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O LUGAR DO GÊNERO NAS POLÍTICAS DE SEGURIDADE SOCIAL MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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Academic year: 2018

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(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC

SP

LUCIANA ROSA CAMPOS

O LUGAR DO GÊNERO NAS POLÍTICAS DE

SEGURIDADE SOCIAL

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

(2)

LUCIANA ROSA CAMPOS

O LUGAR DO GÊNERO NAS POLÍTICAS DE

SEGURIDADE SOCIAL

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Serviço Social, sob orientação do Professor Dr. Ademir Alves da Silva.

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CAMPOS, Luciana Rosa. O Lugar do Gênero nas Políticas de Seguridade Social. 2012. Dissertação de Mestrado em Serviço Social. Pontifícia Universidade Católica/SP.

Página / Linha Onde se lê Leia-se

Bibliografia.

Página 106 – terceiro item.

Onde se lê: ______. Genêro, patriarcado e violência. São Paulo:Perseu Abramo, 2004. Leia-se: SAFFIOTI, Heleieth I. B. Genêro, patriarcado e violência. São Paulo:Perseu Abramo, 2004. (conforme descrito na página 109)

Inclua-se:

FLEURY, Sônia. Estado sem cidadãos: Seguridade Social na América Latina. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ,1994.

GARCIA, Carla Cristina. Breve história do feminismo. São Paulo: Claridade, 2011. 26 / 25 (citação)

26 / 26 (citação)

35 / 24 no modo pelo qual, e são reconhecidas

e no modo pelo

qual são reconhecidas

forma foram

Uma tomada a tomada 17 / 4 (citação) alimentavam alimentavam-se

51 / 4 dos Anexos do Anexo.

52 / 14(citação) e no meu entendimento isso no meu entendimento é isso

55 / 11(citação) que por se identifica que se identifica

56 / 14(citação) então da precisava então precisava

70 /11 e 27(citação) CRAS 1 CRAS 3

92 / 5 entrevisituaçstada entrevistada

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todas as mulheres do mundo, a todas as lutadoras e sábias mulheres. A todas as feministas que me permitiram chegar até aqui, se não fosse sua luta isso não seria possível.

Dedico também ao Fabio, meu esposo, por seu apoio, companheirismo e cumplicidade. À minha mãe pelo exemplo de vida, por sua dedicação e amor incondicional.

À minha irmã, que mesmo distante, esteve presente em todos os momentos.

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AGRADECIMENTOS

Momento de plenitude que desejo compartilhar com toda a humanidade, que a felicidade que sinto agora possa emanar para a construção de um mundo melhor. Que essa felicidade possa cada dia mais se transformar em luta e que essa luta se converta em felicidade para todas e todos.

Difícil, senão impossível, chegar até aqui sem a imensa contribuição de pessoas amadas. É chegada a hora de agradecer a todas as pessoas que contribuíram para essa conquista.

Primeiramente, agradeço a Deus, força suprema, Oxalá! Por minha vida e pela vida de todas as pessoas, pelo amor, pela fé e pela felicidade.

Agora, novamente, a Deus por ter permitido que eu encontrasse em minha vida uma pessoa maravilhosa, que me faz muitíssimo feliz: meu esposo Fabio.

Agradeço ao Fabio, por seu companheirismo, pelas risadas e por me chamar a atenção nas horas certas. Agradeço por sua valiosa compreensão, cumplicidade. Não somente por sua contribuição afetiva, mas também pelas noites em claro necessárias para a concretização deste trabalho. Obrigada meu amor, por dividir sua vida comigo, comprovando empiricamente que são possíveis relacionamentos sem opressão.

A minha mãe que me ensinou que a vida só vale a pena se for de luta. Sua história, sua força e determinação me fazem uma pessoa melhor. Obrigada por tudo!

Agradeço a meus irmãos e irmã, por seu apoio incondicional, por compreenderam minhas ausências.

À minha família por minha história, por vivências e aprendizados.

Agradecimento especial para minhas colegas de mestrado que se tornaram amigas companheiras, dividindo as mesmas angústias e felicidade do mestrado: Maria, Toninha, Luciana e Viviane. Vocês tornaram minha vida mais bonita e leve.

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Às minhas amigas do CRM – Inês Israel dos Santos – Marlene, Cristina, Cleonice, Wania, Vera e Sonia por todas as vivências e aprendizados, sou uma pessoa muito melhor graças a vocês.

A minha amiga de todas as horas, de toda a vida: Marisa, que me acolhe, me apoia e me ensina cotidianamente que um mundo melhor é possível.

Às Professoras Dra. Maria Lucia Martinelli, Dra. Marilda Lemos, por suas valiosíssimas contribuições no Exame de Qualificação, por sua generosidade e apoio.

À Professora Dra. Carla Cristina Garcia, por dividir sua sabedoria de forma humilde, acessível e bem humorada.

À Vânia, secretária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social, da PUC-SP, por sua paciência, generosidade e disponibilidade.

Às agências CAPES e CNPQ pelo apoio de concessão de bolsa.

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“Se alguém disser pra você não cantar Deixar teu sonho ali pra uma outra hora Que a segurança exige medo

Que quem tem medo, Deus adora Se alguém disser pra você não dançar Que nessa festa você tá de fora

Que você volte pro rebanho. Não acredite, grite, sem demora”.

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RESUMO

As políticas sociais brasileiras adotam ou negligenciam a perspectiva de gênero? Sob esta indagação, tendo como foco os serviços básicos do âmbito da Seguridade Social – Saúde, Previdência e Assistência Social − na cidade de São Paulo, o objeto da presente dissertação consistiu em investigar em que medida os programas e serviços sociais governamentais podem contribuir ou não para enfrentar a desigualdade de gênero. O percurso investigativo abrangeu três fases: a inicial exploratória e de construção do referencial teórico-conceitual; a pesquisa empírica, com a realização das entrevistas; e a análise e interpretação dos depoimentos coligidos. O referencial teórico-conceitual contemplou as categorias de Estado, Seguridade Social, patriarcado, gênero, feminismo e poder intrafamiliar. Para a pesquisa empírica, foram selecionados três CRAS – Centros de Referência de Assistência Social, três UBS – Unidades Básicas de Saúde, três APS – Agências da Previdência Social e, adicionalmente, três unidades dos CCM – Centros de Cidadania da Mulher, junto aos quais foram colhidos os depoimentos dos respectivos gestores, com base em roteiro de entrevista semiestruturada. Devido a condicionalidades administrativas, não foi possível realizar uma das entrevistas previstas para as UBS. Com a pesquisa, foram colhidas evidências empíricas de que, a despeito dos avanços e conquistas quanto ao reconhecimento da desigualdade de gênero, as medidas e estratégias adotadas terminam, de modo explícito ou sutil, por reiterar a condição social da mulher enquanto mãe e cuidadora no interior da família, em detrimento de sua individualidade enquanto cidadã, com amplas possibilidades de inserção e protagonismo na vida social, não se restringindo à maternidade. A pesquisa identificou uma dupla tendência quanto à questão estudada. De um lado, o reconhecimento da subordinação das mulheres – representada em grande parte por sua sobrecarga de cuidados familiares e domésticos – o que indica uma possibilidade de mudança no que tange às relações de gênero, na medida em que se reconhece que essas diferenças se convertem em desigualdade. Por outro lado, a clara constatação de que ainda prevalecem os critérios socialmente forjados acerca do que seria considerado próprio e inerente às mulheres e do que se afasta de expectativas historicamente construídas quanto ao seu papel familiar e social, reservando-lhe uma condição de subalternidade e impondo-lhe uma sobrecarga física e emocional no desempenho do referido papel.

