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Baudelaire, La femme et l'amour

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Academic year: 2018

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Texto

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Resumo

O texto procura ilustrar a partir de poemas escolhidos em Les Fleurs du Mal, as ambigüidades inerentes à con-cepção baudelairiana do amor.

Résumé

S’inspirant des Fleurs du Mal, le texte prétend illustrer les ambiguïtés inhérentes à la conception baudelairienne de l’amour.

Palavras-chave

Amor, Mulher, Carne, Espírito, Morte.

Nas primeiras páginas de Mon Coeur mis à nu,

encontramos a seguinte definição da mulher:

“La femme est le contraire du dandy. Donc elle doit faire horreur.

La femme a faim et elle veut manger; soif, et elle veut boire. Elle est en rut et elle veut être foutue.

Le beau mérite!

La femme est naturelle, c’est-à-dire abominable.

Aussi est-elle toujours vulgaire, c’est-à-dire le contraire du dandy.”

O dandismo de Baudelaire designa no século XIX uma atitude de vida. O que distingue o dândi é o desprezo pelas massas, pelo comum e pelo vulgar, sua preocupação com a originalidade e o refinamento. O dândi é um esteta. Na coletânea de críticas consagradas aos pintores da sua época, Curiosités Esthétiques, Baudelaire chega a considerar

o dandismo como “une espèce de culte de soi-même (...) une espèce de religion.”

“Le dandysme est un soleil couchant; comme l’astre qui décline, il est superbe, sans chaleur et plein de mélancolie.” É com muito ardor que, na mesma obra, o poeta fustiga quem toma partido pela natureza, pois ela é má conselheira em

matéria de moral e de beleza,denuncia o poeta. A mulher então só se torna ídolo, quando disfarça a sua natureza pelo jogo de artifícios sedutores ou mágicos como perfume, roupas esvoaçantes, jóias, maquilagem. Uma vez adornada, ornamentada, a mulher é astro, divindade. Mas nada de jubilações precipitadas, ela permanece estúpida:

“C’est une espèce d’idole, stupide peut-être, mais éblouissante, enchanteresse, qui tient les destinées et les volontés suspendues à ses regards.”

Estupidez abençoada pois fonte provável do eterno divino feminino. Baudelaire acrescenta:

“(...) cet être (est) terrible et incommunicable comme Dieu (avec cette différence que l’infini ne se communique pas parce qu’il aveuglerait et écraserait le fini, tandis que l’être dont nous parlons n’est peut-être incompréhensible que parce qu’il n’a rien à communiquer);”

O dândi resolutamente não quer se deixar comover. No entanto, ele escrevia também no belo prefácio de Les Paradis Artificiels:

“.., la femme est l’être qui projette la plus grande ombre ou la plus grande lumière dans nos rêves. La femme est fatale-ment suggestive; elle vit d’une autre vie que la sienne propre; elle vit spirituellement dans les imaginations qu’elle hante et qu’elle féconde.”

Não se deve estranhar a aparente contradição, ela esclarece a atitude fundamental do poeta frente à mulher, que cristaliza as suas emoções, angústias, fascinações e repulsas. O poema

A une Madone é, desse ponto de vista, muito explícito. As

duas atitudes antagônicas de Baudelaire em relação à mulher afirmam-se, uma após a outra e com igual rigor. Ou o admirador exaltado ajoelha-se para melhor cultuar a Madona, distante e sagrada, ou o idólatra arma-se de repente e faz da tábua de salvação uma tábua de tiro ao alvo. Amor e barbárie andam juntos. O crítico Luc Decaunes confirma nesses termos:

BAUDELAIRE, LA FEMME ET L’AMOUR

Martine Suzanne Kunz*

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“ C’est à l’Idole ou à la Chienne qu’il s’adresse,... Jamais à l’amante, désir et spiritualité confondus. Il ne conçoit l’amour-sentiment que comme une adoration pétrie de chasteté et d’humiliation.”

