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Rev. latinoam. psicopatol. fundam. vol.8 número4

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Academic year: 2018

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As doenças mentais nos

climas tropicais*

Juliano Moreira

Afrânio Peixoto

A s q u e s t õ e s d e g e o g r a f i a m é d i c a p e r d e r a m m u i t o d a i m p o r t â n c i a atribuída a elas q u a n d o se a c r e d i t a v a q u e c a d a r e g i ã o d a terra, c o n f o r m e sua latitude e longitude, tinha u m a característica m ó r b i d a , a s s i m c o m o d e t e r m i n a d a c a r a c t e r í s t i c a e t n o g r á f i c a , z o o l ó g i c a ou fitográfica etc.

E s s a s c o n c e p ç õ e s e r a m f a c i l i t a d a s p o r u m a n o ç ã o d e m a s i a d a m e n t e ampla, e por isso m e s m o mal delimitada, das zonas c l i m á t i c a s . S o b o i m p é r i o d e tais i d e i a s t e ó r i c a s e a n t e s d e se

Comunicação apresentada no XV Congresso Internacional de Medicina, Lisboa, 1906. Originalmente publicado em francês: Les maladies mentales dans les climats tropicaux. Archivos Brasileiros de Psychiatria, Neurologia e Sciencias Affins, ano II, η . 3, p. 222-41, setembro de 1906. Tradução para o português de Monica Seincman.

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h a v e r e m realizado pesquisas realmente científicas e m cada região, atribuía-se a cada clima u m a certa patologia, clara, precisa, e expressamente separada de todas as outras por delimitações exatas.

Tais preconceitos patológicos resultavam, e m grande parte, da falta de u m a n o ç ã o etiológica positiva, e m c o n s e q u ê n c i a dos c o n h e c i m e n t o s insuficientes da época, e da ausência de estudo clínico c o m p a r a d o que as conclusões apressadas dos m é d i c o s viajantes não permitiam.

A etiologia mais esclarecida

de nosso tempo e a higiene mais bem preparada de nossos dias vieram dissipar crenças mal fundadas e reduzir a questão a seus verdadeiros t e r m o s .

R e c o n h e c e u - s e o quase cosmopolitismo de todas as doenças, ou pelo menos sua fácil aclimatação, j á que c o n c o r r e m , e m qualquer que seja a região da terra, certas condições necessárias ao seu d e s e n v o l v i m e n t o . Q u a s e n ã o há doença que n ã o tenha sido observada tanto no N o r t e quanto no Sul, tanto n o Oeste quanto no Leste. N ã o há região no m u n d o que particularmente possua u m a única doença, e n ã o h á d o e n ç a q u e n ã o p o s s a , m e s m o e m seus d o m i c í l i o s e v e n t u a i s , ser e x t e r m i n a d a pelos meios higiénicos de nosso t e m p o .

C o m o e x e m p l o da veracidade da primeira destas afirmações, citaremos a cólera e a peste. A febre amarela e a malária p r o v a m a veracidade da segunda.

O q u e há, q u a n d o existe, são variações clínicas, resultante c o m p l e x a da intensidade mórbida, da resistência individual, da defesa higiénica, do combate terapêutico: conjunto de condições em q u e os coeficientes climáticos p o d e m bem entrar e m parte, m a s para as quais eles j a m a i s c o n t r i b u e m n e m m e d i a t a n e m d i r e t a m e n t e . E s t a é a o b s e r v a ç ã o g e r a l , q u e n ã o p o d e r i a i n f i r m a r f a t o s particulares, ainda obscuros e partindo de interpretação variada, que se lhe poderia opor.

P a r a e m p r e e n d e r f r u t i f e r a m e n t e n o s s o e s t u d o , é n e c e s s á r i o ter n o ç õ e s exatas sobre os climas d e n o m i n a d o s tropicais. Jules R o c h a r d teve o cuidado de nos prevenir q u e qualquer classificação dos climas é arbitrária. A sua não escapa a esta crítica, tendo sido, no entanto, adotada pela maioria dos higienistas. A base térmica adotada é passível de sérias objeções. É sempre v e r d a d e que as médias térmicas são c o m o roupas prontas: n e n h u m a tem a m e d i d a certa. N a realidade, s a b e m o s , q u a s e n ã o há c l i m a s de zonas n e m climas de r e g i õ e s ; há, acima de tudo, climas de localidades.

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E m p a t o l o g i a n e r v o s a e m e n t a l , a s s i m c o m o e m q u a l q u e r o u t r a , n ã o é temerário dizer, por ser um fato de o b s e r v a ç ã o , que não existem doenças mentais

climáticas, ou, mais p a r t i c u l a r m e n t e , q u e e m c l i m a s q u e n t e s n ã o se o b s e r v a

n e n h u m a forma patológica que seja estranha à neuropsiquiatria dos outros climas. Esta afirmação baseia-se tanto em nossa própria experiência q u a n t o na de n o s s o s colegas de diversas regiões do m u n d o .

A leitura atenta das notas e das comunicações clínicas, esparsas nas revistas m é d i c a s de diversos países, mostrou-nos que elas não estão e m contradição c o m a nossa própria o b s e r v a ç ã o .

O que viram M u ñ o z (1866) e Gustavo L ó p e z (1891) em Cuba, Ni ven (apud van Brero) em B o m b a i m , Manning (1875-76) na Austrália, Grieve (1880-81), Law ( 1 8 8 8 ) e Barnes (1891) na G u i a n a Inglesa, Sandwith (apud Peterson) e Peterson ( 1 8 9 2 ) no Cairo, Greenless (1894; 1895) na África do Sul, M e i l h o n (1896) no N o r t e da Africa, H o l t s i n g e r ( 1 8 9 7 ) n a A b i s s í n i a , G i l l m o r e Ellis ( 1 8 9 3 ) e m C i n g a p u r a , Van B r e r o ( 1 8 9 6 ; 1 9 0 5 ) e K r a e p e l i n ( 1 9 0 4 ; 1 9 0 4 b ) e m J a v a , O s t r o w s k y (1899) na Pérsia, p r o v a q u e nossas o b s e r v a ç õ e s nas zonas quentes do Brasil p o d e m se aplicar a todos os climas quentes do m u n d o .