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ABSTRACT

Do Brazilian social policies adopt or neglect gender perspective? On this inquiry, focusing on basic services from the scope of social security - health, social security and welfare - in the city of São Paulo, the object of this dissertation was to investigate the extent to which governmental social programs and services can contribute or not to fight gender inequality. The investigative path covered three phases: the initial exploratory and construction of the theoretical-conceptual reference one; empirical research with the interviews; and the analysis and interpretation of the testimonies collected. The theoretical-conceptual reference included the categories of State, social security, patriarchy, gender, feminism and intrafamily power. For empirical

research we selected three CRAS - Reference Centers for Social Assistance, three UBS - Basic Health Units, three APS - Welfare Agencies and, additionally, three CCM units - Centers of Women's Citizenship, from whom the respective managers' testimonies were collected, based on semi-structured interview. Due to administrative conditionalities, it was not possible to perform one of the interviews scheduled for UBS. Along with the research it was collected a set of empirical evidence that, despite the advances and achievements as to the recognition of gender inequality, measures and strategies adopted ended, explicitly or subtly, by reiterating woman's social condition as mother and caregiver within the family, to the detriment of her individuality as a citizen, with wide possibilities for integration and leadership in social life, not restricted to maternity. The research identified a dual trend on the qustion studied. On one side, the recognition of women's subordination - represented largely by their overload of family and domestic care - which indicates a possibility of change in relation to gender relations, as it is recognized that these differences become inequality. On the other hand, the clear observation that the criteria socially forged still prevails about what is considered proper and inherent to women and what departs from expectations historically constructed as to their familiar and social role, reserving them a condition of inferiority and imposing on them a physical and emotional burden on the performance of that role.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

APS – Agência da Previdência Social CCM – Centro de Cidadania da Mulher

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

ESF – Estratégia de Saúde da Família

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INSS – Instituto Nacional do Seguro Social

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome NEPPS – Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Políticas Sociais PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PNPM – Plano Nacional de Políticas para as Mulheres

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento SIS – Síntese de Indicadores Sociais

SPM – Secretaria de Políticas para as Mulheres SUAS – Sistema Único de Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde

UBS – Unidade Básica de Saúde

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...12

CAPÍTULO 1. CLASSE, PATRIARCADO E DESIGUALDADE DE GÊNERO...16

CAPÍTULO 2. LINGUAGEM, PODER E RELAÇÕES DE GÊNERO...29

CAPÍTULO 3. ESTADO, SEGURIDADE SOCIAL E PERSPECTIVA DE GÊNERO...36

3.1. Estado e perspectiva de gênero...44

3.2. Serviços básicos de Seguridade Social no Município de São Paulo...48

CAPÍTULO 4. O LUGAR DO GÊNERO NAS POLÍTICAS DE SEGURIDADE SOCIAL...51

4.1. O conceito de gênero...51

4.2. Determinações socio-históricas e culturais: mulher, mãe e cuidadora...56

4.3. Mulher e papéis familiares...62

4.4. Legislação e políticas sociais: igualdade legal e desigualdade real...68

4.5. Perversa ambiguidade: a proteção que subordina...73

4.6. Poder intrafamiliar: econômico e sociocultural...85

4.7. Políticas sociais: estratégias de enfrentamento à desigualdade de gênero?...89

4.8. Estado, feminismo e transversalidade do gênero nas políticas sociais...93

CONSIDERAÇÕES FINAIS...98

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 106

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12

INTRODUÇÃO

Constitui objeto desta dissertação compreender se as políticas de Seguridade Social que consideram a perspectiva de gênero contribuem para a eliminação/redução da desigualdade entre homens e mulheres.

As primeiras indagações quanto ao problema enunciado são oriundas de nossa trajetória profissional. Duas vivências foram fundamentais para que as inquietações iniciais se forjassem: uma enquanto gestora de um Centro de Referência da Mulher (CRM); e outra enquanto assistente social no INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Estas experiências nos trouxeram importantes reflexões a respeito de uma possível clivagem de gênero no acesso a políticas públicas.

Sem desconsiderar as desigualdades inerentes ao sistema de classes, a percepção dessas desigualdades se dá de forma diferente para homens e mulheres. Pinsky e Pedro (2010, p. 304) entendem que, apesar dos grandes avanços conquistados pelas mulheres, na maioria dos países do Ocidente elas ainda são atingidas pela violência, recebem salários menores e sofrem diferentes tipos de preconceitos.

Considerando o processo histórico pelo qual a cidadania das mulheres foi construída – ressaltando que por muito tempo essa cidadania foi totalmente negada –, nossas indagações partiram principalmente da construção histórica e sociocultural dos papéis de gênero e de como esses papéis eram significados nas políticas sociais. Inicialmente, as reflexões eram amplas, se dirigiam a distintas áreas de diversas políticas sociais como: a saúde mental das mulheres, a reprodução dos papéis de gênero no âmbito da educação infantil, a alocação na Assistência Social de serviços de atendimento específico às mulheres.

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13 historicamente como campo de tensionamento de direitos e importante lócus de exercício da cidadania.

Sob a perspectiva de gênero, buscamos analisar as políticas de Seguridade Social operacionalizadas no Município de São Paulo, indagando quanto ao seu impacto na redução da desigualdade de gênero, sob as seguintes hipóteses: a) As políticas sociais alcançam maior efetividade no enfrentamento à desigualdade entre homens e mulheres quando assumem e adotam, explicitamente, a perspectiva das relações de gênero na formulação de metas e estratégias; b) Os programas e serviços especificamente voltados às mulheres têm contribuído para a redução das desigualdades de gênero.

Os procedimentos metodológicos foram divididos em três fases: inicialmente, realizamos a pesquisa exploratória, que nos permitiu a construção do referencial teórico-conceitual; a segunda fase consistiu na realização da pesquisa empírica, com a realização das entrevistas; e a última fase concretizou-se na análise e interpretação dos depoimentos coligidos.

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14 Houve dificuldades para a realização da pesquisa no caso da área da Saúde. Uma das regiões foi prejudicada por condicionalidades administrativas, de forma que não foi possível realizar uma das entrevistas previstas para as UBS.

Os sujeitos e sujeitas1 da pesquisa são gestores e gestoras dos serviços

mencionados, de forma que o grupo é composto por 8 mulheres e 3 homens. Todos e todas com formação superior, sendo 1 Socióloga, 5 Assistentes Sociais, 2 Administradores, 1 Enfermeira, 2 Bacharéis em Direito.

Foram realizadas, desta forma, 11 entrevistas baseadas em roteiro semiestruturado. Salientamos que as entrevistas foram transcritas por esta autora, um trabalho árduo, mas que possibilita dar maior atenção a entonações, pausas e intensidade de falas, o que, a nosso ver, enriqueceu a análise podendo significar melhor o que cada sujeita(o) pretendia.

As entrevistas transcritas foram analisadas sob o arcabouço teórico conceitual constituído das seguintes categorias: Estado, Seguridade Social, patriarcado, gênero, feminismo e poder intrafamiliar.

Assim sendo, a presente dissertação é composta de quatro capítulos. O capítulo 1 traz reflexões sobre a construção dos conceitos de Gênero e Patriarcado e de como esses conceitos se articulam entre si para compreendermos sua inserção na matização das desigualdades.

O capítulo 2 reflete uma conceituação de poder e de como isso se reflete na linguagem. Linguagem tratada ali como meio de comunicação que reproduz mecanismos socialmente determinados de subordinação, mas que podem se constituir em importante ferramenta de desconstrução das relações desiguais sob a perspectiva de gênero.

