucional e não somente era tratada como prática cotidiana, o que diferia das demais organizações da sociedade civil (OSCs3) a que tive acesso durante esta pesquisa. Segundo informações tiradas da página web da Ação Educativa, a área de cultura “se constitui a partir da noção da cultura como direito e do exercício deste direito como ação política”. Isso, certamente, difere de algumas das demais organizações pesquisadas.

A Ação Educativa foi fundada em 1994 e, de acordo com informações encontradas em sua página web, tem como missão institucional “promover direitos educativo, culturais e da juventude, tendo em vista a justiça social, a democracia participativa e o desenvolvimento sustentável” (Ação Educativa, acesso em agosto de 2011). Tem sede na cidade de São Paulo, mas atua também nacionalmente. Dados encontrados em sua página web afirmam que a instituição acredita que a participação da sociedade em processos locais, nacionais e globais é o caminho para a construção de um país mais justo. Por isso trabalha com a formação de grupos e a assessoria nos bairros, escolas e comunidades com a atuação em articulações amplas, que promovem a pesquisa e a produção de conhecimento, e também a intervenção nas políticas públicas. São três eixos de trabalho - educação de jovens e adultos; juventude; e cultura - que se subdividem em áreas de atuação que recebem esses mesmos nomes.

3

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O intuito desta pesquisa foi contrapor as ações culturais promovidas pela OSC em relação à perspectiva de Marilena Chaui, sobre cidadania cultural, e às concepções sobre cultura debatidas ao longo desta dissertação. Pretende-se proceder a uma análise relacionada a essas ações e verificar se estas garantem acesso, fruição e produção das linguagens culturais, sob uma concepção de cultura como direito. Outra relação que me intrigou no objeto de pesquisa refere-se a articulação entre juventude, cultura e educação, que constituem as três áreas institucionais da Ação Educativa.

Tomando-se por base o levantamento bibliográfico sobre a temática feito via sistemas integrados de bibliotecas e em informações disponíveis no Google acadêmico, foi possível identificar que existem diversos trabalhos sobre jovens/juventude, políticas públicas culturais, cultura e ação política, porém não foram encontradas análises que estabeleçam a inter-relação entre direito à cultura e a ação das ONGs.

A pesquisa bibliográfica foi importante para identificar autores com os quais dialogaremos, em particular, com Marilena Chaui, Helena Wendel Abramo, Marília Esposito e o projeto Jovens Urbanos4. A pesquisa de Lívia Marques Carvalho, “O ensino das artes em ONGs”, como dito anteriormente, tornou-se um aporte crucial para elucidação deste trabalho. No campo da cultura, foram importantes os trabalhos de Heloisa Buarque de Hollanda, Jose Guilherme Magnani e Erica Peçanha do Nascimento, pesquisadores que têm refletido acerca da cultura realizada nas regiões de periferia nas cidades do Brasil – a cultura de periferia.

Com base no referencial teórico e em informações sobre o contexto da sociedade civil organizada, podem-se identificar três eixos relacionados ao debate arte e cultura: (1) as instituições sem fins lucrativos que prestam serviços públicos de cultura por meio de organizações sociais (OS) ou organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips); (2) as fundações empresariais que financiam projetos de cultura, sociais e educacionais; e (3) as organizações da sociedade civil vinculadas ao atendimento às populações adolescentes e jovens em situação de risco e que oferecem oficinas de arte e cultura, identificadas por Carvalho (2008) numa perspectiva analítica sobre arte-educação.

4 Grupo de pesquisa da Pontifícia Universidade Católica, que existe desde 2002, cujo objetivo é “analisar

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Apesar da existência desses três eixos de ação social dentro da área da cultura, ressalta-se que são vertentes que não se contrapõem. É possível encontrar exemplos de instituições que trabalham mais de uma vertente. Para tanto, não se pode analisar tais eixos como excludentes, mas sim como formas de compreender a arte e a cultura como referências nos projetos dessas instituições e, portanto, do ponto de vista da sociedade civil. Durante a pesquisa de campo desenvolvida nesta investigação, foi possível observar essas intersecções ao analisar o trabalho da Ação Educativa, em particular, o programa de cultura dessa instituição. Ali, diversas concepções de cultura – cultura pensada como um direito humano e o ensino da arte para o público jovem, com o trabalho em arte-educação convivem e dão luz ao trabalho realizado.

O trabalho aqui apresentado pressupõe uma análise multidisciplinar que compreende a dimensão antropológica/cultural e política dos fenômenos. As estratégias de análise estão centradas no mapeamento e incorporação das referências bibliográficas e na pesquisa de campo, que constará de observação etnográfica e realização de algumas entrevistas em profundidade. Cabe ressaltar que a participação em muitos eventos e seminários promovidos pela Ação Educativa ou por seus parceiros permitiu-me colher depoimentos sobre o objeto de estudo desta dissertação.

Outra consideração a ser feita é que a Ação Educativa é uma instituição grande e que publica diversos documentos e livros; seu site institucional tornou-se uma fonte importante para a coleta informações. Além disso, a presença constante no espaço e nas atividades promovidas por ela permitiu-me conhecer os diversos coletivos culturais que são parceiros ou foco do trabalho da instituição em questão.

