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MULHERES NA ATIVIDADE PESQUEIRA DO CAMARÃO-ROSA NO ESTUÁRIO DA LAGOA DOS PATOS/RS: MODO DE VIDA, RENDA E CONDIÇÕES LABORAIS

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MULHERES NA ATIVIDADE PESQUEIRA DO CAMARÃO-ROSA NO ESTUÁRIO DA LAGOA DOS PATOS/RS: MODO DE VIDA, RENDA E

CONDIÇÕES LABORAIS

Luceni Hellebrandt 1 Tatiana Walter 2 Lúcia de Fátima Socoowski de Anello 2 Resumo: Esta pesquisa é parte do projeto “Análise das cadeias produtivas dos pescados oriundos da pesca artesanal e/ou aquicultura familiar no estado do Rio Grande do Sul”, convênio junto à Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo do RS. Seu objetivo é verificar entraves e subsidiar políticas públicas destinadas a estes setores. Os dados aqui apresentados, coletados de fevereiro a abril de 2013, abordam a participação das mulheres na cadeia produtiva do camarão-rosa no estuário da Lagoa dos Patos/RS (São Lourenço do Sul, Pelotas, Rio Grande e São José do Norte). Os dados advêm de visitas às comunidades pesqueiras, pontos de beneficiamento e de comercialização de pescados. A partir de observação participante, conversas informais e aplicação de roteiros semi-estruturados com mulheres que trabalham com o camarão-rosa em qualquer etapa da cadeia deste produto, apresentamos dados que exploram: a origem do envolvimento com a atividade pesqueira; existência de trabalhos paralelos; gastos com a atividade;

produção, renda, e importância do camarão para a formação da renda familiar; existência de vínculo empregatício/mercado formal de trabalho; exigência sanitária. Com este panorama, esperamos contribuir para a discussão dos papéis das mulheres na pesca artesanal como um todo.

Palavras-chave: Mulheres na pesca. Pesca artesanal. Cadeia produtiva do camarão-rosa.

No final do ano de 2011, a Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo do Rio Grande do Sul (SDR/RS) demandou ao Laboratório de Gerenciamento Costeiro da Universidade Federal do Rio Grande (LabGerco/FURG) um estudo com vistas a subsidiar tomadores de decisões quanto aos entraves e potencialidades das políticas públicas pesqueiras voltadas aos setores artesanais e familiares. Assim, em 2012 iniciou-se o projeto de pesquisa denominado “Análise das cadeias produtivas do pescado oriundo da pesca artesanal e/ou aquicultura familiar no estado do Rio Grande do Sul”, desenvolvido por uma equipe multidisciplinar, incluindo alunos de graduação, mestrado e doutorado, envolvendo dois campi da FURG, um em Rio Grande, outro em São Lourenço do Sul (RS).

Entre os procedimentos para a compreensão da cadeia produtiva de pescados, entendeu-se que a investigação deveria contemplar os vários atores desta cadeia: os fornecedores de insumos, os

1

Doutoranda/ Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas – Universidade Federal de Santa Catarina – PGICH/UFSC / Florianópolis, Brasil.

2

Docente e Pesquisadora / Instituto de Oceanografia - Universidade Federal do Rio Grande – IO/FURG / Rio Grande,

Brasil.

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pescadores artesanais e piscicultores familiares, as estratégias de beneficiamento e os comerciantes, além do o ambiente institucional que se intercala com a execução das atividades. Nesta perspectiva, observou-se a atuação de mulheres ao longo de toda a cadeia, instigando a equipe a aprofundar a investigação com este grupo também, entendendo-as enquanto atrizes sociais de fundamental importância, tanto na participação econômica, como também para a reprodução social das atividades, incluindo ainda, a análise sobre como elas se relacionam com esta atividade que necessita de um ambiente sadio para contínua execução.