Quanto à relação sexual entre o homem e a mulher, lembra-mos o desabafo irônico do poeta nos seus Journaux Intimes:

“Dans l’amour, comme dans presque toutes les affaires humaines, l’entente cordiale est le résultat d’un malentendu. Ce malentendu, c’est le plaisir. L’homme crie: “Oh mon ange!” La femme roucoule: “Maman! Maman!” Et ces deux imbéciles sont persuadés qu’ils pensent de concert. - Le gouffre infranchissable, qui fait l’incommunicabilité, reste infranchi.”

Às vezes, é difícil distinguir a provocação da since-ridade nas declarações de Baudelaire. O certo é que a mulher aparece nas Fleurs du Mal sob diversos aspectos e que a

presença feminina não se reduz a essa desenvoltura e esse desprezo, ela é mais, a mulher é magnificada pelo esplendor da expressão.

Os poemas de inspiração amorosa constituem um conjunto coerente e numeroso na obra do poeta, mais da metade do capítulo intitulado Spleen et Ideal. É nesses versos

que a vida íntima do poeta manifesta melhor a sua presença. Assim, como um álbum de mulheres amadas, os poemas podem ser agrupados e repartidos em função das suas inspi-radoras. Os ciclos geralmente identificados pelos estudiosos organizam-se da maneira seguinte:

O ciclo de Jeanne Duval (de Parfum Exotique a Je te donne ces vers... - XXII a XXXIX)

O ciclo de Madame Sabatier (de Semper eadem a Le Flacon - XL a XLVIII)

O ciclo de Marie Daubrun (de Le Poison a A une madone - XLIX a LVII)

Enfim, o ciclo das “mulheres diversas” (de Chanson d’après-midi a Sonnet d’automne - LVIII a LXIV)

A não ser o último grupo cujas homenageadas foram apenas parcialmente identificadas, Jeanne Duval, Madame Sabatier e Marie Daubrun foram descobertas pelos eruditos.

Jeanne Duval era uma mulata que trabalhava como figurante num pequeno teatro. A “Vénus noire” exerceu um

poder tirânico sobre os sentidos do poeta. No plano intelec-tual, no entanto, a Vênus não parece ter se afastado muito daquele rebanho de estúpidas que a misoginia do poeta tanto desprezava (ou temia). Jeanne Duval representa o polo carnal do poeta. Entre rupturas e reencontros, tempestades e êxtases, o poeta nunca se afastou dela.

Madame Sabatier incarnava o outro polo da afetivida-de afetivida-de Bauafetivida-delaire. O polo espiritual. Não lhe faltava distinção intelectual nem charmes físicos. Cartas de amor e poemas anônimos traduzem a adoração estética que o poeta dedicava à “Presidente”, como também era chamada. Apollonie

Sabatier entrega-se ao poeta em agosto de 1857 e no dia seguinte é a ruptura. O amor não resistiu à prova da carne.

Marie Daubrun enfim ocupa um lugar mais difícil a ser definido. Atriz, amante oficial do poeta Théodore de Banville, sabe-se que entre 1854 e 1863, ofereceu também fervor e carinho ao nosso poeta.

A evocação dessas figuras femininas reais vem nos lembrar que há uma ligação íntima e profunda entre o autor e sua obra. Numa carta a Ancelle (conselheiro jurídico do poeta desde 1844) datada de 28-02-1866, o poeta confessa: “Faut-il vous dire à vous qui ne l’avez pas plus deviné que les autres que dans ce livre atroce, j’ai mis tout mon coeur, toute ma tendresse, toute ma religion (travestie), toute ma haine?” Essa declaração do poeta merece dois comentários: Embora

Les Fleurs du Mal tenha sido dedicado a Théophile Gautier,

mestre de l’Art pour l’Art, escola literária que afirmava a

primazia da forma sobre a mensagem, da técnica sobre a inspiração, embora Baudelaire tenha sido consciente da validade de certos argumentos dos formalistas de 1850, ele nos convida aqui a desconfiar de qualquer assimilação da sua obra a uma manifestação de arte pura.

