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De que família você é? A "família cearense": distinção, símbolos e poder

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(1)

BH/UFC

dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A R T I G O

"DE QUE FAMíliA VOCÊ

É?"

A "FAMíliA CEARENSE": DISTINÇÃO, SíMBOLOS E PODER

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

P

ara uma pessoa afeitaà observação

socioló-gica não deixa de

causar uma certa cu-riosidade ao caminhar pela cidade de Fortaleza e obser-var, mesmo que

superficial-mente, os nomes dos

logradouros públicos, como as ruas, praças, edificações, parques, etc. A inscrição fa-miliar, com seus lugares

sim-bólicos fundantes, marca a

vida da cidade, com os Be-zerras de Menezes, Studart,

Antônio Sales, Moreiras,

Maciel, Girão, Tabosa,

An-tônio Augusto, Távoras, e

uma infindável lista de personalidadeS

histó-ricas que, de uma forma ou de outra,

deixa-ram as suagfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAm a r c a s , seu poder simbólico,

enquanto geradores de signos e valores.

Essa não é uma característica restrita

so-mente ao Ceará. Em quase todas as cidades

brasileiras os logradouros públicos trazem

ins-critos nomes de personagens. Mas, aqui,

ga-nha uma ênfase especial, pois, afinal, em um

meio social como o cearense, onde a família e

os valores tradicionalmente a ela associados

persistem como universo s a g r a d o de

referên-cia, não se pode menosprezar seu significado

na estruturação da ordem simbólica, na

cria-ção e recriacria-ção de valores e na própria

repro-dução do poder econômico e político. A

família, nesse sentido, é instância de

agenciamento e de propagação de valores, e,

como analisou Lemenhe ' em um dos poucos,

mas um rico trabalho sobre uma família

cearense, é instância de poder, de reprodução

da dominação política, cultural e econômica.

Há, diríamos, uma e c o n o

-m i a p o l í t i c a na estrururação

familiar, um poder

simbó-lico que se manifesta nas

distinçôes familiares daque-las (poucas) que adquirem

visibilidade social, como a

família Bezerra analisada

pela autora citada. Mas

existem as famílias imersas no cotidiano anônimo, mas não menos importante para

a manutenção e

reprodu-ção da sociedade.

Como afirmamos an-teriormente, se a família no Ceará ainda é uma instân-cia de grande referêninstân-cia na

estruturação dos valores e comportamento,

sim-bolizado, como vimos, nos ícones e nos símbo-los espalhados pela cidade, como compreender

as transformações que ela vem atravessando

atualmente? Quando as pessoas dizem que está

desaparecendo a q u e l a c o i s a da familia grande,

d a c a s a g r a n d e , estão nos mostrando as

mu-danças perceptíveis: o enfraquecimento do

patriarcalismo, a redução do tamanho da famí-lia, a educação dos filhos, ete. Que mudanças mais radicais estariam ocorrendo em termos de valores e comportamentos?

Lemenhe.? no trabalho já citado, nos

mostra um tipo de família que viveu e se

estruturou durante toda uma longa época, com suas histórias e mitos, sempre ocupando espaço de poder. Essa mesma família, à proporção que

a ordem política e econômica vai se

moderni-zando, vai também se alterando. Novas formas familiares, mais vinculadas ao novo capitalismo emergente e através de novas alianças, também,

vão surgindo, mesclando comportamentos

mo-BENEDITO CARVALHO·

RESUMO

E s te a rtig o p a rte d e u m a p e s q u is a m a is a m p la , d e s c re v e e a n a lis a o p a p e l d a fa m llia n a s o c ie d a d e c e a re n s e . M o s tra c o m o e s ta in s titu iç ã o m a rc a o c o tid ia n o , s e e n tre la ç a n d o c o m a s re la ç õ e s d e p o d e r e m to d a s a s e s fe ra s d a s o c ie d a d e lo c a l. A

pertençaa u m a fa m llia n a s o c ie d a d e c e a re n s eé

u m a d a s m a rc a s d e d is tilç ã o s im b ó n c a ,e s tru tu ra n te d e u m u n iv e rs o c o n s e rv a d o r, m e s m o c o m a a c e le ra ç ã o d a m o d e m id a d e n o s ú ltim o s a n o s . M o d e m id a d e e c o n s e rv a d o ris m o , re la ç õ e s d e g ê n e ro , e s fa c e la m e n to d aantigafa m n ia e s u a tra n s fo rm a ç ã o n afaml1ianuclearnão p o d e m s e r c o m p re e n d id o s s e n ã o to m a rm o s c o m o re fe rê n c ia to d o u m c o n ju n to d e habitus p re s e n te n o s in d iv íd u o s e n a s in s titu iç õ e s d a s o c ie d a d e

brasileira,e , n a c e a re n s e , e mparticular.

• S o c ió lo g o , m e s tre p e lo P ro g ra m a d e P ó s

-G ra d u a ç ã o e m S o c io lo g ia d a U F C .

(2)

demos e tradicionais, o que leva a concluir

que "as oligarquias envelheceram mas

deixa-ram seus herdeiros no poder". Ou seja, o

ve-lho convivendo com o novo, ou ogfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAn o v o se

perpetuando através do velho.

"Estariam dissolvidas as marcas do poder tradicional no Ceará"?, pergunta Lemenhe, sem

responder. Perguntaríamos, parafraseando

Berman, 3ao citar Marx: o que era sólido na

estruturação familiar de Fortaleza e que

atual-mente "se desmancha no ar"? Como a tradição

se imbrica com o m o d e r n o , desfazendo antigas

formas de sociabilidade e amalgamando outras?

Antes, no entanto, será necessário fazer

algumas considerações de ordem mais geral

sobre a relação família e mudança social, para

depois retomarmos ao contexto específico de

Fortaleza, que é o que nos interessa diretamente.

Alguns autores," ao analisarem as

mu-danças na família vêm ressaltando a

precarie-dade das teorias sobre o assunto, devido,

principalmente ao seu direcionamento

exces-sivamente evolucionista e material empírico

pouco confiável, principalmente com relação

ao conhecimento do passado, como as

análi-ses que enfocam somente as famílias de

estra-tos sociais superiores, deixando quase na

obscuridade o comportamento familiar da maior

parte da população.

Apesar da ausência de consenso sobre essa questão, esses autores enumeram alguns fatores responsáveis pelas mudanças, sem, no entanto,

ísolá-los como variável independente. Ogburn.>

por exemplo, afirma que "o principal motor da mudança social é a tecnologia ("cultura material") e que certos elementos não-materiais se ajustam a ela depois de um certo tempo". A mudança, segundo sua ótica, seria desencadeada pelas trans-formações ocorridas na base material da socieda-de, que passa a exigir novos tipos de valores e

comportamentos no interior da família. Outros

autores, mais cautelosos, dão ênfase nas suas

análisesdcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÀ inter-relação entre as variáveis

indus-trialização x família, mostrando como é impossí-vel vê-Ias de forma independente. Nesse sentido, a industrialização, a tecnologia, as novas formas de sociabilidade exigidas pelas sociedades

mo-dernas influenciam decisivamente para as

mu-76

danças nos padrões de comportamento na

fa-mília, ao mesmo tempo que a família exerce,

por sua vez, grande influência na

industriali-zação, na propagação da ideologia

individua-lista e antitradicional, etc.

