UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE DIREITO
MARINA LIMA DA ROCHA
CONCESSÃO JUDICIAL DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO NO CEARÁ:
ENTRAVES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE
CONCESSÃO JUDICIAL DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO NO CEARÁ: ENTRAVES
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE
Monografia apresentada ao Curso de Direito da
Universidade Federal do Ceará, como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
Orientador: Prof. Dr. Felipe Braga Albuquerque
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Setorial da Faculdade de Direito
R673c Rocha, Marina Lima da.
Concessão judicial de medicamentos de alto custo no Ceará: entraves das políticas públicas de saúde / Marina Lima da Rocha. – 2014.
93 f. : enc. ; 30 cm.
Monografia (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2014.
Área de Concentração: Direito Constitucional. Orientação: Prof. Dr. Felipe Braga Albuquerque.
1. Direito à saúde - Ceará. 2. Políticas Públicas de Saúde - Ceará. 3. Poder judiciário e questões políticas - Ceará. I. Albuquerque, Felipe Braga (orient.). II. Universidade Federal do Ceará – Graduação em Direito. III. Título.
MARINA LIMA DA ROCHA
CONCESSÃO JUDICIAL DE MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO NO CEARÁ: ENTRAVES
DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE
Aprovada em: ___ /___ /______.
Monografia apresentada ao Curso de Direito da
Universidade Federal do Ceará, como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em
Direito.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. Felipe Braga Albuquerque (Orientador)
Universidade Federal do Ceará
_________________________________________
Mestranda Julianne Melo dos Santos
Universidade Federal do Ceará
________________________________________
Mestranda Patrícia Oliveira Gomes
Ao Prof. Dr. Felipe Braga Albuquerque, pela disponibilidade e excelente orientação.
Ás mestrandas Julianne Melo dos Santos e Patrícia Gomes Oliveira, participantes da
banca examinadora, pelas valiosas sugestões.
Aos colegas da turma de graduação, pelo constante apoio.
RESUMO
O presente trabalho pretende realizar a análise do controle judicial nas políticas públicas de saúde
no Ceará, especificamente em relação à concessão de medicamentos de alto custo. No Brasil, o
direito à saúde é constitucionalmente assegurado, assim como os direitos à vida e da dignidade da
pessoa humana, aos quais está intimamente ligado. Entretanto, a garantia constitucional, em muitos
casos, não é respeitada pela Administração Pública, deixando o usuário do sistema público de saúde
desamparado. A consequência é o aumento exponencial de ações buscando o fornecimento de
medicamentos de alto custo por pacientes portadores de doenças graves. Diante do alto número de
processos judiciais relacionados ao tema, é necessário discutir as dificuldades para a efetivação
dessas políticas públicas de saúde, assim como os critérios utilizados no fornecimento de
medicamentos de dispensação excepcional.
ABSTRACT
The present work intends to make an analysis of de judicial control of public politics of health in
Ceará, specifically in relation of the concession high cost medicines. In Brazil, the right to health is
constitutionally secured, such as the rights to life and human dignity, to whom is closely linked.
However, the constitutional guarantee, in many cases, is not respected by the Public Administration,
leaving the user of the Public Health System unattended. The consequence is the exponential rise of
lawsuits searching for the provision of high cost medicines by patients carrying severe diseases. In
face of the high number of lawsuits related to the theme, is necessary to discuss the difficulties for
the execution of these public health politics, such as the criteria used in the provision of medicines
of exceptional delivery.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
§
Parágrafo
ADPF
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
AgR
Agravo Regimental
AI
Agravo de Instrumento
ANVISA
Agência Nacional de Vigilância Sanitária
art. Artigo
CAP
Caixa de Aposentadoria e Pensões
CF Constituição Federal
CMDE
Componente de Dispensação em Caráter Excepcional
CNJ
Conselho Nacional de Justiça
COASF
Coordenadoria de assistência farmacêutica do Estado do Ceará
DJE
Diário da Justiça do Estado
DJU
Diário da Justiça da União
DPU-CE Defensoria Pública da União no Ceará
EC
Emenda Constitucional
EREsp
Embargos de Divergência no Recurso Especial
FNS
Fundo Nacional de Saúde
IAP
Institutos de Aposentadorias e Pensões
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INAMPS
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INPS
Instituto Nacional da Previdência Social
LC
Lei Complementar
LDO
Lei de Diretrizes Orçamentárias
MS
Mandado de Segurança
Min.
Ministro
n.
Número
NOB
Norma Operacional Básica
NUFITO
Núcleo de Fitoterápicos
NUMES
Núcleo de Medicamentos Essenciais e Estratégicos
NUMEX
Núcleo de Medicamentos de Caráter Excepcional
p.
Página
RE
Recurso Extraordinário
Rel.
Relator
RENAME
Relação Nacional de Medicamentos
RTJ
Revista Trimestral de Jurisprudência
SESA-CE Secretaria de Saúde do Estado do Ceará
STF Supremo Tribunal Federal
STJ
Superior Tribunal de Justiça
SUS
Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO...
12
2. DIREITO À SAÚDE NO BRASIL...
14
2.1 Previsão como direito fundamental na Constituição...
14
2.2 Histórico...
16
2.3
O Sistema Único de Saúde...
17
2.3.1 Princípios e diretrizes do SUS...
19
2.2.2 Financiamento...
23
3. ATIVISMO JUDICIAL NO DIREITO À SAÚDE...
26
3.1 Norma programática x princípio da dignidade humana...
26
3.2 Separação dos poderes...
28
3.3 Responsabilidade solidária dos entes federativos...
29
3.4 Reserva do possível e limites da amplitude ao direito à saúde...
31
3.5 Audiência pública do STF sobre judicialização da saúde...
35
4. MEDICAMENTOS DE ALTO CUSTO NO CEARÁ...
37
4.1 Definição...
37
4.2 Organização da estrutura de saúde...
38
4.3 Jurisprudência...
41
4.4 Problemáticas das políticas públicas de saúde...
.45
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...
