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RUBENS CARLOS MEGGETTO JUNIOR EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E SAÚDE: REFLEXÕES A PARTIR DO CONCEITO DE FORMAÇÃO EM THEODOR ADORNO.

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Academic year: 2022

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EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E SAÚDE: REFLEXÕES A PARTIR DO CONCEITO DE FORMAÇÃO EM THEODOR ADORNO.

Trabalho apresentado na disciplina Seminário de Monografia, no curso de Licenciatura em Educação Física do Departamento de Educação Física, Setor de Ciências Biológicas, da Universidade Federal do Paraná.

CURITIBA 2006

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EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E SAÚDE: REFLEXÕES A PARTIR DO CONCEITO DE FORMAÇÃO EM THEODOR ADORNO.

Monografia apresentada como requisito parcial para a conclusão do Curso de Licenciatura em Educação Física, Departamento de Educação Física, Setor de Ciências Biológidas da Universidade Federal do Paraná.

OREINTADOR: Professor Dr. Marcus Aurelio Taborda de Oliveira.

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É satisfatório para mim olhar para traz e ver que esse trabalho é uma espécie de síntese de minha vida acadêmica trilhada em cinco anos; quatro dentro da universidade e um dando um tempo para pensar na vida. As crenças, as teorias, os amigos e amigas, as maneiras de pensar e ver o mundo, aderidas ou abandonadas, acabam de uma forma ou outra presentes nessa monografia.

Nesse processo de formação (e não só graduação), é indubitável a presença de algumas pessoas que influenciaram-no de forma positiva ou negativa. Nas próximas linhas gostaria de fazer ressalva as pessoas que participaram dessa etapa em minha vida de forma positiva.

Inicialmente ao meu pai e minha mãe, que além de exemplos para minha vida, sempre valorizaram e priorizaram a minha educação e formação, investindo muitas vezes nelas de forma penosa, mas sem pesares. Ainda dentro do nicho familiar é impossível esquecer de meus irmãos Gerson e Luciano, que além dos laços sangüíneos, somos ligados por uma forte amizade.

Agradeço aos grandes amigos de minha vida, que desde a escola e até hoje são presenças fundamentais para a minha existência social, cultural e humana. Ao Kinder, Arthur, Maia, Tiaguinho, Zuia, Jamanta, Alfredo, Kazu, Juliana, Leandro, Lê, Juliano, Diogo (grandes amigos desde o colégio até a faculdade), Luciana (que infelizmente não está mais conosco), Thalita, Sidmar, Rosca (meus principais e mais queridos amigos que fiz na faculdade) Gilsão, Gui, Carroça (amigos do handebol do Esporte Clube Pinheiros, quando morei em São Pulo), Fau (que de uma maneira muito simples e até mesmo sem intenção me mostrou que nada é imutável);

agradeço a todos vocês pela grande parcela de contribuição na construção do ser humano que sou hoje.

Aos professores que fizerem de seus papeis de educadores, fonte de inspiração e transpiração que auxiliaram em meu processo de formação. Em especial os três: Wanderley Marchi Junior (que nas aulas de sociologia mostrou que a Educação Física pode e deve ser pensada de outras maneiras e de forma densa),

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da enorme presteza como orientador, sempre se apresentou como amigo e exemplo de intelectualidade.

A todos vocês o meu mais sincero: Obrigado!

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Vamos sorrir e viver assim, Aceitar tudo como fomos instruídos e então Viver em Paz Sem olhar para traz, Não reagir, Sempre se omitir.

A culpa não será em vão apagada em álcool e alcatrão.

Por séculos e para todo o sempre, Seremos O Cidadão Padrão.

(Banda DEAD FISH)

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INTRODUÇÃO ...1

CAPÍTULO 1 FORMAÇÃO: NOTAS PARA O ENTENDIMENTO ...9

1.1:Moral, Indústria Cultural e Formação ...20

CAPÍTULO 2 SOBRE O CAMPO TEÓRICO ACERCA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR REALCIONADA A SAÚDE ...31

2.2:O conceito de saúde no movimento "Aptidão Física Relacionada a Saúde"...33

2.3:A função da Educação Física escolar segundo o movimento "Aptidão Física Relacionada a Saúde"...36

CAPÍTULO 3 EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR E SAÚDE: CRÍTICAS A PARTIR DO CONCEITO DE FORMAÇÃO EM THEODOR W. ADORNO. ...41

3.1: Saúde como Mito...41

3.2: Educação Física e Saúde: Educando pelo Mito?...48

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...54

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A partir das dúvidas quanto à função da Educação Física escolar, como reprodutora de alguns preceitos suspeitamente mistificados, surgiu o tema dessa monografia. Uma determinada corrente que teoriza a educação física escolar como um meio de estimulo a produção de saúde, me pareceu num primeiro momento propicias para críticas e reflexões, pois se pautavam em um conceito por demais mistificado, velado e impreciso: “saúde”. Considerando os pressupostos de Theodor W. Adorno (principalmente) e seu conceito de formação, educação, emancipação e esclarecimento, tomei-os como arcabouço teórico para a crítica e reflexão filosófica quanto a esse determinado movimento que influencia a Educação Física, na escola e na sociedade como todo.

Palavras-Chave: Educação Física, Escola, Saúde, Mito, Formação, Educação, Emancipação e Esclarecimento.

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INTRODUÇÃO

Inicialmente imagino que se faz necessário uma breve explanação do como e do porque surgiu esse problema, esse objeto com o qual pretendo trabalhar em minha monografia e não só nesse trabalho, mas também como parte de um projeto acadêmico para possíveis estudos em um futuro próximo.

O surgimento desta proposta de trabalho é o composto de uma vida acadêmica e de algumas experiências proporcionadas e ensejadas no andamento do curso de graduação em Educação Física (que no meio do caminho modificou para licenciatura em Educação Física1).

Partindo dos conhecimentos, questionamentos, circulantes nas aulas e principalmente fora delas2, creio que a maior das minhas indagações (e imagino que seja a de muitos) seja: o que afinal é a Educação Física escolar, para que e para quem ela serve dentro dos parâmetros com que ela se aplica e se fundamenta na atualidade? Dentro dos debates epistemológicos, das produções científicas, das concepções filosóficas, sociológicas, dentro de tudo que já foi e é produzido pela área de conhecimento ‘Educação Física’ e todas as outras áreas correlatas com essa, penso existir um movimento de tensão devida a pluralidade de sentidos, funções e objetivos atribuídos a essa área do conhecimento. A práxis incongruente (onde teoria e prática não são coerentes entre si) dessa Educação Física traduz essa tensão referida. Em meio ao debate epistemológico presente nessa área, a maneira estática em que geralmente se configuram as práticas, mostra a necessidade de repensarmos esse nosso objeto. Existe um grande número de autores que pesquisam e compreendem a escola e a Educação Física escolar sob escopos diferentes, mas como objeto de crítica, irei me apropriar do entendimento que pressupõe a Educação Física escolar como uma ferramenta a serviço (mantenedora e/ou promotora) da saúde.

Considerando que a Educação Física se insere no contexto escolar e a escola é parte influente, influenciada, logo integrante da sociedade, ela tem então responsabilidade num movimento de tensão existente entre escola e sociedade.

1 Devo alertar o leitor que, apesar de essa mudança ter influenciado a opção por essa problemática de estudo, não devo entrar na discussão curricular dos cursos de Educação Física.

2 Considerando ‘fora das aulas’ todas as vivências, experiências, momentos formativos não acadêmicos, enfim minha vida fora da universidade.