Nesta perspectiva, uma consideração

metodológica é importante: para "analisar como

e porque tais mudanças ocorrem, devemos

co-nhecer os fatores causais que provocam

quais-quer relação determinada (. ..) evitando todas as

teorias que acabam por ser hipóteses que

con-siderem apenas um fator, sugerindo que toda a

mudança e quaisquer relações causais não emer-gem de algum fator global e único, tal como a raça, o meio, a tecnologia ou o industrialisrno.t"

Se considerarmos todos esses fatores como

fenômenos típicos da modernidade e

encarar-mos a modernídade como um movimento de

destruição e autocriação, como sugere Berman,

apoiado em Nietzsche, perceberemos que essas

mudanças não se dão de forma unilinear, como critica o autor citado, mas como um movimento também de criação de uma nova subjetividade, novos valores que podem não estar

nitidamen-te configurados mas irrompem da velha ordem

e se adequam aos novos tempos. O problema é

perceber com que velocidade eles se

manifes-tam e como, concremanifes-tamente, ganham expressão.

Uma outra questão importante a ser

res-saltada aqui são as formas diversas de

compor-tamentos e valores vivenciadas pelas pessoas

com relação a família que ocupam diferentes

posições políticas, econômicas e culturais, na

estrutura da sociedade. A demarcação dos u n i

-v e r s o s s i m b ó l i c o s , a forma de cada família se

reproduzir está diretamente ligada ao papel que

seus indivíduos desempenham na sociedade.

"QUEM ÉS U A F A M íL IA ? ... "

Uma questão colocada anteriormente

merece um maior aprofundamento antes de

abordarmos as mudanças mais gerais que vêm

ocorrendo em Fortaleza. Quem é a chamada

fa m í l i a c e a r e n s e ? Em torno de que valores se

estruturou ao longo dessas décadas e como vem

(3)

e simbólico da família para a manutenção da

coesão social da sociedade cearense?

Certamente essas perguntas são

excessi-vamente amplas e respondê-Ias exigiria pesqui-sas de maior alcance, com enfoques e tempos

históricos diversificados. A intenção, neste

artigo, no entanto, é tecer algumas

considera-ções à luz de alguns trabalhos de pesquisa já

realizados no ordeste, procurando constituir

uma espécie degfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAp a n o d e fu n d o que nos

pos-sibilite situar a família dentro de um contexto histórico determinado.

Observando o comportamento da família

na sociedade cearense, somos levados a partir

do pressuposto de que a família é uma das

re-ferências simbólicas importantes para a

estruturação das relações sociais. Isso nos mostra

Lemenhe ao analisar O caso exemplar de uma

família, Pode ser observado, também, na vida

social da cidade, onde a instituição familiar é

constantemente ressaltada nas conversas

infor-mais, nos noticiários e colunas dos jornais locais, nos nomes das ruas e até mesmo na elaboração

de publicações que reconstituem a árvore

genealógica da linhagem familiar, com todos os seus mitos fundadores e idealizações. E quando nos remetemos à "família" não estamos nos refe-rindo somente à família nuclear, mas a toda pa-rentela.' Dentro dessa perspectiva, o simbolismo que envolve esta instituição pode nos conduzir a muitas associações. O fato, por exemplo, de "per-tencer" ou não a uma família aqui nesta cidade e em outras cidades do Estado tem um Significado particular que, muitas vezes transcende a posi-ção econômica ocupada pelos indivíduos na s0-ciedade. Reveste-se de uma forte representação social que os diversos grupos fazem das rela-ções sociais, de alianças e de consangüinidade. A família, nesse sentido, é também uma realida-de simbólica, construída socialmente, que

pro-duz e legitima valores, e é fonte de poder e

prestígio que, muitas vezes, necessitam ser cons-tantemente relembrados e ressaltados.

Assim, no imaginário de uma certa

historiografia, a história dafa r n i l i a c e a r e n s e

con-funde-se com o prestígio dasfa m i l i a s d e e s t i r p e ,

com suas projeções no campo da ciência, da

política e da administração pública, assim como

no campo religioso. As famílias que se projeta-ram nessas áreas passam a adquirir um poder simbólico, passando de geração a geração, com todos os seus mitos, lendas e transfigurações.

Temos, portanto, as famílias provenientes dos

padres, como aquelas originárias dos "mandões,

dos homens que eram mandachuvas em suas

comunas (. ..) os coronéis do sertão, os senhores de baraço e cutelo, os régulos matutos, que en-cheram páginas de nossa história, com sua ma-neira arbitrária de conduzir as questões políticas

e os negócios administrativos. ,,8

"Ser" de uma "família", antes de ser

símbolo de poder econômico, quando se trata

de famílias que possuem um real poder na

sociedade local, é, principalmente, o lugar onde

se é reconheci dota), onde se trava, também, uma luta entre as classes e frações de classe

por seu reconhecimento, ou para se impor pelo

monopólio da violência simbólica ao conjunto

da sociedade? Daí a importância de ter

nasci-do numa família importante e "boa" em contra-posição às famílias sem "prestígio" e, portanto,

anônimas, sem um "capital simbólico" capaz

de lhes permitir inserir-se nas trocas de

prestí-gios e favores, elementos imprescindíveis para

ocupar uma posição na estrutura social.dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ por

isso que na representação social que as

pesso-as fazem da família cearense o termo "família"

assume muitas conotações. Há as pessoas que

são da família "Távora", outras são da família

"Ferreira Gomes", Gentil, Fiúza, outros da

fa-mília "Bezerra", etc. que são transfigurações

simbólicas do campo das relações sociais. As-sim como há as taxionomias em tomo do nome

da família, há também denominações do tipo :

os que nascem em "famílias de políticos", ou de "comerciantes", "militares", "bacharéis",

"coronéis", cretinos e diplomatas. Pertencer

bem ou mal a uma família, nesses vários

sen-tidos, é muitas vezes mais significativo do

que ter um elo com as pessoas ou

institui-ções. Esse "pertencer" é tão crítico que vale

uma classificação social. Uma pessoa que

"vem" de uma "família sem pai" permite

definir uma linha dramática precisa; do

mes-mo mes-modo, quem faz parte de uma família

sem "eira nem beira" encontra dificuldades ao

(4)

realizar certas coisas em determinados

ambi-entes, no caso brasileiro.dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ curioso observar

que tomamos o "legal" e a lei como um valor

(daí o adjetivogfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAl e g a lpara exprimir o certo, o

positivo e o bom: aquilo que é realizado de acordo com as boas normas de sociabilidade e

de moralidade), da mesma forma que

toma-mos "família" para exprimir um dado empírico e um modo de ser, bem como um valor e até

mesmo a condição de sua existência. Quem

n ã o t e m farru1ia já desperta pena antes de

co-meçar o entrecho dramático; e quem renega

sua família tem, de saída, a nossa mais franca

antipatia. Assim l e g a l(que remete ao mundo

da rua e à impessoalidade ao mundo das leis )

é valorizado tanto quanto ofamilial que,

con-forme sabemos, endereça ao mundo, à casa,

esse universo governado pelo primado das

relações que também admiramos. Entre esses

dois universos nós oscilamos, escolhendo

freqüentemente, sem perceber, os dois."!"

Ao caracterizar afa m í l i a c e a r e n s e ,

mes-mo correndo o risco de generalizações, não

podemos deixar de salientar que os seus princi-pais traços são semelhantes a muitas regiões do

Brasil, principalmente o Nordeste, onde está

inserido o Estado do Ceará. Aqui vão se mostrar visíveis os mesmos elementos que vão

configu-rar afa m í l i a n o r d e s t i n a . Temos, por exemplo,

uma sociedade inserida na sociedade colonial a partir do século XVII através do pólo açucarei-ro, um dos esteios do pacto colonial e onde o

Ceará desempenhou um papel periférico e

tar-dio, com suas funções voltadas mais para

entreposto comercial, por onde circulavam os

tropeiros comerciantes de gado e do couro.