49
REFERÊNCIAS...
51
ANEXO A - Portaria n. 1.554 MS/GM, de 30 de julho de 2013...
56
ANEXO B - Portaria n. 2.577 MS/GM, de 27 de outubro de 2006...
69
ANEXO C - Portaria n. 3.916 MS/GM, de 30 de outubro de 1998...
70
ANEXO D - Portaria n. 533 MS/GM, de 28 de março de 2012...
89
1.INTRODUÇÃO
Diante de um sistema público de saúde que apresenta dificuldades desde a
disponibilização dos insumos mais básicos aos mais complexos, a quantidade de processos
solicitando a concessão judicial de medicamentos de alto custo aumenta a cada ano no Estado do
Ceará e no Brasil em geral. A inércia administrativa e a falta de recursos do Sistema Único de Saúde
levam o cidadão acometido por graves enfermidades a buscar no Poder Judiciário a solução para
suas demandas na área da saúde. Dessa maneira, o Judiciário está sendo constantemente instado a
corrigir omissões que ameaçam gravemente direitos fundamentais previstos na Constituição Federal
de 1988. A relevância do tema levou inclusive à convocação de audiência pública realizada no
Supremo Tribunal Federal em 2009, para tratar sobre a judicialização do direito à saúde e
estabelecer parâmetros para a concessão judicial de medicamentos de alto custo.
A pesquisa para o presente estudo analítico descritivo foi realizada mediante leituras
embasadas em livros, revistas, publicações especializadas, imprensa escrita, processos judiciais,
artigos, e dados oficiais publicados na internet, que abordavam direta ou indiretamente o tema em
análise.
Nesse trabalho serão apresentadas primeiramente as leis e disposições constitucionais
que regem o direito à saúde, além do histórico que levou a criação de um sistema público de saúde
universal e gratuito. O Sistema Único de Saúde (SUS), que gere a saúde pública no Brasil, será
abordado quanto a seus princípios e financiamento, especialmente em relação à divisão de
competências entre os entes federativos.
Após serão discutidos os argumentos que integram o debate do ativismo judicial nas
políticas públicas de saúde, demonstrando como se dá a separação de responsabilidades no direito
constitucional em relação aos entes federativos e aos três poderes: Judiciário, Legislativo e
Executivo. Assim como o embate entre a concepção de que o direito à saúde seria uma norma
constitucional programática, necessitando de uma ação estatal para sua efetivação ou se trata-se de
uma norma de eficácia plena, a qual desde a promulgação da Constituição está apta a produzir seus
efeitos.
2. DIREITO À SAÚDE NO BRASIL
A saúde, como premissa básica para o exercício de todos os outros direitos, por estar
intrinsecamente ligado à vida, constitui-se de extrema relevância para a sociedade, sendo
indispensável o tratamento prioritário às questões de saúde dos cidadãos.
Entretanto, o Brasil enfrenta diversas dificuldades em relação a seu sistema público de
saúde, o SUS, do qual depende a maioria da população. A mídia frequentemente noticia as longas
filas de pacientes à espera de atendimento, a falta de leitos hospitalares para atender a demanda,
além da escassez medicamentos, insumos e profissionais, impedindo a operação desejável dos
serviços de saúde. O Estado, portanto, falha gravemente ao não assegurar de maneira eficaz e
contínua o direito à saúde constitucionalmente assegurado a todos os brasileiros.
2.1 Previsão constitucional
A Constituição Federal de 1988 destaca-se pelo tratamento dado aos direitos sociais,
elevando-os ao patamar de garantias fundamentais explicitamente previstas no texto constitucional.
Dentre os direitos elencados no art. 6º está o direito à saúde:
“
São direitos sociais a educação, à
saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparad
os, na forma desta Constituição”.
O direito à saúde também é previsto pelo art. 196 da Constituição Federal, segundo o
qual
“
a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua p
romoção, proteção e recuperação”.
Dessa maneira, foi reconhecido que o Estado tem o dever de promover, mediante
políticas sociais e econômicas, a efetividade do direito à saúde a todos os cidadãos de forma
igualitária, universal e gratuita. Desde a promulgação da Constituição de 1988, referido direito
fundamental tem ocupado lugar cada vez mais frequente nos julgados do Poder Judiciário, devido à
falhas na prestação estatal, com destaque às ações judiciais objetivando o fornecimento de
medicamentos de alto custo.
A responsabilidade do Poder Público em relação às ações de saúde é descrita da
seguinte forma por Silva (2006, p.831):
tem ele integral poder de dominação, que é o sentido do termo controle, mormente quando aparece ao lado da palavra fiscalização.
O entendimento do direito à saúde como indisponível e constitucionalmente tutelado é
confirmado pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello no RE 271.286 AgR/RS
1.
O direito à saúde representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa consequência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional..”
Há íntima ligação entre o direito à saúde e os direitos constitucionais à dignidade da
pessoa humana² e à vida
3, sendo o Estado obrigado a prestar ações concernentes à saúde, de forma
gratuita e universal a todos. Assegurar à coletividade, mediante a prestação de recursos materiais
essenciais, uma existência digna é objetivo comum dos direitos fundamentais sociais. Ademais, o
direito a vida é condição essencial para o exercício de todos os demais direitos fundamentais,
devendo ser prioritariamente assegurado. De acordo com Ordacgy (2009, p.1), a saúde seria um
bem intangível, já que é característica indissociável do direito à vida, devendo ser plenamente
assegurada pelas políticas públicas governamentais.
O Min. Celso de Mello prossegue em seu voto no RE 271286 AgR/RS entendendo que
o respeito à vida e à saúde humana são indeclináveis:
[...] entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º., caput e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana, notadamente daqueles que têm acesso, por força de legislação local, ao programa de distribuição gratuita de medicamentos, instituído em favor de pessoas carentes.