N o s s a observação teve u m amplo c a m p o de ação em um território imenso, c o m p r e e n d i d o em sua m a i o r i a entre os trópicos e p o s s u i n d o , além disso, u m a vasta região com clima t e m p e r a d o e a m e n o que nos permitia a c o m p a r a ç ã o .

O Brasil que se estende, com efeito, na A m é r i c a do Sul, por 39 graus de latitude, entre 5°10' N . e 33°46' S., c o m p r e e n d e n d o u m a superfície de 8.337.000 quilómetros quadrados, goza de zonas climáticas variadas. A zona tropical, tórrida ou equatorial tem u m a temperatura m é d i a superior a 25°; u m a outra, subtropical ou q u e n t e , m a n t é m - s e e n t r e as i s o t e r m a s de 20° a 23°, e u m a t e r c e i r a zona, t e m p e r a d a e amena, tem u m a média térmica entre 15° e 20°.

N e s t e grande país, nem por nossa observação direta em sua quase totalidade p o i s m o r a m o s em cidades de c a d a u m a de suas circunscrições territoriais -n e m pelas i-nformações m é d i c a s de qualquer -natureza, -não p u d e m o s e-nco-ntrar qualquer afecção, nem m e s m o u m a variação ou um caráter particular e m patologia mental, cuja responsabilidade direta e imediata possa ser atribuída ao clima. A lista das d o e n ç a s m e n t a i s no Brasil é i d e n t i c a m e n t e a m e s m a q u e no s outros países: a q u e s t ã o é apenas de dose e aparência, alterações às quais c o n c o r r e m fatores c o m p l e x o s que analisamos adiante.

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U m gráfico anexo a este e s t u d o1

mostra, c o m efeito, as curvas das m á x i m a s , das m é d i a s e das m í n i m a s térmicas mensais no Rio de Janeiro durante dez anos, projetadas sobre a linha da p r o p o r ç ã o dos casos de loucura sobrevindos nesta c i d a d e e o b s e r v a d o s no Hospital N a c i o n a l de Alienados: é impossível chegar a u m a d e d u ç ã o clara q u a n t o à influência da t e m p e r a t u r a e t c . s o b r e as p s i c o s e s c o n s t a t a d a s , visto os dados do p r o b l e m a q u e variam de um ano para outro. É verdade que, no mais das vezes, a admissão no hospital não coincide c o m o início da doença, mas coincide, pelo m e n o s na maioria dos casos, c o m as exacerbações q u e justificam a u r g ê n c i a da i n t e r n a ç ã o . A única d e d u ç ã o p e r m i t i d a é q u e , se r e a l m e n t e o c l i m a , p e l o m e n o s e m s e u s c o m p o n e n t e s p r i n c i p a i s c o m o temperatura, estado higrométrico etc., influi nas determinações mórbidas mentais, esta influência é contrabalançada, m a s c a r a d a e anulada por u m a c o m p l e x i d a d e o b s c u r a de o u t r a s c o n d i ç õ e s , de m a n e i r a q u e é i m p o s s í v e l a t r i b u i r - l h e u m a i m p o r t â n c i a ou um valor qualquer.

Esquirol ( 1 8 3 8 , p . 24) p e n s a v a q u e os climas quentes p r o d u z i a m m e n o s loucos do que os t e m p e r a d o s , sujeitos a grandes variações atmosféricas, e que h a v i a m e n o s alienados na Grécia, na Turquia, nas índias do q u e no Norte da E u r o p a . M a s é t a m b é m nessas regiões o n d e estão situados os países em que a assistência é mais desenvolvida. N o entanto, nos países frios em que a civilização é atrasada e em q u e ainda não existem os inconvenientes da vida intensiva, c o m o a G r o e n l â n d i a , a Islândia, a Sibéria etc., n ã o se tem notícia de q u e a loucura seja mais frequente do que nas zonas quentes pouco civilizadas. E m contrapartida, n o q u e diz respeito ao Brasil, a loucura se torna cada dia mais frequente em suas zonas q u e n t e s , p r o p o r c i o n a l m e n t e aos progressos da civilização que, ao lado de suas grandes vantagens, acarreta o a u m e n t o dos vícios e das doenças crescendo, c o m o parasitas, à sua sombra.

N o s climas q u e n t e s , qual é o valor das influências m e t e o r o l ó g i c a s sobre os alienados? Esquirol ( 1 8 3 8 , p . 26) dizia que, nos equinócios, os alienados fica-v a m mais falantes. C o n f o r m e Guislain (1880), hafica-veria algumas relações, difíceis de precisar, entre a exacerbação e a remissão da loucura, por um lado, e os tempos m u i t o úmidos, os ventos, as tempestade s e a eletricidade atmosférica, por outro.

L o m b r o s o ( 1 8 6 7 ) o b s e r v a r a q u e d o i s ou t r ê s d i a s a n t e s d a s g r a n d e s v a r i a ç õ e s atmosféricas, certos alienados, os estúpidos, os idiotas, os dementes e principalmente os epilépticos, parecendo-se nisso a muitos dos animais, ficavam m u i t o agitados.

E s t u d a m o s a q u e s t ã o c o m p a r a n d o o l e v a n t a m e n t o d o s a t a q u e s d o s epilépticos do Hospital N a c i o n a l de Alienados c o m os dados meteorológicos do

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O b s e r v a t ó r i o do Rio e da seção meteorológica da M a r i n h a . Os fatores estudados foram a temperatura, o estado do céu (nuvens), a chuva, o estado higrométrico, a força e a direção do vento, a pressão atmosférica, as tempestades.

A l é m disso, p e s q u i s a m o s a influência das fases lunares.