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Essa tensão pressupõe movimentos de influência mutua, em que os conhecimentos produzidos por essas duas partes se entrelaçam. No entanto, a intensidade na direção desse movimento entre essas duas partes, é objeto de controvérsias. A escola, para determinados entendimentos, é apenas um espaço de reprodução dos saberes provenientes de tudo aquilo que está fora dela, atendendo a demandas específicas desses fatores exógenos. A escola nessa concepção resume-se a assimilação e reprodução das diversas tendências e saberes produzidos e que circulam como cultura na sociedade. Mas há também o entendimento da escola como um espaço ativo em relação à realidade social. O conceito cultura escolar, apropriado e significado por vários autores, conflui nessa afirmação. Tarcísio Mauro Vago (1999) trabalhando com esse entendimento afirma que os agentes escolares (professores, alunos, comunidade e etc.) assimilam, apropriam, manipulam, transformam, aceitam, contestam os conhecimentos que emanam da sociedade. A escola aqui não é apenas uma ‘rotatória’ onde esse corpo de conhecimento entra e sai, circulando livre, indubitável e inalterável. Ela utiliza esse conhecimento e dentro de suas especificidades e realidades (pois cada escola precede condições objetivas diferenciadas) produz um novo tipo de conhecimento, de saber. Um saber escolarizado. Essa possibilidade de produção de cultura pela escola, dentro do movimento de influência dessa por parte da sociedade e vice versa, é um entendimento de cultura escolar. Todavia, partindo do pressuposto de que a Educação Física atua nessa relação complexa entre escola e sociedade, cabe perguntar se essa Educação Física tem exercido com proficiência seu papel nesse movimento.

Observando como a Educação Física escolar se fundamenta3atualmente, percebe-se em muitas de suas características, raízes fundadas no substrato histórico dessa área. Independente das datas em questão, as diferentes demandas sociais (paralelas a intentos políticos) dessas, atribuíam à Educação Física

3 É importante ressaltar que não existe uma ‘Educação Física escolar’. Dentro desse campo, é possível observar (nas escolas, em revistas, congressos, encontros, entre outros meios de circulação de produção acadêmica) a pluralidade existente no que diz respeito ao seu entendimento.

Generalizações acabam por reduzir e desconsiderar essa riqueza. No entanto existe um perfil predominante e muito amplo que acaba percutindo sob as representações sociais do que é Educação Física, suas funções e suas possibilidades de atuação, reduzindo essas a clichês como saúde, esporte, e qualidade de vida. Sob esse entendimento ‘estereotipado’ da Educação Física, fundamentalmente no âmbito escolar, pretendo focalizar minhas críticas.

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diferentes funções (e logo técnicas) para atuação na sociedade, ao passo que a escola era uma das bases estratégicas para isso. O quadro dessa Educação Física a que me refiro, conforma-se então como uma miscelânea dessas tendências e perspectivas atribuídas a ela por esse caminhar histórico. Em decorrência disso, a composição dos saberes e logo das práticas se encontram desconexas cronologicamente em relação às necessidades formativas4 atuais, entendendo que a história em seus desdobramentos determina outras necessidades e especificidades a serem cumpridas na sociedade. Creio assim que esse modelo de Educação Física escolar predominante nos dias de hoje, deixa de considerar a riqueza na produção acadêmica que enseja outras possibilidades de pensar essa disciplina como elemento formativo.

Saúde, atividade física e esportes (que são objetos corriqueiros da práxis desta citada anteriormente) são possibilidades de relação, mas não as únicas, com um objeto maior que a Educação Física tem (ou pelo menos deveria ter) como pedra fundamental: o corpo. Tratar as questões corporais nos mais diversos significados e direções que elas podem assumir, creio que seja o grande mote que norteia as práticas escolares da Educação Física. No entanto para um movimento específico da Educação Física preconizada no Brasil (no entanto esse movimento incia-se anteriormente na década de 80 em paises como Estados Unidos, Canadá, Grã Bretanha e Austrália), incialmente por Markus Nahas e Dartagnan Pinto Guedes, o objetivo principal para a disciplina Educação Física é a formação e a educação para a saúde, através da atividade física como meio.

Esse movimento critica também o padrão predominante da Educação Física escolar (no que diz respeito a seus aspectos fundamentalmente esportivos, operando com conceitos e concepções distorcidas de saúde, atividade física,

4 A escola moderna confirmou-se e confirma-se na sociedade, não por acaso. Desde o momento que pudemos chamá-la assim, a sua justificativa foi atrelada e legitimada pelo estado, pois invariavelmente com a época, essa escola fundou-se através da atribuição de papeis correspondente a demandas políticas imanentes a esse estado. Logo, nos diferentes períodos desde seu surgimento, os tramites políticos definiam atribuições para essa escola. Essa escola então dentro dessas atribuições, operava no sentido de atender essas demandas políticas, traduzindo estas em demandas formativas. Sustento que demandas se diferem de necessidades formativas. A formação que me remeto (pautados nos pressupostos de Theodor Adorno) foi e é uma condição necessária para a emancipação do gênero humano, por isso uma necessidade. Logo quando me refiro à demandas formativas, faço remissão aos intentos políticos atribuídos ao processo de escolarização como

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qualidade de vida e esporte), no entanto ainda não representa avanços quanto a concepção de corpo.

A função da Educação Física escolar nessa perspectiva teórica é pensada em dois sentidos: um relativo as prática de atividades físicas, que devem ensejar experiências motoras que possam repercutir satisfatoriamente na melhoria da saúde e, além disso, estimular e criar o gosto pela atividade física através do aspecto lúdico das brincadeiras e jogos; e através da instrução quanto os bons hábitos e seus efeitos para a saúde individual e coletiva. (GAYA; MARQUES, 1999; NAHAS, CORBIN, 1992).

Através de minha identificação com o olhar crítico presente em obras de autores da comumente chamada escola de Frankfurt5 (em especial Theodor W.

Adorno), creio que estabelecer o dialogo entre esses preceitos e teorias e teorias com as bases que fundamentam o movimento “Aptidão Física Relacionada a Saúde”

(no caso o conceito ou noção de saúde) e alguns elementos chaves de suas literaturas, é uma possibilidade de encontrar alguns ensaios de respostas para inquietudes apresentadas.

A exigência de emancipação parece ser evidente numa sociedade democrática.

(ADORNO, 1995d, p.169)

A frase acima retirada do ensaio Educação e Emancipação de Theodor Adorno traduz em grande parte os alicerces em que esse trabalho se fundamenta.

Compreendendo que em função de condições sociais, econômicas, culturais contemporâneas, os indivíduos passam por um processo obscuro de formação (entendendo formação aqui, com base nos pressupostos de Adorno; um processo complexo de construção de um sujeito autônomo através do esclarecimento) muitas

elemento de formação de indivíduos, não o processo de formação que suponho ser necessário, invariavelmente com a época cotejada.

5 “Autores com origens intelectuais e influências teóricas distintas reuniram-se a partir de 1923, em Frankfurt, empreendendo uma critica radical daquele tempo. Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse, Walter Benjamin, Leo Lowenthal, Franz Neumann, Erich Fromm, Otto Kirchkeimer, Friedrick Pollock, Karl Wittfogel foram alguns dos pensadores que participaram do círculo frankfurtiano. De diferentes maneiras, traduziram a desilusão de grande parte dos intelectuais com respeito às transformações do mundo contemporâneo, seu ceticismo quanto aos resultados do engajamento político revolucionário, mas também o desejo de autonomia e independência do pensamento.” (MATOS, 1993 p.5).

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vezes impedindo-os de enxergar às claras a realidade que os cerca. Tendências sociais visíveis como regressão a padrões contra a civilização, adesão cega às massas, traços sádicos reprimidos, são mostras de uma sociedade que em suas bases, não forma indivíduos esclarecidos e autônomos.

Emancipação, autonomia, esclarecimento, formação, inflexão em direção ao indivíduo, auto-reflexão crítica entre outros, são elementos e conceitos chaves a serem trabalhados com profundidade nesse trabalho, que servirão como base para a crítica dessa Educação Física escolar predominante.

Esses autores da chamada escola de Frankfurt, dentro de seus diversos objetos de estudo, trabalham com um tema gerador principal que é a necessidade da sociedade não regredir à barbárie. Imagino que a forma incisiva ao tratar de temas contemporâneos (mesmo sendo boa parte dos autores de épocas diferentes a nossa), é um vasto meio de estudo para diferentes áreas de conhecimento e diferentes problemas. A educação então não é diferente.