No Brasil, os direitos à vida e à dignidade geram a obrigação do Estado de formular e
implementar políticas públicas que garantam aos cidadãos o acesso universal e igualitário à saúde,
através de um serviço nacional de saúde disponibilizando uma prestação efetiva, como determina o
__________
1. RE 271.286 AgR/RS, 2ª Turma, Relator Min. Celso de Mello, DJU de 24.11.00, p. 101. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=335538>. Acesso em: 10 out. 2014.
2. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana; CF/88.
texto constitucional. Importante destacar, que a CF/88, de forma inovadora, dispôs em seu art. 5º, §
1º, que
“as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata
”
.
Dessa forma, como leciona Botelho (2009, p. 290)
, “
o direito à saúde no ordenamento
constitucional brasileiro pode ser entendido como um direito social fundamental, público, subjetivo
e universal”.
O caráter prestacional do direito à saúde assume relevância no âmbito de sua eficácia e
efetivação, significando que a materialidade das prestações necessitadas somente é possível através
de políticas públicas de saúde formuladas pelo Estado. Sendo assim, o Poder Público, não pode
mostrar-se indiferente ao problema da saúde em nosso país e ignorar essas demandas.
2.2 Histórico
O direito à saúde foi reconhecido internacionalmente em 1948, quando da aprovação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Organização das Nações Unidas (ONU). A
Organização Mundial da Saúde conceitua saúde como
“um estado de completo bem
-estar físico,
mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade
”, segundo Rezende
(2010. p.222).
A trajetória da saúde pública no Brasil inicia-se no início do século XIX, com a vinda da
Corte portuguesa, quando foram criadas as Academias Médico Cirúrgicas, no Rio de Janeiro e na
Bahia, depois transformadas nas duas primeiras escolas de medicina do país, de acordo com
SANTANA (2010, p.50).
Somente entre 1870 e 1930 que o Estado passou a praticar ações efetivas no campo da
saúde, com a adoção do modelo “campanhista”, caracterizado pelo uso corrente da
autoridade e da
força policial.
4Sobre a Lei Eloy Chaves, criada pelo Decreto nº 4.682, em 1923, que determinou a
criação da Caixa de Aposentadoria e Pensões (CAP) em cada uma das empresas de ferro do país
para seus respectivos empregados e é considerada um marco do início da Previdência Social no
Brasil, os autores Carvalho e Santos (1995, p. 58) lecionam:
Em um contexto de rápido processo de industrialização e acelerada urbanização, a lei vem apenas conferir estatuto legal a iniciativas já existentes de organização dos trabalhadores
por fábricas, visando garantir pensão em caso de algum acidente ou afastamento do trabalho por doença, e uma futura aposentadoria. Com as “caixas”, surgem as primeiras discussões sobre a necessidade de se atender à demanda dos trabalhadores. Nascem nesse
momento complexas relações entre os setores público e privado que persistirão no futuro Sistema Único de Saúde.
__________
A partir da década de 30, há a estruturação básica do sistema público de saúde, que
passa a realizar também ações curativas. É criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, além
dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), que ofereciam serviços de saúde limitados à
categoria profissional ligada ao respectivo Instituto, pois a saúde pública não era universalizada,
restringindo-se a beneficiar os trabalhadores que contribuíam para os institutos de previdência.
O Ministério da Saúde só veio a ser instituído no dia 25 de julho de 1953, com a Lei nº
1.920/53, que desdobrou o então Ministério da Educação e Saúde em dois ministérios
5.
Em 1966, através do Decreto-Lei n. 72, foi criado o Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS), unificando os IAPs. Todo trabalhador urbano com carteira assinada era contribuinte
e beneficiário desse sistema, possuindo direito a atendimento na rede pública de saúde. No entanto,
grande contingente da população brasileira não integrava o mercado de trabalho formal e
continuava excluído do direito à saúde.
Em 1975, foi regulamentada a Lei n. 6.229, que criou o Sistema Nacional de Saúde,
definindo sua organização e distribuição das responsabilidades entre a Previdência Social, a qual
caberia a assistência individual e curativa, enquanto os cuidados preventivos e de alcance coletivo
ficariam sob a responsabilidade do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais e Municipais de
Saúde.
Destacou-se a Constituição Federal de 1988, que determinou ser dever do Estado
garantir saúde a toda a população e, para tanto, criou o Sistema Único de Saúde. Em 1990, o
Congresso Nacional aprovou a Lei Orgânica da Saúde que detalhou como se daria a organização e o
funcionamento do sistema público de saúde e, que, por tratar da mesma matéria, revogou
expressamente a lei n. 6.229/75, anteriormente citada.
2.3 O Sistema Único de Saúde
O Sistema Único de Saúde (SUS) é formado pelo conjunto de todas as ações e serviços
de saúde prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da
administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. O SUS é considerado
uma das mais importantes conquistas advindas da Constituição de 1988, pois foi criado com o
objetivo de atender as necessidades de saúde da população brasileira, além de questões que
influenciam na saúde, como o meio ambiente, a vigilância sanitária, a fiscalização de alimentos,
entre outros, sendo financiado por todos os membros federativos, de acordo com o art. 196 da
Constituição Federal.
__________
Interessante destacar que o processo que levou à instituição do SUS partiu da própria
sociedade, através do Movimento Sanitarista, que envolveu milhares de intelectuais, trabalhadores
de saúde e usuários, que criticaram o modelo de saúde vigente até então e cujas reivindicações
foram catalisadas na VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em 1986. As resoluções dessa
Conferência deram os moldes que viriam, em breve, ser inscritos na Constituição de 1988. Fleury
(2009,
p.743) aponta que a nova Constituição “representou uma ruptura com o modelo tanto de
Estado quanto de cidadania anteriores, em resposta à mobilização social que a antecedeu
”
.
