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Sumário. Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 3999/19.0T8GMR.G1

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Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 3999/19.0T8GMR.G1 Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO Sessão: 05 Novembro 2020 Número: RG

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: IMPROCEDENTE

DESTITUIÇÃO DE GERENTE JUSTA CAUSA

PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA E BOA-FÉ INDEMNIZAÇÃO

Sumário

I - Nos termos do artigo 257.º, nº6, do CSC, constituem justa causa de

destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções. São noções orientadoras e meramente exemplificativas, das quais resulta que a justa causa tanto possa ser subjetiva como objetiva.

II – A justa causa de destituição do gerente relaciona-se com os princípios da confiança e a boa fé que devem ser observados por quem detém essa função na sociedade, princípios muito relevantes nas relações com os credores sociais, sócios e terceiros, de modo a que a transparência dos

comportamentos e o rigor ético das condutas, possam ser valorados objetivamente e subjetivamente.

III - Não é qualquer violação dos deveres do gerente que constitui justa causa de destituição, mas só a violação grave e que torne inexigível à sociedade o respeito pelo interesse da estabilidade do vínculo por parte do gerente.

IV - Em caso de destituição sem justa causa, a lei atribui ao gerente o direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos sendo o valor a atribuir, salvo

estipulação prevista no contrato, o referido no nº 7 do artigo 257.º CSC.

V - Esta indemnização é uma indemnização por ato lícito e reporta-se apenas aos prejuízos resultantes da perda dos proventos do gerente, nessa qualidade, durante certo tempo.

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VI - Cabe ao destituído provar o valor do dano, cabendo à sociedade provar qualquer situação que reduza ou elimine a indemnização.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – RELATÓRIO

M. R. intentou a presente ação contra “Pichelaria X, Limitada”, pedindo a declaração de inexistência de justa causa para a sua destituição do cargo de gerente e, consequentemente, a condenação da ré no pagamento de

indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

A ré contestou pugnando pela justa causa da destituição e impugnou os danos invocados pelo autor.

A final foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, declarando-se a inexistência de justa causa para a destituição do autor, M. R., com a consequente condenação da ré “Pichelaria X, Ld.” a pagar àquele a quantia de € 76.800,00 (setenta e seis mil e oitocentos euros), acrescida de juros contados desde a prolação da presente sentença até integral pagamento.

*

Inconformada com a sentença veio a ré Pichelaria X, Lda. interpor recurso, per saltum, terminando com as seguintes conclusões:

A) Requer-se, desde já, que o presente recurso suba e seja decidido, pelo Supremo Tribunal de Justiça!..., dado que versará apenas sobre questões de direito; o valor da causa é de 104.892,99 €, logo, superior à alçada da Relação;

o valor da sucumbência é superior a metade da alçada da Relação (a

recorrente, apesar de pedir a sua absolvição, foi condenada a pagar ao autor a quantia de 76.800,00 €); e não está em causa qualquer decisão interlocutória.

B) Não podemos concordar com o Tribunal “a quo” na conclusão de que os factos dados como provados não integrem o conceito de justa causa – com o devido respeito, que é muito – razão pela qual a sindicamos pelo presente.

C) Conforme resumiu o Acórdão do Tribunal de Guimarães de 15/11/2012, publicado em www.dgsi.pt, sobre o pensamento de Baptista Machado, in

“Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, pag. 21 que, “a justa causa corresponderá a qualquer circunstância, facto ou situação em face do qual e segundo a boa-fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação

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estabelecida; a todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou dificultar a obtenção desse fim; a qualquer conduta que possa fazer

desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária aos deveres de correcção, de lealdade, e de fidelidade na relação associativa”.

D) Por seu turno, do artigo 64º do CSC, resultam os deveres que impendem sobre os gerentes, onde se pode ler que:

1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:

a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e

empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus

trabalhadores, clientes e credores.

E) No caso dos autos, importa verificar se os factos dados como provados são ou não suficientes para integrarem o conceito de justa causa, o que

entendemos que sim. Vejamos:

F) O Tribunal “a quo” julgou provado que as actas 97, 98 e 99 redigidas no período em que o Autor era gerente da Ré, não foram assinadas pelos sócios, bem como algumas actas foram entregues aos sócios mais de 30 dias depois da realização da Assembleia geral (cfr. item 12 e 13 da matéria provada fixada na Sentença de que se recorre).

G) Ora, todas as deliberações das sociedades devem ficar espelhadas em actas e os sócios dela tomarem conhecimento, por direito.

H) Um dos direitos dos sócios consiste em serem informados do que se passa nas Assembleias Gerais, de modo a que, caso o entendam, impugnarem as deliberações nestas tomadas, através de acção de anulação prevista nos artigos 59º e seguintes do Código das Sociedades Comercias.

I) Posto isto, o não envio, por parte do Autor, das actas no período de 30 dias da Assembleia Geral é susceptivel de ferir um dos direitos dos sócios que caduca pelo não uso no decurso de um lapso de tempo muito reduzido.

J) Desta feita, esta omissão do envio das actas durante o período da gerência do Autor, inibitória dos sócios usarem, tempestivamente, da faculdade de sindicar as deliberações sociais, deverá ser qualificada como justa causa de destituição, pois é susceptível de fazer “desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária aos deveres de correcção, de lealdade, e de fidelidade na relação associativa”, conforme defende Batista Machado.

K) Outro fundamento invocado pela Recorrente para suportar a destituição do

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Autor/recorrido, e desconsiderado pelo Tribunal “a quo” – apesar de o

Tribunal “a quo” ter julgado como provados os factos que sustentavam aquele nos itens 20), 21) e 29), fixados na Sentença de que se recorre – foi de que o Autor, no período em que geriu a Ré, engrandeceu as relações comerciais entre a empresa “A. C., Unipessoal, Lda” – da qual é também gerente –, e a Ré/

recorrente, aumentando os fornecimentos e prestação de serviços entre estas empresas em mais de 500%.

L) Ora, entende a Ré/Recorrente que se Autor/recorrido, quisesse dar razão ao voto de confiança que os sócios lhe deram, aquando da sua nomeação como gerente em 2014, no sentido de, acreditar que este iria cumprir os seus deveres de lealdade, transparência e não concorrência com a ré; bem como não usufruir dessa qualidade para aumentar e tirar proveito dos negócios celebrados com a Ré;

M) Nunca o Autor/recorrido poderia ter tomado a decisão de celebrar negócios entre a Ré/Recorrente e outra sociedade da qual é único gerente, sem pedir orçamentos a outras empresas sobre o que forneceu à Ré e dos serviços a esta prestados.

N) Porem, a realidade é que a Ré/recorrente era sempre a cliente – a que tinha obrigação de pagar o preço – e a “A. C., Unipessoal, Lda”, a que recebia a vantagem patrimonial.

O) Ao ter actuado desta forma, entendemos – e com o devido respeito por opinião contrária –, o Autor/Recorrido violou o Principio da Transparência para com a Ré/Recorrente, pelo que tal comportamento deverá ser

considerado como justa causa de destituição, o que se pede seja reconhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça.

P) Por último, entendemos que os factos julgados provados pelo Tribunal “a quo” nos itens 25 e 27 da matéria provada – “25)O autor apelidava alguns trabalhadores da ré de “fracos”, abordando-os com frequência, e

demonstrando descontentamento com a sua prestação, dizendo-lhes que “não vendem merda nenhuma”; 27)O referido em 25) causava ansiedade e

inquietação aos trabalhadores.” – sejam, talvez, os mais graves praticados pelo Autor enquanto gerente da Ré, apesar de o Tribunal “a quo” não crer “que os factos a propósito apurados bastem à integração do conceito de justa causa para a destituição do gerente”.

Q) Não concordamos com esta conclusão do Tribunal “a quo”, não obstante todo o respeito que nos merece – e que é muito.

R) Ora, nos termos do artigo 394º, nº 2, do Código do Trabalho, é considerada como justa causa de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do

trabalhador, sendo motivo para fazer cessar imediatamente o contrato, a

“ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do

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trabalhador, punida por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.”