Estabelecer a crítica da educação e especificamente da Educação Física com base nessas teorias, problematizando as questões que refletem tendências ao obscurantismo da sociedade, dentro das práticas pedagógicas escolares, imagino ser necessário e por isso uma justificativa para a produção desse trabalho.

Nos rumos que a Educação Física seguiu, assumindo nos meandros desse processo diferentes representações (atendendo a demandas políticas específicas, relativas ao momento histórico), univocamente foi se delineando a face de uma área representada por saberes predominantemente biológicos – dentro desse processo, como um dos exemplos, podemos atestar as fortes influências do pensamento médico, com finalidades de promover e ampliar os ideais higienistas. A análise do panorama contemporâneo dessa área nos mostra que não se destoou de forma expressiva dessa concepção inicial. Muitos autores, mesmo refinando de certa forma esses saberes e essa temática, ainda reforçam as concepções reducionistas (pois não levam a cabo a pluralidade do objeto ‘corpo’ como elemento fundamental) da Educação Física. Claro, é importante ressaltar que muito conhecimento é produzido contradizendo essa versão dos fatos, tentando reverter esse fluxo construído. Mas as práticas escolares, bem como as representações da Educação Física na sociedade (e talvez uma esteja intimamente ligada com a outra) tendem a perdurar nesse mesmo complexo simplificado do que ela é e o que poderia ser.

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As idéias e conceitos contidos - principalmente - nos livros Dialética do esclarecimento de Max Horkheimer e Theodor W. Adorno e Educação e Emancipação de Theodor W. Adorno são profícuas para o estabelecimento do debate com esses saberes historicamente e contemporaneamente produzidos.

Estabelecer a crítica dos parâmetros atuais e majoritários que configuram a Educação Física, embasada nos pressupostos de Theodor W. Adorno, constitui o referencial para análise da determinada produção bibliográfica (que atribui a Educação Física responsabilidades com a saúde) acerca do papel dessa área em sua função formativa no contexto escolar.

É comum observar os anúncios publicitários de escolas alegando o diferencial em sua estrutura pedagógica (que inclui corpo docente, espaço físico, materiais e recursos didáticos, além da organização estrutural que também, de certa forma, corresponde a uma ‘filosofia de ensino’), o termo formação humana. Mas a incorporação desse discurso implica uma compreensão aprofundada do que é afinal formação humana, para além da retórica desgastada que tem marcado esse conceito. Embora existam escolas distintas, em locais diferenciados, com promessas formativas plurais, certamente, formar seres humanos não é uma simples ação relativa à transmissão de alguns conhecimentos instrumentais ou de uma formação voltada para o mercado do trabalho, ou para os outros futuros mercados da vida. O escopo de uma formação humana é maior. Ela da subsídios para o indivíduo perceber-se como tal, como sujeito singular. E sob à luz desses fatos é importante questionar se a pseudo-formação6 que é predominante nas escolas e de todo seu conjunto estrutural, da conta de formar os indivíduos sobre essa perspectiva de ser humano; autônomo, emancipado, que não necessita o consentimento de outrem para pensar, agir. E mais precisamente nesse caso de pesquisa, a Educação Física tem exercido seu papel dentro dessa demanda formativa? As práticas das aulas de Educação Física bem como seus pressupostos coadunem com esse objetivo?

Imagino, que as aulas de Educação Física tendo em suas práticas atividades físicas como um fim por si só, atendendo a uma demanda carimbada pela marca de

6 Conceito trabalhado por Theodor W. Adorno, relativo ao processo obscuro de formação cultural proveniente do encantamento ou mistificação do processo de formação.(ADORNO, 1996) A temática será trabalhada com mais profundidade no capítulo um desse trabalho: Formação: notas para o entendimento.

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um conjunto retórico e ideológico (já desgastado) que a engloba e ao mesmo tempo a reduz, composto por conceitos encantados como saúde, qualidade de vida, qualidade da vida; não seja uma possibilidade coerente para essa formação que estou tomando como referência.

Reduzir o corpo como um elemento puramente biológico, deprecia as varias possibilidades do trato deste nas aulas de Educação Física escolar. É por demais importante ressaltar e reconhecer que existem várias relações complexas que o corpo estabelece com a sociedade, com a historia e essas deveriam ser os objetos das práticas dessas disciplinas. Não negando aqui a atividade física, mas sim tendo ela como um meio de formação e não como um fim restrito.

Questionar e problematizar as questões latentes em relação ao corpo é um meio de estar repensando essa Educação Física como formadora de indivíduos autônomos, emancipados, críticos em suas possibilidades com a sociedade.

Contextualizar esse conhecimento corporal para a realidade social dos alunos é um desafio a ser encarado pelos professores em suas práticas escolares.

Dentro desse objetivo de questionar algumas literaturas que embasam essa prática de Educação Física escolar biologicista, as contribuições de Theodor W.

Adorno, são de fundamental importância e o debate entre as vertentes teóricas já referidas, certamente tem muito a contribuir dentro dessa problemática. Em decorrência disso, a metodologia adotada para o desenvolvimento deste trabalho é a pesquisa bibliográfica. Através do levantamento de fontes relacionadas à educação física escolar e saúde, procurar estabelecer a crítica a partir de textos de Theodor Adorno; filósofo de fundamental importância na produção crítica acerca dos processos de obscuridade da civilização na modernidade (juntamente aos outros teóricos referentes à escola de Frankfurt). Temas abordados como a indústria cultural, dialética do esclarecimento e principalmente formação serão cotejados no corpo desse trabalho monográfico.

A idéia de formação que Theodor W. Adorno trabalha no livro Educação e Emancipação vem a circundar um conjunto de termos, conceitos que estão intimamente ligados com a necessidade de repensar os processo de formação e consequentemente educação e assim como um curso lógico, da maneira que pensamos a escola e seu papel na sociedade.

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Dentro dessa perspectiva teórica que embasa as idéias do que aqui suponho formação, o intuito é estabelecer a crítica a concepção da educação física escolar como promotora da saúde nos alunos praticantes. Para tal se fará necessário o estabelecimento e a construção do campo de debate dessa área na contemporaneidade, suas principais projeções teóricas correntes na área da Educação Física escolar.

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CAPÍTULO 1: FORMAÇÃO: NOTAS PARA O ENTEDIMENTO.

Certamente a problemática da educação na contemporaneidade é um tema amplamente discutido sob diversas perspectivas, focos e intenções; tanto no âmbito pedagógico, político e nos mais diversos enquadres que essa temática seja abordada, os modelos educativos que temos hoje são alvo de múltiplas críticas direcionadas nas mais diversas direções. Na direção que se pensa em educação na contemporaneidade, a reflexão sobre a instituição ‘Escola’ é impreterível. Formação, educação e escola são conceitos que na contemporaneidade se mesclam compondo uma única representação social7. A univocidade entre esses três, que é comumente tomada, não reflete de fato a essência de cada um. Em suma cada um exprime significados, e tem origens diferentes, mas o curso histórico entre os três rumou para que se assemelhassem, convergissem e formassem aquilo que hoje se entende pelo simples mas também determinante conceito “processo de escolarização”.

Criou-se a idéia de que os espaços formativos, logo educativos (vice versa), são incumbências da escola, do espaço escolar. É inevitável notar que atualmente um conceito está muito próximo do outro. Dessa forma, confusões conceituais são comumente estabelecidas, adotando escolarização e educação como conceitos sinônimos. Embora essa figura homogênea que o processo de escolarização atualmente encerra, induza a crença de que os três conceitos (educação, escola e formação) sejam a mesma coisa, a história mostra que a construção desse processo não foi linear nem precedida por um processo evolutivo. A escolarização moderna8 não teve precedentes institucionais, sendo assim o que hoje compreendemos como educação escolar, é fruto de um processo composto de diferentes momentos históricos, diferentes tendências educativas, e diferentes demandas formativas. Esse processo não pode ser compreendido por linearidades ou evolucionismos.

(HAMILTON, 2001; PINEAU, 1996)

7 Certamente a compreensão é distinta entre cada conceito, mas a representação social em questão se refere ao entendimento popular estereotipado, que os diferentes conceitos se convertem em uma representação univoca.