A partir destas percepções, o presente trabalho enfoca os resultados obtidos em uma das fases do projeto, que buscou acompanhar junto à pesca artesanal, o andamento da safra do camarão- rosa de 2013, no estuário da Lagoa dos Patos. Esta área engloba quatro cidades do RS: São Lourenço do Sul, Pelotas, Rio Grande e São José do Norte. Por se tratar de uma área estuarina, a rica troca energética entre mar (água salgada) e lagoa (água doce) proporciona um ambiente propício ao crescimento de diversas espécies pesqueiras, entre elas, o camarão-rosa, espécie comercialmente importante para a pesca artesanal que aí ocorre e envolve, na etapa de captura, pelo menos 4.454 3 pessoas. Destaca-se, contudo, que este número deixa de fora muitas das mulheres que atuam informalmente no beneficiamento do pescado, ou em outras etapas da cadeia produtiva que não a da captura, pois, para estar incluída neste dado (possuir o Registro Geral de Pesca), uma gama de documentos é exigida para a comprovação da atividade como principal fonte de renda. Os casos de mulheres que recebem por produção, sem comprovante legal frente às empresas de beneficiamento de pescado, reforçam a questão da invisibilidade das mulheres na cadeia produtiva do pescado.

Procedimentos de pesquisa

Para iniciar uma compreensão da atuação das mulheres na cadeia produtiva do camarão-rosa na área mencionada e, ao mesmo tempo, lidar com uma grande equipe de pesquisadores, alguns

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Este dado corresponde ao número total de pessoas portadoras do documento Registro Geral da Pesca (RGP) nas 4 cidades mencionadas, que receberam seguro desemprego (seguro defeso) proveniente da pesca artesanal decorrente do último ano de atividade. O dado foi compilado através da informação disponível no Portal da Transparência do Governo Federal (http://portaltransparencia.gov.br) acessado em 06 – julho – 2013. É importante ressaltar que este número não corresponde à realidade da totalidade de pessoas efetivamente envolvidas na atividade, uma vez que o dado é baseado em estar com o RGP regular, descartando todas aquelas pessoas que não possuem a documentação ou a comprovação necessária para a regularização do RGP. Por outro lado, a comprovação documental não implica o envolvimento único e exclusivo com a atividade pesqueira artesanal, pois são vários os relatos – inclusive do próprio Ministério da Pesca e Aquicultura – das dificuldades do processo de fiscalização para assegurar quem, de fato, deve ter o direito ao RGP.

Ainda assim, o número oficial presta-se como base para atestar a importância desta atividade para um número

considerável de pessoas.

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procedimentos foram adotados, entre eles, algumas oficinas de padronização metodológica para intervenções em campo a partir de observação participante. Nestas oficinas também foram construídos, coletivamente entre os membros da equipe do projeto, roteiros para investigação que guiassem as conversas em campo, sendo um roteiro exclusivo para investigação junto às mulheres que praticam o beneficiamento do produto. Investigam as seguintes informações: histórico e tempo de envolvimento com a atividade de beneficiamento; outros envolvimentos com a pesca e outras atividades remuneradas fora da pesca; distância entre o local de trabalho com beneficiamento e local de moradia; jornada de trabalho com beneficiamento; existência de filhos pequenos; média de produção diária; propriedade dos materiais necessários à execução da atividade; uso de equipamentos de proteção individual; possibilidade de apropriação sobre o produto trabalhado;

importância da renda proveniente do beneficiamento para a constituição da renda familiar; relações de trabalho; destinação dos resíduos produzidos na atividade.

Além deste roteiro pensado para a atividade de beneficiamento do camarão-rosa, outros dois roteiros foram construídos, um para pescadores e outro para comerciantes de pescado, e foram igualmente aplicados com as mulheres que se encontravam exercendo estas atividades.

No total, foram realizadas 25 saídas de campo entre fevereiro e abril de 2013, contemplando as quatro cidades do estudo e, quando encontradas mulheres exercendo atividade pesqueira, foram abordadas para o que chamamos de conversas, realizadas com o apoio dos roteiros mencionados anteriormente, mas sem o caráter formal de entrevistas, embora em todos os casos houvesse o comprometimento, por parte da equipe do projeto, em explicar o propósito da conversa e solicitar o consentimento, tanto para conversas gravadas, filmadas, ou registradas via anotações. Ao final desta rodada de saídas de campo, conversamos com pelo menos 20 mulheres envolvidas na atividade pesqueira, propiciando alguns resultados parciais da proposta inicial do entendimento de suas atuações na atividade pesqueira, apresentados abaixo.