S) Este comportamento do Autor/recorrido para com os trabalhadores não é mais do que ofensas à moral, honra e dignidade do trabalhador, que constituiu nestes, desde logo, o direito potestativo de resolver os contratos de trabalho;

Para além de interferir na sua capacidade, disposição e qualidade no trabalho;

Com o consequente prejuízo notório para a Ré.

T) Aliás, é de conhecimento geral (logo facto notório), que os trabalhadores são o elemento basilar e primordial para o sucesso e crescimento de uma empresa, o que, se estes forem tratados de forma que lhes provoque

“ansiedade e inquietação” pelo seu patrão, tais sentimentos irão influenciar, a sua produtividade.

U) Desta feita, esta atitude do Autor para com os trabalhadores contraria os seus deveres de “lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos

interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”, previsto no artigo 64º do CSC.(sublinhado e negrito nosso)

V)Atente-se no que o Tribunal “a quo” escreveu na Sentença de que se recorre, a este respeito, sobre o que os trabalhadores da Ré, que prestaram depoimento como testemunhas, disseram:

- Testemunha P. R.: “saiu da pichelaria ao fim de 12 anos de serviço, zangado com o autor. Isto porque aquele “estava sempre a ralhar” e, quando nem tudo corria bem, dizia aos funcionários que “não valiam merda nenhuma”. Não obstante nunca lhe terem dito para se ir embora, optou por despedir-se

porque não estava agradado com o ambiente. Esta afirmação contribuiu para a prova do referido em 25) e 27).”

- Testemunha M. A., funcionário da ré desde 1990/1991, referiu: “que o autor o ofendia com algumas expressões do tipo “vocês todos juntos não valem nada” [artigos 25) e 27)]”;

- Testemunha I. B., empregada de balcão, na sala de exposições da Ré, desde 1998, “Apresentava os materiais cerâmicos e de construção aos clientes e o ora autor nunca estava satisfeito: ora a acusava de nada vender, ora de vender da marca errada. Chegou a dizer-lhe, tal como os demais gerentes: “não

vendem merda nenhuma”. Cerca de um ano depois da gerência que o autor integrava tomar funções, passou a sentir-se muito pressionada [artigos 25) e 27)].

W) A actuação do Autor/recorrente, de pressão psicológica que exercia sobre dos trabalhadores, abalou a produtividades dos trabalhadores e o bom

ambiente de trabalho destes, com repercussões no bom desempenho da empresa; pelo que os sócios não tinham outro caminho que não sindicar o

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comportamento do Autor e promover a sua destituição com justa causa.

X) Assim, no presente caso, diremos que foram julgados provados factos praticados pelo Autor/recorrido, durante o exercício da gerência da Ré/

recorrente, que consideramos graves, tais como a violação do direito dos sócios, nomeadamente acesso ao conteúdo das deliberações sociais e inibição do direito ao exercício da acção de anulação daquelas; abuso de poder ao celebrar negócios consigo mesmo, sem conhecimento dos sócios e com prejuízo para a Ré/Recorrente, como é o caso do aumento das relações comerciais desta com outra sociedade em que o Autor/Recorrido é gerente único; e comportamentos intoleráveis para com os trabalhadores da Ré/

Recorrente.

Y) Desta feita, tornou-se impossível a manutenção das funções do Autor/

Recorrido para com a Ré/Recorrente, pois a relação de confiança que deveria existir entre ambos encontra-se destruída, o que prejudica a boa gestão da Ré/

Recorrente e a relação entre os sócios e o Autor/Recorrido e entre este e os trabalhadores.

Z) Assim, por estarem verificados os pressupostos para a destituição da

gerência com justa causa, invocados pela ré, deverá ser revogada a Sentença recorrida por Acórdão que julgue improcedente o pedido do Autor da

inexistência da sua destituição com justa causa –, e consequentemente, improceder de igual forma, o pedido indemnizatório.

AA) Sem prescindir, e a não procederem os argumentos supra aduzidos sobre a existência de justa causa de destituição do Autor da gerência da Ré – o que só por hipótese académica admitimos – sempre diremos que, entendemos, não estarem preenchidos os requisitos para que o direito de indemnização pedido pelo Autor mereça o provimento que a Sentença de 1ª Instancia lhe concedeu, nomeadamente, por o Autor não ter sequer alegado, muito menos provado qualquer relação entre, o dano, ou nexo causal, nesta destituição!

BB) Para aferir do montante indemnizatório correspondente ao dano que o Autor teve com a destituição, considerada, sem justa causa, o Tribunal “a quo”

relevou a prova que o Autor fez da sua remuneração mensal de 1.600,00 €, que auferia da Ré, conforme se extrai do segmento da Sentença onde se escreveu: “Ou seja, provando a remuneração, o destituído faz a prova que lhe compete, cabendo à sociedade provar que há razões para a compensatio lucri cum damno.”; e nenhum facto ou dano mais!

CC) Porem, em nosso entendimento, incumbia ao Autor alegar e provar os concretos danos sofridos pela destituição e o nexo causal entre a destituição e os danos, isto é, incumbia ao Autor a alegação e prova da perda de

oportunidade de exercício de outra actividade remunerada de idêntico nível económico e social causada pela destituição, conforme é jurisprudência

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conhecida do Supremo Tribunal de Justiça.

DD) Contudo, o Autor não alegou, muito menos provou, este dano e o nexo causal, conforme se extrai da matéria provada fixada pelo Tribunal “a quo”.

Isto é, nos factos julgados provados pelo Tribunal “a quo” não há qualquer facto relativamente aos danos que o Autor tenha sofrido, e ao eventual nexo causal com relevância para o tema em causa.

EE) Na verdade, tendo o Autor invocado um direito a uma eventual

indemnização, então todos os factos constitutivos do seu direito dependeriam de prova a efectuar por si (artigo 343º, nº 1 do CC), o que não aconteceu nos presentes autos!

FF) É com este entendimento que, quer a doutrina, quer a jurisprudência maioritária – às quais aderimos e aqui chamamos à colação – suportam a exigência de o gerente ter de comprovar a existência de danos, alegar e provar factos reveladores de que a sua situação real é, após a destituição, mais gravosa do que a situação em que se encontraria sem ela, pelo que não basta, para a atribuição da indemnização, a mera invocação da perda de remuneração devida pelo exercício da gerência; mas é preciso demonstrar ainda que o gerente destituído não teve a oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional.

GG) Alias, ficou provado nos autos, no item 29) da matéria provada que “Em 2018 o autor passou a assumir o cargo de gerência da sociedade pertencente ao pai, na qual, após a destituição, passa todo o dia de trabalho” ; (sublinhado e negrito nosso).

HH) Sobre esta questão de direito, no domínio da mesma legislação

chamamos à colação os seguintes Acórdão proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, dos quais transcreveremos o que entendemos ser mais relevante para o caso dos autos:

II) No Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 29 de Maio de 2014, em que foi relator o Conselheiro Salazar Casanova, publicado em

www.dgsi.pt , pode ler-se que:

“O autor não carecia de alegar que a destituição não tinha justa causa o que fez ao longo de uma petição de 607 artigos, pois era à ré que incumbia o ónus de alegação e de prova, caso pretendesse eximir-se ao pagamento de

indemnização. Mas já lhe cumpria alegar factos, de acordo com a

jurisprudência do Supremo Tribunal, que se tem por consolidada não se vislumbrando no acórdão recorrido argumentação que justifique mudança de orientação, demonstrativos da "perda de oportunidade de exercício de outra atividade remunerada de idêntico nível económico e social", não bastando " a isolada invocação da perda de remuneração" determinada pela destituição.”

“Também este Supremo Tribunal no Ac. de 8-2-2011, n.º 536/03, disponível em

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www.dgsi.pt ou em www.stj.pt, como os demais, que relatámos, salientou que "

O administrador tem o ónus de alegar e provar a destituição, os danos sofridos e o nexo de causalidade entre aquela e estes, não constituindo alegação dos danos a mera alegação das remunerações que auferiria se não tivesse sido destituído do conselho de administração […] Cumpria-lhe, portanto, alegar os factos integrativos desse prejuízo e isso ele não fez, pois partiu do pressuposto que o seu prejuízo correspondia à perda das retribuições que iria auferir se não tivesse sido destituído […]. De qualquer modo, não basta a simples invocação da perda de remuneração devida pelo exercício da administração, pois os prejuízos para o autor só se verificam se ele não teve a oportunidade de exercer outra atividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional". Vejam-se ainda os Acs do S.T.J. de 11-7-2006 (rel. Pereira da Silva), P. 988/2006, de 14-12-2006 (rel. Azevedo Ramos), P. 3803/2006.”