1 O que figura, à primeira leitura, como erro ortográfico ou impropriedade no uso de termos masculinos e femininos, constitui, no âmbito de nossa pesquisa, assumida transgressão da regra, denunciando a invisibilidade e a subordinação da mulher reproduzidas pelo uso de

termos ou expressões que são tomados como nomeadores do “universal”, negligenciando a

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15 No capítulo 3, abordamos a constituição do sistema de Seguridade Social brasileiro, destacando elementos importantes que influem diretamente na percepção da perspectiva de gênero.

O capítulo 4 constitui a análise das entrevistas à luz das categorias mencionadas, buscando dar voz às(aos) sujeitas(os) desta pesquisa. É neste capítulo que apresentamos nossas conclusões e impressões.

Finalmente, é necessário ressaltar que nossa pretensão com este trabalho é a de contribuir para que as mulheres sejam protagonistas da luta pela equidade de gênero. Como nas palavras de uma das autoras que deram base para esta dissertação, Marcela Lagarde: “Vim para somar-me a um sim que soe forte. / Que chegue a todas e todos, que nos comova. / Sim a uma educação por uma sexualidade livre. / Sim, porque nossa liberdade é, em

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16

CAPÍTULO 1.

Classe, Patriarcado e Desigualdade de Gênero

No dia 8 de março – Dia Internacional da Mulher – de 2011, a Presidenta da República, Dilma Rousseff, publicou mensagem em homenagem às mulheres brasileiras na qual afirma focalizar nas mulheres os programas de erradicação da pobreza2:

No Brasil, a pobreza tem cara: ela é muito feminina, está ligada às mulheres. Quanto mais pobre a família, maior a chance de que ela seja chefiada por uma mulher. Estou convencida de que uma política bem-sucedida de eliminação da miséria deve ser focada na mulher e na criança.

Na mesma missiva, a Chefe de Estado afirma que os programas sociais – inclusive o Bolsa Família – privilegiam as mulheres e que sua eficiência se dá justamente por isso.

É importante ressaltar duas possibilidades de análise dessa afirmação. A primeira diz respeito a uma atribuição social feminina de gerir a casa, realizar tarefas que propiciem o bem estar da família; assim, ao focalizar programas sociais em mulheres, o governo reforça papéis sociais de gênero. Sobre o papel feminino na administração doméstica, Pinsky e Pedro (2010) afirmam que as mulheres:

2 Mensagem da Presidenta Dilma Rousseff por ocasião do Dia Internacional da Mulher.

Disponível em: <http://blog.planalto.gov.br>. Acesso em: 30/10/2011.

“Que é mesmo a minha neutralidade senão a

maneira cômoda, talvez, mas hipócrita, de esconder minha opção ou meu medo de acusar a injustiça? ‘Lavar as mãos’ em face da opressão é reforçar o poder do opressor, é

optar por ele”.

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17 Administravam também, no cotidiano, os ganhos familiares e os gastos domésticos. Essa responsabilidade transformava-se num fardo nos momentos de penúria – quando as mulheres, sacrificando-se, alimentavam menos em beneficio dos outros membros da família –, mas também legitimava suas ações nas ruas, nos mercados (controlando os preços, revoltando-se contra os abusos e exigindo providências das autoridades) e

fortalecia a figura feminina da “mãe” na família (PINSKY;

PEDRO, 2010, p.279).

Por outro lado, ao realizar a gestão dos recursos das famílias, as mulheres exercem poder. Esta segunda possibilidade de análise diz respeito ao entendimento de que mesmo no interior das famílias há assimetria na distribuição de poderes, assim, quando a mulher é quem fica com a responsabilidade de gestão, é ela quem tem o poder de decisão, combatendo as desigualdades de gênero e possibilitando-lhes uma alternativa à subordinação feminina.

Faz-se necessário aprofundar essas afirmações no sentido de compreendermos quais são essas desigualdades e em que bases estão fundadas. Primeiramente, precisamos realizar a compreensão do significado do termo “gênero”.

Scott (1995, p. 86) define gênero baseado em duas proposições que devem ser entendidas em conexão: a primeira é que o “gênero é um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos”; este entendimento deve estar ligado à compreensão de que “o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de poder”.

No sentido de definir o conceito de gênero, Saffioti (2004, p. 116) lembra que o conceito de gênero refere-se à construção social do feminino e do masculino, aos papéis construídos relativos aos sexos, de forma inter-relacionada, de modo que não há nenhuma sociedade sem distinção de sexos. Entretanto, lembra também que a diferença dos sexos não deve, necessariamente, constituir-se em desigualdade.

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18 Dessa forma, entendemos por gênero o conjunto cultural, social e histórico de normas, valores, costumes e práticas por meio dos quais a diferença biológica entre homens e mulheres é significada na sociedade e convertida em desigualdade.

A mensagem da Presidenta brasileira, acima exposta, corresponde a essas construções sociais. Da mesma forma, as ações de governo, as políticas públicas, estão permeadas por esses entendimentos a respeito do gênero. Em referência à distinção de gênero pelo Estado, Mariano (2010) afirma que:

As diferenças de gênero na relação com o Estado podem ser exemplificadas a partir da distinção no modo de conceber os direitos e deveres de mulheres e homens. Enquanto os direitos civis, políticos e sociais contribuíram historicamente para reforçar um padrão de subordinação feminina, os deveres também eram concebidos de modo sexuado (MARIANO, 2010, p. 41).

Para Saffioti (2004) e Pateman (1993), o conceito de gênero não é suficiente para explicar a profunda desigualdade existente entre homens e mulheres. Saffioti (2004) entende que o conceito de gênero é muito mais vasto que o conceito de patriarcado, sendo que o primeiro compreende a possibilidade de relações igualitárias, enquanto o segundo pressupõe a hierarquia entre os sexos.

Pateman (1993) defende que a sociedade é baseada num contrato sexual, no qual os homens têm primazia sobre as mulheres. Em critica à teoria clássica do contrato social, a autora afirma que homens e mulheres não poderiam contratar da mesma forma, devido à inserção subordinada das mulheres. Segundo a autora, o patriarcado, de forma única, se refere especificamente à subordinação da mulher, considerando, assim, o direito político que os homens exercem pelo fato de serem homens.

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19 gênero, que é, para a autora, muito mais ideológico do que o conceito de patriarcado.

O patriarcado refere-se a milênios da história mais próxima, nos quais se implantou uma hierarquia entre homens e mulheres, com primazia masculina. Tratar esta realidade em termos exclusivamente do conceito de gênero distrai a atenção do poder do patriarca, em especial como homem/marido,

“neutralizando” a exploração-dominação masculina. Neste sentido, e contrariamente ao que afirma a maioria das (os) teóricas (os), o conceito de gênero carrega uma dose apreciável de ideologia. E qual é esta ideologia? Exatamente a patriarcal, forjada especialmente para dar cobertura a uma estrutura de poder que situa as mulheres muito abaixo dos homens em todas as áreas da convivência humana. É a esta estrutura de poder, e não apenas à ideologia que a acoberta, que o conceito de patriarcado diz respeito. Desta sorte, trata-se de conceito crescentemente preciso, que prescinde das numerosas confusões de que tem sido alvo [...] Não se trata de abolir o uso do conceito de gênero, mas de eliminar sua utilização exclusiva (SAFFIOTI, 2004, p. 136 e 138).

Engels (2010), em A origem da família, da propriedade privada e do Estado, reflete sobre a responsabilidade masculina de prover os meios de vida da família:

Hoje na maioria dos casos, é o homem que tem que ganhar os meios de vida, alimentar família, pelo menos nas classes possuidoras; e isso lhe dá uma posição dominadora que não exige privilégios legais especiais (ENGELS, 2010, p. 97).