Deste estudo minucioso, acreditamos poder concluir que, pelo m e n o s quanto ao clima, não existem relações entre os fenómenos atmosféricos e o aparecimento dos ataques convulsivos nos epilépticos.

N o s países quentes, assim c o m o nos países frios, ao observar c o m atenção e, e m p a r t i c u l a r , os c a s o s c l í n i c o s , o b s e r v a - s e q u e h á g r a n d e s d i f e r e n ç a s i n d i v i d u a i s e q u e , c o m f r e q u ê n c i a , o m o d o de r e a g i r de u m d o e n t e n ã o é s e m e l h a n t e e m duas ocasiões aparentemente idênticas.

A c o m p a r a ç ã o de algumas cifras de nossas estatísticas c o m as e u r o p e i a s , assinalando as variações e as diferenças destes n ú m e r o s para cada d o e n ç a mental, permitir-nos-á indicar as causas prováveis do fato indicado.

Idiotia

A idiotia apresenta em nossas zonas climatéricas com médias térmicas mais e l e v a d a s , assim c o m o n a q u e l a s com m é d i a s m e n o s e l e v a d a s , todas as formas descritas nos países frios. C o m p a r a n d o o que o b s e r v a m o s no Brasil c o m o que v i m o s nos hospitais e u r o p e u s , n a d a t e m o s de particular a assinalar e m n o s s o país. N o s s a proporção inferior em relação a ela, relativamente aos outros países, é d e v i d a e x c l u s i v a m e n t e ao fato de que n o s s o s hospitais apenas r e c e b e m um n ú m e r o m í n i m o de casos de idiotia; os doentes mais inofensivos p e r m a n e c e m q u a s e s e m p r e confiados aos cuidados de suas famílias.

Imbecilidade e debilidade mental

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nos Estados da Bahia, P e r n a m b u c o , Ceará, São Paulo, Rio de Janeiro, M i n a s e E s p í r i t o S a n t o , é o n ú m e r o e x t r a o r d i n á r i o de d o e n t e s de a n c i l o s t o m í a s e nos distritos rurais. Os descendentes desses doentes são frequentemente imbecis ou débeis m e n t a i s , sem que n e n h u m a outra causa pareça ter c o n c o r r i d o para este resultado.

O alcoolismo, a sífilis e o i m p a l u d i s m o são os outros fatores da frequência da i m b e c i l i d a d e , assim c o m o da idiotia, em nossas zonas tropicais.

Neurastenia

O s n ú m e r o s q u e f i g u r a m e m n o s s a s e s t a t í s t i c a s s ã o e x í g u o s p o r dois motivos: o primeiro é que o lugar de nossa observação é um Hospital de Alienados, e m q u e os doentes são s e m p r e levados pela polícia ou por seus p a r e n t e s , e a internação dos neurasténicos, em geral, não é urgente. O segundo m o t i v o é que se a n e u r a s t e n i a t e m c o m o d e s e n v o l v i m e n t o , c o m o a c o n t e c e c o m b a s t a n t e frequência, u m a p e r t u r b a ç ã o m e n t a l m a i s g r a v e ou m a i s n o t á v e l , o c a s o em questão figura sob esta última rubrica. Ε preciso considerar, além disso, que duas das principais condições causais da neurastenia estão ainda e m estado rudimentar no Brasil, m e s m o e m sua capital, a saber: a estafa por excesso de trabalho ou outro [excesso] e o e s g o t a m e n t o venéreo, principalmente por perversões sexuais. N o s s a s condições de civilização ainda não nos causaram estes tristes efeitos, que e s g o t a m os p o v o s c o m u m a vida mais intensa. Talvez v e n h a d a í a raridade dos n e u r a s t é n i c o s e m n o s s o s h o s p i t a i s . N a c l í n i c a p a r t i c u l a r , n o e n t a n t o , j á são f r e q u e n t e s e, se um n ú m e r o m a i o r n ã o é o b s e r v a d o , é p o r q u e c r u z a m c o m bastante frequência o oceano para irem consultar os grandes especialistas europeus, ou aumentar o n ú m e r o dos frequentadores das estâncias de águas, sob o pretexto de q u e sofrem do e s t ô m a g o ou dos intestinos.

Histeria

A histeria é frequente no Brasil, principalmente em suas formas convulsivas, o b s e r v a n d o - s e verdadeiras e p i d e m i a s , c o m o as de astasia-abasia em São Luis do M a r a n h ã o e m 1 8 7 9 - 1 8 8 1 , e na B a h i a e m 1882 ( N i n a - R o d r i g u e s2

e Alfredo Brito). M a s a história das grandes e p i d e m i a s de n e u r o s e convulsiva mostra que tiveram u m a frequência ainda maior nos países frios da Europa.

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As causas da histeria, em n o s s o país, não diferem e m n a d a das q u e agem na E u r o p a e na A m é r i c a do Norte.

Epilepsia

A p r o p o r ç ã o desta d o e n ç a é c o n s i d e r á v e l , p r i n c i p a l m e n t e e m sua forma c o n v u l s i v a .

A p e s a r de e n c o n t r a r m o s f r e q u e n t e m e n t e t o d a s as v a r i a ç õ e s e p i l é p t i c a s , desde o p e q u e n o mal até as manifestações psíquicas delirantes, e m e s m o criminais d a n e u r o s e (e p o s s u í m o s q u a n t o a i s s o c a s o s m u i t o c u r i o s o s ) , o b s e r v a - s e facilmente que o grande ataque é a mais c o m u m das manifestações c o m i c i a i s . C o m o causas a assinalar, citaremos o alcoolismo dos pais e a d e g e n e r a ç ã o criada por esta intoxicação e por outras intoxicações m ó r b i d a s , alimentares etc.