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Foi referência, também, a produção de conhecimento realizada pelas próprias OSCs aqui analisadas e de algumas redes da sociedade civil como as publicações produzidas pela Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong) e pelo Grupo de Fundações, Institutos e Empresas (GIFE).

Esta dissertação distribui-se em três capítulos.

O primeiro, Sociedade Civil, arte e cultura, aborda o histórico da sociedade civil organizada no Brasil e seus perfis institucionais. Informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam a existência de cerca de 340 mil entidades sem fins lucrativos. Os dados são de 20055 e demonstram uma vida associativa pujante no país. Com base nesse levantamento, foi possível identificar que, desse universo, 14% das entidades trabalham com área temática cultura e recreação. Partindo desse montante e dos censos publicados pelo Gife e pela Abong sobre sua base associativa, foi possível identificar quais os possíveis perfis institucionais que trabalham com arte e cultura no Brasil na esfera da sociedade civil. Esta dissertação classificou três formas de atuação da sociedade civil com foco em cultura:

a) as organizações sociais criadas como ramificações do setor público para prestar serviços em cultura, caso da Associação Amigos da Pinacoteca, que gerencia o Museu e as atividades da Pinacoteca além dos recursos financeiros destinados a ela. Outro exemplo é Associação Santa Marcelina Cultura, que é responsável pela Escola de Música do Estado de São Paulo - Tom Jobim.

b) Fundações ou institutos ligados às empresas, que financiam projetos culturais e que atendem populações oferecendo oficinas de cultura. Muito próximos do perfil dos membros associados ao Gife.

c) Organizações que ensinam arte, muitas com o atendimento a populações em situação de pobreza e ao público adolescente.

Por fim, e como proposta singular desta dissertação, foi estabelecido um quarto perfil, no qual se encaixa o objeto de pesquisa e que se refere às organizações que atuam no direito dos cidadãos à cultura.

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O segundo capítulo, Do Direito à cultura, analisa as experiências públicas que traçaram uma linha sobre o que se entende por direito à cultura no Brasil. Discute-se a experiência de Mário de Andrade no poder público e a de Marilena Chaui, como Secretaria Municipal de Cultura, nos anos 90. O foco de análise foi o conceito de cidadania cultural de Marilena Chaui e algumas ações culturais públicas que poderiam ser consideradas possíveis sucessoras da proposta de Chaui. Com base nas experiências apontadas, trabalhou-se com a hipótese de que o direito à cultura não deveria ser entendido somente como o acesso aos bens culturais, mas também como a capacidade de todo cidadão de produzir e fruir a cultura. Acesso à cultura não é o único direito que têm as populações: é importante também que se assegure o direito à produção a apropriação e o uso cultural. As reflexões deste capítulo estabelecem, ainda, diálogos com teóricos como Hannah Arendt e Raymond Williams.

Por fim, o último capítulo, Periferia no Centro, aborda o trabalho da área de cultura na Ação Educativa, a fim de trazer algumas reflexões mais amplas sobre a atuação das organizações da sociedade civil nas artes e cultura. São apresentados os quatro programas realizados pela organização dentro da área de cultura: Ponto de Cultura Periferia no Centro; Pontão de Cultura; Arte na Casa; e Estéticas da Periferia. São projetos distintos, mas que têm como pano de fundo a cultura de periferia e a valorização de suas manifestações culturais e de seus produtores.

Pode-se dizer que a escolha por linguagens artísticas desenvolvidas por produtores culturais “da periferia” de São Paulo permite o diálogo com a crítica à dicotomia feita por Chaui entre centro e periferia. Conhecido por cultura de periferia, este movimento artístico abrange artistas e grupos culturais de diversas regiões da cidade de São Paulo e busca uma relação mais positiva com as regiões periféricas da cidade. Nascimento (2009) aponta que tal denominação tem sido usada pelos próprios produtores culturais da periferia, e tem sido, ao mesmo tempo, uma identidade e uma maneira de abrir espaço para um certo nicho dentro do mercado cultural. Tal movimento cultural é, também, foco de atuação da OSC pesquisada, Ação Educativa.

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Capítulo 1 - Sociedade civil e Cultura

1.1 Sociedade civil no Brasil

Para compreender o universo em que a sociedade civil organizada tem assumido o debate sobre arte e cultura, é importante, antes, fazer um breve recorrido de como nasceram as organizações da sociedade civil (OSCs6) no Brasil e de como elas estão contextualizadas dentro das mudanças sociais e políticas da sociedade ao longo desses anos. Este capítulo tratará de analisar alguns eixos em que se estruturam as propostas e o trabalho da sociedade civil organizada na área da cultura, com intuito de reafirmar a hipótese, que marca a singularidade desta dissertação: da existência de um quarto eixo analítico – o que compreende a cultura como direito humano. Essas vertentes são, também, fruto da história e da identidade de cada organização, que marcam suas formas de ação e sua compreensão da realidade.