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20 Saffioti (2004,pp.35) aponta que os homens são os mais sobrecarregados quando se pensa em provimento das necessidades materiais das famílias, o que acarreta grande sentimento de impotência quando esse objetivo não é atingido. Afirma, também, que cabe aos homens colocarem-se em risco em atividades que representam força, virilidade, já que aos homens

não é socialmente permitido falhar. Assim, a socióloga reflete: “Então,

poder-se-ia perguntar: o machismo favorece sempre os homens? Para fazer justiça, o sexismo prejudica homens e mulheres em suas relações” (Saffioti, 2004, p. 35). Safiotti (2004, p.138) afirma que a luta pela igualdade não exclui os homens, já que se trata de transformar a relação entre homens e mulheres. Contudo, para a autora, o processo de mudança deve ser liderado pelas mulheres, que têm interesse fundamental na mudança como sujeito “dominado -explorado”. Não se trata, assim, de uma luta contra os homens, a intenção é de incluí-los e aproximá-los.

O entendimento de Saffioti (2004) de que as desigualdades constituem fonte de conflitos, sobretudo no Brasil, com desigualdades tão profundas, vai ao encontro da pesquisa realizada pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que afirma que a pobreza diminuiria em 20% se houvesse igualdade de gênero no Brasil.

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21 Fonte: www.pnud.org.br

O relatório da pesquisa afirma que na sociedade há diversas formas de manifestação da desigualdade de gênero, e que essas desigualdades são intrinsecamente injustas – assim como outras formas de desigualdade – e devem ser combatidas.

A este respeito Moraes (2010) afirma que:

No Brasil, a questão da cidadania enfrenta a segregação na

pobreza de um enorme contingente da população. Somos uma das dez maiores economias do mundo, e ao mesmo tempo, um dos quatro países do mundo com maior concentração de riqueza e desigualdade social. Essa desigualdade atinge especialmente as mulheres, que são mais pobres que os homens, ganham menores salários e assumem maiores responsabilidades familiares e domésticas. As mulheres brasileiras, discriminadas e oprimidas, como na maior parte das sociedades, constituem, entretanto, um dos segmentos que mais se destacam na luta pela universalização dos direitos sociais, civis e políticos (MORAES, 2010, p. 495).

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22 afirma que a grande derrota do sexo feminino foi o desmoronamento do direito materno. Ao falar em derrota, Engels nos chama a atenção para o fato de não poder haver derrota sem luta que a preceda.

De forma correlata, há a leitura de Pateman (1993) para quem o contrato social é simultaneamente um contrato sexual, compreendendo-o como o direito dos homens sobre as mulheres, bem como o direito de acesso/controle sexual. Nessa leitura, há uma disputa inerente à condição da distribuição assimétrica de poder entre homens e mulheres. Pateman defende que enquanto o contrato social representa a liberdade (de fazer contratos) o contrato sexual representa a sujeição (das mulheres).

Aparentemente o pensamento de Engels (2010) e Pateman (1993) não apresentam ligação. Compreendemos, entretanto, que para ambos está subsumida a história de sujeição da mulher, uma história socialmente construída, em que representações – a respeito dos papéis atribuídos a homens e mulheres, que, entendidos como naturais, desencadeiam e perpetuam a naturalização da desigualdade – estão presentes cotidianamente na vida de homens e mulheres.

A convergência que percebemos se dá no sentido de compreendermos a dimensão cultural da dominação a que estão submetidas todas as mulheres. A sujeição a que se refere Pateman (1993) e a derrota a que se refere Engels (2010) dizem respeito ao mesmo processo de dominação e subordinação a que as mulheres foram submetidas, não se trata, apenas, de uma dimensão econômica, mas também cultural e histórica.

Assim, retomando o pensamento de Beauvoir (1967), ao nascerem, os indivíduos aprendem o significado de ser homem e de ser mulher:

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23 E esse aprendizado passa pela “cultura” de liberdade/sujeição. De acordo com esse pensamento, as mulheres têm historicamente travado luta pela equidade, sem deixar de afirmar a diferença. Para Pateman (1993, p. 326), as mulheres foram incorporadas à sociedade com sua liberdade apenas aparentemente garantida, essa garantia seria renovada sempre que o entendimento sobre o contrato social partisse “para a linguagem do individuo”.

Saffioti (2004, p.122) entende que as mulheres nunca atingiram a categoria de indivíduos. Considerando o ideário liberal acerca da individualidade, a questão do contrato toma importante dimensão. Na medida em que os indivíduos contratam entre si – aparentemente em situação de igualdade –, logo, se as mulheres não atingiram o status de indivíduos, nunca puderam contratar em igualdade.

Nosso entendimento está direcionado para a compreensão de que o processo de naturalização das desigualdades mascara um grande abismo entre homens e mulheres.

Saffioti (2004, p. 122) defende que o patriarcado é transversal a todas as áreas da vida em sociedade, o que assegura certa invisibilidade às relações desiguais entre os sexos, bem como o desvincula de outros “esquemas de exploração-dominação mais amplos, que o promovem e protegem”. Compreendemos que essa proposta refuta a ideia de que público e privado são âmbitos estanques, como espaços reservados a cada um dos sexos.

(25)

24 Entendemos que o âmbito privado estabelece intrínseca relação com o âmbito público na medida em que as relações desiguais entre os sexos perpassam todos os aspectos da vida.

Os espaços públicos e privados são igualmente constitutivos da formação dos indivíduos e contribuem para sua conformação enquanto tal. Essa compreensão permite apreender a formação das mulheres enquanto objeto do contrato sexual segundo Pateman (1993, p.17), mas também como reprodutoras da ideologia patriarcal. Saffioti (2004, p.102) defende a ideia de que as mulheres imbuídas da ideologia patriarcal reproduzem-na ao disciplinar as crianças e adolescentes e, assim, ainda que não compreendam dessa maneira, sem intenção o alimentam. Acionado tanto por homens quanto por mulheres, esse mecanismo funciona quase que automaticamente, ao mesmo tempo em que contribui para promover a guerra entre essas.

Contudo, a autora reflete sobre esse processo de socialização feminina, e propõe que tal processo não é a única explicação a respeito da consciência que elas têm de si, mas também a sua fixação no papel de esposas:

Obviamente, a socialização faz parte desse processo de se tornar mulher/esposa. Mas não se trata apenas daquilo que as mulheres introjetaram em seu inconsciente/consciente. Trata-se de vivências concretas na relação com homens/maridos (SAFFIOTI, 2004, p. 131).

Considerar o espaço privado como lócus importante na socialização dos sexos permite-nos ponderar a respeito da ampla capilarização que a sociabilidade dos espaços privados exerce sobre espaços públicos, naturalizando a atribuição desigual de papéis e poderes para homens e mulheres.

Cabe-nos dizer, a respeito da estreita ligação entre patriarcado e capitalismo, que ambos correspondem ao propósito de exploração-dominação conforme descrito por Saffioti (2004).

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25 descrever a trajetória das conquistas dos direitos das mulheres, Pinsky e Pedro (2010) apresentam no decorrer da obra exemplos de que a história moderna das mulheres está repleta de intersecções com o capitalismo, na medida em que os direitos avançam ou recuam conforme os interesses dominantes. Utilizamos o exemplo empregado pelas autoras a respeito das políticas de planejamento familiar: ora utilizado como controle de natalidade para evitar uma superpopulação (de pobres), ora como estímulo à procriação para evitar o aumento excessivo do envelhecimento da população e garantir mão de obra produtiva (PINSKY; PEDRO, 2010, p. 301).