“No presente caso, estão em causa os danos previsíveis (artigo 564.º/2) derivados da situação criada. Ora a previsibilidade de a situação atual se prolongar no futuro não se basta com a alegação de que houve perda de rendimentos com a destituição. O autor terá de alegar factos que justifiquem admitir-se que não será viável lograr ocupação profissional. Tais factos, por exemplo, hão de evidenciar a situação profissional em que o administrador destituído ficou considerada à luz do seu passado e do seu presente e da sua idade, a situação existente no respetivo ramo de trabalho, a influência

exercida pela empresa em que trabalhou no mundo do mercado, designadamente sobre outras empresas dela clientes que sejam

demonstrativos de uma previsível perda de oportunidade laboral, etc.”

“Podia a lei prescrever que, em caso de destituição ad nutum, o administrador destituído teria sempre direito a receber as remunerações que lhe seriam devidas até ao termo do seu mandato salvo se a destituição se fundasse em justa causa, situação em que a elas não teria direito. Não foi esta a opção da lei e, por conseguinte, tal como resulta do preceito, a indemnização pelos danos deve ser atribuída " nos termos gerais do direito".”

“No entanto a resposta a este último quesito comprova apenas o ganho mensal que o autor, com a destituição, deixou de auferir, não bastando para daí se concluir que sofreu prejuízos.”

“O recurso não pode deixar de proceder.” (sublinhado e negrito nosso) JJ) Também no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 14/12/2006, cujo Relator foi o Conselheiro Azevedo Ramos, publicado em www.dgsi.pt, podemos ler:

“Assim, cabe aos autores provar todos os pressupostos da responsabilidade civil, designadamente, a qualidade de gerentes, a destituição, os prejuízos e o

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nexo de causalidade, conforme a regra geral do ónus da prova prevista no art.

342, nº2, do Cód. Civil.”

“Pretendendo os autores obter uma indemnização pela destituição de

gerentes, sem justa causa, cabia-lhes provar todos os factos constitutivos da sua pretensão indemnizatória, não sendo suficiente a mera alegação de que possuem esse direito por estar previsto no art. 257, nº7, do C.S.C.”

O montante das remunerações que os autores presumivelmente receberiam durante mais quatro anos constitui um limite máximo, mas não quer dizer que a indemnização seja de tal quantitativo, pelo que os danos podem ser

inferiores a esse limite.

De qualquer modo, não basta a simples invocação da perda da remuneração devida pelo exercício da gerência.

Os prejuízos para os autores só se verificam se eles não tiveram oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional, o que se ignora.

Não tendo os autores alegado e provado o suporte fáctico que fundamente a real existência de prejuízos, não lhes pode ser reconhecido o direito a

qualquer indemnização.”

KK) Outro relevante Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 29/01/2014, cujo relator foi o Conselheiro Fernando Vale, sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação publicado em

www.dgsi.pt , no qual se pode ler que:

“Mas, para alem do exposto, também o A. não teria direito à sobredita indemnização, uma vez que o arbitramento desta implica, forçosamente, a comprovada existência de danos, exigindo-se a demonstração de factos reveladores de que a situação real do lesado é, apos a destituição, mais

gravosa do que aquela que se encontraria sem ela (art.562 e 566, nº2, ambos do CC), não bastando, pois, para tanto, a mera invocação da perda da

remuneração devida pelo exercício da gerência, antes sendo preciso, para além disso, demonstrar, ainda, que o gerente destituído – sobre quem impende o correspondente ónus de prova (art.342, nº 1, do CC) – não teve a

oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional.

Neste sentido, alias, se tem pronunciado a doutrina e a jurisprudência.”

LL) Outros dois Acórdãos para os quais apenas remetemos a leitura – não por terem menor importância mas apenas por economia de espaço – são os

Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 07/07/2010 e de 26/10/10, disponíveis em www.dgsi.pt.

MM) Desta feita, ao decidir como se decidiu na Sentença recorrida, a mesma violou o direito substantivo, nomeadamente os artigos 257, nº 7 do CSC e

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artigo 342 e 566, nº2 do CC, violação essa que deve ser corrigida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

NN) Nesta conformidade, o Autor não teve qualquer dano com a destituição, tanto mas que nem sequer os alegou, muito menos provou, bem como o seu nexo causal mereceu igual sorte, pelo que deverá a sentença recorrida ser revogada por Acórdão que absolva a Ré/ Recorrente do pedido indemnizatório, o que se pede.

Conclui requerendo que o recurso suba diretamente ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 678º do CPC, e que seja o mesmo julgado

procedendo, substituindo-se a Sentença recorrida por Acórdão que:

a)por estarem verificados os pressupostos para a destituição da gerência com justa causa, invocados pela Ré/recorrente, julgue improcedente o pedido do Autor da inexistência da sua destituição com justa causa –, e

consequentemente, improceder de igual forma, o pedido indemnizatório.

Ou, subsidiariamente,

b)absolva a Ré/Recorrente do pedido indemnizatório formulado pelo Autor, porquanto o Autor não teve qualquer dano com a destituição, tanto mais que nem sequer os alegou, muito menos provou, bem como, o seu nexo causal mereceu igual sorte, sendo que, a Sentença recorrida, ao decidir como

decidiu, violou o direito substantivo, nomeadamente, os artigos 257º, nº 7 do CSC e artigo 342º e 566º, nº2 do CC, violação essa que deve ser corrigida pelo Supremo Tribunal de Justiça.

*

Foram apresentadas contra-alegações, requerendo o Recorrido a ampliação do recurso, apresentando as seguintes conclusões:

I. A sentença recorrida não merece qualquer juízo de censura ou de reprovação, sendo certo que o Recorrido adere (quase) integralmente à

mesma, mais aderindo à bondade dos fundamentos que subjazem à motivação apresentada, verificando-se que é com exímio rigor e incontestável

abundância que o juiz a quo esclarece os motivos que subjazem ao julgamento feito no que concerne à matéria de facto, bem como à interpretação feita das normas aplicáveis.

II. Ainda assim, atendendo ao efeito almejado com o presente recurso, o

Recorrido pretende fazer-se valer do disposto no artigo 636.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, desde já requerendo, a título supletivo, a ampliação do objeto do recurso, para ver apreciada a matéria de facto, à qual pretende

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aditar matéria que, pese embora não tenha ficado a constar como provado, entende o Recorrente que o devia ter sido.

III. A douta sentença recorrida é farta e abundante, detalhada e coerente na sua fundamentação, que concretiza de forma devidamente circunstanciada, facto por facto, procedendo a uma análise crítica e ponderada a todos os elementos de prova, o que claramente revela que o tribunal recorrido esteve atento e fez uma ponderação clara e ajustada de toda a prova produzida.

IV. E tanto assim é que nem mesmo a Recorrente coloca em crise a matéria de facto, na qual se dá como provado, em traços genéricos, que inexistem

fundamentos que permitam concluir pela existência de justa causa para a destituição do Autor, aqui Recorrido.

V. Foram invocados pela Recorrente nove fundamentos para justificar a destituição do Recorrido, tendo o tribunal apreciado criticamente cada um deles, e considerado que nenhum deles encerrava em si matéria

suficientemente gravosa para comprometer de forma irremediável a confiança de que haviam sido os gerentes merecedores durante mais de quatro anos, sendo a motivação, neste domínio, clara e inequívoca, aderindo-se totalmente à bondade dos argumentos utilizados, até por recurso à regras da experiência e de bom senso.

VI. No que respeita às imparidades, a douta sentença recorrida considerou não contribuir para fundamentar a invocada justa causa, desde logo porque o problema vinha de há muitos anos, e não da gerência do Recorrido, mas

também porque a opção tomada foi devidamente aconselhada por quem tinha competência na matéria, sendo certo que não visava o dano da sociedade ou o benefício do Recorrido.