Degeneração inferior

M a g m a confuso de e v o l u ç ã o cerebral a b o r t a d a ou de r e g r e s s ã o doentia, s o b r e a q u a l se i m p l a n t a m e c o m a q u a l se m i s t u r a m as p e r v e r s õ e s , os fetichismos, os delírios episódicos. A p r o p o r ç ã o é considerável, p r i n c i p a l m e n t e ao se c o n s i d e r a r que, sob esta rubrica, são c o m p r e e n d i d o s quase todos os casos s e m c a r a c t e r í s t i c a p r e c i s a e todos a q u e l e s d i s s e m i n a d o s sob o u t r a s r u b r i c a s . C o m o e m toda parte, encontra-se nos ascendentes dos doentes o alcoolismo, a sífilis e os abusos venéreos.

Paranóia

S e g u i n d o as i n d i c a ç õ e s de K r a e p e l i n , e x c l u í m o s tudo o q u e a confusão p s i q u i á t r i c a e r r o n e a m e n t e c o n s i d e r o u sob esta d e n o m i n a ç ã o . E m u m t r a b a l h o a n t e r i o r ( M o r e i r a e P e i x o t o , 1 9 0 5 ) , p a r t i l h a m o s a o p i n i ã o d o p r o f e s s o r de M u n i q u e . Por encarar a paranóia desta maneira, e m 1904 tivemos apenas 1,1% de c a s o s . T i v e m o s a sorte de o b s e r v a r e m n o s s o país casos m u i t o instrutivos desta doença.

Alcoolismo

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origem alcoólica. Resulta daí que, quanto a este dado, Rio de Janeiro é comparável a Paris e a Viena, ou seja, q u e a p r o p o r ç ã o é muito elevada, e ela parecerá ainda mais se for c o n s i d e r a d a a distância que separa socialmente estas duas grandes capitais da nossa.

Psicoses infecciosas

E m terrenos preparados pela neuropatía, observa-se u m g r a n d e n ú m e r o de casos de perturbações mentais que acontecem no período inicial ou no secundário d a sífilis, n a m a l á r i a , n a v a r í o l a , n a febre a m a r e l a . E n c o n t r a n d o u m terreno p r o p í c i o , estas infecções fizeram eclodir as desordens m e n t a i s . N ã o h o u v e erro de i m p u t a ç ã o nos dois primeiros casos, pois as m e d i c a ç õ e s específicas sempre forneceram u m a confirmação positiva.

Confusão aguda

E n t r e as psicoses por e s g o t a m e n t o (Das Erschõpfungirresein), Kraepelin reserva a d e n o m i n a ç ã o de confusão aguda - Die acute Verwirrtheit - (Amentia) - s o m e n t e para u m a categoria dentre os fatos agrupados por M e y n e r t sob o n o m e de Amentia.

A p e s a r da raridade desta psicose ( 0 , 5 % ) , o b s e r v a m o s e m n o s s o país casos típicos. Ela é mais frequente na mulher. As causas mais c o m u n s são os fatores de e s g o t a m e n t o , principalmente o estado puerperal, a exaustão física e as vigílias.

Loucura maníaco-depressiva

U m de nós (Peixoto, 1905) em dez anos encontrou, entre n o s s o s alienados, 6,6% de m a n í a c o - d e p r e s s i v o s . A o contrário do que se o b s e r v a na Europa, o n d e há e x c e s s o de m u l h e r e s , observa-se em n o s s o país u m a leve diferença em favor do sexo m a s c u l i n o , que forneceu, e m dez anos, 6 , 8 % contra 6 , 5 % para o sexo feminino. A loucura m a n í a c o - d e p r e s s i v a é mais tardia entre n ó s . A c o m p a r a ç ã o de nossos n ú m e r o s c o m os de Kraepelin e de Weignandt m o s t r a que, até os vinte anos, temos m u i t o m e n o s m a n í a c o - d e p r e s s i v o s , e após os quarenta anos, temos m u i t o mais do que a A l e m a n h a .

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Demência precoce

A d e m ê n c i a precoce, e m todas as suas variedades kraepelinianas, é muito frequente no Brasil: o fato é facilmente observável d e s d e q u e se agrupou sob esta rubrica casos anteriormente mal classificados.

Os estudos excessivos, que c o m e ç a m c o m demasiada precocidade n o Brasil; maus-tratos domésticos ou nos internatos; os rigores da disciplina; o m e d o das p u n i ç õ e s ; os p e r i g o s d e r e v o l u ç õ e s ; e s t e s s ã o c o m f r e q u ê n c i a os f a t o r e s ocasionais da doença, verificados entre n ó s .

E m um total de 1.806 doentes observados no Hospital Nacional de Alienados ao longo do ano de 1904, e n c o n t r a m o s 217 d e m e n t e s p r e c o c e s , ou seja, 12%, dos quais 165 h o m e n s e 52 m u l h e r e s , perfazendo u m a p r o p o r ç ã o de 1 4 , 5 % para os primeiros e 7 , 8 % para as segundas. O n ú m e r o total de 1 2 % é inferior ao de Kraepelin, q u e indica de 14 a 1 5 % ; inferior i g u a l m e n t e aos de Séglas e D e n y que encontram de 13 a 14%; de J. Crocq, perfazendo 15,66%; e de Levi Bianchini q u e c h e g a a 2 8 % ; é q u a s e igual ao de Sérieux q u e e n c o n t r a de 12 a 1 6 % . A p r o p o r ç ã o de 10% dada por M e e u s é a m e n o s elevada entre todos os autores.

N o s s o n ú m e r o total de 1 2 % a p r o x i m a - s e , e m s u m a , b a s t a n t e d a q u e l e s obtidos por Sérieux, Séglas e Deny.

E m Java, o Professor Kraepelin encontrou a d e m ê n c i a p r e c o c e c o m muita frequência.3

Infelizmente, ele não fornece a sua p r o p o r ç ã o .