É um fenômeno recente, crescente, universal e particularmente característico da sociedade brasileira. Uma presença que pode incomodar interesses constituídos e que tem provocado um também crescente movimento de desqualificação das ONGs e de controle político sobre sua atuação. Nada de novo na nossa história. Sob a lógica de que é hora de separar o joio do trigo, o que se espera é que o joio não se confunda com a semente, aquele que brota a dissensão ante interesses e verdades constituídas (Sergio Haddad, FSP, 25/07/2001).

Segundo a citação acima, “ [a sociedade civil organizada] é um fenômeno recente, crescente e universal”, portanto ainda há muito que ser pesquisado e conhecido sobre a atuação da sociedade civil no país.

Com base na análise de Rosangela Dias O. Paz (ABONG, 2005), que faz um mapeamento sobre a produção discente voltada para a sociedade civil no Brasil e suas formas de ação e

6 Vale aqui uma ressalva ao termo Organizações da Sociedade Civil (OSC) em contraponto à

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institucionalização7, ao longo dos últimos anos, muitos pesquisadores têm se dedicado a estudar a temática da sociedade civil. São diversos estudos que já acumulam uma produção reconhecida, multidisciplinar e transversal. O debate sobre o papel da sociedade civil ganhou força a partir dos anos 1970, ainda período de repressão militar, mas também de muita pujança frente à luta pela democracia no país. Naquele momento, a centralidade da ação dessas entidades era acompanhar a organização dos diversos segmentos, apoiando os movimentos sociais, suas reivindicações e a demanda por defesa de direitos nos diferentes contextos. Nos anos 1980, as pesquisas acadêmicas sobre o papel da sociedade civil focaram a identificação dos diversos atores sociais, sujeitos coletivos e movimentos sociais que tinham por objetivo a defesa de um determinado projeto político frente à nova ordem política pós-ditadura. O foco era conhecer e identificar os movimentos e organizações existentes no país e seus aspectos e processos históricos. A partir dos anos 1990, os vários estudos sobre a sociedade civil no Brasil deslocaram-se para a inclusão dos atores nos espaços públicos, para a participação social como direito e para a relação desses atores com o Estado. No entanto, os perfis institucionais e propósitos políticos de toda essa produção são bastante diferentes e precisam ser compreendidos dentro de sua historicidade. Para Paz (2005:15),

Observa-se também que os estudos recentes têm demonstrado certa dificuldade de compreender as diferenças, especificidades e relações entre ONGs, movimentos sociais e outras organizações da sociedade civil, geradas pelo processo histórico de institucionalização na sociedade brasileira.

Para tanto, é preciso distinguir os diversos perfis institucionais existentes dentro da chamada “sociedade civil brasileira”. As organizações surgiram com propósitos distintos dos das fundações empresariais, que também se contrapõem aos das entidades filantrópicas e religiosas.

7 Na obra Organizações não-governamentais: um debate sobre a identidade política das associadas à

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O universo do “terceiro setor” é amplo e controverso e, por isso, há a necessidade de “separar o joio do trigo” e de entender melhor a que vieram e para onde vão.

O lugar que a expressão “terceiro setor” ocupa hoje no imaginário social produz, por si só, efeitos políticos bastante problemáticos, dando margem, intencionalmente ou não, a enormes confusões. É o que acontece quando alguns(mas) de nossos(as) interlocutores(as) se propõem a atribuir ao terceiro setor a natureza de um ator político capaz de desenvolver um posicionamento próprio, produzindo assim um amálgama incongruente de pelo menos três universos distintos de organizações da sociedade civil – as ONGs, as entidades de assistência social e as fundações empresariais – que se caracterizam por histórias, trajetórias e identidades políticas inteiramente diversas, marcadas por profundas diferenças do ponto de vista de uma questão central para os fins deste debate, que é a questão da relação entre sociedade civil e Estado no Brasil (Durão, Jorge Eduardo, IN Paz, 2005:3).

O conceito de “terceiro setor” nasceu relacionado à tradição norte-americana dentro de uma concepção de que a sociedade é divida em setores que são desconectados entre si. Estado, sociedade e mercado são, portanto, zonas impenetráveis; e a nação ficaria a cargo do poder público; do poder privado, o mercado; e da sociedade, a sociabilidade. O termo terceiro setor não considera as diferenças e as relações existentes entre cada campo, diluindo, portanto, a ideia de conflito ou contradição sendo a ação da sociedade uma resposta às ações do mercado e do Estado, e não um espaço estanque e apolítico. “As fronteiras entre sociedade civil, Estado e mercado são resultado de um movimento de história e, portanto, não podem ser estabelecidas a priori, com rigidez, como se não houvesse influências e interfaces” (Paz, 2005:19).

Sociedade civil organizada, no Brasil, compreende um núcleo de diversos atores e instituições presentes no cenário nacional há muitas décadas e com histórias e institucionalidades particulares. Essas diferenças são encontradas, principalmente, em relação a seus objetivos, projetos, formas de organização e estratégias de ação (Paz, 2005). As organizações não governamentais diferem dos movimentos sociais, das associações comunitárias e da filantropia empresarial, e a compreensão delas é determinante para entender o universo da sociedade civil. “Terceiro setor” é um termo que não abarca toda a especificidade da sociedade civil brasileira e das organizações que a compõem, mas, nem por isso, não se deva reconhecer a existência desse número de organizações e as relações existentes entre elas.