8 A escolarização moderna a que me refiro diz respeito ao processo de escolarização emergido paralelo ao estado moderno (século XVII). O entendimento da escolarização contemporânea, (por não se apresentar como uma instituição diferente em seus ideais políticos do processo de escolarização moderna) considero aqui, processos que se assemelham, logo herdeira desse processo advindo da modernidade.

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Alguns elementos podem ser apontados como rudimentos constituintes desse processo culminado, de forma descontinua e não linear, pela escolarização moderna: A tradução de fontes clássicas (e também a melhoria dessas, pois muito do que foi traduzido da cultura grega na época medieval era passível de questionamento), e a melhoria nas técnicas de impressão no período do Renascimento (século XIV), reconfigurou as bases do conhecimento e da educação nas Academias. A inovação educacional representada pela produção de textos pedagógicos voltados para os pais (auxiliando na educação de seus filhos no âmbito doméstico) e textos didáticos para os professores escolares (voltados à maneira, métodos de educar e instruir na escola), mostrando as noções de pedagogia e didática distintas entre si. (HAMILTON, 2001)

A reorganização dos textos clássicos, juntamente com a priorização da didática, também pode ser avaliada em contraposição à importância contemporânea de suas outras noções – as de método e disciplina. A reorganização dos textos, para fins quer pedagógicos quer didáticos, significou que o aprendizado e/ou o ensino tornaram-se

“metodizados”. (HAMILTON, 2001)

Essa metodização era facilitadora do ensino, pois a sistematização na forma da transmitir os saberes, tornava a educação mais organizada e compreensível. As idéias de currículo e método se aproximavam. Seguir o método correspondia ao seguimento do currículo. Os saberes, conhecimentos a serem transmitidos a criança, necessitavam de uma forma, de um curso para isso (método) e uma forma de assegurar os aprendizes perante esses conhecimentos apresentados; a disciplina então associa-se a didática para a aplicação do método. A disciplina tem o caráter duplo: de ser uma forma de apresentar o conteúdo e de manter o aluno apreensivo a esse. Através da ascensão da reforma protestante, (século XVI) a compreensão da disciplina, que começa a delinear traços ideológicos pautados em preceitos religiosos, assume o caráter de controle corporal e mental. (HAMILTON, 2001).

Vemos que paralelamente a esse processo, a reforma trazia a sociedade instabilidades quanto a ordem social firmada nos alicerces da igreja cristã romana.

(GUINZBURG, 2001) A reforma foi o movimento de reestruturação na igreja católica romana que teve como cume o surgimento de outras novas igrejas cristãs das quais se destacam o Luteranismo e o Calvinismo (de Matinho Lutero e João Calvino

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respectivamente). Esse movimento tinha o intuito de moralizar a população, sendo que essa agora tinha contato com os textos religiosos, que por muito tempo ficaram monopolizados nas mãos da hierarquia eclesiástica.

Essa reconfiguração da ordem social ocorreu, muito em função do descrédito aos sacerdotes: primeiro porque sua sabedoria, sinceridade e benfeitorias foram postas em dúvida e segundo por que mesmo sendo os representantes divinos, não eram capazes de operar milagres, como sustenta Hobbes. (GUINZBURG, 2001)

As imposturas da igreja, antes necessárias para a manutenção da ordem (pois o povo, a massa, sempre foi suscetível a credulidade, a paixão além do medo em função de sua condição não esclarecida), já não era compatível, segundo Hobbes, pois o controle ideológico pautado em promessas acima da vida sobrepujava o poder do estado: “Um estado não pode subsistir se uma autoridade diferente do soberano tiver o poder de conceder prêmios maiores que a vida e infligir punições maiores que a morte”. (idem, p.69) Esse mecanismo enfraquecia a autoridade do estado que tinha o controle e poder sobre a vida e a morte pelo estatuto jurídico. (GUINZBURG, 2001)

Nesse trilho ainda, em que a ordem da igreja se esfacelava cada vez mais, um autor anônimo, publicou em 1719 L’esprit de Mr.Benoit de Spinosa ( O espírito de Spinosa), que considerava a igreja um mecanismo político que oprimia o povo e essa opressão carecia ser desvelada, ao passo que essa igreja necessitava ser abolida, trazendo assim uma nova forma de orientação para o povo: a razão. Só pela razão os dogmas da ideologia religiosa poderiam ser expurgados pelo povo.

Vemos a partir dessa publicação (até mesmo pela data) traços que já preconizavam e ensejavam o movimento iluminista. Confluindo nesse sentido, Kant em sua obra Crítica da razão pura, afirma que essa época (ao qual denomina-se modernidade) é o tempo da crítica, mas a religião e o mecanismo legislativo passam geralmente desapercebidos por esse juízo. (GUINSBURG, 2001)

Mais do que nunca a razão aflorava como a grande orientadora da ordem social e civil. O iluminismo como movimento intelectual do século XVIII é cume desse processo histórico. O projeto iluminista tinha o objetivo de esclarecer a realidade obscura e velada pelos traços ideológicos construídos em longo prazo pela igreja. O esclarecimento só seria possível através do desenvolvimento e do cultivo da razão, característica inerente ao ser humano. (MATOS, 1993)

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Kant, o representante mais expressivo do iluminismo na Alemanha, cria que o instrumento que propiciava o cultivo da razão era a educação. Só pela educação, o homem poderia entender-se como tal, reprimir seus traços naturais de animalidade e se aculturar. O afloramento dessa essência humana através da educação deveria dar-se pela instrução e pela disciplina. A primeira para a transmissão da cultura que orientasse a razão em prol do desenvolvimento da “perfeccion inherente a la naturaleza humana”.(PINEAU, 1996; apud KANT, 1983) A segunda serviria para docilizar o indivíduo em suas pulsões naturais, aprender a respeitar as leis e relações de poder imanentes do organismo social. (por essa razão o individuo deveria ser submetido a um espaço educativo desde cedo, quando criança, para ser disciplinado) Esses fatores, além da necessidade do cuidado e no ensino por tempo maior (em relação aos outros animais, que carecem aprender apenas o suficiente para sobreviver para se emancipar), são alguns dos legitimadores da escola na sociedade moderna, sendo que esta representava então o espaço educativo. A escola moderna então, em meio de vários fatores não interligados cronologicamente, se estrutura como instituição na modernidade.

O processo de escolarização tomada aqui como um fenômeno moderno e contemporâneo, carrega consigo uma bagagem histórica dos ideais modernistas evidenciados no movimento iluminista, período esse (iniciado no século XVIII) que deu grande ênfase na importância desta. O objetivo de esclarecer a população pelas vias da formação acadêmica, foi o plano de uma promessa maior que objetivava a quebra com a menoridade servil do homem em relação as suas crenças dogmáticas ainda arraigadas no período feudal. A questão religiosa, e o poder ideológico que esta percutia sob os indivíduos, era o obscurantismo que o esclarecimento deveria superar. A passagem de um presente teocentrismo, para a percepção do homem como o grande centro da ação no real era necessária e de certa forma uma conseqüência lógica em função do grande movimento de produção e circulação intelectual presentes naquele momento histórico.