Resultados

Até o momento, os dados levantados em campo identificaram mulheres que participam das

etapas de captura, beneficiamento e comercialização do camarão-rosa no estuário da Lagoa dos

Patos. Na etapa de captura, embarcam com os maridos. Foram contatadas em um acampamento de

pesca de uma localidade de São José do Norte. Nenhuma das mulheres com quem conversamos

pesca sozinha. Em uma comunidade rural de Rio Grande, também encontramos duas mulheres que

embarcam ocasionalmente com os maridos, quando a pescaria está abundante e, neste caso,

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descrevem esta ação de pescar junto como sinônimo de serem as que “mais ajudam mesmo”, em oposição às outras mulheres da comunidade que participam somente na fase de limpeza e beneficiamento dos pescados.

Mulheres que comercializam pescados, proprietárias de pequenas peixarias ou que trabalham junto com os maridos em peixarias um pouco maiores foram encontradas em Pelotas e São Lourenço do Sul, e também, há um caso específico de uma compradora em uma comunidade rural de Rio Grande. Esta realiza a compra junto aos barcos de pesca, buscando o camarão assim que os barcos atracam em terra. Na sequência, leva para o seu “galpão”, onde emprega informalmente de 2 a 15 mulheres, dependendo da demanda do dia, para realizar a limpeza do camarão, embalando e repassando para compradores fixos de outras cidades do RS e do estado de SC. Além destas mulheres que trabalham em seu galpão, esta comerciante de pescados também leva quantidades de camarão a ser limpo para as casas de outras mulheres que podem executar o serviço, mas não podem se afastar do espaço de suas casas, principalmente por terem filhos pequenos, havendo assim a possibilidade de conciliar o trabalho com o camarão e o trabalho doméstico.

Apesar de encontrarmos mulheres embarcadas, e que realizam o comércio do pescado, a atividade mais comum onde encontramos mulheres foi na limpeza do camarão. Esta atividade também apresenta peculiaridades, sendo executada de pelo menos três formas:

1) Em São Lourenço do Sul, encontramos mulheres atuam em alguma das duas empresas de pescado da cidade: Japesca e Coopesca (esta última, uma cooperativa de pescadores artesanais).

Situação similar é verificada também em Rio Grande, cidade que tem seu desenvolvimento

historicamente relacionado à pesca e que, na década de 1970 teve muitas empresas de

beneficiamento de pescado devido ao forte investimento no setor pesqueiro por parte do Governo

Federal (Reis & D’Incao, 2002; Hellebrandt, 2010). Estas empresas se estabeleceram próximas às

comunidades pesqueiras, com vistas a recrutar aí a mão de obra especializada para lidar com seus

produtos. Com a crise que abalou o setor pesqueiro nas décadas de 1980 e 1990, estas empresas

fecharam, mas a cultura de se estabelecer empresas pesqueiras, as “fábricas”, como são

denominadas, permaneceu, e tanto empresas de nível médio, como pequenas plantas, estão

localizadas próximas ou no meio das comunidades pesqueiras. São nestas empresas, tanto em Rio

Grande, como em São Lourenço do Sul, que as mulheres da comunidade conseguem trabalho de

forma mais estável, pois são empresas que ficam em atividade durante o ano todo, processando

vários tipos de pescados, além do camarão e, durante safras, de acordo com a necessidade,

contratam temporariamente mais pessoas. Apesar de identificada esta forma de trabalho com o

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beneficiamento de pescados, a nossa pesquisa não conseguiu explorar maiores informações durante as saídas de campo realizadas, tais como as jornadas de trabalho e a remuneração pelo serviço na empresa privada Japesca de São Lourenço do Sul, ou nas empresas de Rio Grande, ficando estes pontos a serem explorados numa próxima etapa de tomada de dados do projeto. Para a cooperativa de São Lourenço do Sul, a Coopesca, a informação é que a jornada de trabalho fica em torno de 9 horas diárias, com pagamentos semanais em torno de R$ 100,00. Sobre os resíduos produzidos no processo de beneficiamento, há a informação de que um vereador de São Lourenço do Sul concedeu uma liberação para a Japesca enterrar os resíduos, e na Coopesca, há um caminhão que recolhe semanalmente as cascas, mas não há informações sobre o destino final deste resíduo.