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mais indicados para os argumentos apresentados ao longo deste texto. O termo terceiro setor será utilizado somente quando em caráter de citação ou necessário à compreensão de alguma passagem.

A primeira referência ao termo ONG – organização não governamental – surgiu no contexto das Nações Unidas, nos anos 40, para identificar a atuação da sociedade civil após a Segunda Guerra Mundial. O termo ONG é uma classificação que possui um sentido político e social, pois não existe uma definição jurídica para ele; desse ponto de vista, as ONGs não existem como entidade jurídica ou legal. O conceito de ONG é, portanto, baseado num histórico político e social. Para Pereira (2003:24),

O termo ONG, portanto, não existe legalmente e conforma-se como um conceito que vem sendo socialmente construído e difundido, no Brasil, desde os anos 1970, voltado para definir entidades que, tanto no cenário internacional quanto nacionalmente, vêm ganhando projeção social e política.

No Brasil, o termo começou a ser usado em 1980 e 1990, no contexto da redemocratização política, mas muitas organizações já existiam ou tiveram seu embrião semeado nos anos 1960. Ligadas à educação popular, em proximidade com a Igreja Católica e as comunidades eclesiais de base, a característica principal dessas entidades era a assessoria técnica aos movimentos sociais e comunitários, realizando um trabalho paralelo ao Estado, por conta da repressão política. A ação tinha por fim a formação política dos movimentos e a luta pela democracia e a resistência ao poder militar.

Pode-se dizer que as primeiras ONGs surgiram imbricadas com os movimentos sociais, com as organizações de trabalhadores(as) que resistiam ao regime ditatorial, em sintonia com sua dinâmica e com um projeto político de fortalecimento da sociedade civil e de defesa dos direitos sociais, com ênfase nos trabalhos de educação popular (Paz, 2005:16).

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A abertura política trouxe maior liberdade para a ação dessas entidades e a institucionalização de alguns grupos. Muitas instituições passaram a ver o Estado não mais como opressor, mas como um possível parceiro. Houve necessidade de um acompanhamento na construção das políticas públicas e na consolidação do Estado de direito. Então, a partir dos anos 80, no período de 1988 a 2008, abordaram-se “as ações das organizações com ênfase nas redes de participação e proteção social, no marco regulatório, na proposição de políticas públicas [...]” (Bentes e Nogueira, 2010:42). Entidades passaram a ter uma ação mais voltada para o controle social e a participação da esfera pública. Isso se configurou com o fim da ditadura militar e a formação do estado democrático, momento em que foi possível, legalmente, a participação cidadã nos processos sociais, políticos e econômicos do país e a possibilidade de os indivíduos se associarem coletivamente para diversos fins.

As diversas formas de participação da sociedade civil geraram frutos. Uma das conquistas mais importantes foi a construção de uma nova postura da sociedade civil, ou seja, o aumento progressivo da percepção de que temos direito de participar das questões que nos dizem respeito. A ampliação de espaços participativos influenciou a Assembleia Constituinte, na elaboração da Carta de 1988. Esta, em que pesem algumas imperfeições, não foi uma concessão, mas fruto de lutas e mobilizações de vários setores organizados da sociedade civil e política, de diferentes tendências ideológicas. A consciência de poder intervir na esfera pública foi um dos saldos mais positivos desse período (Carvalho, 2008:27).

A Constituição Federal garantiu o direito à associação e a autonomia associativa, como parte dos diretos e garantias fundamentais de todo cidadão. São deveres e direitos individuais e coletivos, a “criação de associações, e, na forma de lei, a de cooperativas (que) independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”8. Com o direito estabelecido, a sociedade civil tomou corpo e as organizações participaram mais ativamente da construção do estado de direito e da consolidação da democracia no país.

A participação social é uma demanda, de longa data, dos movimentos sociais e tornou-se uma conquista com a constituição de 1988. Tais grupos defendiam que a democracia representativa não era suficiente para garantir a democracia plena no país, portanto a sociedade se mobilizou para exigir a criação de mecanismos de controle social frente às políticas públicas e a participação da sociedade na sua formulação, deliberação, monitoramento, avaliação e

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financiamento. Em artigo publicado em 2005, Moroni e Cicconelo apresentam o histórico dessa luta.

No Brasil, sempre ocorreram movimentos de resistência à dominação e à apropriação do espaço público e do Estado por interesses privados. Nos anos recentes, especialmente a partir do final da década de 1970 e início dos anos 1980, o movimento social retomou, com mais ênfase, a questão da democratização do Estado, debatendo a seguinte questão: que mecanismos são necessários para democratizar o Estado e torná-lo realmente público? Isso significava criar estratégias e propostas para além da garantia da efetivação de direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais, permitindo e assegurando a participação popular efetiva nas políticas públicas e em todas as decisões de interesse público (Cicconelo e Moroni, 2005:32).

A Constituição de 1988 avançou em algumas demandas da sociedade e regulamentou diretrizes para estruturar espaços públicos institucionais de democratização e controle social. A implementação de conselhos de políticas públicas e a realização das conferências são dois exemplos de mecanismos de democracia participativa. É um sistema descentralizado e participativo de espaços políticos de representação. Cicconelo e Moroni argumentam, ainda, que não devem ser confundidos com a democracia representativa, é um complemento a ela para garantir uma sociedade plenamente democrática.