É, portanto, em torno da pecuária

exten-siva que vai se estruturar a formação econômica e cultural cearense, tendo o latifúndio sua mar-ca mar-característimar-ca, com suas lutas familiares em torno da disputa pela terra.

"A distribuição desigual da terra dicoto-mizou a sociedade rural à medida que definiu a posição social dos indivíduos. Assim, no ápice

da pirâmide social encontravam-se os

proprie-tários de terra, os fazendeiros, e, na base, os

não-proprietários. Entre os últimos incluíam-se os

trabalhadores livres e os escravos.v"

As relações sociais de poder estão

for-temente marcadas, como observa Lemenhe,

"pela presença de grupos que se organizam

em torno de lideranças (ou chefes) segundo

critérios informais de relações e afinidades

políticas. Grupos e redes de parentesco, de

"amizade política" e de identidades territoriais

são as unidades principais de mobilização

po-lítica que permeiam as estruturas formais de

poder, tais como os partidos políticos, as ins-tâncias decisórias e o aparelho burocrátíco.v'? Esses grupos, com suas alianças e afinidades, se articulam de forma variada com o Estado

Nacional, se constituindo, em muitos

momen-tos conjunturais, uma fonte real de poder

eco-nômico e político, metamorfose ando-se com

freqüência, articulando o tradicional com o

moderno, como até hoje.

Temos, portanto, uma sociedade com uma

forte herança agrária e escravocrata13, onde a

família era (e ainda é) uma organização

funda-mental, desempenhando as funções

econômi-ca e polítieconômi-ca num sistema que se econômi-caracteriza

pela, concentração fundiária, elevada

disper-são populacional e o predomínio de relações

paternalistas. É esse e t h o scultural que vai

mar-car de forma permanente as famílias da região

durante décadas e décadas, deixando marcas

profundas no inconsciente de seu povo. Uma outra questão que necessita de um

maior esclarecimento refere-se à

denomina-ção fa m í l i a c e a r e n s e que temos usado até

aqui. A que fa m í l i a estamos nos referindo?

A família não existe enquanto um conceito

meramente abstrato, desvinculado da

estru-tura social e da formação histórica de uma

dada sociedade. Podemos falar de uma fa

-m í l i a c e a r e n s e nos referindo às famílias dos

estratos sociais dominantes da sociedade

lo-cal, as que se notabilizaram pelo destaque

que tiveram no campo político, econômico,

educacional. São as famílias com o poder de

impor o nome, tornarem-se ponto de

refe-rência. Podemos nos referir também àquelas

famílias anônimas - a maioria - sem poder

para influenciar e ter expressão social com

menor visibilidade, demarcadas por suas

(5)

Afamüia cearense,analisada dentro desta perspectiva, é uma expressão genérica e não pode

ser compreendida sem que se estabeleçam os

nexos sociais, econômicos e políticos que vão

configurar de maneira específica as classes soci-ais e suas formas de se reproduzirem socialmente.

Se a expressãogfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAfa m í l i a é genérica, mais

ainda é o que se denominada c e a r e n s i d a d e . O

que definiria a c e a r e n s i d a d e da família no

con-texto regional? Existiria, na verdade, uma

c e a r e n s i d a d e que expressaria as diversas

for-mas de organização da família ?

Alguns autores tentaram esboçar um

qua-dro que poderia caracterizar essa c e a r e n s i d a d e

enquanto identidade social. Assim, temos um

tipo social característico de uma região marcada

pelas adversidades geográficas e sociais. Essa

fa m í l i a c e a r e n s e seria "marcada por um

con-junto de modos de ser e agir, de traços de

cará-ter e comportamentos e de regras de conduta,

que as heranças étnicas e ambientais fixaram",

onde "a riqueza econômica ainda se concentra

nos círculos fechados das famílías>"

Essa busca de uma e s s ê n c i a da c e a r e n

-s i d a d e , apesar de ressaltar traços da cultura local,

generaliza e não leva em conta os embates entre os diversos grupos sociais para impor valores

cul-turais e econômicos, como se existisse um e t h o s

cultural que expressasse de forma homogênea o

comportamento de toda a s o c i e d a d e c e a r e n s e . O

que o senso comum denomina afamilia c e a r e n s e

nada mais é do que uma nomeação simbólica,

aparentemente sintetizadora dos valores da socie-dade, quando na verdade essa categoria

obscure-ce a diversidade e a pluralidade das relações

econômicas, sociais e culturais. Ao se fazer a

asso-ciação da familia c e a r e n s e com as famílias de

prestígio e poder e denominá-Ia como um tipo ideal de família, demarca-se um campo de poder capaz de impor para o conjunto da sociedade um modelo idealizado de farm1ia que é a família das classes dominantes da sociedade local.

PERMANÊNCIA DO PASSADO QUE MARCA O PRESENTE

Ao descrever a luta entre duas famílias

nos sertões de Inhamuns, o escritor cearense

Nertan Macêdo l? nos fornece uma cenano

onde vai emergir um conjunto de valores

fa-miliares do Ceará, erigidos em meio a uma

luta pelo domínio da terra. O autor descreve

a colonização iniciada com a chegada dos

pri-meiros vaqueiros, "com suas mulheres e seus

filhos, seus agregados e o gado pé-duro,

se-mente dos rebanhos futuros que tanto

enri-queceram a Capitania." Citando o historiador

Gustavo Barroso, mostra a vida aventureira e

simples desses personagens que irão marcar

de forma definitiva a sociedade local.

o

g a d o m a r c h a v a à fr e n t e d e l e s . T o m a

v a m c o n t a d a s t e r r a s e l e v a n t a v a m a c a s a g r a n

-d e d e t a i p a d a fa ze n d a . C e r c a v a m - s e d e

a g r e g a d o s e v a q u e i r o s , g e r a l m e n t e í n d i o s o u

m e s t i ç o s d e í n d i o e b r a n c o . C o n s e r v a v a m a

p u r e za d a r a ç a , c a s a n d o - s e e n t r e s i . T i n h a m

p o u c o s e s c r a v o s ,dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo s n e c e s s á r i o s a o s e r v i ç o d o

-m é s t i c o . A p e c u á r i a n ã o e x i g i a og r a n d e n ú

-m e r o d e b r a ç o s d a l a v o u r a o u d a m i n e r a ç ã o .

D o m i n a v a m c o m o v e r d a d e i r o s s e n h o r e s fe u

-d a i s e , à s v e ze s , g u e r r e a v a m - s e e n t r e s i , c o m o

a s fa m t 1 i a s fi d a l g a s d a I d a d e M é d i a . . .

O sfi l h o s h e r d a v a m a s a m i za d e s e o s

ó d i o s fa m i l i a r e s . O s t e n t á c u l o s d a p a r e n t e l a

e d o s fâ m u l o s o u c l i e n t e s , c o m og a d o s e m p r e

à fr e n t e , i a m - s e a p o d e r a n d o d o s s e r t õ e s

i m e n s o s . . . .

Quando começou a partilha do Ceará, em

1663, como nos conta o mesmo autor, é às

du-ras penas que os primeiros colonizadores vão

constituir os primeiros grupos familiares. "Tal-vez a própria família tivesse menor

importân-cia. Uma novilha morta na caminhada era uma

perda irreparável. Um filho, não. Bastaria uma noite de calma, uma dessas noites ardentes do

sertão, para uma nova procriação", conta-nos

de uma forma poética Nertan Macêdo.

