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Contestado: outros olhares

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Academic year: 2021

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Contestado: outros olhares

ESPIG, Márcia Janete, MACHADO, Paulo Pinheiro (Orgs.). A Guerra Santa revisitada: novos estudos sobre o movimento do Contestado. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.

Heloísia Nunes dos Santos1 heloisianunes@hotmail.com Universidade Federal de Santa Catarina

O livro “A Guerra Santa Revisitada: novos estudos sobre o movimento do Contestado” foi uma organização da professora doutora Márcia Janete Espig e do professor doutor Paulo Pinheiro Machado, que partindo do estudo do movimento do Contestado compilaram artigos das mais variadas abordagens sobre o tema. Machado e Espig ressaltam na apresentação da obra que a escolha do titulo do livro vem como referencia ao trabalho, até hoje inspirador, de Maria Isaura Pereira de Queiroz, que em 1957 publica sua tese intitulada La “Guerre Sainte” au Brésil: le mouvement messianique du “Contestado”.

Durante 1912 e fins de 1916, ocorreu nos planaltos catarinense e paranaense a Guerra do Contestado, um conflito social, que colocou de um lado Coronéis, grandes fazendeiros, governo e, de outro lado, posseiros, pequenos lavradores, ervateiros, tropeiros e agregados. O conflito teve início com a perseguição policial ao grupo de sertanejos que se reunia em torno do monge José Maria, na comunidade de Taquaruçu2.

Tal conflito vem sendo estudado há quase um século, no entanto ainda estão longe de esgotarem as possibilidades de pesquisa, é o que podemos perceber ao longo das 331 paginas da obra.

Para tanto, o livro “A Guerra Santa Revisitada: novos estudos sobre o movimento do Contestado”, esta dividido em onze artigos e mais um caderno de fotos, agrupados em quatro blocos temáticos, que abordam o Movimento do Contestado, sob distintos olhares: desde as relações político-sociais do conflito sertanejo, as práticas religiosas, o papel da imprensa, trajetórias de imigrantes, experiências pessoais até as técnicas de pintura de Hassis em suas obras sobre o Contestado.

1 Acadêmica do Curso de Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina.

2 MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas

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No primeiro bloco - Conflitos, compadrio e luta por direitos- temos o trabalho de Rogério Rosa Rodrigues “Das ordens à disciplina: a relação do exército brasileiro com as populações das vilas na região do Contestado”. Ao ter acesso a Ordem do Dia, documento estritamente militar, o autor procura analisar a difícil relação entre civis e militares no transcorrer da Guerra do Contestado, e principalmente, a maneira como as sociedades interioranas tiveram que se modificar e adaptar, dado o aumento de militares fixos na região.

“Nós não tem direito”: Costume e direito à terra no Contestado, de Tarcísio Motta de Carvalho, discute a questão do conflito pela posse da terra durante a Guerra. O autor procura identificar em alguns acontecimentos da Guerra do Contestado uma maneira de compreender o direito a terra que estaria norteando as ações dos sertanejos, e as relacionando principalmente às novas práticas republicanas e o confronto com a nova legislação. Contextualiza sua análise partindo do século XIX, apontando como se estabelecerá a relação com a terra e sua posse, como transcorreram as transformações econômicas e sociais no início do século XX, que acabam por culminar no intenso processo de expulsão dos posseiros. Aponta ainda, que a noção de direto a terra perpassa aspectos políticos e culturais principalmente vinculados à questão religiosa, ressaltando que pessoas como Nenê Alves e outros sertanejos, aminados pela fé, com experiências na guerra, não sejam pensados apenas como “fanáticos”, mas sim como pessoas com esperança em um mundo melhor.

No texto que encerra o primeiro bloco, de Paulo Pinheiro Machado “A invasão de Curitibanos: retrato de uma guerra ‘fraterna’”, o autor reflete acerca de como ocorreu à ruptura e/ou permanência de antigos laços de parentesco e de compadrio durante a invasão de Curitibanos, a qual também pode ser percebida, segundo o autor, como uma fragilidade e isolamento político do Cel. Albuquerque e de seus aliados em conseguirem articular um grupo em defesa da vila. Por fim, assinala como foram utilizadas diferentes praticas pelos ‘pelados’ para receberem e atraírem pessoas à vida nos redutos e à “Santa Religião”, como rebatizado.