São espaços políticos instituídos por representação de entidades governamentais e não-governamentais, responsáveis por elaborar, deliberar e fiscalizar a implementação de políticas, estando presentes nos âmbitos municipal, estadual e nacional. Dessa forma, inauguram uma nova concepção de espaço público ou mesmo de democracia. Por sua vez, a legitimidade da democracia participativa fundamenta-se no reconhecimento da importância da construção do espaço público de conflito/negociação. Por isso, amplia os processos democráticos, não atuando em substituição ou oposição à democracia representativa (Cicconelo e Moroni, 2005: 33).

As organizações da sociedade civil tiveram papel importante na aprovação de leis e na formulação da Constituição de 88. Um exemplo de mobilização da sociedade civil foi a participação social dentro dos espaços de definição de políticas e de sua implementação.

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a preparação da Constituição brasileira, recolheu mais de seis milhões de assinaturas para garantir a criação de um artigo que estabelecesse os direitos humanos de meninos e meninas na Constituição Federal de 1988. Além disso, depois, atuou na promulgação da Lei 8.069 do Estatuto. Em 13 de julho de 1990, com base na lei 8.069, foi promulgado o (ECA), no qual, são identificados os direitos e sistemas de proteção da população infanto-juvenil, além dos deveres do Estado, da família e da sociedade para garantir sua execução.

Conforme mencionado no início deste capítulo, um amplo debate sobre sociedade civil organizada no Brasil tem sido fruto de pesquisas acadêmicas e do debate público. Para além das pesquisas acadêmicas, as próprias organizações, agregadas por redes e associações, têm produzido alguns estudos sobre o campo não governamental no Brasil, sua identidade, características, missão. A Associação Brasileira de ONGs (Abong) e o Grupo de Instituições, Fundações e Empresas (Gife) vêm produzindo materiais sobre o campo, como pesquisas quantitativas e qualitativas por meio de censos publicados regularmente. Produzem, também, documentos de análises e notas públicas sobre temas como financiamento, áreas temáticas e público atendido.

Nos meios de comunicação e no poder público, as OSCs foram alvo de denúncias de mau uso dos recursos por conta dos repasses de financiamento público. Há um amplo debate sobre o caráter jurídico dessas entidades e seu papel como realizadoras de algumas políticas públicas não atendidas pelo Estado. Foram, também, alvo de investigações policiais através da implementação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, denominada CPI das ONGs9. Apesar dessa inserção na mídia e no debate público, a compreensão sobre o universo da sociedade civil organizada ainda é difuso e incerto.

Dos anos 90 para cá, observa-se um aumento das entidades da sociedade civil. As informações coletadas apontam para um crescimento vertiginoso dessas organizações, de 157%, entre os anos de 1996 a 2002 (Carvalho, 2008:24). O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstra que a vida associativa no Brasil tem aumentado; basta observar a

9. A Comissão Parlamentar de Inquérito - CPI das ONGs - foi instalada em 03 de outubro de 2007 e tinha

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quantidade de organizações existentes, o número de pessoas empregadas pelo setor e o volume de recursos utilizados. O IBGE fez, sem dúvida, a maior e mais representativa das pesquisas quantitativas sobre o universo das Fundações e Associações privadas sem fins lucrativos (Fasfil). O levantamento contou com a parceria do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), da Abong e do Grupo de Instituições, Fundações e Empresas (Gife).

A pesquisa Fasfil foi feita com base em dados do cadastro de Empresas (Cempre) de 200510 e teve por objetivo construir dados estatísticos que fossem comparáveis internacionalmente. Para isso, as entidades deveriam atender a uma proposta de classificação que as submetia às seguintes categorias classificatórias: serem privadas; não distribuírem eventuais excedentes; serem voluntárias; possuírem capacidade de autogestão e serem institucionalizadas. A pesquisa ocupou-se em descrever procedimentos metodológicos, definição, classificação e identidades dessas instituições, além de dados quantitativos, como localidade, tempo de existência, porte, atividade desenvolvida, número de empregados e sua remuneração.

Foi identificada a existência de 338.162 entidades no Brasil, sendo 8228 (2,4%) fundações privadas e 329.934 (97,6%), associações sem fins lucrativos (IBGE, 2005)11. Essas entidades contrataram, no ano de 2004, como assalariadas, 1709.156 pessoas e, quando somado a outras formas de contratação, esse número cresce para 24.317.448, sendo a média salarial de 3,8 salários mínimos. Dentro das fundações empresariais, esse valor passa para 4,8 salários, enquanto nas associações há um recuo para 3,7 salários. As entidades estão classificadas em dez áreas temáticas: habitação, saúde, cultura e recreação, educação e pesquisa, assistência social, religião, associações patronais e profissionais, meio ambiente e proteção animal, desenvolvimento e defesa de direitos, e outras instituições. A maior parte dessas instituições está sediada em São

Paulo e no Rio de Janeiro. Há uma concentração dessas instituições no sudeste do Brasil, com 42,4% do total de fundações e associações sem fins lucrativos, seguido do Nordeste, com 23,6%, do Sul, com 22,7%, do Norte, com 7%, e do Centro-Oeste, com 6,4%.