VII. Ficando provado o atraso no envio de algumas atas, também considerou, de forma prudente, consideramos nós, que tal fundamento não bastava para o preenchimento do conceito de justa causa, no que ao caso em apreço reporta, nomeadamente para preencher o conceito de comportamento grave.

VIII. No mesmo sentido, no que respeita ao aumento de preços e consequente diminuição das vendas, considerou o tribunal recorrido provado que a

gerência reverteu a decisão, pelo que improcederia naturalmente a invocação de tal argumento.

IX. No que respeita às alegadas faturas emitidas a terceiro, as mesmas não poderiam servir para fundamentar a destituição, porquanto são ulteriores à sua invocação, o que bem refere, de forma sustentada, a douta decisão recorrida, aderindo-se integralmente aos fundamentos aduzidos a esse propósito.

X. Em relação à aquisição do pavilhão, e tendo ficado por provar prejuízo para a Recorrente e benefício para o Recorrido, não poderá tal motivo revestir

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fundamento da destituição, menos ainda com justa causa para o efeito, o mesmo se dizendo quanto aos negócios com a sociedade na qual o Recorrida exercia, também, o cargo de gerente.

XI. O ponto mais sensível para o Recorrido prende-se com os factos provados em 25) e 27), sendo certo que, também neste aspeto acompanhamos o

entendimento sufragado na douta sentença recorrida, quando afirma que, ainda que tal comportamento seja censurável, não basta para preencher o conceito de justa causa para a destituição do Recorrido como gerente.

XII. A Recorrente não logrou provar a justa causa da destituição do Recorrido, como efetivamente lhe incumbia.

XIII. No que respeita à prova do dano sofrido pelo Recorrido, também aqui divergimos do entendimento perfilhado pela Recorrente: não só porque

entendemos, como infra demonstraremos, que tal matéria deveria constar da parte da matéria de facto provada mas, mais ainda, porque tal decisão é a que comporta o grau de justiça e equidade desejável na situação em análise.

XIV. Por tudo quanto alegamos, entendemos que a douta sentença recorrida não merece qualquer reparou juízo de censura, devendo ser mantida,

nomeadamente na parte em que condena a Recorrente no pagamento da indemnização fixada pelo tribunal a quo.

XV. O Recorrido reafirma a sua total adesão à douta sentença proferida, pelos fundamentos supra melhor elencados.

XVI. Ainda assim, e subsidiariamente, entende o Recorrido que na douta sentença proferida deviam constar como provados, de forma expressa, os seguintes factos:

“x – Após a destituição, o Autor perdeu o rendimento que auferia na gerência, no valor de € 1.600,00.

y – À data da sua nomeação como gerente na sociedade Ré, o Autor auferia um salário na sociedade A. C. Unipessoal, que manteve durante e após a sua

gerência.”.

XVII. Tais factos resultam claramente da prova produzida e são,

inclusivamente referidos pelo juiz a quo na fundamentação da sua decisão, servindo, assim, de base à formação da sua convicção, pelo que apenas por mero lapso se admite que tal factualidade não tenha sido incluída na matéria de facto provada, porquanto dúvidas inexistem de que foram considerados, e bem, pelo tribunal, na altura de formar a sua convicção e de fazer a

interpretação do direito aplicável.

XVIII. Senão vejamos que a douta sentença recorrida expressamente refere que: “Como também se refere no já citado Ac. do TRC de 31.10.2010, Rel.:

PEDRO MARTINS, «(…) o facto de se dizer que o destituído, como autor, tem o ónus da prova do dano, não quer dizer que ele não possa beneficiar de uma

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presunção, natural, de prejuízo, decorrente do facto de ter um direito a uma remuneração e depois da destituição ter deixado de o ter (e não se diga que também deixou de ter o dever correspectivo, pois que não foi por sua vontade que o deixou de ter). Não é isto o suficiente para se concluir, face à

normalidade das coisas, de que o titular do direito sofreu um lucro cessante, que perdeu uma fonte de rendimentos? É certo que pode ter arranjado uma ocupação com uma remuneração equivalente, e aí, se não for de seguir a posição de Pinto Furtado ou a de Menezes Cordeiro, verifica-se um facto que, a título de compensação do dano com lucro (art. 795/2 do CC), deve levar a que não lhe seja concedida a indemnização. Só que, então, este facto é um facto impeditivo cuja prova está a cargo da sociedade que destituiu o gerente (art. 342/2 do CC)».

Ora, no caso em apreço, após a destituição o autor perdeu o rendimento que auferia na gerência (€ 1600,00, sem prova de subsídios ou suplementos), mantendo o salário que auferia - antes e durante a gerência - na sociedade A.

C. Unipessoal. A assunção do cargo de administrador nesta última é anterior à destituição, não tendo sido provado qualquer incremento remuneratório. Ou seja, € 1.600,00/mês é precisamente o valor que o autor deixou de ganhar em virtude da destituição, sem que se justifique qualquer redução.” (negrito nosso)

XIX. Ao serem tais factos aditados à matéria de facto provada, porque

efetivamente resulta da leitura do trecho ora citado que foram efetivamente considerados pelo tribunal, cai por terra o argumento invocado pela

Recorrente no que respeita ao que considera não cumprido o ónus da prova que recaía sobre o Recorrido.

XX. Pelo que deve tal matéria ser aditada, nos termos e para os efeitos supra melhor elencados, o que desde já se requer.

*

Não obstante a recorrente ter interposto recurso per saltum, suscitando apenas questões de direito, o recorrido, a título subsidiário, pugnou pelo aditamento de dois factos. A impugnação da matéria de facto, quer essa impugnação tenha sido deduzida pelo vencido – tanto no caso de recurso independente como de recurso subordinado –, quer pelo vencedor, no caso de recurso subsidiário, obstaculiza à admissibilidade do recurso per saltum. Por essa razão, o recurso foi admitido como apelação e não como revista.

*

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.

*

(14)

II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:

- Determinar se ocorre justa causa para a destituição do autor;

- Direito à indemnização e seu valor.

*

III - FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

3.2.1. Factos Provados

Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:

1) A ré dedica-se profissionalmente e com intuito lucrativo ao comércio e indústria de pichelaria; comércio de materiais de construção, de

eletrodomésticos, de rações e outros bens, produtos para a agricultura e

comércio de gás em garrafa, instalação de rede de gás; montagem e reparação de aparelhos de gás; abastecimento de consumidores através de posto de

garrafas; abastecimento de redes e ramais para reservatórios de gás e outras atividades conexas.

2) O autor foi nomeado gerente da ré por deliberação tomada pelos sócios desta, em assembleia geral (AG), no dia 6 de outubro de 2014, tendo-lhe sido fixada uma remuneração mensal de € 1.600,00.

3) O autor, e demais gerentes da ré, receberam uma carta datada de 25 de janeiro de 2019, subscrita pelos sócios (E. P., M. B., M. O., F. P., T. A., M. F., M.

C., José, Maria, AC., T. J. e P. J.), solicitando a convocação de uma AG, para a data mais próxima possível, com as seguintes ordens de trabalho: “Ponto 1:

Discussão e deliberação sobre a destituição dos gerentes F. S., M. G., M. R., J.

C.; Ponto 2: Nomeação de nova gerência; Ponto 3: Outros assuntos de interesse geral”.

4) À referida assembleia compareceram ou fizeram-se representar E. P., A. C., M. B., M. O., F. O., M. H., V. F., C. C., J. C., M. F., T. J., M. C., M. G., T. J., M. S., AC. e José, C. M., M. P., F. S., M. J., F. C., P. J., A. M., J. S.. Mais estiveram presentes os gerentes F. S., M. G., J. C. e o aqui autor.

5) Os gerentes J. C. e M. G. entregaram ao presidente dessa AG uma carta, solicitando a sua renúncia aos cargos de gerente, que exerciam, tendo tal renúncia sido aceite pelos sócios.

6) Após, procedeu-se à discussão e deliberação sobre a destituição dos gerentes, designadamente do ora autor, tendo a sócia M. F. feito uma

declaração onde constavam os fundamentos que ela e os sócios F. P., E. P., J. J.