É o domínio da terra, o comércio do gado

a transplantação cultural da religiosidade

ibérica." que vão dar uma configuração inicial à sociedade cearense, à famílía cearense, enri-quecendo alguns e moldando os valores da

cul-tural local. Foi assim, por exemplo, "que se

(6)

construíram esses senhores vaqueiros as suas casas e vilas, onde passavam a residir pelo menos uma vez por ano, em sociedade. O fundamento

dessa sociedade, no mato e na rua, era a

cruel-dade, a brutalidade, o nenhum respeito pela

vida alheia, que tais senhores haviam adquirido

na convivência com o gado abatido e sangrado."gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

E s t a i n d ú s t r i a ( a d o g a d o ) , e x e r c i d a , c o m o s ó i

n o C e a r á , t o r n adcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo sh o m e n s c r u é i s , g a s t a n d o l h e s a s e n s i b i l i d a d e e q u a n d o e s t e s h o m e n s r ú s

-t i c o s c h a m a v a m a a l g u é m - h o m e m d e b e m ,

v e r n a c u l a r m e n t e s e e n t e n d i a - oh o m e m d e

p o s s e s , d e t r a t a m e n t o , p o d e r o s o , e t c . ( . .. ) G o s

-t a v a m d e p a v o n e a r u m a n o b r e a s c e n d ê n c i a

fa m i l i a r , s e m p r e d i s c u t i d a e d u v i d o s a . P r o c l a

-m a v a -m - s e d e s c e n d e n t e s d o s p a p a s , p r í n c i p e s e

n o b r e s d a E u r o p a ....1 7

Se quisermos ver mais de perto o cenário onde os valores familiares da família cearense se estruturaram temos que buscar algumas referên-cias na Casa Grande e Senzala, descrita por

Gil-berto Freyre," onde, reinando sob seu universo

e o universo dos canaviais, se encontrava o

todo-poderoso "senhor do engenho", entidade

cen-tral da vida da colônia e que vai marcar a farru1ia nordestina. Seu papel incluía o mais amplo do-mínio sobre todos os homens e coisas da

fazen-da de cana, muitas vezes extrapolando os

próprios limites dela. Seu poder não se baseava

em tradições, títulos, herança de sangue ou

em instituições que identificassem a posse da

terra ou no poder político: baseava-se muito

mais na relação escravista.

o centro do poder estava a Casa

Gran-de. É aí o local central porque ali residia o chefe

de família. A estrutura patriarcal da família

ti-nha origens na tradição lusitana e vinculava-se

aos elementos do Direito Romano relativos à

hereditariedade do patrimônio familiar. Nessa

tradição, apenas o primogênito de um senhor

era herdeiro da propriedade. Todos os demais

parentes não recebiam a posse efetiva, salvo

determinação testamentária em contrário. Isto

se relacionava à necessidade de manter intactos

os bens da família de geração em geração. Os

demais filhos e parentes, sem qualidades de

herdeiros diretos, tinham que se submeter à

autoridade do primogênito, quando este se

tor-nava senhor.

Como observa Sérgio Buarque de

Holanda.l? "nos domínios rurais é o tipo de

família organizada segundo as normas clássicas do velho direito-canônico, mantida na

Penínsu-la Ibérica através de inúmeras gerações, que

prevalece como base e centro de toda a

organi-zação. Os escravos das plantações e das casas,

e não somente os escravos, como os

agrega-dos, dilatam o círculo familiar e, com ele, a autoridade imensa do "pater-farnilias''. Esse nú-cleo bem caracterizado, em que tudo se com-porta como seu modelo de antigüidade, em que a palavra 'família', derivada de 'famulus', se acha

estreitamente vinculada à idéia de escravidão,

e em que mesmo os filhos são apenas os

mem-bros livres do vasto corpo, inteiramente

subor-dinado ao patriarca, os 'liberi'... esse ambiente,

o pátrio poder é virtualmente limitado, e pou-cos freios existem para a sua tirania."

O senhor de engenho reinava,

portan-to, de forma imperial. Era ele quem decidia

os casamentos, feitos, muitas vezes em troca

de favores políticos, territoriais e pessoais.

Mas dentro dela também existiam os que

não possuíam laços de sangue ou casamento

como núcleo familiar original: eram os a g r e

-g a d o s , homens que se ligavam ao senhor por

favoritismo, prestando pequenos serviços,

dando recados e acompanhando o senhor em

suas caminhadas. Muitos deles exerciam

fun-ções administrativas, muitas vezes

defenden-do a segurança individual do fazendeiro.

Os traços dos agregados podem ser vistos até hoje naquelas (hoje, reduzidas) famílias com muitos empregados e empregadas, principalmen-te aquelas que ainda possuem grandes

residên-cias. Vemos aí, de forma camuflada ou não, as

relações escravistas intactas, com muita seme-lhança com o passado colonial. A família, nesse

contexto, são todos os que habitam a casa, os

agregados, a parentela, com seu conjunto de

objetos, utensílios, coisas, etc.

Uma outra característica que vai marcar

essa família patriarcal (e aqui nos referimos às

(7)

tam-bérn, deixa marcas profundas na sociedade

cearense, é a ostentação. Como se não bastasse

"pertencer" a uma família, ostentar "fídalguía",

representar perante os outros uma condição mais

elevada através de símbolos era e ainda é

-uma tradição. Talvez pela ausência de -uma

aris-tocracia de sangue e de toga, fosse

necessá-rio ostentar vida luxuosa para mostrar status,

"tradição" que se mantém até hoje.

Ostenta-ção de um título de "doutor", muitas vezes

duvidoso, um conhecimento bacharelesco,

possuir uma casa opulenta e viajar com

algu-ma freqüência para a Europa. Tudo isso fazia

parte de demonstração de poder que

permi-tia às famílias das classes dominantes impor

os seus valores para o conjunto da sociedade.

Qual era o papel da mulher dentro desse cenário?

A mulher tinha o seu "lugar"

determina-do. Seu papel era medíocre e subordinado. Só

se apresentava diante dos estranhos se tivesse

ordens expressas do marido para tanto e,

quan-do jovem, deveria manter-se a todo custo

vir-gem. Tendo em vista a grande escassez de

elemento feminino branco na colônia, já que os

portugueses muito raramente traziam família, o

valor de troca da donzela era muito alto para

efeito de negociações casamenteiras; os

colo-nos tinham relações com as mulheres das raças

dominadas, mas jamais se casavam com elas.

Para garantir a virgindade da sinhazinha,

essen-cial para seu valor de mercado, diante do clima

sexual reinante, o senhor tomava precauções

especiais. A donzela era condenada a viver em

semi-reclusão, só saindo de casa muito bem

guardada, levando uma vida monótona no

quar-to de costura. Na arquitetura da casa grande, os

quartos das jovens solteiras ficavam no meio

dos aposentos, muitas vezes sem janelas ou com

uma pequena abertura no alto da parede.

As-sim a sinhazinha era preservada até ser

entre-gue a um desconhecido seu, macho cobiçoso

que destinava a parir bons punhados de fílhos.ê?

Uma visão mais aproximada do cotidiano

da mulher nordestina no período colonial

(sé-culos XVI e XVII) nos forneceu Novinsky.P que

pesquisou as denúncias e confissões das

visitações inquisitoriais da Bahia e Pernambuco,

com o interesse de conhecer mais de perto a

vivência das mulheres que não faziam parte

nem das camadas poderosas, das "donas", liga-das aos grandes mercadores e senhores de en-genho, nem da massa de escravas que garantiam o trabalho nas casas e lavouras. A autora

inte-ressa-se basicamente pela camada

intermediá-ria: a das mulheres "livres, brancas e mestiças,

que se localizam socialmente através de seus

maridos, pequenos comerciantes, artesãos,

pe-quenos funcionários reais ou trabalhadores das

lavouras.,,22 Não seriam eles os protótipos da

futuragfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAc l a s s e m é d i a da sociedade local?