Mas nem por isso Les Fleurs du Mal deve ser

consi-derado como um grande memorial, ou uma confissão presa nas regras da versificação. É inegável que, como o sublinha Henri Lemaitre no prefácio a nossa edição da obra ( Garnier-Flammarion), é inegável que há em LesFleurs duMal, toda

a experiência de um ser rico de cultura e de paixão, de espiritualidade e de sensualidade. Mas se não existe poesia sem experiência, qualquer que seja ela, também não existe poesia sem linguagem. Foi porque ingressou no universo estável e definitivo da poesia que a experiência do poeta pôde escapar à ação corrosiva da vida e do tempo. É o que vamos procurar mostrar na leitura comentada dos quatro poemas a seguir:

-Parfum Exotique

- Que diras-tu ce soir, pauvre âme solitaire - Spleen LXXVIII

- La Mort des Amants

Os três primeiros poemas Parfum Exotique, Que diras-tu ce soir, pauvre âme solitaire e Spleen LXXVIII

pertencem ao primeiro dos seis capítulos que integram a estrutura da obra na sua edição definitiva. Faremos um rápido comentário a respeito dessa ordem que nada tem a ver com a composição cronológica dos poemas, mas com a projeção da lógica interior do poeta, a verdade e a unidade da sua vida. Antes de Spleen etIdéal, o poeta dirige-se ao leitor

através do poema intitulado Au Lecteur. A dimensão

meta-física do livro aparece nesses versos sem equívoco. O homem vive afundado no pecado e Satã triunfa nesse mundo. Em

Spleen et Idéal, como indica o título, o poeta descreve a

dupla postulação do seu ser, dilacerado entre a sede do ideal perdido e o atoleiro nos tormentos cotidianos. Esse sofri-mento moral e físico recebe os nomes de “ennui”, “guignon” e sobretudo “spleen”. A estrutura interna de Spleen et Idéal

segue uma ordem inversa à que deixa esperar o título. De fato, deixaremos o Idéal para mergulhar no Spleen. A questão

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Pela Arte, sugere a primeira parte do conjunto que evoca a grandeza e a miséria do poeta e seu ideal de beleza? Pelo Amor, talvez, através dos quatro ciclos femi-ninos já evocados anteriormente? Parfum Exotique e Que diras-tu ce soir, pauvre âmesolitaire ilustram esse

movi-mento, retomando no registro amoroso o drama metafísico do poeta. Baudelaire preso entre dois amores, o de Jeanne Duval e o de Madame Sabatier, a serpente e o anjo.

Mas nem a Arte, nem o Amor permitem escapar. O poeta não atinge o ideal e esbarra no spleen. O terceiro poema Spleen LXXVIII ilustra essa outra temática. O vigor noturno,

solitário, carceral do spleen vem esmagar o sonho do poeta

e por essa razão, ao nosso ver, tinha que ser registrado nesse estudo.

Não vamos entrar no detalhe dos capítulos seguintes. Basta lembrar que enquanto Spleen et Idéal expressa

sobretudo a experiência pessoal de Baudelaire, os outros capítulos, mais curtos, traduzem um tipo de experiência mais universal. São eles:

- Tableaux Parisiens (aparece o sentimento muito

moderno da solidão dos homens na ilusória comunidade urbana)

- Le Vin (a primeira das grandes tentações da carne

para escapar às exigências da sua condição)

- Fleurs du Mal (integra a maior parte das peças que

foram condenadas em 1857: romantismo macabro, vampi-rismo, provocação)

- Révolte (momento da raiva e do anátema contra um

Deus “mentiroso”)

- La Mort (a única solução que nos é oferecida para

escapar desse mundo entregue ao Mal é a Morte).

A morte é o sexto e último capítulo de Les Fleurs du Mal, a morte como última tentação e tentativa, última aposta

na reconciliação e na salvação possível do homem. Pertence a esse capítulo o quarto poema proposto à leitura: La Mort des Amants. Como todo esquema, essa classificação impõe

uma certa rigidez mas ela permite, pelo menos, situar melhor a temática amorosa na economia geral da obra. Por uma razão de eficácia, reproduzimos a seguir apenas o primeiro dos poemas selecionados, objeto de um comentário mais detalhado. Os outros três poderão ser consultados em anexo.

PARFUM EXOTIQUE

Quand, les deux yeux fermés, en un soir chaud d’automne, Je respire l’odeur de ton sein chaleureux,

Je vois se dérouler des rivages heureux Qu’éblouissent les feux d’un soleil monotone; Une île paresseuse où la nature donne Des arbres singuliers et des fruits savoureux; Des hommes dont le corps est mince et vigoureux, Et des femmes dont l’oeil par sa franchise étonne.