O artigo 198 da Constituição de 1988 estrutura o Sistema Único de Saúde, criado para
garantir que toda a população obtenha acesso ao atendimento público de saúde, o que antes da
Constituição só era garantido aos empregados que contribuíssem com a previdência social,
tratando-se, portanto, de grande evolução social devido à democratização das ações e dos serviços
de saúde, que deixaram de ser restritos e passaram a ser universais.
A Lei Orgânica da Saúde, Lei n. 8.080/90, regulamenta os artigos 196 e seguintes da
Constituição Federal e dispõe nos artigos 6º, inciso I, alínea
“d”:
Art. 6º. Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
d)
de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
Já a organização operacional do SUS é realizada através da edição de Normas
Operacionais Básicas (NOB), que se constituem nos principais instrumentos normalizadores do
processo de descentralização das ações e serviços de saúde no Brasil. A NOB/96, apesar das
posteriores alterações, é a que está atualmente em vigor.
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi criado para, juntamente com a Previdência e
Assistência Social, formar um sistema integrado, com a finalidade de assegurar a dignidade material
de todas as pessoas e garantir a universalidade e gratuidade do atendimento em saúde. Segundo o
disposto pelo art. 195 da Constituição Federal:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento; c) o lucro;
II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o Art. 201;
III - sobre a receita de concursos de prognósticos;
IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar.
estas eram prestadas pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
(INAMPS), porém, apenas para os seus beneficiários. Em 1990, o INAMPS passou a integrar a
estrutura do Ministério da Saúde, sendo extinto três anos mais tarde com a edição da Lei n.8.689/93,
que em seu art.1º, § único determinou que:
As funções, competências, atividades e atribuições do INAMPS serão absorvidas pelas instâncias federal, estadual e municipal gestoras do SUS, de acordo com as respectivas competências, critérios e demais disposições das Leis n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.142, de 28 de dezembro de 1990.
Trata-se de um sistema universal e gratuito, baseado nos princípios da universalidade,
integralidade e equidade, que visa concretizar o direito à saúde que todos os indivíduos da
população possuem.
Reafirmando as previsões dispostas no Texto Constitucional, a Lei n. 8.080/90, dispõe o
que a saúde é um direito fundamental e cabe ao Estado formular e executar políticas públicas para
sua efetivação:
Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
As políticas públicas de saúde, por sua vez, devem ser pautadas nos princípios de
diretrizes do Sistema Único de Saúde.
2.3.1 Princípios e diretrizes do SUS
O SUS rege-se pelos princípios doutrinários da universalidade, da integralidade e da
equidade e por diretrizes organizativas como a descentralização, a regionalização e hierarquização
dos serviços e participação popular e complementariedade do sistema privado, que buscam garantir
um melhor funcionamento do sistema, de acordo com o art. 7º da Lei n. 8.080/90:
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e
serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema;
III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário;
VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática;
VIII - participação da comunidade;
IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população;
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e
XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos.
Os princípios e diretrizes que orientar o Sistema Único de saúde podem assim ser
resumidos:
a) O princípio da universalidade
De acordo com o art. 196 da Constituição Federal, a prestação de serviço público de
saúde deve estar ao alcance de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, de forma
universal e igualitária.
Acerca dos destinatários dos direitos fundamentais, ressalve-se que a doutrina não
exclui os estrangeiros em trânsito no Brasil. Nesse sentido, Moraes (2005, p. 172):
Observe-se, porém, que a expressão residentes no Brasil deve ser interpretada no sentido de que a Carta Federal só pode assegurar a validade e o gozo dos direitos fundamentais dentro do território brasileiro (RTJ 3/566)6, não excluindo, pois, o estrangeiro em trânsito pelo território nacional [...].
No Brasil, antes da Constituição de 1988, somente os trabalhadores segurados do
INAMPS tinham direito à cobertura médica. Após a implantação do SUS, a saúde passou a ser
direito de cidadania de todas as pessoas, cabendo ao Estado assegurar este direito. A universalidade
é a garantia de atenção à saúde por parte do sistema, a todo e qualquer cidadão, que tem direito de
acesso a todos os serviços públicos de saúde, assim como àqueles contratados pelo poder público.
Segundo esse princípio a saúde é um direito de todos e é um dever de prestação do
Poder, referindo-se à garantia de acesso às ações e aos serviços de saúde.
b) O princípio da integralidade
O princípio da integralidade significa considerar a pessoa como um todo, atendendo a
todas as suas necessidades. Para garantir esse atendimento, é importante a integração de ações,
incluindo a promoção da saúde, a prevenção de doenças, o tratamento e a reabilitação. Esse
princípio pressupõe a articulação da saúde com outras políticas públicas, como forma de assegurar
uma atuação entre os diferentes órgãos estatais que tenham repercussão na saúde e qualidade de
vida dos indivíduos.
O artigo 7º da Lei 8.080/90 define integralidade como um “conjunto articulado e
contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada
__________
caso em todos os níveis de complexidade do sistema”.
Dessa maneira, busca-se a estruturação de redes de maneira hierarquizada, com níveis
crescentes dos serviços. Assim as ações de baixa, média e alta complexidade são articuladas para
racionalizar o sistema, aumentando o seu nível de resolutividade e sua capacidade de atendimento
da demanda.
c) O princípio da equidade
A redução das disparidades sociais e regionais existentes em nosso país através ações e
dos serviços de saúde é o objetivo maior do princípio da equidade. Equidade significa tratar
desigualmente os desiguais, investindo mais onde a carência é maior. Para isso, a rede de serviços
deve focar nas reais necessidades da população a ser atendida. Segundo Starfield (2004, p.10), é
importante minimizar as disparidades entre subgrupos populacionais, de modo que determinados
grupos não estejam em desvantagem sistêmica em relação ao seu acesso aos serviços de saúde e
tenham acesso a um ótimo nível de saúde.
Seguem o mesmo entendimento os autores Vasconcelos e Pasche (2006 p. 535),
segundo os quais a busca pela equidade no acesso às ações e aos serviços de saúde justifica a
prioridade na oferta direcionada aos segmentos populacionais que enfrentam maiores riscos de
adoecer e morrer em decorrência da desigualdade na distribuição de renda, bens e serviços.
d) Descentralização
Descentralizar é redistribuir poder e responsabilidades entre os três níveis de governo.