A afirmação de Engels (2010, p. 97) de que a primeira opressão de classes coincide com a opressão do sexo masculino sobre o sexo feminino é extremamente relevante ao analisarmos a fundamentação política e econômica da desigualdade entre homens e mulheres.

Desta sorte, a base econômica do patriarcado não consiste apenas na intensa discriminação salarial das trabalhadoras, em sua segregação ocupacional e em sua marginalização de importantes papéis econômicos e político-deliberativos, mas também no controle de sua sexualidade e, por conseguinte, de sua capacidade reprodutiva. Seja para induzir as mulheres a ter grande número de filhos, seja para convencê-las a controlar a quantidade de nascimentos e o espaço de tempo entre os filhos, o controle está sempre em mãos masculinas, embora elementos femininos possam intermediar e mesmo implementar estes projetos (SAFFIOTI, 2004, p. 106).

Essa compreensão de entrelaçamento entre patriarcado e capitalismo forja uma gama de desigualdades tão gigantescas que, ao se conjugarem, matizam relações desiguais, vivenciadas cotidianamente pelos sexos.

Contudo, essas desigualdades – inerentes ao sistema capitalista e fundamentais para justificar a naturalização da assimetria de poderes entre homens e mulheres –, como movimentos do real vivenciado coletiva e individualmente, são em si mesmas pontes para sua ruptura.

(27)

26 patriarcal dos sistemas, justamente por naturalizar as desigualdades, indicando o movimento de dissociação entre os espaços públicos e privados.

Patriarcado e capitalismo reproduzem-se mutuamente, justificando e naturalizando as desigualdades constituídas em bases históricas, sociais, econômicas e políticas. Portanto, não compreendemos as relações de gênero desvinculadas da reprodução do sistema capitalista, ou seja, o gênero compõe a estrutura/conjunto de relações sociais. De acordo com Faria e Nobre (1997), não há oposição entre a questão da desigualdade de gênero, na perspectiva da desigualdade vivenciada pelas mulheres, e a questão social enquanto fenômeno amplo e complexo constituinte do sistema capitalista.

Compreendemos que os conceitos de gênero e patriarcado não estão desvinculados de outros conceitos, como raça e etnia, geração, origem. Não significa afirmar que a desigualdade de gênero – assim como as questões étnico-raciais e/ou orientação sexual, entre outras já citadas – seja o ponto inicial da contradição do sistema capitalista, mas está imbricada, emaranhada, neste sistema e a ele serve.

Considerando o pensamento até aqui desenvolvido, julgamos pertinente a utilização conjunta dos conceitos de gênero e patriarcado, que, no contexto deste trabalho, serão utilizados para a análise das políticas sociais.

Importante salientar que os conceitos de gênero e patriarcado são contribuições fundamentais do feminismo. Certamente, se não fosse a contribuição histórica do feminismo, não estaríamos realizando este trabalho. Neste sentido, a contribuição feminista se dá dialeticamente tanto na teoria quanto na prática. Garcia (2011) defende que o feminismo é:

Uma tomada de consciência das mulheres como coletivo humano, da opressão, dominação e exploração de que forma e são objeto por parte do coletivo de homens no seio do patriarcado sob suas diferentes fases históricas, que as move em busca da liberdade de seu sexo e de todas as transformações da sociedade que sejam necessárias para este fim. Partindo deste princípio, o feminismo se articula como filosofia, política e ao mesmo tempo movimento social

(28)

27 A apreensão da articulação do feminismo em filosofia, política e movimento social, conforme propõe a autora, é essencial para compreendermos as transformações realizadas na sociedade a partir da atuação das feministas. Essas contribuições se refletem teoricamente neste trabalho. Politicamente, na transformação da sociedade.

Na obra de Garcia (2011) diversos aspectos são abordados, dos quais destacamos duas contribuições da autora: a invisibilidade da mulher na sociedade, em que historicamente as mulheres e suas realizações foram invizibilizadas, caladas; e a respeito do aporte teórico realizado pelos feminismos3.

Compreender que as mulheres foram historicamente invisibilizadas é mister para este trabalho na medida em que pretendemos compreender qual a importância da perspectiva de gênero nas políticas de Seguridade Social. Se, em muitos aspectos, as mulheres ficaram invisíveis, é possível que essa invisibilidade se reflita nas políticas públicas.

Isto, portanto, remete-nos ao segundo aspecto: o feminismo construiu importantes bases filosóficas e políticas para sua atuação como movimento social e isso se reflete em muitas produções acadêmicas, militâncias e em grande de força de pressão para que o Estado seja um dos agentes da transformação da situação das mulheres, sob a ótica de gênero. Esta menção é importante, porque historicamente os direitos das mulheres foram conquistados pelas mulheres. Assim, o feminismo tem papel fundamental para que as necessidades das mulheres sejam atendidas pelo Estado.

Pedimos licença à(ao) leitora(or) para fazermos uma citação que, apesar de longa, é de grande expressividade para este trabalho:

La perspectiva de género implica una visión del mundo y una

política feminista, contenidas en el concepto “perspectiva”.

3

Utilizamos aqui o termo “feminismos” em referência à existência de vários tipos e

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28 Dicha perspectiva se funda en procesos históricos y alternativas paradgmaticas a la dominación y a la opresión de género, edad, clase, étnica, religiosa, política y cultural, de condición socioeconómica, de legalidad, de salud, y capacidades. Implica desde luego, los procesos de vida, y las existencias de mujeres en compleja transformación, cuyos cambios impactan al mundo. La anteceden los esfuerzos políticos y culturales por erradicar oprobios, todos los movimientos y sus expresiones científicas, jurídicas, artísticas. Conforman la perspectiva de género los logros, los derechos, las oportunidades y las libertades surgidos en esa travesía. El anhelo más grande es generar condiciones sociales que permitan a las mujeres vivir con bienestar y en la libertad, así como a las mujeres y a los hombres vivir en igualdad. El porvenir es cada vez más complejo y, además, confrontante. Para no dejar lugar a dudas, es preciso especificar perspectiva feminista de género (LAGARDE, 1990, p. 18).

(30)

29

CAPÍTULO 2.

Linguagem, Poder e Relações de Gênero

“Vim para somar-me a um sim que soe forte. Que chegue a todas e todos, que nos comova.

Sim a uma educação por uma sexualidade livre.

Sim, porque nossa liberdade é, em essência,

uma afirmação”.

Marcela Lagarde

Cotidianamente utilizamos a linguagem como forma de comunicação. Não é possível afirmar que a linguagem em si é discriminatória, mas o uso que fazemos dela pode ser. Ao pensarmos a linguagem a partir dos conceitos de gênero e patriarcado já apresentados, podemos compreender seu conteúdo político.

Na ocasião da eleição de Dilma Rousseff ao mais alto cargo executivo nacional, uma grande indagação pairava nos meios de comunicação: qual a forma correta de utilizar o substantivo: presidente ou presidenta? Mas a resposta de que ambas as formas estavam corretas levantava questionamentos indignados: “Para que isso?”, outros tantos protestos se seguiam ante a utilização da expressão “todos e todas”. Qual a diferença de utilizar a desinência “a” se o masculino é universal?

Nosso questionamento é: o masculino é universal?

Os primeiros questionamentos a respeito do uso sexista da língua foram feitos por representantes do Canadá e de países nórdicos na 24° Conferência Geral da UNESCO, em 1987. Desde então busca-se discutir a utilização do masculino como elemento neutro, com inúmeras produções a respeito.4

Diversos são os argumentos em defesa da utilização da linguagem com perspectiva de gênero. O argumento de que o uso do masculino como universal produz a invisibilidade do feminino está presente em grande parte das

(31)

30 produções, bem como o de que a linguagem pode reforçar os estereótipos de papéis atribuídos a homens e mulheres e promover a reiteração da assimetria de poder entre os sexos.