As observações dessa autora são muito

interessantes e valiosas, pois dizem respeito à

região Nordeste.

Como ela nos mostra, é fortíssima a influên-cia da Igreja Católica. Esse catolicismo "revela

um mundo possuído por demôniosdcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA( " J , onde o

cristãos dividiram o mundo humano e angélico em dois campos opostos: o Reino da Luz e o Reino das Trevas. Identificavam essa antítese com o dualismo ascético entre carne e espírito.,,23

A m u l h e r e r a d e fi n i d a c o m o " h o m e n s

d e fe i t u o s o s ' : i n c l i n a d o s a o p e c a d o . O sh o m e n s

e r a m " e s p i r i t u a i s p o r n a t u r e za " , e n q u a n t o

a q u e l a s e r a m r e p r e s e n t a n t e s d a

"carnalidade", d e s d e a s u a c r i a ç ã o . D e v e r i

-a m , p o r i s s o , p -a r -a p o d e r e m s a l v a r s e , t r a n s

-c e n d e r n ã o só s u a n a t u r e za c o r p o r a l , m a s

t a m b é m s u a n a t u r e za fe m i n i n a . 2 4

Para o inquisidor da Igreja, que assumia

um imaginário social de fim do mundo, "a

gran-de gran-desestruturação social tem sua causa

princi-pal e seu símbolo manifesto numa sexualidade que destrói o mundo tradicional e subverte re-lações legítimas do casamento, única realização possível da "carne", através da procriação."

Na visão de mundo masculina, as mulhe-res eram colocadas ao lado do diabo, pois, como

ressalta a autora, "suas próprias características as

predispõem a trair e abjurar a fé, entrando em

conluio com o Satã, pois são "crédulas",

impres-sionáveis, faladoras, coléricas, vingativas, sem

força de vontade, têm pouca memória e se pres-tam a torpezas sexuais, pois são insaciáveis."

(8)

As mulheres eram "as damas, 'dona

fula-na', ou apenas donas, eram categorias primeira;

em seguida, sergfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAp a p i r a , ou c u n h ã ou roceira, e,

finalmente, escrava."

Esse trabalho de Falei é interessante por

nos mostrar a condição heterogênea em que

vivia a mulher nordestina, com suas diferenças

de estilo de vida que "deixaram marcas

diferen-ciadas em suas fisionomias."

Vasculhando os retratos de famílias do

interior do Nordeste, vai traçando o perfil de

vários tipos de mulheres: a mulher livre, a

es-crava, a mulher instruída, nos fornecendo

infor-mações interessantes para a compreensão de

muitos valores que ainda hoje podem ser

obser-vados na sociedade local.

Assim, sabemos que as mulheres mais

ricas não tinham atividades fora do lar. "Eram

treinadas para desempenhar o papel de mãe e

as chamadas 'prendas domésticas' - orientar os

filhos, fazer ou mandar fazer a cozinha, costurar

e bordar." As mulheres pobres eram "as

costurei-ras, rendeicosturei-ras, lavadeiras, fiandeiras, roceiras

-essas últimas, na enxada, ao lado dos irmãos,

pais ou companheiros." As escravas

trabalha-vam duro na roça, "mas eram usadas por seus

senhores como tecelãs, fiandeiras, rendeiras,

carpinteiras, azeiteiras, amas-de-leite, pagens,

cozinheiras, costureiras, engoma de iras e

mão-de-obra para todo e qualquer serviço doméstico."

Mesmo sendo filhas de famílias

podero-sas, a maioria das mulheres desse estrato social

"não estudaram as primeiras letras", e "raramente

aprenderam a ler". Quando o fizeram "foi com

professores particulares contratados pelos pais

para ministrar aulas em casa. Muitas

conhece-ram as primeiras letras e aprenderam a assinar

o nome."

Falei nos informa a origem das

mulhe-res de elite:

Assim - continua - "o ramo masculino

da humanidade é visto como vítima e o ramo

feminino como culposo, principalmente por

sua ligação com a feitiçaria e com Satã, para

provocar os homens, através da sensualidade."

A mulher, nesta perspectiva, significava

a "natureza", a desordem, em oposição ao

homem, que, em última análise, passava a

significar "cultura".

"A mulher, como esposas, bruxas,

partei-ras, freiras ou prostitutas, é definida quase

que exclusivamente em termos de suas funções

sexuais. Daí as definições de que uma bruxa é

uma mulher que dorme com o diabo e uma

freira uma mulher que casa com Deus."

Acham-se "dependente do homem em sua

existência social, e seu ciclo de vida era o

se-guinte : casavam-se entre 12 e 15 anos, aos 18 já

têm dois ou três filhos, muitas aos 35 anos, já se

dizem viúvas, contraem novo casamento."

A bigamia é considerada um sacrilégio

ao sacramento do matrimônio, e várias vezes os

homens matavam suas mulheres, alegando

motivo de honra. O prazer era visto como

peca-do, coisa do Satanás, e o sexo dos cônjuges era

sobrecarregado de regras e recomendações. Os

prazeres sem frutos, ou seja, que não se

desti-navamdcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAà procriação (chamados de "deleitação")

deveriam ser banidos.

O trabalho de Falei25 sobre as mulheres

do sertão nordestino é também rico em

deta-lhes por nos oferecer um vasto painel dos

com-portamentos, atitudes e valores que vão marcar

de forma definitiva a família nordestina.

A autora debruça-se sobre o cotidiano das

mulheres que viveram na província do Piauí

e do Ceará no século XIX e nos fornece

in-formações preciosas.

Temos, "uma sociedade fundamentada no

patriarcalismo, altamente estratificada entre

ho-mens e mulheres, entre ricos e pobres, entre

es-cravos e senhores, entre 'brancos' e 'caboclos'.

Hierarquias rígidas, gradações reconhecidas: em

primeiro lugar e acima de tudo, o homem, o

fazendeiro, o político local ou provincial, o

'cul-to' pelo grau de doutor, anel e passagem pelo

curso jurídico de Olinda ou Universidade de

Coimbra, ou mesmo o vaqueiro."

A g e n e a l o g i a n o s a p o n t a q u e , m u i t a s

v e ze s , a fa m í l i a d a m u l h e r d e e l i t e e s t a v a h á

m a i s d e 1 0 0 a n o s r a d i c a d a n a r e g i ã o . O s e r

-t ã o - c o m s u a e c o n o m i a b a s e a d a fu n d a m e n

-t a l m e n -t e n a a g r i c u l -t u r a d e s u b s i s -t ê n c i a , e c o m

os i s t e m a d e e x p l o r a ç ã o d e t e r r a s d e g r a n d e s

(9)

-m e n t e e s t á v e l n o s é c u l o X I X . E x p l o r a d a j á a

t e r r a n o s fi n a i s d o s é c u l o X V I I , p r i n c i p a l m e n t e

p o r h o m e n s , r e c e b edcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo sg r u p o s d e fa m í l i a s q u e c h e g a m , a l g u m a s a ç o r i a n a s , o u m e s m o v i n

-d a s -d a B a b i a e P e r n a m b u c o , t r a ze n d o s e u s

e s c r a v o s . F i n c a m s e u s c u r r a i s e s e fi x a r a m .