2) A forma mais comum, e que encontramos em todas as cidades de abrangência da pesquisa, é o caso das mulheres que não possuem vínculo formal com as empresas, porém pegam o pescado junto à empresa no começo do dia e levam para suas casas, passam o dia trabalhando e retornam à empresa, o produto processado, ao final do dia. Este esquema de pegar o pescado nas empresas e trabalhar ele em casa é a forma preferida para as mulheres que possuem filhos pequenos, pois, desta forma, afirmam, podem trabalhar ao mesmo tempo em que cuidam dos filhos e das lidas da casa. Nesta forma de trabalho, os ganhos são variados, de acordo com a produção diária. O valor médio que recebem, por quilo do camarão descascado, é R$ 2,00 e a média de processamento diário fica em torno de 20 quilos, o que é considerado pouco, mas encontra razões na safra frustrada, com camarões pequenos, que dificultam o processamento. Estas mulheres fazem parte de núcleos familiares envolvidos com a pesca artesanal, geralmente as mães trabalhavam com processamento de pescado, os pais eram pescadores e, quando casadas, os maridos também pescam.

Quando acontece dos maridos pescarem e a família possuir alguma estrutura como freezer para armazenamento de pescado, conseguem separar uma parte do camarão pescado e realizar a limpeza, congelamento e estocagem, para posterior venda com um preço melhor, fora da safra. Mas esta não é uma situação comum, durante nosso trabalho de campo, foi encontrada com mais frequência na cidade de Pelotas. O que acontece mais comumente é o camarão ser entregue direto ao primeiro comprador que, em muitos casos, já forneceu um adiantamento ao pescador e sua família para financiar os gastos com a pesca e as despesas da casa, gerando assim um compromisso de saudar uma dívida. A média do valor pago pelo primeiro comprador ao pescador é de R$ 6,00 o quilo.

Estes compradores também fazem o papel das empresas citadas, entregando camarão para as

mulheres beneficiarem nos pátios de suas casas, pagando a média de R$ 2,00 o quilo de camarão

limpo, e depois, embalando e repassando para um próximo comprador com um valor agregado mais

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elevado, em torno de R$ 22,00 o quilo. Apesar de, a primeira vista parecer um valor muito elevado, há de se considerar que para cada quilo de camarão limpo, há uma “quebra” em torno de 50%, ou seja, para produzir um quilo de camarão limpo, uma mulher necessita de dois quilos que pode ser tratado de duas formas: pré-cozido, ou cru. Esta situação de processamento de camarão pré-cozido foi encontrada na cidade de Rio Grande e, quando é pré-cozido, o gasto com os insumos para o cozimento também é da mulher responsável pelo beneficiamento, geralmente com botijões de gás quando este processo é realizado em meios urbanos, ou lenha cortada no mato, nas comunidades rurais. Outra situação peculiar característica desta forma de processamento de camarão, foi encontrada em São Lourenço do Sul, onde elas se autodenominam “limpadeiras”, fugindo um pouco da denominação geral de tarefeiras, encontrada nas outras cidades, uma vez que nas outras cidades, mesmo sem o vínculo formal, possuem a liberdade de executar a atividade de limpeza dentro das fábricas ou galpões de processamento, em conjunto com outras tarefeiras, se preferirem.

Em São Lourenço do Sul, as “limpadeiras” realizam a limpeza em casa ou na beira do arroio (referência às margens dos Arroios Carahá e São Lourenço), onde se reúnem para executar a atividade e, onde também, descartam as cascas e resíduos da limpeza, jogando diretamente dentro do arroio.