Na saúde, a descentralização tem como objetivo prestar serviços com maior qualidade e garantir o
controle e a fiscalização pelos cidadãos. No SUS a responsabilidade pela saúde deve ser
descentralizada até o município. A descentralização, ou municipalização, é uma forma de aproximar
o cidadão das decisões do setor e significa a responsabilização do município pela saúde de seus
cidadãos.
Sobre a importância dos sistemas locais de saúde, Fortes e Paulsen (2005, p. 315)
estabelecem que:
A criação deste sistema descentralizado de atendimento à saúde atribuiu grande responsabilidade aos municípios, no setor, no que tange aos residentes em seus territórios, tanto assim que ao gestor municipal incumbe garantir à população acesso aos serviços e disponibilidade de ações e meios para atendimento integral.
gestores do sistema de saúde.
O Ministério da Saúde
7estabelece a cooperação financeira com órgãos das três esferas e
com entidades públicas e privadas mediante três formas de descentralização de recursos através da:
[...]transferência de recursos, pelo Fundo Nacional de Saúde aos municípios, estados e Distrito Federal, de forma regular e automática (repasse fundo a fundo); remuneração de serviços produzidos, que consiste no pagamento direto aos prestadores estatais ou privados, contratados e conveniados, contra apresentação de faturas, referentes a serviços prestados junto à população; celebração de convênios e instrumentos similares, com órgãos ou entidades federais, estaduais e do Distrito Federal, prefeituras municipais e organizações não governamentais, interessados em financiamentos de projetos específicos na área da saúde.
O emprego da descentralização melhora a utilização de recursos, permitindo identificar
com mais precisão as necessidades de cada comunidade.
e) Regionalização e hierarquização da rede
A regionalização é um processo de articulação entre os serviços já existentes, buscando
o comando unificado dos mesmos. A possibilidade da formação de consórcios entre os municípios e
entre os estados dá efetividade à regionalização da rede e dos serviços prestados pelo SUS.
A hierarquização deve, além de proceder à divisão de níveis de atenção, garantir formas
de acesso a serviços que componham toda a complexidade requerida para o caso, no limite dos
recursos disponíveis numa dada região. Está muito ligada às atribuições dos gestores estaduais e
municipais que devem buscar garantir a eficiência, a eficácia e a efetividade do SUS.
Rocha (2011, p. 91) explica:
A hierarquização da rede de serviços de saúde implica na divisão em níveis de complexidade crescente, daí a existência das redes de atenção básica, de atenção de média complexidade e de atenção de alta complexidade. A rede de atenção básica envolve os serviços menos complexos, que devam ser prestados especialmente pelos postos de saúde, clinicas médicas, etc. A rede de atenção de média complexidade abrange situações mais graves do que a rede básica, sendo realizadas consultas hospitalares, exames, etc. Já nas
redes de atenção de alta complexidade, são realizados procedimentos médicos complexos que envolvam profissionais especializados e equipamentos mais sofisticados, como é o caso
da cirurgia cardiovascular [...].
A hierarquização da rede vem consolidando-se ao passo que os gestores estaduais e
municipais vêm assumindo suas responsabilidades e prerrogativas perante o SUS através das formas
de gestão trazidas pela NOB/96.
f) Participação popular
A Lei n. 8142/90, em seu art. 1, inciso II, §§ 2º e 4º regulamenta a matéria, assegurando
a participação nessas instâncias de 50% de usuários e 50% reservados a profissionais, gestores,
__________
prestadores de serviços da saúde e representantes do governo:
Art. 1º. O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo,
com as seguintes instâncias colegiadas: II - o Conselho de Saúde:
§ 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. § 4° A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será paritária em
relação ao conjunto dos demais segmentos.
A obrigatoriedade da formação e do funcionamento dos conselhos de saúde tem o
objetivo de impulsionar a sociedade a participar dos rumos tomados pelo SUS, buscando viabilizar
a participação popular na condução da política de saúde.
g) Complementariedade do setor privado
A Constituição estabeleceu as condições sob as quais o setor privado deve ser
contratado, quando o setor público se mostre incapaz de atender a demanda programada:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
Entre os serviços privados devem-se priorizar os não lucrativos ou filantrópicos e todo
serviço privado contratado passa a seguir as determinações do sistema público, em termos de regras
de funcionamento, organização e articulação com o restante da rede devendo ser realizada licitação
pelos gestores, de acordo com a Lei Federal n. 8.666/93, que regulamenta as normas gerais sobre
licitações e contratos administrativos dos três entes federativos.
2.3.2 Financiamento do SUS
A Constituição de 1988 criou um orçamento especifico para o financiamento da
Seguridade Social, o qual deve receber recursos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, além de outras fontes para financiar a área social e, dentro dela, a saúde.
Na divisão dos recursos dentro da Seguridade Social, a Constituição não definiu
percentuais para cada política, bem como não definiu, no caso da saúde, como se daria a
participação de cada esfera de governo - municipal, estadual e federal - no seu financiamento. A
Emenda Constitucional 29, editada em 2000, teve o intuito de prover a suficiência de recursos,
assim como avançar no que concerne à solidariedade federativa, ao estabelecer parâmetros para as
relações fiscais intergovernamentais dentro do Sistema Único de Saúde.
7% de sua receita bruta na área da saúde, e, até o ano de 2004, atingir o mínimo de 12% e 15%,
respectivamente. A União deveria no primeiro ano ampliar em 5% o orçamento do ano anterior e a
partir daí corrigir todos os anos o orçamento da saúde pela variação do Produto Interno Bruto (PIB).
A definição do percentual mínimo necessário para o financiamento da saúde foi prevista
no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):
Art. 77. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes:
I - no caso da União:
a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento;
b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto - PIB;
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; e
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento.