(15)

e C. F. encontravam para justificar a destituição dos gerentes que não haviam renunciado ao seu cargo e que, no seu entender, integravam justa causa para o efeito.

7) Os fundamentos da justa causa invocados na assembleia e vertidos em acta foram os seguintes: “1. Os sócios, por inúmeras vezes, solicitaram dados contabilísticos da empresa, balanços, balancetes, mapa de pessoal,

investimentos, relatórios de contas, estado dos financiamentos, mapa das existências e justificação dos valores das imparidades e qualificações destas, o que foi sempre negado. Acresce que, também, foram pedidas informações pelos sócios aos gerentes sobre os negócios celebrados entre a empresa e terceiros, como a Galp e outras, e ainda negócios celebrados entre a empresa e os próprios gerentes, nomeadamente, bens imóveis comprados pela

sociedade que pertenciam aos gerentes, o que nunca foi esclarecido; os sócios pediram reuniões com a gerência para se inteirarem sobre a vida da empresa, reuniões essas que não foram marcadas. 2. “verifica-se, também, que as atas nem sempre são enviadas aos sócios e quando o são, não o fazem

atempadamente e apresentam-se incompletas”; 3. “analisadas as contas do exercício que os gerentes enviaram aos sócios, constata-se que existem

“outras reservas” no valor de 700.000,00 € mas a sociedade continua a contrair empréstimos bancários sem que a sua necessidade tenha sido justificada aos sócios. Aliás, se existem reservas na sociedade, tais reservas poderiam ser distribuídas aos sócios, situação que não acontece, pelo menos em valores correspondentes a tais reservas. Nunca foi explicado pelos

gerentes aos sócios a razão daquele valor nas reservas da empresa, nem submetido a deliberação dos sócios a possível distribuição de dividendos”; 4.

“a estratégia comercial dos gerentes contraria as expectativas dos sócios. E diz-se isso porque a sociedade tem na sua história, como génese da sua

constituição, o setor da pichelaria. Sucede que este setor está completamente abandonado pela atual gerência, com degradação dos serviços prestados aos clientes, conforme resulta das inúmeras queixas apresentadas aos sócios pelos clientes da sociedade. Dentro destas queixas salientam-se a demora no

atendimento, falha a nível de preços com os da concorrência; falta de

profissionalismo do pessoal da pichelaria, uma vez que foram despedidos e, sem conhecimento ou parecer dos sócios, os trabalhadores mais experientes naquela área que a sociedade tinha; Verificou-se ainda a perda de clientes empresas, os quais invocaram que a Pichelaria X deixou de ter preços competitivos, sendo que, desde sempre a pichelaria era quem tinha os

melhores preços de mercado. Esta falta de preços deve-se à falta de aplicação da gerência em negociar com os fornecedores – e até mesmo falta de qualquer negociação, uma vez que os gerentes aceitam preços sem os questionar, nem

(16)

solicitar descontos, como é normal no mundo do negócio – e de procurar outros fornecedores com melhores condições de preços e modos de

pagamento; Em outros setores da empresa, notam-se esta “fuga de clientes”, sendo que alguns deles vão para empresas com o mesmo objeto social daquela e, portanto, concorrentes diretos, que pertencem aos gerentes; (…) se num primeiro momento os sócios deram o benefício da dúvida sobre a isenção dos gerentes em gerir duas empresas com o mesmo objecto, a Pichelaria X e as outras que são únicos sócios e gerentes – no caso, os gerentes F. S. e o gerente M. R. -, o certo é que, hoje esse facto provoca a quebra de confiança nesta gestão isenta, e como tal, há a perda definitiva na confiança dos sócios nos atuais gerentes. Esta situação verifica-se nos gerentes F. S. e M. R..” 5. “Ao longo destes quatro anos, os sócios verificaram que os gerentes,

principalmente o Sr. F. S. e Sr. M. R., colocaram interesses pessoais na gestão da sociedade e à frente dos interesses da sociedade. Exemplos disso são: 1- contrato de compra e venda de um imóvel, celebrado entre a sociedade e os três gerentes F. S., M. R. e J. C., em que aquela outorgou na qualidade de compradora e estes na qualidade de vendedores; imóvel esse sito em ...; e justificada a sua compra como necessidade de mais um armazém para a sociedade. Desde logo, a gerência não justificou a necessidade da sociedade ter mais um armazém para prosseguir o seu objeto social. Depois, inexistiu procura no mercado de outros imoveis como termo de comparação de preços, qualidade, utilidade ou necessidade, limitando-se os gerentes a escolher o único bem imóvel que “procuraram”. Aliás, a alegada necessidade da compra de um novo imóvel pela sociedade só apareceu quando o imóvel que veio a ser adquirido, entrou na esfera jurídica dos gerentes. Acresce a este facto que, até hoje, os gerentes não informaram os sócios das mais-valias que aquele imóvel adquirido trouxe para a sociedade, nomeadamente, aumento das vendas e receitas. Mais grave ainda é que a sociedade contraiu um empréstimo

bancário para o efeito, que veio a criar um encargo acrescido e desnecessário à sociedade. Note-se que, nos dias de hoje, a estratégia mais coerente e

benéfica para as empresas é redução de stocks dada a rigidez com que os fornecedores conseguem colocar os seus produtos. Desta feita, o aumento de espaço para stocks, para além de ir contra a mais racional gestão das

empresas, aumenta a despesa desta – desnecessariamente pois a sociedade tem outros armazéns – inibindo investimentos em outros setores mais vitais para a Pichelaria X.”; 6. Existiu uma obra feita nas instalações da Pichelaria X.

Tal obra foi adjudicada à empresa do gerente M. R.. Segundo o que é do conhecimento dos sócios, não foi pedido qualquer orçamento para comparar se o orçamento daquele gerente – se é que houve orçamento – era o mais ajustado aos interesses da sociedade, nomeadamente, quanto ao preço,

(17)

materiais, utilizados e prazos de execução. Ora, a obra foi adjudicada a M. R.

pelo próprio M. R. e os outros gerentes. Onde é que está aqui a transparência na atuação do gerente M. R.? Até o preço feito por este gerente poderia ser o melhor mas para tanto teria que haver outros orçamentos pedidos e ambos serem do conhecimento dos sócios, o que nunca aconteceu.” 7. “os sócios têm relatos dos trabalhadores de pressão psicológica que os gerentes têm exercido sobre eles. Estas situações abalam a produtividades dos trabalhadores e, como tal, o desempenho da empresa. Nesta medida, não havendo ligação entre os trabalhadores e os gerentes, os sócios não podem ficar indiferentes, sendo que este mau estar foi provocado pelos gerentes”; 8. “A existência de atitudes provocatórias dos gerentes para com os sócios, nomeadamente, quando estes abordam aqueles com questões sobre a sociedade, são ameaçados pela

gerência”; 9. “esta gerência encontra-se ao serviço da empresa há quatro anos, sendo altura para alterar estratégias de atuação da sociedade, que aqueles não conseguem dinamizar, segundo os interesses da sociedade e dos sócios”.

8) Em 2018, a gerência, designadamente o autor, contabilizou uma percentagem das imparidades de inventários na conta de resultados transitados, sem afetação dos resultados do exercício.

9) No exercício de 2017 essa mesma gerência havia contabilizado a percentagem de imparidades na conta dos resultados de exercício, com repercussão na demonstração de resultados e influência no resultado líquido do exercício do ano de 2017.

10) Por causa da opção referida em 9), o resultado líquido da ré no ano de 2018 foi positivo.

11) Os dividendos relativos ao ano de 2018 foram distribuídos pelos sócios.

12) As atas número 97, 98 e 99 não foram assinadas pelos sócios presentes nas AG.

13) Algumas atas foram enviadas aos sócios volvidos mais de 30 dias da data da realização das assembleias gerais.

14) Em 30 de Dezembro de 2017 foi ordenada a emissão das faturas nº 3711, 3712, 3713, 3714, 3715, 3716, 3463, 3464, 3465 e 3466, num valor global de

€ 50.752,24, acrescido de IVA, a favor da sociedade Y – Sociedade Agrícola S.A., relativas à venda de materiais e prestação de serviços.