3) Uma outra forma identificada de atuação de mulheres no beneficiamento do camarão fica

caracterizado por mulheres que não possuem em seu núcleo familiar uma relação mais próxima com

a pesca, tampouco possuem maior vinculação para executar a atividade. São as mulheres que

trabalham como tarefeiras no mercado público municipal de Rio Grande. Moram em bairros

distantes do local de trabalho, necessitando se deslocarem através de transporte público em viagens

em torno de 20 minutos. Chegam por volta das 7:00 e ficam por ali até as 14:00 hs, aproveitando a

movimentação dos barcos que chegam logo cedo e dos diversos compradores, sobretudo os turistas,

que adquirem alguns quilos de camarão junto aos pescadores e recorrem a estas tarefeiras para

realizarem a limpeza. Recebem em média R$ 3,00 por quilo do camarão descascado e realizam o

trabalho em uma sala cedida pela prefeitura, dentro das dependências do mercado. A sala é

azulejada e possui uma mesa para execução do trabalho, também coberta por azulejos, e água

fornecida pela prefeitura. Trabalham em até oito mulheres e os materiais individuais de trabalho –

baldes, facas – bem como aventais e botas, são de responsabilidade de cada tarefeira. Elas arcam

com suas despesas de transporte e alimentação, e seus ganhos, por produção, são variáveis. Num

exemplo, uma entrevistada comentou que já chegou a descascar 50kg de camarão em um dia, mas

que este ano a safra estava muito fraca. A destinação dos resíduos não foi informada.

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O relato da safra fraca foi recorrente em todas as saídas de campo. Isto implica diretamente nos ganhos familiares, pois com menos pescado, menor é quantidade a ser processada. De uma forma geral, os equipamentos de proteção individual não são utilizados, tampouco são exigidos.

Algumas usam botas, aventais e redes para o cabelo, principalmente no primeiro caso, quando trabalham dentro das empresas de beneficiamento. As que trabalham sem vínculo formal não utilizam estes equipamentos. Quando questionadas sobre o uso de luvas, sempre mencionam que não tem como executar esta atividade com luvas, pois “quebra” mais o camarão, ou seja, desperdiça mais. Apesar disso, algumas entrevistadas relataram já ter passado por problemas de alergia relacionada ao manuseio do camarão, tendo que se afastar temporariamente da atividade. Quando questionadas sobre outras questões de saúde, tais como orientações ergonômicas, ou mesmo, na lida com o gelo em câmaras frias, relatam que nunca tiveram qualquer orientação neste sentido.

Apesar da dificuldade de, neste momento, aferir de fato qual a contribuição financeira do trabalho executado pelas mulheres na composição da renda familiar, todas responderam que suas contribuições são essenciais para complementar a renda da casa, principalmente em anos em que a safra não é considerada boa, como foi este ano de 2013.

Algumas discussões iniciais e considerações sobre este trabalho

Numa breve tentativa de avaliar as atividades executadas pelas mulheres, sobretudo na fase de beneficiamento de pescado, vale considerar que, se por um lado, as tarefeiras do mercado público de Rio Grande ganham mais em quilo de camarão descascado, possuem gastos de transporte e alimentação que aquelas que trabalham nas fábricas próximas a suas residências, conseguem minimizar. As que trabalham nos pátios de casa citam como vantagem a possibilidade de conciliar o trabalho com camarão e as lidas domésticas, incluindo o cuidado com os filhos, valorizando o horário flexível de trabalho. Esta vantagem mencionada por elas corrobora a valorização da autonomia que Michelle Perrot descreve em relação ao domínio do tempo do trabalho doméstico, sendo este “fazer suas compras, preparar as refeições [...], ocupar-se da roupa, cuidar das crianças. Assim se desenha o tempo das mulheres – um tempo picotado, mas variado e relativamente autônomo, no polo oposto ao tempo industrial” (Perrot, 1998. p. 200), relação autônoma de domínio do tempo que deve ser respeitada e aprofundada na busca do entendimento do que vai além das questões econômicas das relações e atuações das mulheres na pesca artesanal.

As situações relatadas neste primeiro panorama sobre as mulheres na atividade pesqueira do

camarão-rosa no estuário da Lagoa dos Patos revelam, além da relação de controle sobre seu

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próprio tempo de trabalho, outros pontos interessantes para análise e que pretendem ser aprofundados, tais como as questões de invisibilidade do trabalho da mulher na pesca, pontuadas por Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão, na qual, “apesar de intensa participação laboral, este trabalho muitas vezes é caracterizado na condição de ajuda” (Leitão, 2010), como a fala da entrevistada de Rio Grande que, além de processar os pescados, embarca para realizar a captura junto com o marido, mas expressa essa atuação como sendo um atributo de uma pessoa que “mais ajuda mesmo”.