F o r m a m g r a n d e s l a t i fú n d i o s e i m p r i m i r a m à

t e r r a a e x p l o r a ç ã o m o n ó t o n a d a c r i a ç ã o e x

-t e n s i v a d e g a d o . A o fi n a l d o s é c u l o X I X e i n í

-c i o d o s é c u l o X X , e s s e p o d e r p a s s a a s e

c o n c e n t r a r n a s m ã o s d e c e r c a d e 5 0 0 fa m í l i

a s d e e l i t e e g r e s s a s d a s m i l í c i a s e s t a t a i s e n a

-c i o n a i s , c o n h e c i d a s n a h i s t ó r i a d a r e g i ã o

N o r d e s t e c o m o o l i g a r q u i a s .zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A família dessa elite, ou oligarquia, era

constituída por "uma população composta por

familiares não-sanguíneos que participavam

ati-vamente. Tios por afinidade, membros

absorvi-dos pelo casamento, parentela fictícia

legitimada por rituais de compadrio ou

ado-ção, como era o caso dos 'filhos de criação',

eram normalmente incorporados."

As mulheres pobres, "não sabem quem

eram seus ancestrais, embora o nome da famí-lia a mantenha, na história, ligada a algum tron-co familiar."

O casamento era a preocupação central,

especialmente nas camadas mais privilegiadas.

N o s e r t ã o , a p r e o c u p a ç ã o c o moc a s a m e n -t o d a s fi l h a s foi u m a c o n s t a n t e . É v e r d a d e q u e m u i t a s m u l h e r e s n ã o s e c a s a r a m , e n t r e o u t r a s

r a zõ e s p o r d i fi c u l d a d e s d e e n c o n t r a r p a r c e i r o à

a l t u r a , p r o b l e m a s d e h e r a n ç a e d o t e , m a s t ã o

l o g o p a s s a d a s a s " p r i m e i r a s r e g r a s " ( m e n s t r u a

-ç ã o ) e a m o c i n h a fi ze s s e c o r p o d e m u l h e r , o s

p a i s c o m e ç a v a m a s e p r e o c u p a r c o m ofu t u r o

e n c a m i n h a m e n t o d a j o v e m p a r a om a t r i m ô n i o .

A confecção do enxoval começava cedo. Aos 12 anos de idade das meninas, "com peças mandadas bordar e guardadas em papel de seda

em baús". Na sua formação de futura mulher

era acompanhada de "conselhos amigáveis da

mãe experiente para que a moça tivesse um

comportamento moderado e repleto de

solicitu-de", para "poder casar". Inculcavam na vida

feminina a noção valorizada de vida

matrimo-nial e, ao mesmo tempo, imprimiam-lhe uma

profunda angústia, caso ela não viesse a contra-ir casamento antes dos 25 anos de idade."

Ainda como observa a autora, "o

casa-mento da elite do sertão nordestino sempre foi,

antes de tudo, um compromisso familiar, um

acordo, mais do que um aceite entre os esposos."

A s s i m , p a i e m ã e , c o n h e c e d o r e s d a s fa

m í l i a s d a s o c i e d a d e l o c a l e c o m r e s p o n s a b i l i

-d a -d e -d e " o r i e n t a r a s fi l h a s ' ; a o p r o p o r c i o n a r e m

a l e g r e sfe s t a s e s a r a u s n a fa ze n d a , e s t a v a m c u i

-d a n -d o -d a m a n u t e n ç ã o e s o l i d i fi c a ç ã o d o s l a

-ç o s d e a m i za d e , d o p a t r i m ô n i o t e r r i t o r i a l , e d a

ir u e r - r e la ç ã o d e- fa m i l i a s p o d e r o s a s o l i g a r q u i c a s

l o c a i s .

As moças, no entanto, deveriam se man-ter distantes. Evitava-se que os casais ficassem sós, mesmo em festas, "para evitar os contatos sexuais antes das núpcias, numa época em que a virgindade da moça era vista como condição primeira, a noção de que a conquista e o galan-teio partem do rapaz, a certeza de que o marido nem sempre seria o rapaz mais desejado, e sim o possível, num mercado matrimonial relativa-mente restrito, e aceito pelos pais e familiares, impunham à mulher a condição de aceitar com resignação, o par que lhe era mais do que

suge-rido - praticamente imposto - pela família."

As moças "casavam entre 15 e 18 anos,

"pois se passassem dos 25 anos sem casar

eram consideradas 'moça velha', ou 'moça que

tinha dado o tiro na macaca', ou ainda moça

que chegava ao 'canto'."

Os maridos tinham "o poder marital" so-bre as heranças e lhe cabia administrar os bens da esposa.

O casamento das mulheres pobres era

bem diferente. "Em geral o casamento não

era 'acertado' entre as famílias nem envolvia

dote. Mas o casamento era um valor."

Já a mulher escrava, "raramente casava-se pelos "laços sagrados do matrimônio". Somente

"1% dos escravos eram casados ( ...), mas isso

não significava que não houvessem constituído

laços sociais familiares, que não tivessem tido a

(10)

oportunidade de ter um companheiro

está-vel, uma relação afetiva duradoura, ou

mes-mo um companheiro temporário."

Muito comum era o rapto consentido pela

mulher, com a promessa de casamento pelo

raptor. Falei nos mostra como era comum em

Teresina e no Ceará esse tipo de relação.dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

... O sgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAd o i s fu g i a m àn o i t e , a c a v a l o , e l a m o n t a d a n a g a r u p a , d e b a n d a , or o s t o v i r a d o

p a r a ol a d o , a c a b e ç a a m a r r a d a c o m u m l e n

-ç o , c o m a c e r t e za d e u m fu t u r o c a s a m e n t o . O

n o i v o n ã o p o d e r i a t e r r e l a ç õ e s s e x u a i s c o m e l a .

D e p o s i t a v a - s e a m o ç a n a c a s a d e u m a p e s s o a

i m p o r t a n t e o u n a d o j u i z d a l o c a l i d a d e v i zi

-n h a o u m e s m o d a m e s m a C i d a d e , o n d e j á s e

c o m b i n a r a oa s i l o .

A m o ç a m a n d a v a a v i s a r a fa m í l i a . S ó

s a i r i a d e l á c a s a d a . O sp a i s n ã o t i n h a m o u t r a

a l t e r n a t i v a . F a zi a m oc a s a m e n t o , m e s m o s e m

s e r " d e g o s t o " , n o d i a s e g u i n t e : s e m fe s t a s , s e m

p r o c l a m a s . A h o n r a d a m o ç a e d a fa m i l i a e s t a

-r i a m p -r e j u d i c a d a s , c a s o n ã o fo s s e r e a l i za d o o

c a s a m e n t o .

Quando ocorria do raptor não querer

casar, criava-se um constrangimento, e cabia

"ao poder masculino patriarcal", resolver o

problema, "interpelar o sedutor e obrigá-Ia a

casar." "Moça raptada que não casou, virava

"mulher perdida". E o rapaz que raptasse

al-guém e não casasse estaria sujeito a sanções

da sociedade: era considerado indigno,

"roubador da honra", deveria sair da região

ou estaria sujeito às punições que a

socieda-de lhe impunha, tais como morrer ou ser

"ca-pado". A vingança era mandada pelo pai ou

irmãos para limpar a honra da família, numa

sociedade em que a vindita era muito usual e

os matadores profissionais nunca faltavam."