Essa compreensão do papel da linguagem se dá principalmente porque através da linguagem é que expressamos nossa visão de mundo e através da linguagem a cultura é reproduzida – principalmente em tempos de meios digitais de comunicação, em que ideias circulam por todo o globo em muito pouco tempo. A materialidade das relações (entre homens e mulheres) sofre influência direta dos meios de comunicação e da linguagem, de forma que os sujeitos reproduzem, muitas vezes de maneira involuntária, as representações sociais que afirmam a desigualdade.

A esse respeito, há diversos5 sítios na internet em que os movimentos de mulheres em todo o mundo discutem e propõem formas de discutir a linguagem como um meio de reprodução cultural sexista.

Faz-se necessário, entretanto, questionar qual a real importância de propor a transformação da utilização da linguagem em um mundo em que a desigualdade persiste.

Em 1999, a UNESCO publicou um guia denominado Recomendações para o uso não sexista da linguagem, em inglês, espanhol e francês. O documento traz argumentos de que, apesar dos inúmeros avanços conquistados pelas mulheres em todo o mundo, ainda há muito o que se avançar, sendo que defende o uso da linguagem não sexista como uma das formas de transformar as relações desiguais sob a perspectiva de gênero:

Habrá quizá quienes piensen que intentar liberar el lenguaje de ciertos usos lingüísticos sexistas equivale a poner la carreta adelante de los bueyes, ya que el lenguaje, que refleja los prejuicios sexistas acumulados durante generaciones, no cambiará hasta que la igualdad de las mujeres con los hombres no se sancione realmente en la práctica y, consecuentemente, los prejuicios sexistas que el lenguaje transmite vayan desapareciendo paulatinamente con el tiempo. Sin embargo,

5 Dentre outros, consultar: <www.aprimeraplana.org>,

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31 pese a su dimensión conservadora y su carga tradicional, el lenguaje, por su estrecha relación dialéctica con el pensamiento, puede cambiar gracias a la acción educativa y cultural, e influir positivamente en el comportamiento humano y en nuestra percepción de la realidad (PAOLI, 1999, p. 2).

Certamente, não propomos que o uso não sexista da linguagem represente o objetivo das transformações necessárias sob a perspectiva de gênero. Entretanto a língua como forma de reprodução cultural presente cotidianamente na vida das pessoas, circula preconceitos e padrões estabelecidos por muitos anos de desigualdade entre os sexos, naturalizando a falta de equidade e invizibilizando o processo de lutas e resistência estabelecido por um grande contingente de pessoas engajadas em eliminar toda a forma de discriminação e preconceito entre os sexos.

O papel político da língua fica evidenciado quando do não uso da perspectiva de gênero nos conteúdos relativos às políticas públicas, programas, projetos, atividades que utilizam a desinência “o” ou o gênero gramatical masculino com a pretensão de universalidade.

Em propaganda institucional do Governo Federal, recentemente veiculada na TV e na internet, o artista MV Bill diz:6

Você que é mãe e batalhadora, sabe que o Bolsa Família

melhorou a vida de muita gente. Criança na escola, saúde em dia, renda é um direito seu e de toda a família. Fique de olho para não perder o benefício. E veja no seu extrato se você precisa atualizar o seu cadastro. Se chegou a sua vez procure

o responsável aí em seu município

É igualdade, é respeito. Inclusão da família é seu direito. [Grifo nosso].

Não há necessidade de reiterar o caráter dúbio da focalização dos programas sociais nas mulheres. O objetivo aqui é de exemplificar como o aspecto linguístico contribui para reprodução dos papéis sociais de gênero, como significação social atribuída aos sexos, ainda que implicitamente.

(33)

32 Primeiramente temos a comprovação de que a mensagem é destinada às mulheres, aí chamadas de mães e batalhadoras, reproduzindo o estereótipo feminino de cuidadora da família, e que está sob responsabilidade delas a atualização do cadastro para que a família não perca o benefício. No exemplo acima a não utilização do gênero toma significado no trecho grifado: “procure o responsável aí em seu município”.

Os manuais produzidos sob a perspectiva de gênero, já mencionados, indicam a necessidade de dar visibilidade aos sexos, e de não utilizar o gênero gramatical masculino como correspondente ao feminino. Assim, como proposta o texto poderia ser substituído por: procure a Assistência Social ou o Órgão responsável ou a Prefeitura.

A linguagem como aspecto cultural que é reproduzida e reprodutora de papéis de gênero e, por conseguinte, das assimetrias de poder entre os sexos, nos remete à impossibilidade de discutir gênero sem pensar em relações de poder, na medida em que as relações entre os sexos são mediadas por assimetrias de poder, em que historicamente as mulheres estiveram, e ainda estão em desvantagem.

Para Lagarde (1990), o poder:

es la capacidad de decidir sobre la própria vida; como tal es un hecho que transciende al individuo y se plasma en lós sujetos y en lós espacios sociales; ahí se materializa como afirmación, como satisfaccion de necesidad y como consecución de objetivos.

Pero el poder consiste tambien en la capacidad de decidir sobre la vida del outro, en la intervencion com hechos que obligan, circunscriben, prohiben o impiden. Quien ejerce el poder se arroga el derecho al castigo y a conculcar bienes materiales y simbólicos. Desde esa posición domina, enjuicia, sentencia y perdona. Al hacerlo, acumula y reproduce poder (LAGARDE, 1990, p. 177).

(34)

33 porque ele pode ser democraticamente partilhado, o que gera liberdade, ou discricionariamente desempenhado, o que gera desigualdade. A autora destaca a importância da percepção de dois modelos de interação, a primeira por meio da igualdade e a segunda de forma subordinada.

Faz-se necessário verificar se há evidências convincentes, ao longo da história da humanidade, da primeira alternativa. Ademais, na ausência de modelos, é importante averiguar sua existência como forma de empoderamento das hoje subordinadas. Empoderar-se equivale, num nível bem expressivo do combate, a possuir alternativa(s), sempre na condição de categoria social. O empoderamento individual acaba transformando as empoderadas em mulheres-álibi, o

que joga água no moinho do (neo)liberalismo: se a maioria das mulheres não conseguiu uma situação proeminente, a responsabilidade é delas, porquanto são pouco inteligentes, não lutaram suficientemente, não se dispuseram a suportar os sacrifícios que a ascensão social impõe, num mundo a elas hostil. (SAFFIOTI, 2004, p. 114, grifo nosso).

De acordo com Costa (s.d.) o conceito de empoderamento, tem origem

no termo Norte Americano “empowerment”, surgido em meados da década de

1970. O empoderamento poderia ser acessado não só por pessoas, mas por organizações e comunidades consistindo no desenvolvimento da possibilidade desses sujeitos tomarem controle de seus assuntos, desenvolverem a consciência da suas possibilidades de produzir, criar e gerir sua própria vida.

Um aspecto importante do conceito de empoderamento assinalado pela autora

é de que empoderar-se não significa subordinar outras pessoas, ou grupos,

mas diz respeito a tomar a si a “ideia e o ato”, ter a propriedade de suas ideias.

A respeito do empoderamento sob a ótica feminista Kleba (2008) afirma:

(35)

34 autonomia no que se refere ao controle dos seus corpos, da sua sexualidade, do seu direito de ir e vir, bem como um rechaço ao abuso físico e as violações (KLEBA, 2008, p. 02).

Nesta perspectiva, é importante salientar que ao pensarmos a questão do poder e do empoderamento das mulheres na proposta deste trabalho, buscamos refletir sobre a possibilidade de as políticas sociais reiterarem ou combaterem a assimetria de poder e consequentemente as desigualdades de gênero.