10 Cempre – Cadastro Central de Empresas constitui acervo de dados sobre Empresas e outras

organizações formais existentes no Brasil, reunindo informações cadastrais e econômicas oriundas de pesquisas anuais do IBGE. Fonte: www.ibge.gov.br acesso dia 20 de setembro de 2012.

11 Uma nova pesquisa Fasfil foi publicada em dezembro de 2012, porém, apesar de esta dissertação ter

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A Abong foi parceira do IBGE na construção dessa pesquisa e publicou algumas reflexões sobre as informações compiladas na pesquisa Fasfil. Em texto publicado em sua página web, a respeito da Fasfil, ressaltou algumas constatações baseadas nos dados colhidos, das quais podem ser destacadas as seguintes: (i) a pesquisa demonstra a heterogeneidade do associativismo brasileiro; (ii) a média salarial dos empregados nesse setor é baixa, cerca de 3,8 salários mínimos por mês, e o setor emprega cerca de 1,7 milhão de trabalhadores assalariados; (iii) com relação à distribuição regional, houve um aumento das organizações no Nordeste e a maior concentração está no Sudeste; (iv) nota-se aumento das organizações classificadas como de “defesa de direitos e de interesse dos cidadãos”; (v) são organizações relativamente novas, em média possuem doze anos de existência; (vi) verifica-se um aumento do número de organizações ligadas a igrejas e grupamentos religiosos; (vii) os dados apontam, também, um crescimento do agrupamento de cultura e recreação.

Aqui será adotada a descrição da Fasfil para o entendimento do universo da sociedade civil no Brasil, que abarca as organizações da sociedade civil, as fundações empresariais e as entidades religiosas. Esta última não será discutida, por não serem identificadas como de interesse desta dissertação.

Os movimentos sociais são, sem dúvida, atores sociais de extrema relevância dentro da sociedade civil e fundamentais para o surgimento das ONGs, na medida em que essas organizações nasceram para apoiar os movimentos sociais nas suas lutas e para formar seus dirigentes políticos. Porém não será abordada, aqui, profundamente, a ação desses movimentos. As organizações da sociedade civil têm, em grande medida, a relação com os movimentos e a assessoria a eles como base de sua identidade institucional e política, mas, a partir dos anos 90, já se constituíram como atores sociais particulares e não somente de forma relacional a eles. Nesse mesmo período, a busca por alianças e uma ação em redes e fóruns aproximou mais OSCs e movimentos sociais, que se uniram em redes temáticas e/ou fóruns de defesa de direitos, caso, por exemplo, do Fórum Nacional de Defesa da Criança e do Adolescente ou do espaço do Fórum Social Mundial, como espaço de encontro e de articulação da sociedade civil.

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institucionalizados, apesar de que muitos criam suas próprias organizações para poder captar recursos e viabilizar seus projetos, o que é legítimo (Paz, 2005). Para a autora Rosangela Paz, a diferença desses atores está na sua representatividade.

Uma diferença significativa entre ONGs e movimentos sociais diz respeito à sua representatividade. Os movimentos sociais têm uma base social que lhes atribui representatividade e legitimidade. Já as ONGs não representam ninguém, mas têm uma legitimidade construída por suas ações e propostas. Muitas ONGs têm origem semelhante à dos movimentos sociais, mas vão-se diferenciando nas formas de organização, nos graus de institucionalização, nas estratégias de luta. (Paz, 2005:17)

A autora conclui que os movimentos sociais e organizações da sociedade civil devem ser entendidos como complementares, apesar das tensões e, por vezes, disputas por conta de recursos financeiros disponíveis, do espaço na área pública de debate e por posições e divergências políticas.

Entendemos que os movimentos sociais e ONGs não são concorrentes. São, sim, complementares e sujeitos políticos diferentes que somam esforços na construção de uma nova cultura política, cidadã e democrática (Ibidem).

1.2 Cultura em movimento

No levantamento feito pela Fasfil, 14% do total, que abarca o montante de 46.999 entidades, possuem como área temática principal cultura e recreação. Destas, 1.188 são fundações privadas - 2,5% do campo das de cultura e recreação - sendo subdivididas entre cultura - 950 entidades - e esporte e recreação - 238. No campo das associações sem fins

lucrativos, que abrangem 97,5% do total, ou seja, 45.811 entidades, há uma inversão na distribuição dessas entidades. A maior parte delas atua na área temática de esporte e recreação - 31.965 - e o restante - 13.84 -, na área de cultura e arte.

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Com o intuito de aprofundar as informações lançadas pelo IBGE e tentar extrair algumas concepções sobre como compreendem a cultura dentro de suas instituições e a forma como ela é vista e trabalhada, esta dissertação fará uma análise das informações censitárias das bases de dados do Gife e da Abong. Os censos das redes Abong e Gife foram essenciais para que fosse possível fazer uma leitura sobre esse universo e identificar algumas questões. Esta análise pauta-se, também, em algumas pesquisas acadêmicas que analisaram a ação da sociedade civil no campo da cultura. Não se pretende, aqui, delimitar os formatos institucionais, nem áreas temáticas que consolidam as entidades de cultura, mas, sim, tentar identificar alguns perfis para que seja possível buscar elementos analíticos que alicercem esta dissertação.