No entanto o que se produziu, pensou e desenvolveu acerca da educação, conjuntamente ao processo de escolarização na modernidade, conduziu essas para uma crise epistemológica na contemporaneidade. O produto da sociedade atual (independente da nomenclatura: pós-modernidade, hipermodernidade, transmodernidade) em suas diversas instâncias, traz consigo ainda aquilo que era o

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mote da modernidade, mas sob perspectivas diferentes e demandas diferentes. O que vivemos ainda não é a negação da modernidade, mas também não é a continuidade; estamos em um período de diferentes necessidades emergidas de diferentes fenômenos sócias, culturais e econômicos. Remetendo-me novamente a questão das demandas e das necessidades formativas, podemos considerar que as necessidades formativas nos diferentes períodos são semelhantes, pois formação é o processo de emancipação do homem pelo esclarecimento, e invariavelmente com a data, o gênero humano necessita sair de sua menoridade pela qual é o próprio responsável. Mas o trato do esclarecimento no período da modernidade, se configurava muito mais como demanda formativa, atrelada à intenções sociais do que de fato necessidade formativa. É necessário considerar também que o plano ou a promessa iluminista de esclarecer o mundo não foi cumprido. Para essa questão creio ser imprescindível refletir: se o processo de escolarização, tanto na modernidade como na contemporaneidade, não apresenta rupturas em seus aspectos ideológicos elementares no que concerne as demandas formativas (desconsiderando por muitas vezes as necessidades formativas), existe então uma discrepância no sentido de estar repetindo ‘uma formula’ que não deu certo. As necessidades formativas nesse espaço histórico são as mesmas, mas para a realização e cumprimento do plano formativo (que sustento) atrelado ao processo de escolarização, creio ser necessário repensar a estrutura desse na contemporaneidade. Para além de entendimentos ingênuos (ou talvez possamos considera-los otimistas) de cultura escolar, que considera o espaço da escola como um lócus de produção cultural a priori, e não de reprodução, devemos perscrutar indícios na escola que mostra que essas formulações são no mínimo questionáveis.

Alçar por exemplo (exemplo, pois a escola como ambiente cultural não se resume aos seguintes) fatos como a influência do gosto musical dos alunos sob o vestuário por eles adotados, a utilização de celulares, a adesão a tendências das mais diferentes instâncias (como por exemplo, linguagem), nos traz elementos para compreender que a escola é sim um local de reprodução dos saberes imanentes a sociedade, ideologicamente influenciada pela indústria cultural9.

9 Para o entendimento mais preciso do termo indústria cultural, como produtora de cultura e também de ideologia, o tema será tratado no subitem desse capitulo: Moral e Indústria cultural.

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A escola contemporânea então atende de certa forma aos rogos culturais lançados pela sociedade. A formação e a educação no espaço escolar atende então, prioritariamente, a demandas formativas. Mas o que seria formação então para esse modelo de escola atual? Podemos arriscar algumas possíveis percepções como: o momento de instrumentalização dos indivíduos para as relações de trabalho previstas em seus futuros. Ou talvez a semi-formação dos indivíduos sob determinadas óticas ou padrões necessários para a convivência na sociedade contemporânea.

Mas imagino pensar o oficio formativo da educação sob essas perspectivas, muito redutivo. Formar é uma concepção ampla, que pensa em primeiro lugar na necessidade do gênero humano ser liberto em relação a todo tipo de forma ideológica dominadora. Dentro disso creio que a perspectiva adorniana de formação, seja de grande valia para as considerações que quero fazer.

O projeto da formação para Adorno consiste na possibilidade do homem se atuo-determinar pelo esclarecimento. A formação é o meio em que o gênero humano encontra as ferramentas culturais para desmistificar o mundo velado por processos ideológicos historicamente construídos na sociedade.

Os teóricos da chamada escola de Frankfurt são questionadores do iluminismo como movimento que pretendia esclarecer o mundo. O estudo dos processos que impossibilitaram as promessas iluministas de acontecerem se tornou objeto de estudo para tais autores. Logo utilizar Adorno, um dos mais fecundos filósofos dessa tradição teórica, me parece ser coerente e passível de múltiplas possibilidades interpretativas. (MATOS, 1993)

Ao que aparenta os ideais formativos de Adorno e a concepção iluminista de formação coincidem. De certa forma eles se tocam. O princípio do esclarecimento rege e norteia aquilo que é o objeto da formação. Mas em Adorno a profundidade sobre o que é esclarecimento é algo fundamental. Compreender o esclarecimento para além de uma definição ou conceito reduzido, é uma das chaves para se pensar no processo de formação para Adorno. E esse exercício de pensar radicalmente o fundamento do esclarecimento, que por sua vez ira permear o que é formação, se torna necessário antes de pensar a aplicação desse conceito no contexto educativo.

Adorno e Horkheimer trabalham de forma fecunda a problemática do esclarecimento (não necessariamente no contexto educativo) no trilhar histórico do

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ser humano e em suas relações sociais. A função do esclarecimento nesses tramites é de fundamental importância para entender a forma como a própria civilização se desenvolveu.

Então sob as perspectivas do livro “Dialética do esclarecimento” de Adorno e Horkheimer, irei me reportar sobre essa noção histórica do movimento esclarecedor humano para poder trabalhar com mais clareza e profundidade a problemática da formação e consequentemente da educação na sociedade contemporânea.

A essência da superioridade do gênero humano sempre foi pautada em sua capacidade de produzir saberes. Entendendo aqui como saberes tudo aquilo que é produzido pela capacidade racional do ser humano em relação à tensão de suas necessidade e suas condições objetivas. A impotência humana, em suas condições físicas, perante as forças da natureza (caracterizando as suas condições objetivas), trouxe a necessidade de superar de alguma forma essa posição em relação ao natural. É de fato evidente que um homem não tem subsídios físicos para conseguir vencer um leopardo na luta pela sobrevivência em suas condições naturais. Mas para essa demanda, a essência da superioridade do humano se mostra presente. A capacidade de compreender que para se auto-conservar é necessário se utilizar de outros meios que não os motrizes, e assim utilizando da razão para superar (e aqui a técnica como produto da cultura é imprescindível) as condições de sua impotência natural; consiste a essência do saber superior humano. O principio da auto- conservação leva o homem a produzir cultura (individual ou coletivamente) e dessa cultura surge a superioridade do homem. (HORKHEIMER; ADORNO, 1985a).

Os saberes são as formas com que o homem tenta dominar aquilo que naturalmente lhe domina. Mas a natureza causa o estranhamento para esse homem, uma vez que o espaço e todos os elementos físicos presentes (animais, fenômenos como chuva, relâmpagos) se mostram hostis e avassaladores. O medo é o produto dessa relação de estranhamento como um meio desconhecido, não dominado. A lógica imposta ao homem é a dominação. Mas a possibilidade da razão cria subterfúgios para a inversão dessa. (HORKHEIMER; ADORNO, 1985a).

A necessidade de explicar aquilo que é estranho a si, produziu para a cultura do gênero humano o mito. Ele é a explicação do real pela simples empiria, pela imaginação através do contemplar. O mito é fruto da racionalidade, mas de uma

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racionalidade não orientada pra o esclarecimento. Veja-se a representação denotativa de mito pelo dicionário Ruth Rocha:

Fábula. Ficção alegórica. Coisa em que não se pode acreditar.

O mito é uma construção com base na fantasia para tentar explicar o real.

São logros para a satisfação superficial da necessidade de explicar algo. Mas como chama atenção a terceira frase, o mito é algo que não pode ser atribuído credibilidade, isso por que ele não é produto do pensamento orientado pela razão esclarecedora. A origem do mito é o medo. O mito é imaginação, é explicação verossímil da realidade, pois as verdades construídas se confirmam num plano real de possibilidades. Mas o mito como produto da imaginação não é esclarecimento.

Essa explicação fantástica da realidade acaba por velar aquilo que está externo ao homem. A aceitação da verdade velada impõe e afirma o gênero humano na sua condição submissa às intempéries da natureza.

Ao passo que as explicações alegóricas mostram a face da inverdade, o mito não poderia (e não pode) ser uma forma de auto-conservação, uma vez que suas explicações ainda não distanciavam o humano do natural – ele ainda é natureza, logo está submisso as leis dessa. Tudo faz parte de um único organismo. E o homem dentro disso assume a posição de menoridade, de subordinado as suas condições inatas. A necessidade do homem se afirmar em relação a isso carecia de outras explicações do real, de outras formulações que fizessem com que aquilo que era natural fosse dominado por ele. O mito então não condizia mais com essa demanda. A natureza velada pelas explicações imaginarias precisava ser elucidada.