Ao analisar experiências de gestões municipais Suarez, Teixeira e Cleaver (2002, p. 16) afirmam buscar difundir práticas inovadoras que representam possibilidade de romper com as desigualdades de gênero, com as práticas discriminatórias e sexistas.

O estudo mostra que os impactos dos programas e projetos favorecem a situação de vida das mulheres – aumentando a qualidade dos serviços prestados e diminuindo o peso da pobreza – contudo não têm impacto sobre a erradicação das desigualdades de gênero.

Por isso, as autoras sinalizam a necessidade de se adotar a perspectiva de gênero na concepção, objetivos e estratégias dos programas e projetos. Perspectiva de gênero, aí entendida como consideração não só das diferenças entre homens e mulheres, mas das desigualdades entre os gêneros que perpassam a vida e, portanto devem perpassar a elaboração e execução dos programas, não somente para melhorar a condição material das mulheres, mas também para elevar sua posição social, através de seu empoderamento – considerado como tomada de poder por quem dele necessita.

(36)

35 Entendo que a afirmação feita pelas autoras de que as mulheres não participam das instâncias de decisão precisa ser politizada, porque esse também é um espaço que necessita de empoderamento, contudo o empoderamento proposto pelas autoras passa pela vontade política de governantes. Ora, como isso seria totalmente possível diante da ausência de mulheres nos espaços de poder? Seria, então, um poder tutelado? Neste sentido, não estou desconsiderando o apontamento feito por elas, da necessidade da participação em movimentos organizados. Mas acredito que somente a participação não é o suficiente, essa participação tem que ser política, engajada em movimentos estratégicos que busquem a superação das desigualdades, inclusive a de gênero.

Outro ponto passível de reflexão está no termo “poder”, recorrentemente utilizado pelas autoras. A palavra poder pode ser carregada de muitos significados podendo, portanto, corresponder à tomada de poder pelas mulheres e determinar a subjugação do homem, mas pode também significar maior poder político de influenciar as transformações societárias, sem haver dominação entre os sexos.

Poderíamos apontar tantas outras significações para o termo poder, entretanto o que desejamos explicitar é que este debate é fundamental para evidenciar a assimetria de poder que é inerente à desigualdade de gênero.

(37)

36

CAPÍTULO 3.

Estado, Seguridade Social e Perspectiva de Gênero

.

Três políticas constituem o sistema de Seguridade Social no Brasil: Assistência Social, Saúde e Previdência Social. Fica, destarte, estabelecido um grande desafio já que cada uma das políticas tem características próprias, rica legislação específica e muitas vezes direcionamentos diferentes apesar de integrarem um mesmo sistema de proteção social. Boschetti (2009, p. 10) afirma que a Seguridade Social brasileira se situa entre o seguro e a assistência. Tal afirmação se baseia em dois modelos de seguridade, o bismarckiano e o beveridgeano.

O primeiro se fundamenta na formulação de Otto Von Bismarck que entre 1883 e 1889 criou na Alemanha leis que instituíram o seguro-doença, o seguro contra acidentes e o seguro de invalidez e velhice. Suas características se assemelham a seguros privados. Trata-se, portanto, de proteção àqueles indivíduos que contribuíram direta e previamente para o financiamento do sistema de proteção (Boschetti, 2009).

O segundo modelo se baseia no Plano Beveridge elaborado e publicado em 1942 na Inglaterra por um comitê sob coordenação de William Beveridge. Contemplava amplo leque de direitos que operavam sob a ótica de atendimento às necessidades sociais de reprodução social. Boschetti (2009, p.2) afirma que tratavam-se de direitos universais que se destinavam

“Entretanto, quando são os olhos de uma mulher que olham para a história, esta não se parece nada com a oficial. Quando são os olhos de uma mulher que estudam a antropologia, as culturas mudam de sentido e de cor. Quando são os olhos de uma mulher que refazem as contas, a economia deixa de ser uma ciência exata e se assemelha a uma política de interesses. Quando são os olhos de uma mulher que rezam, a fé não se converte em véus ou mordaças. Quando as mulheres são protagonistas, o mundo, o que cremos conhecer, é outro”.

(38)

37 incondicionalmente a todos os cidadãos, mas que garantia os mínimos sociais à todos que se encontrassem em condições de necessidade. Pereira (2011, p. 94) lembra que os mínimos sociais “tinham conotação de ínfimo de provisão”, servindo apenas como estímulo ao trabalho.

Para compreendermos alguns elementos importantes no que se refere à Seguridade Social brasileira precisamos recuperá-los historicamente, ainda que restritos ao período mais recente, tomando como princípio a seguinte proposição:

A análise das políticas sociais sob o enfoque dialético precisa considerar alguns elementos essenciais para explicar seu surgimento e desenvolvimento. O primeiro é a natureza do capitalismo, seu grau de desenvolvimento e as estratégias de acumulação prevalecentes. O segundo é o papel do Estado na regulamentação e implementação das políticas sociais, e o terceiro é o papel das classes sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p. 44).

A crise que atingiu o capitalismo central no final da década de 1960 e no inicio da década de 1970, colocou em xeque a atuação do Estado, notadamente no que se refere às políticas sociais. As bases que forjaram a construção do Welfare State no mundo foram sendo solapadas na mesma medida em que cresciam os argumentos neoliberais de critica a este sistema.

As elites político-econômicas, então, começaram a questionar e a responsabilizar pela crise a atuação agigantada do Estado mediador civilizador, especialmente naqueles setores que não revertiam diretamente em favor de seus interesses. E aí se incluíam as políticas sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p. 103).

(39)

38 possibilidades de crescimento econômico e a consequente criação de empregos.

As autoras acima citadas, lembram que o ideário neoliberal concebe a proteção social propiciada pelo Estado – através de políticas redistributivas - uma medida nociva “para o desenvolvimento econômico pois aumenta o

consumo e diminui a poupança da população” (Behring e Boschetti, 2009, p.

126). Acrescentamos aqui o argumento de que a ação redistributiva geraria um grande contingente de pessoas que passariam a não trabalhar devido à atuação do Estado.

Os anos 1980 presenciam o recrudescimento das desigualdades sociais, o aumento da dívida externa e suas consequências como desemprego e aumento da economia informal. O discurso do governo passa a ser de minimização da atuação do Estado, abrindo caminho para as primeiras manifestações do neoliberalismo no país.

O período é caracterizado também pela emergência de movimentos populares com características contestadoras e reivindicatórias. Este processo resulta em deslegitimação da ditadura militar e abre caminho para a redemocratização.

O processo de redemocratização foi fortemente controlado pelas elites com o objetivo de refrear as aspirações dos movimentos populares (Sader apud Behring e Boschetti, 2009, p.138).

O que não impediu que os movimentos dos populares tivessem grande participação no processo de redemocratização e de efetivação da Constituinte, como demonstram Behring e Boschetti (2009):

(40)

39 ingerências do FMI; direitos trabalhistas; e reforma agrária (BEHRING; BOSCHETTI, 2009, p. 141).

Neste cenário, a Constituição Federal é promulgada em outubro de 1988 e determina, no 194° artigo, que a Seguridade Social, composta pelas três políticas citadas, Saúde, Previdência e Assistência social, é regida pelos seguintes objetivos: universalidade da cobertura e do atendimento, uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços, irredutibilidade do valor dos benefícios, equidade na forma de participação no custeio, diversidade da base de financiamento, caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados.

No que diz respeito à Seguridade Social, Fleury defende que até a Constituição de 1988 havia uma Seguridade Social inconclusa, e a partir disso “sua substituição por um padrão de inclusão segmentada” (Fleury, 1994, p. 229).