15) Os materiais referidos em 14) constituem monos e não saíram do stock da ré.

16) Por conta do valor das faturas referidas em 14), a ré recebeu cerca de € 40.000,00, nos anos de 2018 e 2019, por serviços prestados nesses anos.

17) Enquanto os trabalhadores da ré prestam serviços na Y, não podem estar a prestar serviços noutros clientes.

(18)

18) Durante um período não concretamente apurado, o autor e os demais gerentes decidiram aumentar os preços dos artigos de pichelaria, para obterem maior lucro.

19) A medida referida em 18) provocou uma diminuição das vendas e foi revertida pelos mesmos gerentes.

20) O pai do autor é sócio único da sociedade “A. C., Unipessoal, Ld.ª”, que se dedica à serralharia, sendo o seu objeto social o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos em metal, designadamente para a aplicação no âmbito da construção civil.

21) No período de gerência que o autor integrou, os serviços e fornecimentos que esta sociedade fazia à ré aumentaram, em alguns anos, mais de 500%.

22) Foi convocada para o dia 20 de Abril de 2017 uma assembleia geral cujo primeiro ponto da ordem de trabalhos foi o de “apreciar e deliberar sobre a proposta da gerência de aquisição do armazém de ... pelo valor indicativo de € 250.000,00, pertencente a alguns dos atuais sócios”.

23) A proposta foi aprovada com os votos favoráveis dos quatro gerentes, na sua qualidade de sócios, sendo um deles o aqui autor.

24) Para adquirir o armazém referido em 22), a ré contraiu um empréstimo bancário.

25) O autor apelidava alguns trabalhadores da ré de “fracos”, abordando-os com frequência, e demonstrando descontentamento com a sua prestação, dizendo-lhes que “não vendem merda nenhuma”.

26) A partir de determinada altura da gerência que o autor integrava, o

trabalho desenvolvido pelos funcionários aos Sábados passou a ser pago como horas extraordinárias, ao invés de dar lugar ao gozo de folgas.

27) O referido em 25) causava ansiedade e inquietação aos trabalhadores.

28) Na AG referida em 4) foi votada a destituição do autor.

29) Em 2018 o autor passou a assumir o cargo de gerência da sociedade pertencente ao pai, na qual, após a destituição, passa todo o dia de trabalho.

30) O autor sentiu-se envergonhado, rejeitado, nervoso e vexado com a destituição.

31) A situação referida em 14) foi conhecida da ré em momento posterior ao da destituição do ora autor.

*

3.1.2. Factos Não Provados

Inversamente, foram dados como não provadas os seguintes factos:

a) Que o autor tenha recusado a entrega, ou entregado num momento que impedia a análise antes das Assembleias Gerais, aos sócios da ré,

(19)

nomeadamente M. F. e F. P., os balanços, balancetes, mapas de pessoal, investimentos, relatórios de contas, estados dos financiamentos, mapas de existências e documentos justificativos das imparidades.

b) Que nunca tenha sido apresentada aos sócios uma explicação para as imparidades relativas aos anos de 2017 e 2018.

c) Que houvesse atas não eram enviadas aos sócios para análise e assinatura.

d) Que o referido em 13) ocorresse quanto a todas as atas.

e) Que, face às dúvidas sobre a gestão da ré, os sócios tenham pedido, por várias vezes, reuniões com o autor, que este negava ou ignorava.

f) Que o autor tivesse desamparado o sector da pichelaria e despedido os trabalhadores mais experientes, sem justificação.

g) Que os despedimentos efetuados ou provocados pelo autor tenham levado à degradação dos serviços prestados pela ré, com demoras no atendimento.

h) Que o referido em 18) e 19) tivesse ocorrido por falta de prospeção do mercado.

i) Que houvesse falta de profissionalismo no pessoal da pichelaria.

j) Que o referido em 21) tenha consubstanciado um prejuízo para a ré, por serem produtos ou serviços de que não carecia ou que poderiam ser obtidos a preços inferiores.

k) Que o autor tenha adquirido em partilha, em compropriedade com outros gerentes, F. S. e J. C., o imóvel sito no Largo …, freguesia de ..., concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão, sob o número … da freguesia e inscrito nas matrizes prediais urbanas sob os artigos … e … da União das freguesias de …, ... e ….

l) Que o autor não tenha justificado a necessidade da sociedade ter mais um armazém para prosseguir o seu objeto social.

m) Que não tenha havido, por parte do autor, ponderação de outros imóveis para o mesmo fim no mercado imobiliário, para efeitos de comparação de preços, qualidade, utilidade e/ou necessidade da aquisição.

n) Que, durante o processo de aquisição do imóvel e depois desta se ter

concretizado, o autor e os demais gerentes não tenham informado os sócios da repercussão dessa aquisição nas contas e nas vendas.

o) Que aquela aquisição tenha sido efetuada sem que a ré carecesse de qualquer espaço.

p) Que a aquisição tenha determinado a preterição da realização de obras nas instalações da sede da ré.

q) Que o autor impedisse os trabalhadores de gozarem as suas folgas decorrentes do trabalho suplementar efetuado aos Domingos.

r) Que o autor desse excesso de trabalho a alguns trabalhadores que previamente selecionava, para que estes denunciassem os contratos de

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trabalho.

s) Que o autor observasse os trabalhadores pelas câmaras de vigilância da ré, abordando-os à mínima pausa.

t) Que tenha sido o autor a ordenar, em 30 de Dezembro de 2017, a emissão das faturas referidas em 14).

u) Que a circunstância de as faturas referidas em 14) se reportarem a bens que não saíram dos stocks da ré lhe tenha acarretado alguma perda material.

v) Que a destituição tenha tornado o autor uma pessoa reservada e distraída.

*

3.2. O Direito

3.2.1. Da justa causa de destituição de gerente

Considera a recorrente que o quadro factual apurado é de molde a integrar a justa causa de destituição do gerente.

Para apreciar o bem fundado da argumentação da recorrente, haverá primeiramente que densificar o conceito de justa causa de destituição.

O artigo 257º, do Código das Sociedades Comerciais (doravante, CSC), sob a epígrafe “destituição de gerentes”, começa por prescrever no seu nº 1, que

«os sócios podem deliberar a todo o tempo a destituição de gerentes». Esta norma consagra o princípio da destituibilidade dos gerentes, principio que surge, nas palavras de Raúl Ventura (1) como “manifestação da supremacia que no espírito do legislador toma o interesse da sociedade sobre o interesse pessoal do gerente e bem assim a aplicação do princípio maioritário na

determinação do interesse da sociedade”.

O nº 6 do preceito diz que «Constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua

incapacidade para o exercício normal das respetivas funções». Trata-se, como refere Diogo Pereira Duarte (2), de noções orientadoras e meramente

exemplificativas, das quais se percebe, no entanto, que “a justa causa tanto possa ser subjetiva como objetiva. Será justa causa subjetiva a que resulte da violação culposa dos deveres que, da lei ou do contrato de administração, decorrem para o gerente, em termos muito próximos da feição laboral em que se exige justa causa para o despedimento de trabalhadores. Será objetiva se respeitar à incapacidade para o exercício do cargo, sem qualquer culpa do gerente, como a incapacidade decorrente de uma situação de doença

prolongada, ou qualquer outra circunstância em que, mantendo-se a prestação ainda possível, perturbe gravemente a relação de administração. Admite-se ainda que o conceito possa ter diferentes concretizações, sendo mais ou menos exigente, em diferentes hipóteses de destituição”.

(21)

Elucida, ainda, Coutinho de Abreu (3) que “Em tese geral, diremos que é justa causa a situação que, atendendo aos interesses da sociedade e do gerente, torna inexigível àquela manter a relação orgânica com este, designadamente porque o gerente violou gravemente os seus deveres, ou revelou incapacidade ou ficou incapacitado para o exercício normal das suas funções”.