§ 2º Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei. (grifo nosso)
Apesar de tratar-se de regra de caráter transitório, que deveria ter vigorado apenas até
2004, continuou em vigor por falta de lei complementar que regulamentasse a emenda.
A Lei Complementar n.141/2012 regulamentou a EC 29 e dispôs sobre os valores
mínimos a serem aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em
ações e serviços públicos de saúde, estabelecendo os critérios de rateio dos recursos de
transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com
saúde nas três esferas de governo:
Art. 5o A União aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, o montante correspondente ao valor empenhado no exercício financeiro anterior, apurado nos termos desta Lei Complementar, acrescido de, no mínimo, o percentual correspondente à variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida no ano anterior ao da lei orçamentária anual.
§ 2o Em caso de variação negativa do PIB, o valor de que trata o caput não poderá ser reduzido, em termos nominais, de um exercício financeiro para o outro.
Art. 6o Os Estados e o Distrito Federal aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 12% (doze por cento) da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam o art. 157, alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput do art. 159, todos da Constituição Federal, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios.
Art. 7o Os Municípios e o Distrito Federal aplicarão anualmente em ações e serviços públicos de saúde, no mínimo, 15% (quinze por cento) da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam o art. 158 e a alínea “b” do inciso I do caput e o § 3º do art. 159, todos da Constituição Federal.
o financiamento do SUS, não houve alteração entre os termos da norma do art. 77 do ADCT e a
atual LC 141/2012 no que diz respeito ao montante de recursos que União, Estados e Municípios
devem destinar às ações e serviços de saúde.
Resta aos usuários do SUS aguardar pela próxima revisão da LC 141/2012, seguindo a
norma do art. 198, §3º da CF/88
8que dispõe que a lei complementar deverá ser revista pelo menos a
cada cinco anos, e pressionar os legisladores a aumentar o orçamento do SUS, dando efetividade ao
comando constitucional da integralidade do atendimento e da universalidade da cobertura. serviços
públicos de saúde.
__________
8. Art. 198, § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá:
I - os percentuais de que trata o § 2º;
II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais;
III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
3. ATIVISMO JUDICIAL DO DIREITO À SAÚDE
Segundo Luís Roberto Barroso
1, o termo “ativismo judicial” surgiu nos Estados
Unidos,
durante os anos em que a Suprema Corte foi presidida por Earl Warren, entre 1954 e 1969, quando
houve grande avanço jurisprudencial em matérias referentes aos direitos fundamentais, sem
qualquer participação do Executivo ou Legislativo americano.
Dessa forma, o ativismo judicial refere-se a uma participação mais ampla e proativa do
Judiciário na concretização das normas constitucionais, com maior interferência no espaço de
atuação dos poderes Legislativo e Executivo.
No Brasil, o número de processos demandando intervenção judicial para garantir o
direito às prestações de saúde cresceu vertiginosamente nos últimos anos, gerando grandes
discussões sobre essa temática.
Os defensores da interferência judicial alegam que o Poder Público não oferece seus
serviços de maneira apropriada, deixando desamparados aqueles que têm direitos a essas prestações
na área da saúde. Ressaltam também que o caráter fundamental dos direitos sociais e sua
aplicabilidade imediata dão legitimidade ao Judiciário para ordenar o fornecimento imediato de
medicamentos e demais prestações de saúde garantidas constitucionalmente, pois estão relacionados
à questão os direitos à saúde, à vida e da dignidade da pessoa humana.
Já os críticos do ativismo judicial apontam a quebra do princípio da separação dos
poderes e que o direito à saúde é norma programática, que meramente aponta objetivos a serem
alcançados, mas que não vinculam a Administração Pública. Ademais, citam o argumento da
“reserva do possível”, segundo a qual a efetivação dos direitos sociais depende da disponibilidade
econômica do Estado. Nas ações judicias que versam sobre direito à saúde, os entes federativos
tendem a alegar ilegitimidade passiva, tentando combater a tese de solidariedade solidária entre
eles.
Os argumentos apresentados no debate sobre intervenção judicial nas políticas públicas
de saúde serão abordados a seguir.
3.1 Norma programática x princípio da dignidade humana
Á época da promulgação da Constituição Federal de 1988, o direito à saúde era
considerado uma norma programática. Assim, sua eficácia dependeria de uma ação estatal, pois
__________
determinaria um fim, um objetivo a ser perseguido pelas políticas públicas estatais
2. Dessa forma
não haveria aplicabilidade imediata e eficácia plena, já que normas programáticas apenas apontam
objetivos gerais a serem alcançados, sem estabelecer os meios para o alcance de seus objetivos.
Segundo classificação de Silva (2007, p. 82-83), adotada pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), as normas constitucionais podem ser divididas em três categorias: normas de
eficácia plena, de eficácia contida e de eficácia limitada. Na primeira categoria estariam incluídas
todas as normas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem ou têm a possibilidade de
produzir todos os seus efeitos essenciais, atingindo todos os objetivos visados pelo legislador
constituinte. O segundo grupo também estaria constituído de normas que incidem imediatamente e
produzem ou podem produzir todos os efeitos desejados, mas preveem meios ou conceitos que
permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dada certas circunstâncias. Já as normas de
terceiro grupo são todas as que não produzem, com a simples entrada em vigor, todos os seus
efeitos essenciais, porque o legislador constituinte não estabeleceu sobre elas normatividade
suficiente, deixando essa atribuição ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado.
Entretanto, a tese de que a norma constitucional do direito à saúde estaria nessa terceira
categoria e seria meramente programática, devendo aguardar regulamentação infraconstitucional,
permitiria ao Estado opor aos cidadãos que buscam o Judiciário, sua própria omissão como forma
de defesa, mantendo sua inércia em não efetivar direitos.