Aquilo que era obscuro precisava ser entendido, o que era alimento para o medo deveria ser dominado. O esclarecimento então como fundamento racional humano, é a possibilidade do homem se auto-determinar perante a natureza. Para tal a forma de pensar essa natureza necessitava de mudanças. Havia a necessidade então de entende-la para dominá-la; não mais cabiam simples explicações alegóricas de fenômenos. A marcha do esclarecimento nessa busca das respostas para as questões que ainda eram incógnitas, progrediu com o pensamento para o factual. O fato isolado agora então seria o foco do entendimento do fenômeno. Explicações holísticas já não representavam uma metodologia eficaz para compreender aquilo

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que cercava o homem. A razão esclarecedora parte das minúcias para compreender o todo, ela hierarquiza conceitos e o sistematiza através da razão para a compreensão da unidade (HORKHEIMER; ADORNO, 1985a, HORKHEIMER;

ADORNO, 1985c).

No trajeto do distanciamento do homem em relação a natureza por dominação dela, o esclarecimento trilhou o caminho da ciência, do método científico.

As próprias exigências de tornar o real sistemático, compreensível, fizeram com que a maneira de vê-lo se adequasse a isso. A lógica formal então foi o grande veículo de acesso para essas aspirações. O mundo passou a ser observado pelo calculo. O conceito de verdade passava pela calculabilidade do fato, do fenômeno. Aquilo que não fosse possível determinar pelo viés matemático era objeto de escárnio pelo esclarecimento, logo pela ciência:

Pois não é nos “discursos plausíveis, capazes de proporcionar deleite, de inspirar respeito ou de inspirar de uma maneia qualquer, nem em quaisquer argumentos verossímeis, mas em obrar e trabalhar e na descoberta de particularidades antes desconhecidas, para melhor prover e auxiliar a vida”, que reside “o verdadeiro objetivo e função da ciência”. (HORKHEIMER, ADORNO; 1985a, p.20)

A necessidade de entender o mundo em suas objetividades, contribuiu para que a ciência destruísse as qualidades (aquilo que é subjetivo no fato), as dualidades (vida e morte, bem e mal), as distinções e os questionamentos apontados pela ciência como metafísica (a existência de algo maior que a vida, maior que o homem, a aceitação da existência de Deuses). O que antes era objeto de explicação do mito, já não mais é contemplado pela ciência. O positivismo traçando o mundo por linhas trouxe para ciência o esquema correto de entender o mundo por partes, por favos. (HORKHEIMER; ADORNO, 1985a).

O esclarecimento como o pensamento humano orientado pela razão, trouxe a posição de superioridade em relação a natureza. Deus, o Mana (como os gregos determinavam aquilo que era eternamente desconhecido, oculto), já eram então paralelos ao homem, porque este já havia dominado o fruto de seu medo. Os fenomenos da natureza se tornaram inteligíveis ao conhecimento humano. Cada vez mais o homem se distanciava da natureza por controla-la. O homem em posição de senhor é a marca do esclarecimento. A relação de dominação com o mundo

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transformava aquilo que antes dominava, em simples objeto de conhecimento, em coisa. Dessa forma a relação dos homens com seus iguais se reifica, pois ao entender a natureza como coisa, o ser humano se inclui nesse todo, em decorrência de ele próprio ser fundamentalmente integrante do organismo uno da natureza também. Nesse momento acontece o movimento dialético do esclarecimento. A relação de distanciamento da natureza pela necessidade de dominação daquilo que era a fonte do medo, através da superação do mito pela ciência como movimento do esclarecimento, fez com que o próprio homem retornasse a natureza mítica. Ora, a partir do momento que as universalidades explicativas do mito foram superadas pelos conceitos e leis científicas, a própria razão esclarecedora retorna ao mito, porque afinal de contas, o que são os conceitos e as leis (como a da gravidade por exemplo), se não tentativas de explicações universais, de tentativas de confirmar algo simplesmente pelo fato de que ele pode ser traduzido em números, ou (e as vezes em conjunto) pela simples empiria sensorial. Ironicamente fazemos remissão ao mito. O que um era para ser o oposto de outro, acaba se convertendo naquele próprio. O relevante não é a veracidade, (mesmo porque o fetiche da calculabilidade estabeleceu como suspeito tudo aquilo que não se submetesse a razão matemática) mas sim a representação do real que é impregnada e aceita pelo gênero humano. O absurdo da alegoria mítica era a expressão da incapacidade da prova. Os conceitos conseguem estabelecer as provas, mas eles por si só caem na mistificação do mundo, pois retornam a um esquema de construção semelhante ao mito.

Essencialmente, nada é verdadeiro, tudo é verossímil, mas a ciência como forma ideológica de dominação introjetou nos homens (e pelos homens) ela mesmo como a verdade totalitária. (HORKHEIMER; ADORNO, 1985a).

O princípio totalitário do esclarecimento aproxima-o da coerção social e da dominação. Dentro da história, quando o homem se sedentarizou, a criação de raízes com a propriedade fez emergir novas formas de relação social. É necessário compreender que existem distinções quanto ao nível de esclarecimento entre os indivíduos. A dominação de um homem pelo outro só é possível quando a estrutura das relações humanas, o poder, assume diferentes níveis e potenciais entre esses.

O potencial de poder é atribuído por detenção maior de conhecimentos, técnicas ou qualquer coisa que o outro reconheça como fator de superioridade em relação a si.

O poder do conhecimento só é possível em relação a outrem, logo o poder nunca é

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manifestado por um individuo sozinho. A divisão do trabalho só é possível por causa desse tipo de relação. Quando uma pessoa outorga determinada função para outra, e essa aceita, existe uma relação de dominação pelo potencial de poder determinado pelo esclarecimento do primeiro. (HORKHEIMER; ADORNO, 1985a).

O esclarecimento é astúcia, é ardilosidade. Isso é claramente explorado no excurso I contido na obra “Dialética do esclarecimento”. A narrativa homérica (A odisséia), retrata a alegoria em que Ulisses, protótipo do individuo burguês, utiliza-se do esclarecimento para lograr os Deuses e as bestas (representações da natureza), que eram necessárias enfrentar ao retornar para Ítaca. Em varias passagens, Horkheimer e Adorno, demonstram a dialética do esclarecimento nas operações astuciosas de Ulisses.

Creio que o episódio das sereias seja emblemático para explicar com mais clareza o conceito de dialética do esclarecimento. Ulisses no curso planejado pela tempestade de Posseidon, é obrigado a passar pelas sereias. O canto delas é irresistível e todos aqueles que o ouvem caem na tentação do prazer encantador de suas melodias. Mas o destino aos que se encantam é a destruição. Ulisses então impotente perante o curso de sua embarcação tomado pela tempestade, utiliza-se do esclarecimento para lograr e descobrir nas leis da natureza as lacunas que iriam permitir se auto-conservar. Para isso então, Ulisses tapa com cera o ouvido de seus remadores e em posição de individuo esclarecido, se coloca na posição de superior em relação aos seus subordinados amarrando-se ao mastro para poder então apreciar o canto das sereias. Dentro dessa passagem podemos notar o movimento dialético do esclarecimento. Ulisses ao determinar que seus subordinados deveriam remar, demonstra o poder concedido a ele como individuo mais esclarecido, dominando a relação entre outras pessoas. O prazer de ouvir as sereias é só dele.

Assim como a burguesia, Ulisses é o representante daqueles que gozam os prazeres diversos e o podem pela sua posição. Mas para se aproximar das sereias sem que isso causasse o seu fim, ele teve de se sacrificar. Ulisses ao tapar os ouvidos de seus remadores, tinha o intuito de que eles não ouvissem as sereias nem o ouvisse clamando por libertação em função da sedução gerada pelo canto. Ao se sacrificar Ulisses atesta o seu papel de inferioridade perante a força da natureza, mas conscientemente ele toma a distância necessária para se conservar. Ao apreciar o canto ele se integra novamente ao natural, mas por não ser sentenciado

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pelas circunstancias criadas pela sua astúcia, ele se distancia dessa natureza, usufruindo dela sem correr o risco da exterminação. Essa tensão de afastamento e retorno ao que é natural, e a relação de poder investida ao trato com seus semelhantes, coagindo-os, caracteriza elementos da dialética do esclarecimento.