Com base no referencial teórico e em informações sobre o campo da sociedade civil organizada, podem-se identificar três eixos que constituem os parâmetros para o contexto da sociedade civil organizada que trabalha com a área temática arte e cultura: (1) as instituições sem fins lucrativos que prestam serviços públicos de cultura por meio de organizações sociais (OS) ou Oscips, o que Ponte (2010) identifica como gestão pública não estatal; (2) as fundações empresariais que financiam projetos de cultura, sociais e educacionais; e (3) as organizações da sociedade civil vinculadas ao atendimento às populações adolescentes e jovens em situação de risco e que oferecem oficinas de arte e cultura, identificadas por Carvalho (2008) numa perspectiva de arte-educação.

Apesar da existência dessas três formas de ação social dentro da área da cultura, ressalta-se que são vertentes que não ressalta-se contrapõem e nem ressalta-se repelem entre si. É possível encontrar exemplos de instituições que trabalham mais de uma vertente. Para tanto, não se pode analisar tais eixos como excludentes, mas sim como formas de compreender a arte e a cultura dentro do cotidiano dessas instituições e, portanto, do ponto de vista da sociedade civil. Durante a pesquisa de campo desenvolvida nesta investigação, foi possível observar essas intersecções ao analisar o trabalho da Ação Educativa, em particular, o programa de cultura dessa instituição. Ali, diversas concepções de cultura convivem e dão luz ao trabalho realizado.

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material de campo e da hipótese sobre a existência de um quarto eixo, que são as organizações da sociedade civil que assumem a cultura como um direito humano.

1.2.1 Prestando serviços públicos de cultura

Os anos 90 foram marcados pela necessidade da criação de um Estado Mínimo, fundamentada na teoria do neoliberalismo e “de que os recursos públicos deveriam ser administrados com maior eficiência” (Santos, s/d:3). Isso implicava, também, numa maior flexibilização nas relações trabalhistas e nas licitações de compras e gestão pública. A partir desse cenário, deu-se início aos diversos processos de privatização de empresas estatais, sendo, no Brasil, um dos mais emblemáticos o da privatização dos serviços de telefonia – a compra da Telesp pela Telefônica, empresa espanhola. Outro movimento importante nesse sentido foi a mobilização social frente à tentativa de venda da Petrobras. Para Santos, durante as privatizações, era evidente a centralidade das ações para a lucratividade dos negócios e para atrair os investimentos privados. Contudo, ainda se via necessária a criação de outro mecanismo que não estivesse sob a visão do lucro, mas que garantisse a execução dos serviços públicos com a parceria do setor privado. Santos (s/d:3) complementa que:

A concepção que orientava essa proposta era de que a administração direta deveria se envolver com atividades exclusivas a sua natureza (formulação e execução de leis, aplicação da justiça, planejamento das políticas públicas, segurança interna e externa). As demais passariam a ser consideradas atividades não-exclusivas, como a prestação de serviços sociais, de saúde, ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura.

Nesse momento foram concebidas qualificações que pudessem garantir que entidades sem fins lucrativos, sob o formato de Organizações Sociais (OS) ou Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips)12, pudessem assumir alguns serviços considerados atividades

12 OS e Oscips são, na realidade, qualificações criadas por meio de leis para que uma organização sem fins

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exclusivas. O objetivo desses títulos era garantir que essas entidades pudessem criar uma relação de parceria com o Estado na gestão de programas ou ações públicas de saúde, cultura, educação, assistência social, entre outros. OSs e Oscips são, portanto, qualificações e não formas jurídicas de organizações sem fins lucrativos. Dentro do Gife, 44% dos seus associados possuem a titularidade de Oscips e 4%, de OS. A Abong não apresenta essa informação sobre os seus associados, mas pode-se supor que existam, também, OSCs com as mesmas titularidades. O proposto de entrar com um pedido dessa qualificação, muitas vezes, tem por objetivo facilitar certas formas de financiamento e de editais públicos, caso das Oscips com os termos de parcerias. Contudo deve-se fazer a ressalva de que, apesar de serem títulos, qualificações, muitas entidades surgiram dentro deste contexto – de prestadoras de serviços – e, portanto, para esse fim:

Conforme Abreu (2001), a partir dos anos 1990, as elites dirigentes no Brasil passam a criar organizações empresariais para atuar como organizações da sociedade civil. Surgem também organizações paragovernamentais, criadas por intermédio de políticas de governo, com o propósito de implementar políticas de governo (Paz, 2005:19).

Isso difere das organizações que nasceram a partir de uma historicidade própria, na defesa de direitos e na luta pela democracia no país, como será visto, a seguir, nos demais eixos propostos.