Involução senil, melancolia de involução, demência senil

N o s p a í s e s q u e n t e s , a s s i m c o m o n o s f r i o s , a v e l h i c e n ã o p o u p a d a s psicoses. O b s e r v a m o s todas as formas mórbidas descritas na E u r o p a por Ritti, Wille, Kraepelin etc. A p r o p o r ç ã o destas psicoses senis será certamente m e n o s elevada do que os 8% estabelecidos e m Rhinan por Wille, p o r q u e muitos destes doentes são tratados em casa.

Paralisia geral

E m r e l a ç ã o à p a r a l i s i a geral, dois fatos d e v e m ser o b s e r v a d o s : um é o m e n o r n ú m e r o de c a s o s e n t r e nós e a e x t r e m a r a r i d a d e d e s t a s í n d r o m e n a s m u l h e r e s , c o n t r a r i a m e n t e ao que se o b s e r v a e m certos países da E u r o p a e e m

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certos E s t a d o s da A m é r i c a do N o r t e ; o outro é a p r o g r e s s ã o crescente, a cada ano, desta afecção no Brasil.

M u ñ o z e G u s t a v o L o p e z e m Cuba, Niven e m B o m b a i m , Plaxton no Ceilão, M a n n i n g e m N e w South Wales, Sandwith e Peterson no Cairo, Greenless na Afri-ca do Sul, M e i l h o n na Argélia, H o l z i n g e r n a Abissínia, O s t r o w s k y n a Pérsia, Friedrichsen e m Zanzibar, Gillmore Ellis e m Cingapura, Bauer, K o k Ankersmit e van Brero nas índias h o l a n d e s a s , Grieve, L a w e Barnes na G u i a n a Inglesa afirm a r a afirm a raridade da paralisia geral nos cliafirmas quentes. Van Brero escreveu: " D e -m e n t i a p a r a l y t i c a ist e i n e I r r s e i n s f o r -m , w e l c h e in t r o p i s c h e n L á n d e r n w e n i g b e o b a c h t e t w i r d " .4

A c r e d i t a m o s que tanto nos países quentes quanto nos frios a paralisia geral é mais ou m e n o s frequente conforme o grau de civilização.

N o Brasil, ela é mais frequente nos grandes centros.

S o m o s informados, pelas estatísticas levantadas por Penafiel e M o r e i r a ,5 que d e r a m entrada no Hospital Nacional de Alienados no Rio, durante o período de 1889 a 1904, 9 . 6 0 9 d o e n t e s e q u e d e s t e s a p e n a s 2 6 6 , e n t r e os q u a i s 12 mulheres, foram considerados atingidos pela paralisia geral, ou seja, u m a proporção de 2 , 7 6 % sobre a totalidade das entradas. O Hospital Nacional de Alienados é u m hospício p ú b l i c o . N a C a s a de S a ú d e do Dr. Eiras, reservada aos doentes das c l a s s e s m a i s p r i v i l e g i a d a s , a p r o p o r ç ã o foi de 4 , 3 % . Ε p o d e m o s afirmar que muitos dos doentes são tratados e m casa.

C o n f o r m e as e s t a t í s t i c a s de F r a n c o da R o c h a ( 1 9 0 4 ) e m S ã o P a u l o , a p o r c e n t a g e m nessa cidade é mais elevada: 5 , 5 % . E m 1.080 h o m e n s alienados, e n c o n t r o u 90 paralíticos, ou seja, 8 , 3 % . E n t r e 2 6 6 e s t r a n g e i r o s , ele observou 52 paralíticos, ou seja, 8 , 3 % .6

O clima da cidade de São Paulo serve de transição entre o da z o n a subtropical e o da zona t e m p e r a d a amena. E m consequência da altitude, a temperatura dessa localidade diminui consideravelmente e por isso seu clima afasta-se daquele da zona subtropical.

M a s a r a z ã o da d i f e r e n ç a de p o r c e n t a g e m n ã o é o c l i m a . A i m i g r a ç ã o estrangeira mais forte explicará o fato.

A p e s a r de a sífilis atingir u m a grande extensão no Brasil, observa-se uma p r e p o n d e r â n c i a d a s f o r m a s t e g u m e n t a r e s b e n i g n a s , d e m o d o q u e o s i s t e m a n e r v o s o é relativamente p o u p a d o .

4. Em alemão no original: "A dementia paralytica é uma forma de loucura pouco observada em países tropicais" (tradução de Paulo Dalgalarrondo).

5. Em trabalho que seria publicado por Juliano Moreira e Antonio Penafiel, em 1907, no Journal of Mental Science, republicado neste número da RLPF (N. da R.).

(11)

N o entanto, ao lado destas manifestações, um de nós observou não ape-nas n u m e r o s o s casos de t e r c i a r i s m o7

agudo, extenso, que atinge c o m rapidez os ossos e os t e g u m e n t o s , principalmente nos doentes dos distritos rurais e m que há vários fatores de a g r a v a m e n t o da doença, mas ainda casos de terciarismo dos centros nervosos, mais ou m e n o s graves, nos brasileiros descendentes, mais ou m e n o s puros, dos dois grupos étnicos que mais concorreram para o p o v o a m e n -to do país.

Se as localizações encéfalo-medulares de sífilis entre os habitantes do Brasil n ã o s ã o e x c e p c i o n a i s , as a f e c ç õ e s c h a m a d a s d e p a r a s s i f i l í t i c a s n ã o s ã o f r e q u e n t e s , c o m o e m c e r t o s p a í s e s d a E u r o p a e p a r e c e m s e r t o t a l m e n t e d e s c o n h e c i d a s nos aborigines.

Esta imunidade deve ser atribuída a uma influência étnica? Acreditamos que n ã o . O tipo de vida q u e levam estes aborigines, cuja atividade é r e d u z i d a ao m í n i m o , é s e m d ú v i d a a c a u s a d e s t e e s t a d o r e f r a t á r i o . E l e s n ã o t ê m as p r e o c u p a ç õ e s , os males e o excesso de trabalho intelectual do h o m e m civilizado. Se n ã o c o n h e c e m o prazer dos gozos psíquicos, ignoram, em contrapartida, as d e p r e s s õ e s n e u r a s t é n i c a s .