Guidé par ton odeur vers de charmants climats, Je vois un port rempli de voiles et de mâts Encor tout fatigués par la vague marine,

Pendant que le parfum des verts tamariniers, Qui circule dans l’air et m’enfle la narine, Se mêle dans mon âme au chant des mariniers.

À primeira leitura de Parfum Exotique, o poema

parece promessa. É um soneto absolutamente regular que responde a todas as regras do gênero:

Como outros poemas da felicidade na obra, ele apresenta uma métrica harmoniosa, ritmos equilibrados e uma procura constante da musicalidade.

- há uma maioria de cortes no hemistíquio dos versos alexandrinos

- há um enjambement entre os versos 3 e 4 que amplifica a 1.ª estrofe e alarga a imagem da luz

- as duas quadras formam uma frase só, demorada, com um desenrolar preguiçoso, quase ininterrupto, se não fossem os 2 pontos e vírgulas dos versos 4 e 6. Os 2 tercetos formam, eles, uma única frase que, com a retomada anafórica de “Je vois...” dá continuidade ao movimento euforizante iniciado nas quadras.

As imagens desse universo de felicidade falam de calor, de luz, de sensualidade, de abolição do espaço e do tempo. É um universo de ressonâncias e de correspondências entre as diversas sensações, universo que escapa às corrup-ções do cotidiano.

A harmonia não é só rítmica, é também sinestésica. Aqui é o sentido do olfato que é tomado como referência inicial, logo associado ao visual: “Quand (...) Je respire (...) Je vois (...)” - (versos 2 e 3). Assim, o poema instala logo o narrador/sujeito numa espécie de beatitude interior: “les deux yeux fermés”(v.1), decorrência de uma situação amorosa sugerida no verso 2: “l’odeur de ton sein chaleureux”.

O sonho exalta-se e faz rimar exotismo e erotismo. A ilha do verso 5 traz à tona a lembrança da viagem de 1841 à ilha da Réunion, mas ela é sobretudo a metáfora do espaço preservado do sujeito amoroso, ensimesmado no círculo do seu imaginário. Espaço atravessado de homens e mulheres ideais, esboçados, (v.7 e 8) debaixo de uma luz árida (v.4). Passamos também do seio da mulher amada “ton sein” (v.2) a um plural indeterminado “des hommes...des femmes” (v.7 e 8). Temos então um paraíso onírico, calmo e longínquo. Mas um paraíso anônimo, sem rosto, ilhado e sem ponte, cuja luz não permite sombra. O sol é monótono. O sonho é outonal.

Na poesia de Baudelaire, o outono é uma estação paradoxal, atravessada pela lembrança da felicidade mas também perseguida pela obsessão da morte, do frio. O outono permite ao poeta expressar temas prediletos como angústia latente, caráter efêmero do belo, aspecto fugaz das coisas.

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da ilha, sugerindo a perspectiva de outra viagem na viagem; “fatigués” (v.11) prolonga a languidez adormecida do verso 5 “paresseuse”.

No último terceto aparece uma nova rede de corres-pondências:

1.º entre o olfativo e o auditivo pela associação lexical: “parfum” (v.12) e “chant” (v.14)

2.º entre o visual e o auditivo pela extrema riqueza da rima “verts tamariniers” (v.12)/ “chant des mariniers” (v.14)

Esses últimos versos inovam em vários sentidos: - O odor (“l’odeur”) da amante cuja presença material foi apenas metonímica: “ton sein”, quando não dissolvida, é substituído pelo perfume (“parfum”) dos tamarineiros longín-quos, oníricos. O odor nos parece mais físico, material, pesado; o perfume seria mais leve, volátil, disperso, abstrato. No entanto, o perfume dos tamarineiros apaga o odor da amante. - Todo esse ritual encantatório dos perfumes, dos sons, das cores acontece na alma do poeta (v.14). O itinerário dessa viagem imóvel teve como ponto de partida “ton sein” (v.2) para chegar em “mon âme” (v.14).