Falei também descreve os relacionamen-tos fora do casamento. Um viajante inglês cita-do por ela, chamacita-do Gardener, ao passar pelo interior do Ceará, em 1838, já havia observado isso. Relata que "raramente os homens da me-lhor classe social vivem com as esposas; pou-cos anos depois do casamento, separam-se delas,

despedem-se da casa e as substituem por

mu-Iheres moças que estão dispostas a suprir-lhe

o lugar sem se prenderem pelos vínculos do

matrimõnio"

H a v i a u m i n t e n s o n í v e l d e v i o l ê n c i a n a s

r e l a ç õ e s c o n j u g a i s n o s e r t ã o . N ã o v i o l ê n c i a fí

-s i c a e x c l u -s i v a m e n t e ( s u r r a s , a ç o i t e s ) , m a s v i o

-l ê n c i a d o a b a n d o n o , d o d e s p r e zo , d o

m a l q u e r e r . O sfa t o r e s e c o n ô m i c o s e p o l í t i c o s q u e

e s t a v a m e n v o l v i d o s n a e s c o l h a m a t r i m o n i a l

d e i x a v a m p o u c o e s p a ç o p a r a q u e a a fi n i d a d e

s e x u a l o u oa fe t o t i v e s s e m g r a n d e p e s o n e s s a

d e c i s ã o . A l é m d i s s o , m u l h e r c a s a d a p a s s a v a a

s e v e s t i r d e p r e t o , n ã o s e p e r fu m a v a m a i s , n ã o

m a i s a m a r r a v a s e u s c a b e l o s c o m l a ç o s d e fi t a s ,

n ã o c o m p r a v a v e s t i d o s n o v o s . S u a fu n ç ã o e r a

s e r " m u l h e r c a s a d a " p a r a s e r v i s t a s o m e n t e p e l o

m a r i d o .

C o m o m u l h e r - e s p o s a , s e u v a l o r p e r a n t e

a s o c i e d a d e e s t a v a d i r e t a m e n t e l i g a d o à " h o

n e s t i d a d e " , e x p r e s s a p e l o s e u r e c a t o , p e l o e x e r

-c í -c i o d e s u a s fu n ç õ e s d e n t r o d o l a r e p e l o

n ú m e r o d e fi l h o s q u e d a r i a a o m a r i d o . M u i t a s

m u l h e r e s d e 3 0 a n o s , p r e s a s n o a m b i e n t e d o -m é s t i c o , s e -m -m a i s p o d e r e -m p a s s e a r - p o r q u e

" l u g a r d e m u l h e r h o n e s t a é n o l a r " - p e r d e r a m

r a p i d a m e n t e o st r a ç o s d e b e l e za e d e i x a r a m - s e

fi c a r o b s e s a s e d e s c u i d a d a s , c o m o v á r i o s v i a

-j a n t e s a s s i n a l a r a m .

Falei nos mostra como isso era comum nesse período, causado, entre outros fatores, pelo

desequilíbrio demográfico das regiões

interio-ranas do Brasil do século XIX, quando os

mui-tos homens saíam do sertão para morar nas

cidades litorâneas. "Homens de prestígio e de

boa situação social sempre tiveram possibilidade

de constituir duas ou três famílias,

principal-mente porque era "a vertente culta que intimi-dava os humildes."

O homem, mesmo sendo casado, era

con-siderado para as mulheres sem status,um

(11)

for-mas de se sobressair-se junto à população e

galgar algumgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAs t a t u s econômico, que ela não

possuiria de outra forma.dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ certo que a

socie-dade exigia dela alguns comportamentos

ade-quados, comedidos, deveria ser "conhecedora

do seu lugar", bem distinto da posição

ocupa-da pela esposa legitima: porém, a mesma

so-ciedade lhe dava, de volta, um certo respeito,

principalmente se daquela união existissem

fi-lhos."

Nos detivemos nas descrições de Falei

mais longamente porque trata-se de um dos raros

trabalhos que se atém de um modo especial

sobre a mulher e a família nordestina, trazendo

uma grande riqueza de detalhes sobre os

com-portamentos e valores de uma época.

Ao ler o seu trabalho e de Novinski

so-mos levados a nos interrogar: os traços

descri-tos sobre as mulheres de elite não teriam

deixado as suas marcas profundas na

consti-tuição dos valores da chamada classe média

da região? Esse "sertão" não estará vivo no

comportamento de muitas mulheres e homens

em Fortaleza? Com que força eles

permane-cem e com que intensidade eles estão se

des-manchando?

A única forma de responder essas e

ou-tras questões que suscitam uma leitura do

pas-sado é escutar, na ressonância das falas das

mulheres e dos homens da região, como eles se

manifestam, captando o passado-presente, no

tempo histórico em que viveram e vivem.

BIBUOGRAFIA

LEMENHE, Maria Auxiliadora. F a m í l i a , T r a d i

-ç ã o e P o d e r . Editora Annablume,

Comunica-ção e EUFC, Universidade Estadual do

Ceará. Março de 1996.

LEMENHE, op. cit. p.237.

BERMAN, Marshal. T u d o q u e éS ó l i d o s e D e s

-m a n c h a n o A r . ( A a v e n t u r a d a m o d e r

-n i d a d e ) . SP: Editora Cia das Letras, 1995.

NOTAS

9

LEMENHE,Maria Auxiliadora. F a m í l i a , T r a d i ç ã o

e P o d e r .Editora Annablume Comunicação e EUFC,

Universidade Estadual do Ceará. Março de 1996. LEMENHE,op. cit. p.237

BERMAN,Marshal. T u d o q u e é S ó l i d o s e D e s m a n

-c h a n o A r . ( A a v e n t u r a d a m o d e r n i d a d e ) .

SP:Edi-tora Cia das Letras, 1995

Ver GOODE, William. A F a m í l i a . Biblioteca

Pio-neira de Ciências Sociais, 1970, p.189 Citado por GOODE W. op. cit. p.175 op. cit. . p. 190

Antônio Cândido representou a parentela brasilei-ra sob a forma de círculos concêntricos: o núcleo seria formado pela família do "patriarca" (ou do "coronel"), seguindo-se vários círculos concêntri-cos com parentes, agregados,etc.( Ver Cândido, Antônio. T b e B r a zi l i a n F a m i l y - in " I n "Brazil,

P o r t r a ü 0 1 H a l f a C o n t i n e n t - edited by T. Lynn

Smith, USA,The Drysden Press. -1951.

Ver MACEDO,Joaryvar. Ligeiras notas sobre famí-lias cearenses. i n T e m a s H i s t ó r i c o s R e g i o n a i s . For-taleza. 1986. p.169-195. Neste trabalho soubemos

que muitas das famílias cearense de e s t i r p e

pro-vém de padres, "tanto sacerdotes que atingiram culminância na área política ou intelectual, como obscuros vigários e capelães, quer no litoral quer no sertão." ( p . 184)

Segundo Bourdieu, "as diferentes classes e frações de classes estão sempre envolvidas numa luta pro-priamente simbólica para imporem a definição do mundo social mais conforme os seus interesses, e imporem o campo das tomadas de posições ideo-lógicas reproduzindo em forma transfigurada o cam-po das relações sociais. Elas cam-podem conduzir essa luta quer diretamente, nos conflitos simbólicos da vida quotidiana, quer por procuração, por meio da luta travada pelos especialistas da produção simbó-lica (produtores a tempo inteiro) e na qual está em jogo o monopólio da violência simbólica legitima, quer dizer o poder de impor - e mesmo inculcar-instrumentos de conhecimentos e de expressão (taxionomias) - embora ignorados como tais - da

(12)

realidade social.dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

°

campo de produção simbólica é um microcosmo de luta simbólica entre as classes:

é ao servirem os seus interesses de luta interna do campo de produção (e só nesta medida) que os produtores servem os interesses dos grupos exte-riores ao campo da produção." Ainda segundo esse mesmo autor, "a classe dominante é o lugar de

uma luta pela hierarquia dos princípios de

hierarquização." (Ver BOURDIEU, P. in OgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAP o d e r

S i m b ó l i c o , Editora Difel, 1989, p.1l-12)

10 Ver DA MAITA, Roberto. A P a m i l i a C o m o V a l o r :

C o n s i d e r a ç õ e s - N ã o F a m i l i a r e s S o b r e a Familia à

B r a s i l e i r a .inR e p e n s a n d o a F a m i l i a n o B r a s i l ( d a

c o l ô n i a àm o d e r n i d a d e ) . Vários Autores. Rio de

Janeiro: Editora Espaço e Tempo, 1987

11 ARAÚJO,Maria do Carmo. OP o d e r L o c a l n o C e a

-r á .inH i s t ó r i a d o C e a r á , SOUZA, Simone.