De forma correlata, Boschetti (2009, p. 09) entende que os princípios acima enunciados não foram integralmente concretizadas, configurando um sistema que não corresponde à um padrão “homogêneo, integrado e articulado”. A autora afirma ainda que:

Esses princípios poderiam redirecionar as políticas de saúde, previdência e assistência social, no sentido de articulá-las e formar um sistema de seguridade social amplo, coerente e consistente, com predomínio da lógica social e não da lógica contratual do seguro. Isso, contudo, não ocorreu, em função de uma série de elementos conjunturais e estruturais. A onda neoliberal que assolou o país a partir da década de 1990 foi determinante para o desenvolvimento de uma política econômica voltada para a rentabilidade econômica em detrimento dos avanços sociais (BOSCHETTI, 2009, p. 09).

(41)

40 políticas que compõem a Seguridade Social, neste mesmo trabalho a autora afirma ainda que essas políticas se materializaram com “características próprias e específicas que mais se excluem do que se complementam”. Entendemos que a formulação da autora é elucidadora, na medida em que identificamos tensões existentes entre as lógicas: contributiva, não contributiva e universal. Senna e Monnerat (2010, p. 197) defendem que a Seguridade Social não foi implementada na forma como prevista na Constituição. Nossa compreensão se dá no sentido de que após a Constituinte, já durante sua implementação as políticas de Seguridade Social foram conformadas pela investida neoliberal e configuraram um modelo de proteção social que cria tensões permanentes entre as políticas que a compõe.

Como trabalhadora inserida na operacionalização de duas destas políticas, convivo cotidianamente com impasses que se condensam na realização dos serviços. Peço licença para exemplificar, pois recentemente participei de uma discussão que traduz o enunciado acima: Uma segurada da Previdência Social aguardava cirurgia a ser realizada pelo Sistema Único de Saúde. Recebeu por determinado período um benefício previdenciário (auxílio-doença). Quando houve previsão de cessação do benefício ela procurou o Serviço Social, questionando como poderia proceder já que o empregador não permitiria que, ela voltasse a trabalhar e não havia previsão de realização da cirurgia. Quando propusemos essa discussão na equipe, o gestor foi taxativo:

“A Previdência não pode ser onerada se a Saúde não faz a parte dela7.”

A breve apresentação deste caso objetiva dimensionar a tensão existente no que se refere as políticas de Seguridade Social, integrantes de um mesmo sistema, mas sob lógicas diferentes.

Procura evidenciar também que o argumento do gestor de APS se conforma em uma realidade múltipla e contraditória, mas que se justifica pela

7 Pode haver questionamentos com relação à situação descrita visto que o

(42)

41 posição do Estado no modelo neoliberal do capitalismo, o que nos remete à segunda reflexão anteriormente proposta que diz respeito a investida neoliberal.

Behring (2003) evidencia as pressões à que estão submetidas as políticas de Seguridade Social, que configuram o direcionamento das políticas considerando o ajuste fiscal e as reformas a que foram submetidas as políticas que integram a Seguridade Social.

O processo de investida neoliberal iniciado nos anos 1990 sob o governo de Fernando Collor de Mello, e que se consolidou nos anos seguintes – sob os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio da Silva (Lula)8 resultaram em grande impacto na Seguridade Social brasileira, o ajuste econômico é comum aos dois governos e ainda está em curso.

Diversos autores demonstram como o setor financeiro incorpora grande parte dos recursos que deveriam ser destinados ao financiamento da Seguridade Social (Boschetti, 2006; Salvador, 2010; Silva, 2010). Neste cenário em que as políticas de Seguridade Social se encontram permanentemente saqueadas pela política econômica, é que se forja o discurso do Estado de déficit financeiro da Seguridade Social. Os autores acima mencionados evidenciam o processo pelo qual o orçamento da Seguridade Social sucumbe ao financiamento do superávit primário para pagamento dos juros da divida pública.

No mesmo sentido Salvador (2010) nos alerta:

No Brasil, o serviço da divida compromete uma parcela importante dos orçamentos da seguridade social e fiscal, seja na forma de juros e encargos da divida, seja no pagamento de amortização da divida para o setor financeiro da economia (SALVADOR, 2010, p. 36).

Esse processo corresponde à “não implementação das orientações constitucionais referentes ao financiamento da seguridade social” (Boschetti,

8

(43)

42 2006, p. 81). Senna e Monnerat (2010, p. 199) apontam que uma das principais fragilidades da Seguridade Social é justamente o orçamento, sendo este um dos entraves para a criação de um Ministério da Seguridade Social. Neste sentido uma nota de Boschetti (2010) é reveladora da complexidade do assunto:

A proposta de criação de um Ministério da Seguridade Social foi polêmica desde a promulgação da Constituição, seja pelo poder político que acumularia o titular da pasta, seja pelo peso econômico de um orçamento da seguridade social, seja pelo

peso burocrático de um “super” ministério, seja ainda pela

rivalidade “conceitual” solidificada historicamente entre as

concepções de seguro e assistência social (BOSCHETTI, 2010, p. 163).

A este respeito Senna e Monnerat (2010, p. 201) apontam que diante de um quadro de ajuste econômico que atingiu diretamente as políticas sociais, Saúde, Previdência e Assistência Social passaram a disputar recursos em prejuízo de um “esforço cooperativo em defesa da seguridade social”. Afirmam, também, que o a constituição de um único ministério da Seguridade Social nunca foi defendida ferrenhamente pelas três áreas, a previdência devido à centralização e à característica burocrática; a assistência em razão de dificuldades de mobilização; e a saúde com receio de perder um espaço político já conquistado. As autoras defendem ainda que frente às ameaças à área social, o setor de saúde priorizou a consolidação de um Sistema Único e descentralizado de saúde. Já Boschetti (2006) aponta para uma resistência da área da previdência:

reivindicação dos trabalhadores e estudiosos nas áreas de saúde e assistência, a destinação de um percentual específico do orçamento da seguridade social para cada uma das políticas nunca foi aceita pela equipe governamental, sobretudo os técnicos da previdência social (BOSCHETTI, 2006, p.79).

(44)

43 articulações entre si, com regras de acesso e burocracias específicas, o que resultou em organização fragmentada, gestão e desenvolvimento independente.

Neste sentido é importante dizer que as políticas de Saúde e Assistência Social instituíram cada uma delas um sistema único e descentralizado (respectivamente SUS e SUAS). Já a Previdência social tem organização centralizada e hierarquizada.

Cada uma das políticas instituiu “portas de acesso” para seus serviços. Na saúde o acesso para a atenção básica é realizado através de UBS (Unidade Básica de Saúde), na Assistência Social a proteção social básica é realizada pelo CRAS (Centro de Referência de Assistência Social). Já no caso da Previdência Social todos os serviços de atendimento à população são realizados nas APS (Agências da Previdência Social). Salientamos que no caso da Saúde e da Assistência Social são diversos os serviços e os níveis de complexidade de atenção, mas que não são objetos desta pesquisa.

Como aludimos anteriormente, compreendemos que existe uma tensão que se materializa na operacionalização destas políticas, tensão que reflete diretamente na população usuária dos serviços das políticas que compõem a Seguridade Social.

Entretanto, mais do que expor as dificuldades enfrentadas, nosso objetivo é elucidar que apesar dessas tensões as políticas de Seguridade Social constituem espaço privilegiado de lutas por direitos, conforme nos adverte Silva (2010):

A seguridade social constitui um lócus privilegiado de processamento e mediação das contradições relacionadas às formas de geração, apropriação e distribuição de riquezas (SILVA, 2010, p. 138).

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