Milenarismo e memória, segundo bloco do livro, traz textos onde manifestações e praticas religiosas dos sertanejos do Contestado aparecem como principais eixos dos estudos. Márcia Janete Espig em “As orações no movimento do Contestado: uma prática cultural”, narra como podemos conhecer o imaginário dos sertanejos da região do Contestado, a partir de suas orações. Ao longo do capítulo argumenta que a intensa crença no poder místico das orações pode ser uma representação tanto da vida quanto da

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morte, com caraterísticas marcadamente simbólicas e, principalmente, apresenta como era o modo de vida dos que se guiaram por este misticismo. Finalizando, a autora descreve como os sertanejos sentiam-se mais fortes e determinados a lutar, por se considerarem protegidos após as orações. Por fim, conclui que a fé religiosa, desempenha um papel tanto de motivação como de aditivo no conflito do Contestado.

Ivone Cecília D`Ávila Gallo em “Profetismo popular na Guerra do Contestado”, analisa como a profecia e o messianismo, conferem ao movimento do Contestado um caraterística de “continuidade”, de permanência histórica quando relacionado às praticas de antigos profetas cristãos. Para construir sua narrativa e privilegiar o aspecto social do movimento, a autora utiliza como fontes os documentos militares da campanha e também processos judicias envolvendo participantes da guerra. Finalizando, a autora expõe que a Guerra do Contestado nos oferece uma grande oportunidade para se estudar mais profundamente sobre profecia, mas não somente em seu aspecto místico ou psicológico, ela destaca, sobretudo, o político. A profecia, na sua perspectiva, escatológica e apocalíptica aponta para o fim do tempo vivido e depois disso a vinda do paraíso. Nesse contexto de guerra, percebe-se muitas vezes como esse discurso também estava carregado de intenções politicas, como por exemplo, o fim da submissão aos coronéis.

Telmo Marcon, autor do artigo “Cultura e religiosidade: a influência dos monges do Contestado” relata suas reflexões acerca de como se articularam os modos de vida dos caboclos e as praticas de religiosidade populares vinculadas aos ensinamentos dos monges do Contestado. Alguns rituais como batismo, benzimentos e curas atualizam a presença do monge e reavivavam no tempo as praticas de religiosidade popular, expressão da própria cultura cabocla. O autor adota a perspectiva de que os próprios monges trabalham e reconhecem a cultura cabocla de forma dinâmica e, por isso, foram reconhecidos e aceitos. Os monges estabeleceram relações de afetividade e empatia com esses sujeitos, reconhecendo e partilhando o sofrimento e as esperanças, com um discurso distinto da racionalidade própria dos discursos eclesiais institucionalizados.

“O Contestado e a experiência sociorreligiosa de migrantes caboclos em Florianópolis”, de Roberto de Iunskovski, estuda as ligações da experiência religiosa dos migrantes com a prática religiosa presente no Contestado, pois segundo o autor, tais migrantes seriam herdeiros do catolicismo popular ou rústico. Nas memórias dos caboclos residentes na cidade, percebe-se que suas crenças no monge não estão fundamentadas em convicções teóricas ou em uma fé abstrata, mas, ao contrário, são

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enraizadas em praticas simples como benzimento, promessas, orações, mais eficazes, que garantem melhorias em suas vidas. No Morro do Horácio, bairro principal da migração cabocla, nota-se facilmente como as práticas religiosas, que tem o poder de reunir e aglutinar as pessoas, acabam por desempenhar, também, outro papel. Agora no cenário politico social tal mobilização, iniciada pela religião, foi motivadora na luta pela posse de terra no Morro do Horácio. Iunskovski finaliza seu texto, ressaltando que tais práticas e significados religiosos correspondem a um determinado tempo, a um determinado grupo de pessoas: aquelas que passaram pelas mudanças oriundas da migração.