- Ao mesmo tempo que o mundo ideal, onírico, voluptuoso ao qual acede o poeta nasce do corpo da amante, esse mundo é feito do esquecimento, da ausência ou da exclusão da mulher presente.

- Permanece o poeta no êxtase narcíseo de um mundo de imagens e sensações elaborado na confluência do imagi-nário pungente e da memória propiciadora.

Parfum Exotique revela-se ambíguo. À primeira

lei-tura parece-nos um poema de pura felicidade, à segunda leitura transparece uma certa tristeza da carne. Será porque a felicidade confunde-se com exotismo, sensualidade, refinamento, mistério mas não com o amor? Será então que o amor “puro”que o poeta dedica a Madame Sabatier será forte o suficiente para vencer a maldição que pesa sobre ele? Em Que diras-tu ce soir, pauvre âme solitaire, a mulher

aparece como uma figura angelical e quase mística, triun-fando da carne e capaz de guiá-lo ao ideal de pureza celestial e espiritual. Construído como um diálogo entre a alma do poeta abandonada, deserta e a alma do anjo, fantasma e flama ao mesmo tempo, esse soneto vale sobretudo pela santifi-cação do personagem de Apollonie Sabatier; santifisantifi-cação precedida de uma espécie de hino com o alexandrino de ritmo ternário: “A la très belle, à la très bonne, à la très chère” (verso 3). Todos os atributos da mulher venerada recebem uma adjetivação do registro místico, afastando qualquer espécie de materialidade. O olhar é divino (v.4), a carne espiritual (v.7), o perfume é dos anjos (v.7). Essa desencarnação do ser feminino nos afasta da dimensão mortal do corpo da mulher, desse abismo de natureza onde o preço a pagar pelo prazer sensual é o da alienação do espírito e da alma. Ao contrário de Jeanne, demoníaca, tentadora, dio-nisíaca, a divina Apollonie regenera e restaura a dignidade do poeta (v.4 e 8). Mas essa renovação nos parece muito retórica, a palavra é canônica, a voz é a da ordem: “J’ordonne” (v.12). Enfim, o verso 14: “Je suis l’Ange gardien, la Muse et la Madone”, convence pouco e, ao contrário do efeito

desejado, nos remete à evocação de Jeanne. “L’Ange gardien”, o anjo da guarda opõe-se ao anjo maldito e tenta-dor; “la Muse”, a musa inspiradora contrapõe-se à idéia da amante vampira e corruptora; “la Madone” branca e virginal impõe a presença da Vênus negra de carne e sangue...

A vitória do amor sobre o tempo e a morte é ambígua, indecisa, não tem vigor suficiente para tirar definitivamente o poeta da prisão e do spleen. Ao sair dos ciclos do desejo

amoroso, começa o último movimento do primeiro capítulo de Les Fleurs du Mal, o do Spleen. Após ter verificado o

caráter inacessível do ideal, após as tentações repetidas, abortadas, da sensualidade e da espiritualidade, o poeta reconhece o vazio do desejo e confessa o desejo do vazio. A palavra spleen emprestada à língua inglesa é dificilmente

traduzível em francês sem recorrer a perífrases e sinônimos diversos. Essa palavra, no entanto, tornou-se emblemática de uma parte essencial da inspiração e da obra do poeta. Sem entrar no detalhe do poema Spleen 78, mas

inspirando-nos do Spleen 75, 76, 77 e 78 da coletânea, podemos definir

o spleen de Baudelaire como um mal físico e psicológico.

Do ponto de vista fisiológico, o spleen caracteriza-se na obra

de Baudelaire por sensações de fraqueza e desgaste, uma carne ulcerada, esgotada, metaforizada através de paisagens fúnebres (Spleen 75), impressões de opressão lúgubre,

sufo-cação (primeira estrofe do Spleen 78). Psicologicamente, é

um sentimento de tédio, de atoleiro, de espírito embrutecido (Spleen 77), é a consciência do abandono traduzido de modo

perfeito e trágico nesse belo verso de Le goût du Néant:

“Le Printemps adorable a perdu son odeur!”

Vem a morte dos amantes. Que o título não engane!