Em pesquisa realizada por Freitas (2010) sobre a gestão pública de serviços culturais nos estados de São Paulo e Minas Gerais, foram analisados diversos serviços prestados por meio de OS ou Oscips. A pesquisa colheu os dados nessas unidades federativas por serem as que utilizam, com bastante frequência, o sistema de parceria entre público e privado. O Estado de São Paulo adotou esse formato e possui muitas instituições com esse perfil. Foram identificados 39 espaços e programas culturais desenvolvidos no estado de São Paulo, coordenados por 10 organizações sociais, para a gestão de espaços públicos, como museus (Pinacoteca do Estado, gerenciada pela Associação Amigos da Pinacoteca), ou instituições voltadas ao ensino das artes (Associação Santa Marcelina Cultura, que é responsável pela Escola de Música do Estado de São Paulo - Tom Jobim).

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com OS e Oscips foram bem sucedidos, e nomeia-os como publicização dos serviços ou gestão pública não estatal. Para a pesquisadora, o importante é respeitar os processos de contratação dessas organizações, garantir a transparência e o controle social frente às ações. Um dos problemas apontados está na falta de transparência na contratação dessas organizações e também na publicação das informações sobre os serviços e sobre os recursos financeiros. “Entretanto, as vantagens imediatas obtidas com o modelo não devem desviar os questionamentos necessários, tais

como a que preço e de que formas estas vantagens estão sendo atingidas ” (Freitas, 2010:113).

Agnaldo dos Santos, sociólogo e pesquisador do Observatório do Cidadão do Instituto Polis, concorda que deve valer o controle social e o monitoramento dessas parcerias e observa que ainda faltam estudos e informações sobre o tema, mas que:

[...] movimentos sociais e fóruns da sociedade civil que atuam em políticas onde existem OS e Oscip, como no caso da saúde, denunciam que essas organizações não permitem (ou não facilitam) a presença de conselhos gestores, e que incorrem em irregularidades ao utilizarem recursos humanos da administração pública direta. Também denunciam a enorme falta de transparência financeira (Santos, s/d:4).

Do ponto de vista da cultura, muitas vezes a parceria não é feita de forma salutar e não se respeita a base do que seja uma parceria, que seria a relação entre iguais e responsabilidades mútuas.

A prática de algumas experiências de publicização na área cultural prova que, não raro, as metas são estabelecidas unilateralmente, oferecendo um risco duplo. Quando apenas a visão da OS ou Oscip prevalece, o interesse público pode ser comprometido e a abstenção do Estado pode significar a ausência de políticas públicas para o setor cultural. Por outro lado, quando o Estado controla sozinho a elaboração e proposta das metas, corre o risco de incoerência com a realidade da gestão e no desperdício de uma oportunidade de parceria correta com a sociedade para elaboração de políticas públicas (Freitas, 2008:97).

Tais apontamentos podem ser ampliados para toda e qualquer forma de parceria entre a sociedade civil, o poder público e o setor privado. Abong, Gife e outras redes de associações defendem a necessidade de um ambiente legal e seguro para o acompanhamento dessas parcerias e do uso dos recursos públicos. Para tal, foi criada uma frente de diálogo com o governo federal através da Plataforma por um Novo Marco Regulatório para as organizações da sociedade civil.

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civil e, com legitimidade e transparência, acessar recursos públicos para realizar atividades relevantes para a democracia e para o bem comum (Abong, 2012).

Contudo, para compreender se essa forma de parceria entre público e privado assume ou não uma relação de privatização de serviços, é preciso, antes, proceder a uma análise mais aprofundada das relações estabelecidas e estudar diretamente alguns casos. Como não é objeto de análise desta pesquisa, esta limitar-se-á ao apontamento dessas reflexões, observando a necessidade de uma análise mais profunda e da consolidação de um campo de pesquisa sobre o tema.

Por essas razões, esta pesquisa não se dedicará muito a esse eixo e às OS, na medida em que o seu foco são mais as ações vindas diretamente da sociedade e que estão contextualizadas historicamente pela defesa de direitos e pela luta pela democracia. A construção das OSs está numa lógica distinta e, por isso, não condiz com o que essa autora acredita ser uma organização da sociedade civil.

1.2.2 Financiando projetos de educação e cultura

A ação da sociedade civil organizada consolidou-se com a redemocratização do país e o fim da ditadura. Assim como as ONGs, as fundações empresariais tomaram forma a partir dos anos 1990 e configuraram-se como a atuação do capital, da filantropia empresarial no financiamento ou na promoção de projetos nas áreas sociais, ambientais e culturais. Tendo em vista o vasto número de ações de empresas na área social, muitas delas “influenciadas pelo marketing social e pela busca de isenções fiscais” (Paz, 2005:19), esta dissertação fará um recorte específico e analisará a ação e o perfil da rede Gife e não a ação de todas ou quaisquer empresas e/ou fundações empresariais. O motivo pelo qual foi escolhido o Gife como recorte metodológico é sua relação de proximidade com a Abong, são parceiros políticos há alguns anos e, também, a facilidade no acesso à informação sobre sua base associada.

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Tabela 1: Principais áreas temáticas da rede Gife, em 2009
Tabela 2: Linhas de ação em Cultura e Arte  Atividades   %  Oficinas culturais  62  Implantação/Manutenção  de  espaços  culturais/bibliotecas  56  Promoção de eventos  51
Tabela 4: Público atendido pelas organizações da Abong
Tabela 5: Principais lutas políticas das organizações da Abong (continua)
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Referências

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