Posteriormente em outro ensaio Interesse pelo corpo também contido no Dialética do esclarecimento, Adorno trabalha sob a perspectiva freudiana a origem da pulsão a crueldade, que é resultante do recalque daquilo que é natural:

A compulsão à crueldade e à destruição em origem no recalcamento orgânico da proximidade com o corpo, de maneira análoga ao surgimento do nojo, que teve origem, de acordo com a intuição genial de Freud, quando, com a postura ereta e o afastamento da terra, o sentido do olfato, que atraía o animal humano para a fêmea menstruada, tornou-se objeto de um recalcamento orgânico. (HORKHEIMER;

ADORNO, 1985e, p.217)

Bem como o sacrifício de Ulisses ao se amarrar no mastro para poder ouvir o canto das sereias sem correr riscos, gerando dessa forma uma relação de amor e ódio com o próprio corpo. (HORKHEIMER; ADORNO, 1985b). Certamente esse movimento do recalque das pulsões orgânicas do gênero humano e a origem do desejo a crueldade é objeto para discussões para diversas problemáticas instauradas na sociedade em decorrência disso, mas pela necessidade de delimitação desse trabalho, não será um objeto cotejado.

Através dos traços culturais, para o convívio em um ambiente social, necessariamente acontece o recalque de pulsões eminentemente naturais, no trato corporal. Como por exemplo a pulsão sexual, o individuo ao se sentir atraído por outro, não pode saciar-se pelos prazeres carnais de imediato, ou atacar vorazmente o outro individuo para acasalar pois existem elementos culturais que determinam condutas, que impedem essa relação natural e impingem formas de agir, em diferentes locais, com diferentes pessoas. Podemos qualificar esse elemento cultural como Moral, e a partir desse se formulou os pressupostos da educação do corpo.

1.1: MORAL, INDÚSTRIA CULTURAL E FORMAÇÃO.

A igreja, que podemos dizer aqui, como representante institucional da religião cristã, desde seu surgimento, andou em harmonia com o progresso da sociedade

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(considerando a partir do surgimento do cristianismo até a reforma) em função de um papel cooperativo (quem sabe talvez corporativo) na manutenção de uma determinada ordem contida nesse processo de desenvolvimento.

A história da dominação e da mistificação das massas, por mais longínqua que possa ser na história do gênero humano, é representada de forma prenhe quando se pensa nas formas de controle ideológico advindos da igreja cristã como instituição representante de uma ideologia (a religião cristã). Igreja e religião são elementos de um organismo e podemos entendê-las de forma unívoca, mas a religião como uma expressão ideológica, foi corporificada pela igreja, que tornava essa ideologia, tangível, acessível, pois era nela que se confirmava o espaço de circulação dos fundamentos ideológicos da religião. Trabalhar igreja e religião cristã então, é uma relação de extrema proximidade em que os papeis coadunam em um objetivo que compreenda a mistificação das massas através do controle ideológico.

A ordem da ideologia religiosa cristã é erigida e justificada nas dualidades (que para alguns entendimento populares, e ai já vemos parte dos objetivos ideológicos da igreja cumpridos, é inerente ao gênero humano): certo e errado, céu e inferno, vida e morte. Mas essencialmente essas se subordinam a uma mais geral, a dualidade do bem e o mal. O bem é o caminho da harmonia e da salvação e logo do céu, o mal o caminho da perdição e das trevas consequentemente do inferno. A operação da ideologia é atribuir valores as ações do individuo, que as qualificam como certas ou erradas, boas ou más, dentro do esquema maniqueísta de entendimento da realidade. Para toda ação existe o juízo de valor que lhe irá impingir o orgulho ou a vergonha. A religião então como mecanismo da ideologia, confluente a autoridade maior (o rei, o imperador, enfim, o governante), estabelecia e impelia ao povo formas de agir, a conduta correta; ela tinha o controle da massa que se apegava as suas paixões. Mas essa manobra de controle não seria eficaz se não entrasse no âmago do medo do gênero humano, nos questionamentos dos temores ao mistério. As dúvidas universais, a incerteza quanto à existência, traduzem as fraquezas, representadas pelo medo, que impõe o gênero humano na condição de menoridade. A igreja e a religião trazem as respostas a essas dúvidas, e a utilização do medo pelo medo estabiliza a relação do controle aos que são suscetíveis a essa credulidade. O medo (do inferno, do desfecho após a vida mundana) atuando no medo (as dúvidas sobre a existência) garante a igreja os seus

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traços coercivos. A moral participa desse processo como um conjunto de determinações quanto aos valores incutidos nas ações do homem. A moral determina o valor amalgamado a algo, que inicialmente pode ser mera objetividade, mas pelos mecanismos morais são adotadas subjetividades que imprimem ao sujeito juízos. A moral é um mecanismo a favor da ideologia. A ultima é a justificativa da e para a ordem, e a primeira é o mecanismo que assegura a apreensão dessa justificativa através das condutas, do pensamento, da maneira de existir.

A adesão da massa a ideologia é algo instigante ao passo que entender os porquês que motivam alguém a aceitar e submeter-se a determinada ordem ou lógica, remete-nos a refletir ao processo que fundamenta a história da dominação. O esclarecimento é parte indissociável do entendimento da dominação do homem pelo homem.

A razão é o fundamento do pensamento, inerente ao homem, que consegue estabelecer a relação sistemática entre os conceitos hierarquizados que envolvem a vida do homem, que deriva o particular do universal e ‘caldeia’ esse particular no universal. Ela por si só, consegue dar coerência aos diversos elementos que circundam o ser. Essa coerência na sistematização do universal e do particular, do simples ao complexo, criam a noção de sistema, de uma unidade coletiva entre aquilo que se compreende como existente, como conceito. O entendimento, proporcionado pela razão, é a conexão lógica entre os conceitos. Este consegue dar a ‘coisa’ como objetividade, aspectos subjetivos, consegue atribuir qualidades ao que é simplesmente quantidade. O entendimento pressupõe a percepção.

(HORKHEIMER; ADORNO, 1985c)

A coerência do sistema que é proporcionada pela razão possibilita a existência da ideologia. A ideologia é a tensão entre o real e o fictício. Dizendo de outra forma, a ideologia é a coerência entre elementos (entre conceitos hierarquizados, entre o particular e o universal), subjugados a uma lógica a priori, que são transformados em práxis, traduzindo esse processo na orientação do individuo quanto a forma de experimentar a vida e o mundo. A tensão entre o real e o fictício é a impostura de inverdades, ou de verossimilhanças, mas que são coerentes entre si, pois caem no esquematismo racional, que se confirmam numa unidade sistemática de conceitos. O mito da religião como tentativa de explicação dos questionamentos mais longínquos do gênero humano, é coerente dentro de um

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esquema lógico, que utiliza a razão para harmonizar os conceitos necessários para impor determinada verdade, ou ideologia. No caso a coerência entre os conceitos vem do maniqueísmo, das dualidades que são a forma de coerção e instrumento da moral para determinar as ações do individuo. O esclarecimento é parte desse processo, no que diz respeito ao lado que domina, que impõe a ideologia, daqueles que não se apegam aos rogos da moral. Ele é o fundamento da dominação, da coerção, da desigualdade em suma. A massa se submete ao mito, pois não é esclarecida.

O esclarecido toma a rédea da vida e ousa vive-la da forma que lhe convêm, de experimentar sem limites, de não impor restrições as possibilidades de experiência. Mas o gozo do esclarecido, protótipo do individuo burguês, só é possível pois existem aqueles que são subjugados a estes, que são orientados diante de uma ordem (ideologia) que os impelem e os controlam para fazer aquilo que o esclarecido não faz. O trabalho é uma relação visível dentro desta questão.