No terceiro bloco, Etnia e discurso regional, temos as discussões acerca das complexas relações que se estabelecem com as múltiplas identidades. Liz Andréa Dalfré escreve, “Criando heróis e inimigos: o movimento do Contestado na imprensa paranaense”, onde realiza uma reflexão das representações acerca do movimento do Contestado e de seus participantes, veiculadas pelo jornal paranaense Diário da Tarde, de 1912 a 1916. A autora busca refletir sobre a necessidade sentida pelos jornalistas deste periódico, da construção de uma identidade regional, pautada na nova ordem republicana e, principalmente, como foram construídas as imagens enfatizando o militar João Gualberto, os monges e os sertanejos. Tal artigo desenvolve também uma discussão metodológica sobre a utilização de periódicos em estudos historiográficos. Por fim, Dalfré discute como foram construídas as narrativas sobre o Contestado pelo Diário da Tarde, quais eram seus posicionamentos acerca do conflito e de que maneira tais informações eram recebidas pelos leitores, enfim, como ocorria à construção do imaginário de um determinado grupo social.

“Os polacos na Guerra do Contestado” de Fernando Tokarski discute a participação dos imigrantes europeus no conflito, principalmente os polacos. Destaca que, no mesmo estado de espírito e de aculturação social e cultural, os europeus acaboclados também estiveram sob a égide do conflito, guerreando ao lado dos revoltosos ou das forças militares de repressão. Ao longo do artigo são elaboradas diferentes discussões a partir de depoimentos extraídos de entrevistas realizadas pelo autor, nas quais são descritos episódios onde os polacos atuavam ora de um lado ora de outro durante a guerra, como foi o caso de Estanislau Schumann. Finalizando, Tokarski afirma que o que temos são quase sempre testemunhos de um tempo de penúria, de privações e de incertezas. Atualmente espalhados nos sertões e nas áreas rurais do

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Contestado, os descendentes polacos guardam as lembranças de uma epopeia em que seus antepassados foram personagens, algozes e vítimas.

No quarto e último bloco, Imagens do Contestado, temos uma análise da memória visual do conflito do Contestado, a partir do trabalho de Hiedy Hassis e Claro Gustavo Jansson. Fernando C. Boppré em “Hassis Contestado” discorre sobre a vida e obra de Heidy Hassis, que em 1985 realiza um painel intitulado Contestado - Terra Contestada. Embora não tenha presenciado o conflito, Hassis teve contato com a história do Contestado através de conversas com familiares e moradores da região serrana, filmes e leituras, que foi assimilado e reapresentado imageticamente pela sua criação artística. Boppré faz uma descrição do estudo de Hassis para realização do painel, descreve como tal trabalho tornou-se uma síntese espaço-temporal, somada a uma narrativa histórica acerca do conflito. Não se tratando, portanto, de uma livre interpretação sobre o Contestado, mas uma narrativa histórico-iconográfica baseada em diversas fontes e com incentivo oficial do governo de Santa Catarina.

“Alguns instantâneos da vida de Claro Gustavo Jansson” de Dorothy Jansson Moretti, revela alguns aspectos da trajetória de vida do fotografo e pai da autora do artigo. Reconstrói sua história desde a saída da Suécia em 1891 até sua participação na Guerra do Contestado; ressalta também suas impressionantes fotografias do cotidiano e da movimentação dos sertanejos, são cenas marcantes do conflito. Ainda que carregue grande emoção e exaltação, são memórias de uma testemunha ocular do conflito. Podemos conferir muitas dessas imagens no caderno de fotos que finaliza o livro.

Concluindo vale enfatizar alguns aspectos que considero importantes na obra: 1) sua singularidade na abordagem do tema; 2) sua capacidade de tornar público este novo conhecimento sobre a guerra do Contestado; 3) auxiliar na (re)construção de uma memória regional. Com uma rica bibliografia e fontes documentais capazes de iniciar os interessados e podendo certamente contribuir para pesquisas sobre o assunto, “A Guerra Santa Revisitada: novos estudos sobre o movimento do Contestado” é recomendado para a sociedade acadêmica e para outros que se interessem por conhecer, mais profundamente, a Guerra do Contestado.

Recebido em 17 de janeiro de 2013.

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