(coor-denadora). NUDOC-UFC. P.109

12 LEMENHE,Maria Auxiliadora. Op. cit. p.25

13 A presença de escravos africanos no Ceará foi

pouco expressiva se comparamos com outras re-giões do Nordeste. Como observa Nascimento, no seu trabalho S í n t e s e H i s t ó r i c a d a E s c r a v i d ã o

N e g r a ,"rareia a comprovação documental de que

a força de trabalho empregada nos tratos agríco-las haja sido de contigentes escravos. Na arquite-tura rural, no lugar das senzalas se erigiram as

casas dos moradores como locadoras de

mão-de-obra e postos de vigilância dos bens aí

pro-duzidos. Quanto aos escravos procedentes da

África, e introduzidos no Ceará através de

Pernambuco e da Bahia, estes não chegaram a

conhecer "o eito e as senzalas dos latifúndios", fazendo "tão-somente de domésticos, em conta-to imediaconta-to com o senhor." (Ver NASCIMENTO,

F.S. inH i s t ó r i a d o C e a r á , op. cit. p.168-169).Isso

também, pode ser atestado pelos números. Em

1872 a percentagem de escravos na população

do Ceará era de 4,4%. Assim, para uma

popula-ção de 721.686 habitantes, existia uma

popula-ção negra de 31.913 habitantes. Desses. 357.420

era considerada parda e 42.593 preta, o que

sig-nifica uma percentagem de 55,4%. (Ver NOVAIS,

Fernando, inH i s t ó r i a d a V i d a P r i v a d a n o B r a s i l

- D o I m p é r i o àM o d e r n i d a d e , vol. 2, São Paulo:

Companhia das Letras, 1997, p. 479).

14 BARROSO, Parsifal. O c e a r e n s e . Rio de Janeiro:

Gráfica Editora Record, 1969.

15 MACÊDO,Nertan. OC l ã d o s I n h a m u n s ( U m a F a

-m í l i a d e G u e r r e i r o s e P a s t o r e s d a s C a b e c e i r a s d o

j a g u a r i b e ) . Coleção Terra do Sol, Fortaleza:

Edi-tora Comédia Cearense, 1965. Este trabalho de Nertan Macêdo insere-se na linha daquelas pes-quisas que procuram descrever a luta das farníli-as na história do Ceará. Nesse livro ele narra o longo conflito entre a família Montes, uma rica família estabelecida no Vale do Jaguaribe, cujo primeiro chefe foi o Capitão-Mor Geraldo Mon-tes e a família Feitosa, antiga família que teria chegado no tempo da ocupação holandesa no Nordeste. Essas famílias, nas suas disputas pela terra, ainda segundo o historiador, "ensangüen-taram a Capitania durante muitos anos, numa guerra cruenta e sem quartel, apoiada em fac-ções índias. Este trabalho, juntamente com ou-tros, como o de Raimundo Girão sobre as famílias Montes, Machado e Girão, são interessantes pelo que revelam do cenário onde viveram essas fa-mílias e pela distinção a elas conferidas, como fonte de poder real e simbólico na região. Ver

GIUO, Raimundo. M o n t e s , M a c h a d o s , G i r õ e s ,

in Editora do Instituto do Ceará, 1967.

16 Essa transplantação cultural assumirá no Ceará

ca-racterísticas próprias, como apontou Leitão, onde ocorre "essa mistura de mundos, entre índios e

brancos, fusão de natureza pacífica ao nível

imagina!.

°

Ceará, como um "estado mameluco"

por excelência (onde a presença negra será

me-nos significativa,sob o ponto de vistademogrâfíco),

preservará, através de seus habitantes, ritos de gens fundados especialmente a partir de um ima-ginário íbero-índígena. Seja na sua maneira de comer, de morar, de se relacionar com o outro ou com o mundo, o sertanejo carregará consigo a potência atávica de sua herança imaginal, funda-da especialmente sob o universo imaginário des-tas duas culturas. Enfim, em cada sertanejo, em

cada cearense, o imaginário messiânico tupi, gê

ou caririterá de ser fundido ao espírito sebastianista dos portugueses. E nessa fusão de mundos onde encontraremos toda a magia da cultura armoria!." (Ver,LEITÃO,Cláudia.P o r U m a É t i c a d a E s t é t i c a

-U m a R e fl e x ã o a c e r c a d a É t i c a A r m o r i a l .

(13)

.BH/UFC

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

17 Talvez aí se encontre uma das explicações para o

comportamento observado por Jáder de Carvalho

ao analisar a sociedade cearense: a importância

de ostentar poder através de bens simbólicos, de

pertencer a uma família "de nome", com seus

de-lírios e sonhos bovaristas.dcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

1 8 FREYRE, Gilberto.gfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAC a s a G r a n d e e S e n za l a . Rio:

Editora josé Olympio, 1961, 10 Edição, tomo I p.52.

19 HO LANDA , S. Buarque de. A s R a í ze s d o B r a s i l .

Rio: José Olympio, 1969, p.48.

20 "Basta recordarmos o fato de que, durante o dia, a

moça ou a menina branca estava sempre sob as vistas de pessoas mais velhas ou mucama de confiança. Vi-gilância que se aguçava durante a noite. A dormida das meninas e moças reservava-se nas casas-grandes, a alcova ou camarilha, bem no centro da casa, rodeada

de quartos de pessoas mais velhas. Mais uma prisão que aposento de gente livre. Espécie de quarto de doente grave que precisava da vigília de todos" ( Ver,

FREYRE,Gilberto, op. c ít, p. 339-340 )

21 NOVINSKY, Ilana W. H e r e s i a , M u l h e r e S e x u a l i

-d a -d e ( A l g u m a s N o t a s s o b r eoN o r d e s t e B r a s i l e i r o

n o s S é c u l o s X V I e X V I I ) . In V i v ê n c i a ( H i s t ó r i a ,

S e x u a l i d a d e e I m a g e n s F e m i n i n a s ) , BRUSCHINI, Maria Cristina e ROSEMBERG, Fúlvia. Editora

Brasiliense e Fundação Carlos Chagas, 1980.

22 op. cit. p. 228

23 op. cit. 234

24 op. cit. 234

25 FALCI, Miridan Knox. A s M u l h e r e s d o S e r t ã o N o r

-d e s t i n o .InH i s t ó r i a d a s M u l h e r e s n o B r a s i l , Edito-ra Contexto e UNESP, São Paulo, 1997. p. 241-275.

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