Entretanto, o entendimento do STF
3em relação ao direito à saúde atualmente é de que
não basta que o Estado meramente proclame o reconhecimento formal do direito, sendo essencial
que seja integralmente respeitado e plenamente garantido, especialmente naqueles casos em que
esse direito se qualifica como prerrogativa jurídica de exigir do Estado a implementação de
prestações positivas impostas pelo próprio ordenamento constitucional.
A aplicabilidade do direito à saúde também é defendida por Krell (2002, p.20):
As normas programáticas sobre direitos sociais que hoje encontramos nas grandes maiorias dos textos constitucionais dos países europeus e latino-americanos definem metas e finalidades, as quais o legislador ordinário deve elevar a um nível adequado de concretização. Essas “normas-programa” prescrevem a realização, por parte do Estado, de determinados fins e tarefas. Elas não representam meras recomendações ou preceitos morais com eficácia ético-política meramente diretiva, mas constituem Direito diretamente aplicável.
__________
2. Segundo definição de Régis Fernandes de Oliveira: “As políticas públicas são providências para que os direitos se realizem, para que as satisfações sejam atendidas, para que as determinações constitucionais e legais saiam do papel e se transformem em utilidades aos governados.” OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Curso de direito financeiro. São Paulo: RT, 2006. p. 251.
Ademais, a dignidade da pessoa humana é um fundamento da República Federativa do
Brasil, como estabelece o art. 1°, inciso III da CF, constituindo-se em vetor interpretativo da
Constituição, como aduz Sarlet (2004, p. 101):
O que se pretende demonstrar, neste contexto, é que o princípio da dignidade da pessoa humana assume posição de destaque, servindo como diretriz material para a identificação de direitos implícitos (tanto de cunho defensivo como prestacional) e, de modo especial, sediados em outras partes da Constitucional. Cuida-se, em verdade, de critério basilar, mas não exclusivo, já que em diversos casos outros referenciais podem ser utilizados (como, por exemplo, o direito à vida e à saúde na hipótese do meio ambiente, ou mesmo a ampla defesa e os recursos a ela inerentes, no caso da fundamentação das decisões judiciais e administrativas).
O princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, irradia-se por todo o
ordenamento jurídico brasileiro e a interpretação de seus dispositivos deve se pautar pelo respeito a
esse direito fundamental.
Sarlet (2006, p. 145) também critica o desrespeito do poder público pelo princípio da
dignidade humana e alerta que quando não se trata com a devida seriedade os direitos fundamentais,
não se leva a sério as necessidades vitais das pessoas merecedoras de respeito e consideração.
Entendimento que exemplifica a importância da preservação da dignidade humana para o devido
respeito aos cidadãos.
3.2 Separação dos poderes
No Brasil, a efetivação dos direitos fundamentais se concretiza por meio das políticas
públicas, podem ser definidas como um conjunto de ações desencadeadas pelo Estado, com vistas
ao bem da coletividade, procurando garantir a proteção de direitos sociais.
No ordenamento jurídico brasileiro, através da separação dos poderes, há funções
diferentes outorgadas aos poderes do Estado, desse modo, elenca o art. 2º da Constituição Federal
que:
“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
Judiciário”.
No âmbito das políticas públicas, com o intuito de se ter protegido interesses frente ao
Poder Público, há uma proliferação de ações judiciais pleiteando fornecimento de medicamentos
dos entes federativos. Assim, há certa discussão sobre até que ponto o Poder Judiciário pode intervir
nas políticas públicas, visto que essa tutela jurisdicional do direito à saúde é acusada de intervir na
independência dos poderes Executivo e Legislativo, garantida pelo princípio constitucional da
separação dos poderes.
a contribuir para a atuação administrativa ao participar com maior ênfase da elaboração de políticas
públicas e diretrizes orçamentárias, e o Judiciário a exercer em maior extensão a função
jurisdicional, tanto na tutela de novos direitos surgidos em decorrência do maior destaque aos
direitos sociais nas relações jurídicas, quanto no papel de protagonismo na interpretação da
Constituição e do alargamento dos princípios jurídicos instituídos.
Em relação à atuação do Poder Judiciário em temas concernentes às políticas públicas
de saúde, os entes federativos defendem não ser cabível a interferência judicial por estar a matéria
sob competência do Poder Executivo, sob pena de desrespeito ao princípio da separação dos
poderes e interferência no mérito administrativo, na aferição de conveniência e oportunidade sobre
como executar o serviço público de saúde. Portanto, seria atribuição exclusiva do Poder Público
decidir como devam ser aplicados esses recursos.
Contudo, a Constituição Federal assegura de forma expressa a proteção dos direitos
sociais, além de, em seu art. 5º, inciso XXXV, prever a possibilidade de o cidadão recorrer às vias
judiciais quando houver violação de direito:
“A lei não excluirá da apreciação do poder judiciário
lesão o
u ameaça de lesão a direito”.
O desrespeito aos princípios e garantias fundamentais
essenciais para a existência humana fundamentam a intervenção judicial.
É assim que entende Freire Júnior (2005, p. 44)
ao estatuir que: “O juiz tem a missão
constitucional de impedir ações ou omissões contrárias ao texto [constitucional], sem que com essa
atitude esteja violando a Constituição
”
.
A atividade jurisdicional certamente deve procurar respeitar as funções executivas e
legislativas. Porém, diante de causas de relevância e urgência, os cidadãos podem provocar o
Judiciário para tomar uma decisão e garantir, por exemplo, a entrega de medicamentos.
Nesse sentido, destaca-se o trecho do voto do Ministro Celso de Mello, em julgamento
da ADPF 45/2004 (DJ 04/05/2004) no Supremo Tribunal Federal, que segue:
Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integralidade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados e cláusulas revestidas de conteúdo programático.4
Pacificando o entendimento de que cabe intervenção do Judiciário diante da omissão do
Estado.
3.3 Responsabilidade solidária dos entes federativos
No Brasil, que adota o sistema federativo
5, todos os entes (União, Estados-membros,
_________
4. Disponível em: <http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/343_204%20ADPF%202045.pdf>. Acesso em: 10 out. 2014.
e Municípios), têm responsabilidade solidária em relação ao direito à saúde no país.