La Mort des Amants é um poema cheio de esperança, que

deixa entrever uma salvação possível. É como se o poeta percebesse no infinito do além tudo o que a finitude da existência sempre lhe negou. O futuro de decisão não deixa margem à dúvida, é a antecipação segura de um reencontro amoroso, sensual, espiritual, onde cada um espelha o outro (v.8). Almas gêmeas, eternamente juntas na fraternidade amorosa. O túmulo torna-se matriz de um renascer. O renas-cer triunfante do artista através das flores do mal sublimadas em flores de esperança e eternidade.

“Nous aurons des lits pleins d’odeurs légères, Des divans profonds comme des tombeaux, Et d’étranges fleurs sur des étagères,

Ecloses pour nous sous des cieux plus beaux.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAUDELAIRE, Charles. Les Fleurs du Mal et Autres

Poèmes. Paris: Garnier-Flammarion, 1964. 252p.

_______.Charles. Mon coeur mis à nu. Paris: Librairie

Charpentier, 1965. 184p.

_______.Charles. Curiosités Esthétiques. Genève: Éd. Du

(5)

Et que de l’horizon embrassant tout le cercle Il nous verse un jour noir plus triste que les nuits;

Quand la terre est changée en un cachot humide, Où l’Espérance, comme une chauve-souris, S’en va battant les murs de son aile timide Et se cognant la tête à des plafonds pourris; Quand la pluie étalant ses immenses traînées D’une vaste prison imite les barreaux, Et qu’un peuple muet d’infâmes araignées Vient tendre ses filets au fond de nos cerveaux,

Des cloches tout à coup sautent avec furie Et lancent vers le ciel un affreux hurlement, Ainsi que des esprits errants et sans patrie Qui se mettent à geindre opiniâtrement.

-Et de longs corbillards, sans tambours ni musique, Défilent lentement dans mon âme; l’Espoir, Vaincu, pleure, et l’Angoisse atroce, despotique, Sur mon crâne incliné plante son drapeau noir.

LA MORT DES AMANTS

Nous aurons des lits pleins d’odeurs légères, Des divans profonds comme des tombeaux, Et d’étranges fleurs sur des étagères,

Ecloses pour nous sous des cieux plus beaux.

Usant à l’envi leurs chaleurs dernières,

Nos deux coeurs seront deux vastes flambeaux, Qui réfléchiront leurs doubles lumières Dans nos deux esprits, ces miroirs jumeaux. Un soir fait de rose et de bleu mystique, Nous échangerons un éclair unique,

Comme un long sanglot, tout chargé d’adieux;

Et plus tard un Ange entr’ouvrant les portes Viendra ranimer, fidèle et joyeux,

Les miroirs ternis et les flammes mortes. _______.Charles. Les Paradis Artificiels. Paris:

Garnier-Flammarion, 1966. 189p.

_______.Charles. Le Spleen de Paris. Paris: Librairie

Générale Française, 1964. 190p.

BONNEVILLE, Georges. Les Fleurs du Mal. Paris:

Hatier,1987. 80p.

DECAUNES,Luc. Charles Baudelaire. Paris: Seghers,

1952. 190p.

DUBOSCLARD,Joël & CARLIER, Marie. Les Fleurs du

Mal - Le Spleen de Paris. Paris: Hatier, 1992.159p.

RINCÉ, Dominique. Baudelaire. Paris: Nathan, 1994. 127p.

SARTRE, Jean-Paul. Baudelaire. Paris: Gallimard, 1963.

245p.

ANEXO

XLII

Que diras-tu ce soir, pauvre âme solitaire, Que diras-tu, mon coeur, coeur autrefois flétri, A la très belle, à la très bonne, à la très chère, Dont le regard divin t’a soudain refleuri?

- Nous mettrons notre orgueil à chanter ses louanges: Rien ne vaut la douceur de son autorité;

Sa chair spirituelle a le parfum des Anges, Et son oeil nous revêt d’un habit de clarté. Que ce soit dans la nuit et dans la solitude, Que ce soit dans la rue et dans la multitude, Son fantôme dans l’air danse comme un flambeau. Parfois il parle et dit: “Je suis belle, et j’ordonne Que pour l’amour de moi vous n’aimiez que le Beau; Je suis l’Ange gardien, la Muse et la Madone.”

SPLEEN

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