N o s climas tropicais, assim c o m o nos frios, a sífilis é de longe a c a u s a m a i s f r e q u e n t e da p a r a l i s i a g e r a l . E n c o n t r a m o - l a , c e r t a ou p r o v á v e l , e m a p r o x i m a d a m e n t e 8 0 % dos casos. Ela existe c o m o fator p r e d o m i n a n t e em trinta de c e m casos.

Q u a l q u e r q u e seja o v a l o r d a sífilis c o m o c a u s a da p a r a l i s i a g e r a l , a c r e d i t a m o s que ela não é a única. Parece suficientemente d e m o n s t r a d o que os t ó x i c o s m a i s d i v e r s o s p o d e m d a r o r i g e m , n a s p e s s o a s p r e d i s p o s t a s , à meningoencefalite difusa.

A e s t a f a p o r e x c e s s o de t r a b a l h o , p o r m i s é r i a e p r i n c i p a l m e n t e p o r p e r v e r s õ e s g e n é s i c a s , o coito i m o d e r a d o , os abortos p r o v o c a d o s etc., c o m u n s e m certas capitais da E u r o p a , são r e l a t i v a m e n t e raros no Brasil. M a s c o m o o q u o c i e n t e do p r o g r e s s o a u m e n t a g r a d u a l m e n t e , e c o m o eles os m a l e s q u e o a c o m p a n h a m , a paralisia geral c o m e ç a a figurar sensivelmente mais frequente e m n o s s o obituário, e tende a aumentar ainda mais.

A l i á s , t e m o s a c o n v i c ç ã o de q u e a r a r i d a d e da d e m ê n c i a p a r a l í t i c a nas estatísticas dos principais centros do Brasil é maior do que na realidade. Isto se deve, em sua maioria, aos erros de diagnóstico.

M u i t o s m é d i c o s , e dos m a i s i n s t r u í d o s , d e s c o n h e c e m a p a r a l i s i a geral, q u a n d o um alienista não hesitaria em atestá-la, e somente a admitem q u a n d o a síndrome está completa.

(12)

*

* *

U m a q u e s t ã o que d e v e m o s discutir b r e v e m e n t e , antes de concluir, é a da influência dos trópicos sobre o sistema n e r v o s o dos emigrantes dos países frios. E m M a n a u s , e m B e l é m no E s t a d o do Pará, no do M a r a n h ã o , e m Fortaleza, e m P e r n a m b u c o , na B a h i a etc., enfim, e m toda a região do Brasil considerada c o m o p o s s u i n d o climas quentes, v i m o s u m g r a n d e n ú m e r o de e u r o p e u s originários dos países do N o r t e , a l e m ã e s , n o r u e g u e s e s , russos, ingleses etc., viver nas melhores c o n d i ç õ e s de s a ú d e e c o n s e r v a r u m e x c e l e n t e sistema n e r v o s o . É q u e eles se e m p e n h a r a m e m v i v e r c o n f o r m e o c l i m a e r e s p e i t a r a m as p r e s c r i ç õ e s q u e a c o n s e l h a a h i g i e n e p a r a a e x i s t ê n c i a e m tais c o n d i ç õ e s . A o l a d o d e l e s , e m c o n t r a p a r t i d a , v i m o s m u i t o s cujas p e r t u r b a ç õ e s e r a m devidas aos e x c e s s o s de

cibus, de potus e de vénus} U m certo n ú m e r o , aliás, devia ter trazido da E u r o p a

taras degenerativas q u e o c a s i o n a v a m as manifestações mórbidas e, nestes casos, estas ú l t i m a s teriam c e r t a m e n t e a p a r e c i d o da m e s m a forma, se os e m i g r a n t e s não tivessem deixado suas pátrias.

Ε sem nos deter por e n q u a n t o e m aprofundar a afirmação, recordaremos que a emigração pode ser o resultado de estados psicopáticos diversos que incitam o h o m e m a se deslocar, seja e m virtude de ideias de perseguição ou de grandeza, ou ainda de impulsões relacionadas à histeria, à epilepsia, à paralisia geral etc.

Q u a n t o à insónia persistente de que nos falam D a ü b l e r e Rasch, o clima n ã o é de forma a l g u m a sua causa, p o i s , e m nossas zonas e q u a t o r i a i s , não foi o b s e r v a d a u m a frequência maior do que na Europa.

N o s s a s o b s e r v a ç õ e s estão de acordo c o m o que afirma o Diretor do Museu do Pará, o estudioso suíço dr. Goeldi (1902), e m seu estudo sobre o clima da A m a z ó n i a . Ele descreveu: " N i e wáhrend eines m e h r ais 7 j à h r i g e n Aufenthaltes h a b e ich, noch eines meiner Familienmitglieder, noch einer unserer europàischen Museumsangestellten wegen Hitze nicht zu einem erquicklichen Schlafe gelangen k õ n n e n " .9

*

* *

J á se o b s e r v o u c o m o p a r t i c u l a r e s aos c l i m a s q u e n t e s d u a s s í n d r o m e s , c o n h e c i d a s pelos indígenas do A r q u i p é l a g o M a l a s i o sob os n o m e s de Latah e de

Amok.

8. Ou seja, a excessos alimentares, alcoólicos e sexuais (N. da R.).

(13)

A leitura atenta dos trabalhos de S waving (apud van Brero), de Vogler (1853,

apud van Brero), de van de Burg (apud van Brero), de Rasch (1895), de Gillmore

Ellis (1893), de van Brero (1896; 1905) e, finalmente, de Kraepelin (1904; 1904b), que visitou Java no ano passado, leva-nos a crer que o Latah e o Amok não são duas d o e n ç a s independentes e que não são particulares dos climas quentes. Os fenómenos do Latah ( u m a m i o s p a s m i a impulsiva imitativa provocada, segundo M a r i n a e Brero) pertencem certamente, no geral, à doença de Gilles de la Tourette e à histeria. Eles oferecem pontos de s e m e l h a n ç a c o m o miryachit dos siberianos e d o s l a p õ e s , o jumping d o s s a l t a d o r e s n o r t e - a m e r i c a n o s e o bah-tschi dos s i a m e s e s .