Ou ainda, a autodenominação das mulheres de São Lourenço do Sul enquanto

“limpadeiras”, podendo lançar luz a questão que Rose Mary Gerber elucida enquanto fortalecimento de uma identidade coletiva, no caso de sua defesa, das pescadoras como um todo, mas que pode também ser pensada aqui, no sentido de que “em alguns casos e em alguns momentos, uma identidade voltada para fora, por exemplo, frente ao Estado, poderia contribuir com o processo de reconhecimento como categoria profissional” (Gerber, 2013. p. 38).

Já nestes três exemplos de abordagens a serem exploradas com base nos resultados iniciais da observação sobre a atuação das mulheres na pesca artesanal no estuário da Lagoa dos Patos, podemos perceber que as contribuições deste tipo de levantamento tendem a ser muito ricas, contribuindo com o amadurecimento de um campo se pesquisa necessitado de discussões. Diversos outros pontos merecem ser explorados acerca da atuação das mulheres na pesca, tais como as questões econômicas e ambientais abordadas neste estudo. E esta é a proposta, ao trazer os dados levantados pelo projeto para um evento das proporções do Fazendo Gênero, utilizar o espaço e a expertise das pessoas envolvidas no evento para contribuir com solidez na discussão sobre as mulheres na pesca.

Referências

D’INCAO, F., E.G. REIS. Community-based management and technical advice in Patos Lagoon estuary (Brazil). Ocean & Coastal Management (45) 531–539: 2002.

GERBER, R. M. Mulheres e o Mar: uma etnografia sobre pescadoras embarcadas na pesca

artesanal no litoral de Santa Catarina, Brasil. Tese de Doutorado do Programa de Pós-Graduação

em Antropologia Social – Universidade Federal de Santa Catarina. SC, 2013.

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HELLEBRANDT, D. Informal institutions and adaptive livelihoods of fisherfolk in Southern Brazil. Tese de Doutorado da School of International Development - University of East Anglia.

UK, 2010.

LEITÃO, M. do R. de F. A., LEITÃO, I. P.. Voz das pescadoras artesanais do litoral de Pernambuco – Brasil. XVI Jornadas Nacionales de Extensión Rural y VIII del MERCOSUR.

Concordia, Argentina, Novembro de 2012. Disponível em: <<

http://www.aader.org.ar/XVI_jornada/trabajos/archivos/2012/002_trabajo_atm_andrade_leitao.pdf>

> acesso em 08 – julho – 2013.

PERROT, M. Os Excluídos: operários, mulheres, prisioneiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1998.

PORTAL DA TRANSPARÊNCIA DO GOVERNO FEDERAL. Consulta temática: Pescador Artesanal. Disponível em: < http://www.portaltransparencia.gov.br>. Acesso em: 06 – julho - 2013.

Women at fishery activity of pink-shrimp in Patos Lagoon estuary /RS: livelihood, income and work conditions

Abstract: This research is part of the project “Analysis of the productive chains of the fish proceeding from artisanal fishery and/or familiar aquiculture in Rio Grande do Sul”, demanded by Secretaria e Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo do RS to search for barriers and to subsidize public policies for these fishery sectors. The data presented here, collected from february to april of 2013, approach the participation of women in the Pink-shrimp productive chain at the Patos Lagoon estuary (São Lourenço do Sul, Pelotas, Rio Grande and São José do Norte). The data came from visits to fishery communities, beneficiation and trading sites. By participant observation, informal conversations and application of semi-structured interviews with women who work with pink-shrimp at any stage of its chain, we show data for: the origins of the involvement with the fishery activity; the existence of parallel jobs; expenses with the activity; production, income and the importance of pink-shrimp to the family income; the existence of employment link/formal work market; sanitary requirement. With this outlook, we hope to contribute for a major discussion about women’s role at artisanal fishery as a whole.

Keywords: Women in fishery. Artisanal fishery. Pink-shrimp productive chain. Patos Lagoon/RS

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