É neste sentido que se lê no Acórdão do STJ de 26 de fevereiro 2019 (4) que a justa causa destitutiva do gerente da sociedade “relaciona-se com os

princípios da confiança e a boa fé que devem ser observados por quem detém essa função na sociedade, princípios muito relevantes nas relações com os credores sociais, sócios e terceiros, de modo a que a transparência dos comportamentos e o rigor ético das condutas, possam ser valorados

objectivamente e subjectivamente. A justa causa é uma sanção excludente do

“infractor”, que visa defender a sociedade, na sua inserção na vida comercial”.

Por sua vez, o artigo 64.º, do CSC, consagra os deveres fundamentais que os gerentes devem observar:

«a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus

trabalhadores, clientes e credores.»

Sobre estes deveres escreveu-se no Acórdão do STJ referido que “o art. 64º do Código das Sociedades Comerciais, antes e depois da Reforma de 2006, impõe a observância de deveres de cuidado, verdadeiros poderes-deveres dos

gerentes ou administradores baseados numa relação de confiança (fiducia) que se estabelece entre a sociedade e quem a gere, seja no círculo das suas relações internas, seja nas relações externas com terceiros, sejam eles credores, entidades administrativas, trabalhadores ou quaisquer outros interessados. O dever de cuidado – duty of care – está ínsito na actuação do

“gestor criterioso e ordenado” e no grau de diligência que esse standard postula”.

Também o Acórdão do mesmo Tribunal Superior de 30 de setembro de 2014 (5) clarifica que constitui justa causa de destituição a atuação “que exprima violação grave dos deveres de gerente, mormente, dos deveres de cuidado, de diligência e de lealdade, que impliquem perda irreparável da confiança dos

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afectados por essa actuação, seja no contexto interno da sociedade, seja na sua relação com terceiros a justificar a impossibilidade da manutenção do vínculo que o une ao ente societário, por existir conflito de interesses gerador de danos efectivos ou potenciais, que devam ser consideradas razão

inequívoca da inexigibilidade da manutenção daquele vínculo jurídico. A lei alemã alude a “grosseira violação dos deveres, incapacidade de condução regular dos negócios ou privação da confiança…”, ou seja, quando “a confiança por manifestos e improcedentes fundamentos foi destruída”.

Densificado o conceito, de que resulta tratar-se de um conceito dotado de plasticidade bastante para se adaptar casuisticamente, e assim permitir aferir se uma certa atuação se compagina com os direitos e deveres de gerente consagrados na lei, vejamos se os factos dados como provados integram o conceito de justa causa.

Os factos que a recorrente considera como fundamento de justa causa de destituição agrupam-se em três capítulos: falta de entrega das atas das deliberações sociais aos sócios; abuso de representação do autor para com a ré e celebração de negócio consigo mesmo; mau trato do autor para com os trabalhadores.

Da falta de entrega das atas das deliberações sociais aos sócios:

Na sentença recorrida deu-se como provado que as atas 97, 98 e 99 redigidas no período em que o autor era gerente da ré, não foram assinadas pelos

sócios, bem como algumas atas foram entregues aos sócios mais de 30 dias depois da realização da Assembleia Geral (cfr. item 12 e 13 dos factos

provados).

Considerou-se, todavia, que estes factos não “assumem a gravidade que justifiquem a destituição”.

Contra este entendimento insurge-se a recorrente, defendendo que:

«Todas as deliberações das sociedades devem ficar espelhadas em actas e os sócios dela tomarem conhecimento, por direito.

Um dos direitos dos sócios consiste em serem informados do que se passa nas Assembleias Gerais, de modo a que, caso o entendam, impugnarem as

deliberações nestas tomadas, através de acção de anulação prevista nos artigos 59º e seguintes do Código das Sociedades Comercias.

As acções de anulação de deliberação sociais, tem um prazo de 30 dias para serem propostas, em regra, a partir da data em que foi encerrada a

Assembleia Geral, sob pena de caducar esse direito. Só não será assim no caso de deliberações em que não constem na ordem de trabalhos, situação na qual

(23)

só começará a contar os 30 dias a partir da data em que o sócio teve conhecimento da deliberação.

Posto isto, o não envio, por parte do Autor, das actas no período de 30 dias da Assembleia Geral é susceptível de ferir um dos direitos dos sócios que caduca pelo decurso de um lapso de tempo muito reduzido.

Desta feita, esta omissão do envio das actas durante o período da gerência do Autor, inibitória dos sócios usarem, tempestivamente, da faculdade de sindicar as deliberações sociais, deverá ser qualificada como justa causa de

destituição, pois é susceptível de fazer “desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária aos deveres de correcção, de lealdade, e de fidelidade na relação associativa».

Salvo o devido respeito, não cremos que se possa retirar, sem mais, da falta de assinatura dos sócios e do não envio de algumas atas dentro do prazo de trinta dias, a prática pelo gerente de um ato que quebre irremediavelmente a

relação de confiança da sociedade para com o gerente. A invocação deste ato vem desacompanhado da demonstração de qualquer consequência nefasta para a sociedade, despido assim de gravidade bastante para que torne

inexigível à sociedade o prosseguimento do exercício da gerência pelo autor.

Abuso de representação do autor para com a ré e da celebração de negócio consigo mesmo:

Outro fundamento invocado pela recorrente para suportar a destituição foi de que o autor, no período em que geriu a ré, engrandeceu as relações comerciais entre a empresa “A. C., Unipessoal, Lda” – da qual é também gerente –, e a ré, aumentando os fornecimentos e prestação de serviços entre estas empresas em mais de 500%.

Entende a recorrente que em cumprimento dos deveres de lealdade, transparência e não concorrência com a ré, bem como não usufruir da

qualidade de gerente para aumentar e tirar proveito dos negócios celebrados com a ré, nunca o autor poderia ter tomado a decisão de celebrar negócios entre a ré e outra sociedade da qual é gerente, sem pedir orçamentos a outras empresas sobre o que forneceu à ré e dos serviços a esta prestados.

Ressalvado o devido respeito, não podemos sufragar a posição da apelante, na medida em que ficou por demonstrar o pressuposto essencial, qual seja: a situação de vantagem para o autor ou terceiro, com prejuízo para a ré.

Mau trato para com os trabalhadores:

Considera a recorrente que a atitude do autor para com os trabalhadores contraria os seus deveres de “lealdade, no interesse da sociedade, atendendo

(24)

aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”, conforme estatui o artigo 64º do CSC. E acrescenta que é considerada de justa causa de resolução de

contratos, em outros ramos de direito, como, por exemplo, o direito laboral, pelo que deve integrar de igual modo justa causa de destituição.

Apurou-se que o autor apelidava alguns trabalhadores da ré de “fracos”, abordando-os com frequência, e demonstrando descontentamento com a sua prestação, dizendo-lhes que “não vendem merda nenhuma” e que esta

situação causava ansiedade e inquietação aos trabalhadores (factos provados 25 e 27).

A propósito escreveu-se na sentença: «o referido em 25) e 27) atesta que o autor tem vasto caminho a percorrer quanto ao modo como deve interagir com os subordinados. Como muitas entidades empregadoras, de resto. No entanto, apesar de ser lamentável que este tipo de destrato ocorra no relacionamento entre patrões e empregados, não creio que os factos a propósito apurados bastem à integração do conceito de justa causa para a destituição do gerente

».

Concordamos integralmente.

E a razão da concordância funda-se na circunstância de apesar de se

considerar censurável as expressões dirigidas aos trabalhadores, ao contrário do que defende a recorrente, este comportamento não se equipara a “ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punida por lei, praticada pelo empregador ou seu representante”, a que alude o artigo 394º, nº 2, do Código do Trabalho.

Como é sabido, e se expressa com clareza no Acórdão do TRL de 05 de julho de 2018 (6), “não é qualquer violação dos deveres dos administradores que constitui justa causa de destituição, mas só a violação grave e que torne

inexigível à sociedade o respeito pelo interesse da estabilidade do vínculo por parte do administrador. Há-de tratar-se de uma situação que torne

praticamente impossível a subsistência do vínculo, independentemente de culpa do administrador”.

Em conformidade com o exposto, o acervo factual de que a apelante lança mão não assume a gravidade bastante para que possa integrar justa causa de

destituição do gerente.

Consequentemente bem andou o tribunal a quo ao declarar a inexistência de justa causa para a destituição do autor de gerente da sociedade.