O Amok, em contrapartida, não é u m a forma m ó r b i d a unívoca, mas o n o m e g e n é r i c o s o b o q u a l d e s i g n a m - s e atos i m p u l s i v o s e x t r e m a m e n t e v i o l e n t o s , a c o m p a n h a d o s de o b n u b i l a ç ã o . N a verdade, a maioria desses estados deve ser relacionada à epilepsia.

N o ano passado, os jornais do Rio de Janeiro se o c u p a r a m d e m o r a d a m e n t e c o m o c a s o de u m i n d i v í d u o , q u e u m d e l e s n o m e o u de Homem-fera. E s s e i n d i v í d u o , p o s t e r i o r m e n t e internado no Hospital N a c i o n a l de A l i e n a d o s , é um epiléptico: se morasse nas índias holandesas, seria u m típico caso de Amok.

* * *

É o m o m e n t o de dizer algumas palavras sobre os acidentes determinados no h o m e m pelos raios caloríficos do sol. M a s eles não são particulares dos climas tropicais. N ó s os temos visto em Berlim e em Paris. São observados sob todas as latitudes, m e s m o nos limites setentrionais das regiões temperadas. (Vide Hirsch:

Handbuch der historish-geographischen Pathologie 2. ed.; e R. Victor: Allg. Zeits. f. Psych.10

XL, 1 e 2.)

Até hoje muito raramente tivemos a ocasião, no Brasil, de observar estas p e r t u r b a ç õ e s . H á m a i s : u m a coincidência notável. U m caso de paralisia geral que o b s e r v a m o s no hospital, tendo u m a insolação nos antecedentes, c o m e ç o u em u m a c i d a d e da R e p ú b l i c a do U r u g u a i , j á situada e m u m a isoterma da zona temperada. Autores afirmaram que, q u a n d o o golpe de calor atinge o sistema nervoso central, ele p o d e ostentar três formas: a c o m a t o s a , a c o n v u l s i v a e a delirante. Esta última é caracterizada por um delírio agudo. Texier observou u m caso em que o doente atingido pelo delírio furioso queria se j o g a r no mar. Este tipo era anteriormente conhecido sob o n o m e de calentura ou parafrosina calentura, c o m o o c h a m a v a S a u v a g e . A calentura, diz F o n s a g r i v e s , é u m delírio febril, súbito,

(14)

particular dos países q u e n t e s , e cujo caráter específico é inspirar n o d o e n t e o desejo de se j o g a r ao mar. A existência desta afecção havia se apoiado e m alguns fatos, entre os quais o mais importante é a história, relatada por Gaulthier, de trinta marujos e do m é d i c o de bordo se j o g a n d o ao mar e m u m acesso de delírio furioso ( a p u d B o n d i n , Géographie et stat. médicales). A c r e d i t a m o s q u e esta m o d a l i d a d e m ó r b i d a torna-se rara graças, sobretudo, aos progressos da higiene dos n a v i o s , p o r q u e por diversas vezes atravessamos o E q u a d o r e n ã o o b s e r v a m o s u m único caso.

H á m u i t o t e m p o , aliás, F o n s a g r i v e s dizia não haver e n c o n t r a d o u m único e x e m p l o , durante quatro anos de n a v e g a ç ã o nas costas da África, e m u m efetivo de 3.000 h o m e n s . E m terra, diz-se, o g o l p e de calor delirante p o d e a c o m e t e r c o m a m e s m a intensidade. R e p e t i m o s que esta forma m ó r b i d a n ã o é particular aos c l i m a s q u e n t e s p o r q u e , s e g u n d o P r i n g l e , é d u r a n t e os m a i o r e s calores na H o l a n d a que se o b s e r v a r a m no exército inglês estas febres, assinaladas em seu início p o r u m frenesi súbito e tão violento q u e os soldados se l a n ç a v a m de seus carros nos pântanos q u e bordejavam a estrada.

O q u e quer q u e signifique a patogenia do golpe de calor, o aparecimento de seus acidentes cerebrais é favorecido por p r e d i s p o s i ç õ e s individuais. A in-fluência do alcoolismo profissional ou do abuso acidental de bebidas alcoólicas é evidente. Kelsch insistiu c o m muita razão sobre a vulnerabilidade especial dos sujeitos portadores de taras orgânicas, de insuficiência funcional do rim e prin-c i p a l m e n t e de disposições mórbidas, inatas ou adquiridas, do m ú s prin-c u l o prin-cardíaprin-co.

O professor L e D a n t e c ( 1 9 0 5 , p . 180) escreveu: "Os fortes calores acom-p a n h a d o s de noite acom-por insónia, a ausência de qualquer distração, criam nas coló-nias u m e s t a d o m e n t a l particular q u e se c h a m o u p e l o n o m e c a r a c t e r í s t i c o de

sudanita, p o r q u e é o b s e r v a d o c o m m á x i m a intensidade no S u d ã o . As outras

co-lónias não estão imunes a isto e t c . "

N a s zonas mais quentes do Brasil não o b s e r v a m o s absolutamente n a d a de s e m e l h a n t e à c o n h e c i d a sudanita. Aliás, estamos convencidos de q u e as vítimas desta psicopatia pseudotropical são degenerados c o m u n s que facilmente c o m e ç a m a delirar, principalmente por causa da maneira viciada de viver nos climas quentes. É preciso sanear as cidades: nelas quase todos se d e d i c a m a perder a saúde. A estafa, o a l c o o l i s m o , o r e l a x a m e n t o mais ou m e n o s disfarçado dos c o s t u m e s , tudo isso forma candidatos ao fracasso moral e intelectual.