6A
responsabilidade solidária
7implica o reconhecimento de que cada um dos entes é responsável pela
totalidade da prestação de saúde requerida.
A Constituição estabelece, ainda, a competência concorrente
8dos entes federados para
legislar sobre o direito à saúde. Desta forma, a União se obriga ao estabelecimento de normas
gerais, enquanto os Estados legislam de forma suplementar
9e os Municípios legislam nas matérias
de interesse local
10.
O ministro do STF Luiz Fux, no julgamento do RE 607.381-AgR
,entende que o
requerente de prestações de saúde pode pleitear seu direito de quaisquer dos entes federativos:
“
O recebimento de medicamentos pelo Estado é direito fundamental, podendo o requerentepleiteá-los de qualquer um dos entes federativos, desde que demonstrada sua necessidade e a impossibilidade de custeá-los com recursos próprios. Isso por que, uma vez satisfeitos tais requisitos, o ente federativo deve se pautar no espírito de solidariedade para conferir efetividade ao direito garantido pela Constituição, e não criar entraves jurídicos para postergar a devida prestação jurisdicional.”11
Entretanto, o jurista Luís Roberto Barroso discorda:
Parâmetro: o ente federativo que deve figurar no polo passivo de ação judicial é aquele responsável pela lista da qual consta o medicamento requerido. Como mencionado, apesar das listas formuladas por cada ente da federação, o Judiciário vem entendendo possível
responsabilizá-los solidariamente, considerando que se trata de competência comum. Esse entendimento em nada contribui para organizar o já complicado sistema de repartição de atribuições entre os entes federativos. Assim, tendo havido a decisão política de determinado ente de incluir um medicamento em sua lista, parece certo que o polo passivo de uma eventual demanda deve ser ocupado por esse ente. A lógica do parâmetro é bastante simples: através da elaboração de listas, os entes da federação se autovinculam.
Nesse contexto, a demanda judicial em que se exige o fornecimento do medicamento não precisa adentrar o terreno árido das decisões políticas sobre quais medicamentos devem ser fornecidos, em função das circunstâncias orçamentárias de cada ente político. Também não haverá necessidade de examinar o tema do financiamento integrado pelos diferentes níveis federativos, discussão a ser travada entre União, Estados e Municípios e não no âmbito de cada demanda entre cidadão e Poder Público. Basta, para a definição do polo passivo em tais casos a decisão política já tomada por cada ente, no sentido de incluir o medicamento em lista.12
__________
6. Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
II- cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; CF/88
7. A solidariedade é instituto do Direito Civil e está prevista no art. 265 do novo Código Civil de 2002, em seu art. 265: “a solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes, cabendo ao credor escolher qual dos devedores deseja acionar”. Importante também a previsão do art. 267 do mesmo Código: “cada um dos credores
solidários tem direito a exigir do devedor o cumprimento da prestação por inteiro”.
8. Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; CF/88.
9. Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:§ 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados; CF/88
10. Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; CF/88.
11. RE 607.381-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 31/05/2011, Primeira Turma, DJE de 17/06/2011. Disponível em:<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoPeca.asp?id=87975297&tipoApp=.pdf>. Acesso em: 10 out. 2014.
12.BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. 21/01/2008. Disponível em:
A questão é relevante porque o cidadão tem a possibilidade de escolher os entes
federativos que pretende acionar para efetivação do direito à saúde. A ação judicial pode ser de
alçada da Justiça Federal ou Estadual, dependendo do ente público que praticou a lesão ao direito à
saúde do requerente. De qualquer forma, quando se trata do fornecimento de medicamentos, o
requerente pode optar em promover a ação na Justiça Estadual, caso deseje receber os remédios do
Estado e/ou do Município, ou então na Justiça Federal, em face de todas as esferas do Poder
Executivo, visto que o Sistema Único de Saúde (SUS) abrange todos os entes federativos. A
presença da União Federal entre os requeridos da lide, por si só desloca a competência para o foro
federal.
13É comum que, ao serem acionados, os entes aleguem ilegitimidade passiva
ad causam
ou mesmo os pedidos de chamamento ao processo dos demais entes federados. Porém, já está
consolidado pela jurisprudência, que todos os entes têm responsabilidade passiva e que não há
obrigatoriedade de chamamento ao processo das demais esferas do poder público.
Entendimento exemplificado no prosseguimento do voto do RE 607.381-AgR pelo
Ministro do STF Luiz Fux:
Ademais, o objetivo do chamamento ao processo é garantir ao devedor solidário o direito de regresso caso seja perdedor da demanda; configura atalho processual para se exigir dos demais co-devedores o pagamento de suas respectivas cotas da dívida. Contudo, in casu,
não há se falar em direito de regresso, pois, mesmo que a União integre o feito em comunhão com o Estado, caso saiam perdedores da demanda, o Estado de Santa Catarina arcará sozinho com o ônus do fornecimento do medicamento requerido, pois essa foi a escolha da autora da ação.
É pacífico o entendimento do STF sobre a legitimidade dos entes federados. Para o
Tribunal, tanto a União, quanto os Estados e Municípios são legítimos para figurar no pólo passivo
de ação judicial que vise à garantia do direito à saúde e que há responsabilidade solidária entre eles,
podendo ser condenados solidariamente à concessão do tratamento ou fármaco necessário à garantia
desse direito.
143.4 Reserva do possível e limites da amplitude ao direito à saúde
O direito à saúde deixou de ser percebido como previsão formal e mera convocação a
atuação do Legislativo e do Executivo, para desfrutar de aplicabilidade direta e imediata por juízes e
tribunais. Dessa forma, os pedidos de intervenção do Poder Judiciário para obrigar a Administração
Pública a fornecer gratuitamente medicamentos, procura realizar a promessa constitucional de
________
13. Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
§ 2º - As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal; CF/88.