Como Nietzsche elabora, o principio da dominação não esta no esclarecimento, não está no uso do poder do esclarecido, mas sim nos fracos, naqueles que se subjugam a ordem e na direção orientada por outros. Pensando radicalmente a questão, a formulação procede. É de fato abstrato, pensar numa terra com todos os indivíduos esclarecidos, no sentido do esclarecimento como possibilidade de emancipação do gênero humano, mas levando ao cabo a questão, a dominação não seria uma possibilidade, considerando que ela só é possível a partir da menoridade do homem que não tem o pensamento esclarecido, que vê o mundo por véus. (HORKHEIMER; ADORNO, 1985c) A ideologia e a moral só se aplicam a esses, em que dentro de suas condições objetivas não conseguem através da razão compreender o sistema e acabam se subordinando ao entendimento de outros. Existem características inatas (mas não naturais) que definem ao homem características sobre o seu potencial de poder. Ao nascer o individuo já é subordinado a uma lógica de fatores, por exemplo o econômico, que determinam a sua posição a priori diante o organismo social. A condição do esclarecido pressupõe as condições objetivas do individuo. O esclarecimento é o pensamento orientado pela razão. A razão é a mesma tanto para um individuo como para o outro, ela não é dotada de objetividade, apenas do caráter formal que a determina como sistematizadora dos conceitos hierarquizados. O que irá definir

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então a orientação dessa razão para o esclarecimento ou para a subjugação são as condições objetivas desse individuo. Por exemplo, o filho de um burguês, é propenso a orientar o seu pensamento para o esclarecimento, pois as condições que o envolve lhe dão subsídios para se orientar nesse caminho, e a razão ira cumprir o papel formal de estabelecer a coerência entre os fatores que irá lhe proporcionar tal benesse. Ser dominante ou dominado são possibilidades separadas e determinadas pela orientação da razão (HORKHEIMER; ADORNO, 1985c).

A fraqueza do individuo dominado, é essencialmente elaborada pela dúvida, pelo medo, pela condição de menoridade do homem em relação à natureza, pela impossibilidade de autonomia em função da subjugação a organismo que está acima de si. A crença na religião é um afago para essa condição. A comodidade de crer nos dogmas dá ao individuo a segurança de que as injustiças do mundo (injustiça em relação a sua condição, pois os esclarecidos, burgueses, gozam o mundo a seu bel-prazer, enquanto aqueles são obrigados a recalcar as suas pulsões e anseios orgânicos) são parte de um plano (pensando aqui num discurso cristão), que no final (na morte) tudo ira ocorrer bem. Mas o desfecho feliz desse plano só é possível se a conduta do individuo for condizente com os preceitos morais. A dúvida, o remorso, o arrependimento são relativos unicamente aos indivíduos não esclarecidos, que a mercê da ideologia e da moral, são impelidos a serem corretos, a agirem de forma coerente aos pressupostos ideológicos. Certamente isso foi muito útil aos esclarecidos de espírito dominador:

O arrependimento apresenta como existente, o passado que a burguesia, ao contrario da ideologia popular, sempre considerou como um nada; ele é a recaída, e sua única justificativa perante a práxis burguesa seria preveni-la. Ou como diz Spinoza seguindo os estóicos: ‘poenitentia virtus non est, sive ex ratione non oritur, sed is, quem pacti poenitet, bis miser seu impotens ser’10. Ele acresenta imediatamente (...)

‘terret vulgus, nisi metuat’11 e opina por isso como bom maquiavelista que a humildade e o arrependimento assim como o medo e a esperança, apesar de toda sua irracionalidade seriam bastante úteis. (HORKHEIMER; ADORNO, 1985c, p. 93)

10 “O arrependimento não é uma virtude, ou não origina da razão, mas quem se arrepende do que fez é duas vezes miserável ou impotente”. Spinoza, Ethica, parte IV, prop. LIV, p.368.

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Ainda nessa temática de subjugação do povo a poderes exteriores a si, Guinzburg (2001), tratando do capitulo 13 do Leviatã de Thomas Hobbes, contribui quando trabalha sobre a crise na unidade da igreja católica em função da reforma:

(...) a igualdade natural dos homens numa situação anterior à emergência da sociedade e do direito, assim como a guerra de todos contra todos que daí decorre, gerada pela sede de poder e pelo medo, lançam as premissas para que cada um renuncie a seus direitos em favor de um poder soberano ilimitado. (GUINZBURG, 2001, p.69)

Hobbes em sua obra trabalhava o “poder soberano ilimitado” como o estado, mas o trecho nos abre a possibilidade de refletir sobre um outro poder, ou melhor, uma “super estrutura”, onipresente, onipotente, fruto da modernidade e que continua com a missão ideológica da igreja12, ensejando a mistificação das massa através de um novo conjunto de verdades, estratégias e moral: a indústria cultural.

A igreja cristã, salvo todos os anacronismos (pois a indústria cultural é um fenômeno típico da modernidade) e proporções relativas ao alcance geográfico (a indústria cultural extrapola barreias geográficas, incorporando a isso uma unidade cultural de proporções globais), pode ser considerada a predecessora da indústria cultural. Em suas características elementares são a representação de uma ideologia maior. Mas a indústria cultural destoa em função de sua complexidade no que concerne ao grau de ramificações na sociedade, ela não simplesmente age na ideologia como parte da fé, mas alcança um sem números de esferas que possam influenciar e compor a vida do sujeito. O conceito trabalhado por Theodor W. Adorno e Max Horkheimer problematiza sobre o caos cultural instaurado na sociedade (fazendo a ressalva de que o livro Dialética do esclarecimento foi escrito em 1947) e sobre os desdobramentos desse fato em aspectos refletidos na sociedade como um todo.

Na modernidade, a ascensão da ciência, o desenvolvimento de novas técnicas e tecnologias, a revolução industrial, o progresso da civilização, a intensificação das relações de trabalho (muito em função da revolução industrial), o

11 O povo mete medo, a não ser que tenha medo. Idem., Schol.

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boom populacional; todos esses fatores contribuíram para o desenrolar de um processo em que se produzia e se consumia cada vez mais cultura.

A cultura industrializada é desprovida daquilo que é humano, ela é simplesmente uma coisa, algo que deve ser produzido e consumido. Ela é produzida e logo adquire um valor. A arte já não é mais fruto da expressão humana, é apenas um produto decorativo, ou um passa tempo de fim de semana. Ela deixa de ser meio (como expressão mais pura da essência humana) e se torna fim (como um quadro na parede do consultório odontológico). O cinema, o radio, a TV, são a expressão dos meios de comunicação que disseminam essa cultura. Eles formam um sistema único, que agem em harmonia a partir de um objetivo, disseminar os programas, as informações, as propagandas, a cultura. A homogeneidade cultural é uma realidade amedrontadora uma vez que a cultura chega aos indivíduos por meios comuns (como os supracitados), e a própria produção é comum (o fordismo é expressão da produção em série, da homogeneidade da produção e logo do consumo),criando na sociedade uma unidade nos indivíduos. A autonomia, a singularidade não são características compatíveis com a indústria cultural. A produção em escala industrial, necessita o consumo na mesma proporção, para tal a operação ocorre em dois sentidos: em um sentido a indústria produz cultura, em outro ela justifica a produção e logo o consumo pelos seus artifícios ideológicos. Ela tenciona a produção e o consumo criando a ideologia para justificar os dois, sendo um pelo outro e vice versa. A capacidade racional é utilizada para estabelecer uma ordem unitária em que todos os setores da cultura são justificáveis e integrados, estabelecendo assim um vínculo coerente entre os conceitos hierarquizados, entre o particular e o universal. A coerência e a amplitude do sistema garantem a ele a adesão por parte da massa, passiva ou ativamente. “Os padrões teriam resultado originariamente das necessidades dos consumidores: eis o porquê são aceitos sem resistência”. ( HORKHEIMER; ADORNO, 1985d p.114) A cultura industrial assumiu proporções gigantescas em que não existem relações na sociedade em que seja neutra em relação aos bens produzidos pela indústria13. A idéia da diversidade, que gera a

12 A igreja cristã no percurso histórico perdeu força, muito em função da reforma e do surgimento do estado como citado no início deste capitulo.

13 O computador que utilizo para escrever esse trabalho é produto da indústria cultural, bem como o motivo de eu ter comprado ele em substituição ao meu velho que não estava mais dentro do cenário

Referências

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