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H á u m a questão ligada a esta dos climas, que é a influência dos grupos étnicos sobre a p r o d u ç ã o e a frequência das psicoses. Para evitar prolongar este trabalho, não p u b l i c a r e m o s agora os resultados de nossas pesquisas. E m relação a esta questão, acreditamos que há u m n ú m e r o de preconceitos a destruir. Nós a discutiremos e m um trabalho posterior.

Conclusões

1. N ã o existe, nas zonas climáticas c h a m a d a s tropicais, n e m nos nativos do país, n e m nos europeus, n e n h u m a forma patológica estranha à neuropsiquiatria de outros climas.

2 . N ã o e x i s t e n e n h u m a r e l a ç ã o e n t r e a p r o p o r ç ã o d o s c a s o s d e l o u c u r a acontecidos no Rio e nas outras cidades do Brasil, e as m á x i m a s térmicas das m e s m a s c i d a d e s .

3. N ã o existe n e n h u m a correlação entre os c o m p o n e n t e s climáticos (temperatura, estado higrométrico etc.) e o n ú m e r o de casos de loucura, nas regiões quentes do Brasil.

4 . N o s c l i m a s q u e n t e s , as c o r r e l a ç õ e s das i n f l u ê n c i a s m e t e o r o l ó g i c a s e das e s t a ç õ e s s o b r e o s a l i e n a d o s a p r e s e n t a m , a s s i m c o m o n o s c l i m a s f r i o s , d i f e r e n ç a s i n d i v i d u a i s . N ã o p o d e r i a m se f o r m u l a d a s r e g r a s g e r a i s a e s t e respeito.

5. A influência dos trópicos sobre o sistema nervoso dos indivíduos originários de países frios varia muito de indivíduo para indivíduo, mas na maioria das vezes ela está ligada à m a n e i r a de viver de cada um e à organização de seu sistema n e r v o s o .

6. N ã o há motivos para crer que nos climas tropicais haja u m a maior frequência de psicoses ligadas à malária. Seu aparecimento nos indivíduos atingidos pelo i m p a l u d i s m o d e p e n d e de outros fatores.

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T A B E L A

P r o p o r ç ã o d a s s í n d r o m e s m e n t a i s o b s e r v a d a s e m 1 . 8 0 6 a d m i s s õ e s no H o s p i t a l N a c i o n a l d e A l i e n a d o s e na C o l ó n i a de A l i e n a d o s do Rio, e m 1 9 0 4

E m 6 7 0

m u l h e r e s

E m 1 . 1 3 6

h o m e n s

E m 1 . 8 0 6

a d m i s s õ e s

N * de

c a s o s %

N * de

c a s o s %

N * de

c a s o s %

Idiotia 10 ( 1, 4 % ) 28 ( 2 , 4 % ) 38 ( 2 , 1 % )

Imbecilidade 19 ( 2 , 8 % ) 81 ( 7 , 1 % ) 100 ( 5 , 5 % )

Debilidade mental 11 ( 1 , 6 % ) 35 ( 3 , 0 % ) 46 ( 2 , 5 % )

Neurastenia

-

-

4 ( 0 , 4 % ) 4 ( 0 , 2 % )

Histeria 186 (27,7%) 9 ( 0 , 8 % ) 195 ( 1 0 , 8 % )

Epilepsia 72 ( 1 0 , 7 % ) 121 ( 1 0 , 6 % ) 193 ( 1 0 , 8 % )

Estados psicopáticos:

d e g e n e r a ç ã o 10 ( 1. 4 % ) 66 ( 5 , 8 % ) 76 ( 4 , 2 % )

Paranóia 4 ( 0 , 6 % ) 16 ( 1 , 4 % ) 20 ( 1 , 1 % )

Psicose tóxica: alcoolismo 103 ( 1 5 , 3 % ) 3 2 8 ( 2 8 , 8 % ) 4 3 1 (23,9%)

Psicose autotóxica: puerperal 2 (0,3%)

-

-

2 ( 0 , 1 % )

Psicose autotóxica: de esgotamento 8 ( 1 , 2 % ) 3 ( 0 , 3 % ) 11 ( 0 , 6 % )

Psicose infecciosa: sífilis

--

17 ( 1 , 5 % ) 17 (0,9%)

Psicose infecciosa: varíola

--

1 ( 0 , 1 % ) 1 (10,8%)

Psicose infecciosa: beribéri

-

-

1 ( 0 , 1 % ) 1 ( 0 , 0 5 % )

Psicose infecciosa: malária

--

3 ( 0 , 3 % ) 3 (0,15%)

Psicose infecciosa: febre amarela 1 ( 0 , 1 % )

-

-

1 ( 0 , 0 5 % )

Psicose infecciosa: anónima (atípica) 5 ( 0 , 7 % ) 22 ( 2 , 0 % ) 27 ( 1 , 5 % )

Loucura maníaco-depressiva 90 ( 1 3 , 3 % ) 89 ( 7 , 9 % ) 1 7 9 ( 9 , 9 % )

Paralisia geral 1 ( 0 , 1 % ) 44 ( 3 , 9 % ) 45 ( 2 , 4 % )

Demência precoce 52 ( 7 , 8 % ) 165 ( 1 4 , 5 % ) 2 1 7 ( 1 2 , 0 % )

Demência terminal consecutiva

a diversas psicopatías 64 ( 9 , 5 % ) 53 ( 4 , 7 % ) 117 ( 6 , 5 % )

Involução senil paranóide

-

-

2 ( 0 , 2 % ) 2 ( 0 , 1 % )

Melancolia de involução

-

-

7 ( 0 , 6 % ) 7 ( 0 , 3 % )

Demência senil 20 ( 2 , 9 % ) 11 ( 1 , 0 % ) 31 ( 1 . 7 % )

Não-alienados 2 ( 0 , 3 % ) 15 ( 1 , 3 % ) 17 ( 0 , 9 % )

Em observação 10 ( 1 , 4 % ) 15 ( 1 , 3 % ) 25 ( 1 , 4 % )

(17)

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Referências

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