3.2.2. Do direito à indemnização e seu valor.

(25)

Considera o recorrente não estarem preenchidos os requisitos para que o direito de indemnização pedido pelo autor mereça provimento, por o autor não ter alegado, muito menos provado, qualquer relação entre o dano, ou nexo causal, nesta destituição.

No seu entender incumbia ao autor alegar e provar os concretos danos

sofridos pela destituição e o nexo causal entre a destituição e os danos, isto é, incumbia ao autor a alegação e prova da perda de oportunidade de exercício de outra atividade remunerada de idêntico nível económico e social causada pela destituição.

Não foi este o entendimento seguido na decisão recorrida, onde se defendeu que provando a remuneração, o destituído faz a prova que lhe compete, cabendo à sociedade provar que há razões para a compensatio lucri cum damno.

Escreveu-se na sentença o seguinte:

«Como se afirma no já citado Ac. do TRC de 31.10.2010, consagrou-se (…) no CSC, com assinalável extensão, o direito de a sociedade promover, por acto unilateral seu, a cessação da relação de administração estabelecida com os seus gestores, que ficam, por tal motivo, sujeitos ao exercício desse poder potestativo, independentemente de ocorrer ou não razão que justifique o procedimento da sociedade. Mas, como é compreensível, as consequências da destituição ad nutum não são as mesmas da destituição justamente fundada. A protecção privilegiada do interesse social, que quis garantir-se com a

atribuição do direito à destituição, não tem de sacrificar em absoluto o interesse do gestor, o qual, além do mais, organizou a sua vida com vista a poder assegurar plenamente o cumprimento das obrigações para ele

decorrentes da relação de administração estabelecida com a sociedade, não sendo aceitável que possa, de um momento para o outro, ser confrontado com a cessação da relação, ficando de mãos completamente vazias» - sublinhado acrescentado.

Ora, a propósito do dano, refere JORGE HENRIQUE PINTO FURTADO que

«(…) não têm de se aplicar os princípios gerais da responsabilidade civil, porque temos, para a sociedade por quotas (…), o preceito especial

determinando que, fora da justa causa, haverá sempre indemnização, e qual o montante a indemnizar. Não concordamos, pois, minimamente, com a

jurisprudência que tem excluído, nas sociedades de quotas, o dever de

indemnizar sempre que o destituído não tenha provado danos sofridos, ou que tem aferido o respectivo montante pelo valor do dano provado. O valor a

atribuir, salvo estipulação prevista no contrato, é o referido no nº 7 do art. 257 CSC - in: Curso de Direito das Sociedades, Almedina, 2004, 5ª edição, ps. 369

(26)

e 370. No sentido criticado pelo autor, vd., vg., o Ac. do STJ de 29.05.2014, Rel.: SALAZAR CAZANOVA; o Ac. do TRP de 11.01.2016, rel.: MANUEL DOMINGOS FERNANDES e o Ac. do TRL de 14.10.2014, Rel.: ROSA MARIA RIBEIRO COELHO, in: dgsi.pt. No mesmo sentido do autor, vd. o citado Ac. do TRC de 31.10.2010.

A posição de COUTINHO DE ABREU aproxima-se daquela, embora não seja totalmente coincidente: «não tem o destituído de provar (…) a sua situação patrimonial real actual a fim de se saber se ficou ou não prejudicado com o não recebimento das remunerações. O prejuízo existe: não entram no

património do destituído valores que, não fora a destituição, provavelmente nele entrariam. Nem, de outra banda, tem o destituído de provar, para poder ser ressarcido de lucro cessante, que não teve oportunidade de exercer outra actividade remunerada de idêntico nível económico, social e profissional depois da destituição» - Código das Sociedades Comerciais em Comentário, IDET, Códigos, nº 4, Almedina, Coimbra, 2012, p. 127. Vd., também, no Canal de Colóquios do STJ, “Comércio Sociedades e Isolvências”,22.01.2020(https://

educast.fccn.pt/vod/clips/2mgm38lngp/streaming.html?locale=pt).

Ou seja, provando a remuneração, o destituído faz a prova que lhe compete, cabendo à sociedade provar que há razões para a compensatio lucri cum damno.

O montante máximo da indemnização – que corresponde, in casu, ao montante das remunerações que o autor poderia obter em quatro anos de

remunerações, nos termos do nº 7 do art. 257º do CSC (já que não havia um período definido para a gerência) não é o valor necessário da indemnização, mas é o valor que deve ser fixado quando a sociedade não logre a prova de que há motivo para o reduzir. Veja-se, a este propósito, o que refere

COUTINHO DE ABREU, in: Curso de Direito Comercial, ob. cit., ps. 596 e 597:

«não sendo a indemnização fixada contratualmente, ela será calculada nos termos gerais de direito (arts. 562º ss. do CCiv.), com os apontados limites máximos – arts. 403º, 5 257º, 7. Quer dizer, o montante das remunerações que o administrador auferiria até ao termo do período para que foi designado (ou, na outra hipótese, o montante correspondente a quatro anos de

remunerações) é o limite máximo da indemnização, não é o valor necessário da indemnização. Esta reparará os danos sofridos, que podem muito bem ter valor inferior àquele limite (porque, v.g., o destituído teve rapidamente

oportunidade de exercer outra actividade de nível remuneratório idêntico).

Cabe ao destituído provar o valor do dano - lucro cessante (bem como a

existência de valor de dano emergente), cabendo à sociedade provar qualquer situação que reduza ou elimine a indemnização».

Como também se refere no já citado Ac. do TRC de 31.10.2010, Rel.: PEDRO

(27)

MARTINS, «(…) o facto de se dizer que o destituído, como autor, tem o ónus da prova do dano, não quer dizer que ele não possa beneficiar de uma

presunção, natural, de prejuízo, decorrente do facto de ter um direito a uma remuneração e depois da destituição ter deixado de o ter (e não se diga que também deixou de ter o dever correspectivo, pois que não foi por sua vontade que o deixou de ter). Não é isto o suficiente para se concluir, face à

normalidade das coisas, de que o titular do direito sofreu um lucro cessante, que perdeu uma fonte de rendimentos? É certo que pode ter arranjado uma ocupação com uma remuneração equivalente, e aí, se não for de seguir a posição de Pinto Furtado ou a de Menezes Cordeiro, verifica-se um facto que, a título de compensação do dano com lucro (art. 795/2 do CC), deve levar a que não lhe seja concedida a indemnização. Só que, então, este facto é um facto impeditivo cuja prova está a cargo da sociedade que destituiu o gerente (art. 342/2 do CC)».

Ora, no caso em apreço, após a destituição o autor perdeu o rendimento que auferia na gerência (€ 1600,00, sem prova de subsídios ou suplementos), mantendo o salário que auferia - antes e durante a gerência - na sociedade A.

C. Unipessoal. A assunção do cargo de administrador nesta última é anterior à destituição, não tendo sido provado qualquer incremento remuneratório. Ou seja, € 1.600,00/mês é precisamente o valor que o autor deixou de ganhar em virtude da destituição, sem que se justifique qualquer redução.

Assim, a indemnização do ora autor será fixada, nos termos do nº 7 do art.

257º do CSC, por referência a um período de quatro anos (12 x 4 x € 1.600,00), em € 76.800,00.

Sobre esta quantia serão ainda devidos juros, à taxa legal de 4%, mas

contados desde a prolação desta sentença, até integral pagamento, já que está em causa um crédito ilíquido que procede de facto lícito – nº 3 do art. 805º do CC; nº 1 do art. 1º da Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril e nº 1 do art. 559º do CC.»

A sentença recorrida na abordagem do segmento indemnizatório, tomando posição sobre aspetos controvertidos, expressou com notável clareza os vetores a considerar:

- as consequências da destituição ad nutum não são as mesmas da destituição justamente fundada, implicando aquela o pagamento de uma indemnização;

- para a sociedade por quotas existe preceito especial determinando que, fora da justa causa, ocorre o dever de indemnizar, e qual o montante a indemnizar (salvo estipulação prevista no contrato, o valor a atribuir é o referido no nº 7 do artigo 257.º CSC);

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