• Nenhum resultado encontrado

A Influência dos Grupos de Interesse na Política: apontamentos a partir da literatura 1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A Influência dos Grupos de Interesse na Política: apontamentos a partir da literatura 1"

Copied!
28
0
0

Texto

(1)

158

A Influência dos Grupos de Interesse na Política:

apontamentos a partir da literatura

1

Lucas Henrique Ribeiro2 Bárbara Salatiel Borges3 Paula Boarin4 Ciro Antônio da Silva Resende5 Resumo: A trajetória do campo de estudos sobre a influência dos grupos de interesse na política se inicia no século XX, tendo se concentrado, sobretudo, no contexto norte-americano. Este artigo objetiva reconstituir esse percurso, principalmente a partir da análise de artigos publicados em periódicos de Ciência Política de alto impacto, elencando os principais desafios enfrentados, bem como caminhos para superá-los. Os resultados indicam que a ausência de coesão teórica continua a impactar o desenvolvimento do campo, marcado pela não cumulatividade das pesquisas. Ainda assim, importantes contribuições recentes produzidas nos Estados Unidos, em países europeus e na União Europeia têm dotado o campo de maior densidade teórica. Todavia, os estudos sobre o tema na América Latina ainda são escassos. Dessa forma, verifica-se ampla possibilidade de expansão dos estudos na região, incorporando reflexões teóricas mais densas importadas de outras áreas.

Palavras-chave: Grupos de interesse; Influência; Trajetória do campo de estudos.

1 Agradecemos à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) pelo financiamento de nossas bolsas de pós-graduação; e aos pareceristas anônimos da revista Agenda Política, por seus comentários e sugestões.

2 Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, Brasil. Email: lucashenriquegeo@hotmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0296-2281.

3 Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, Brasil. Email: barbarasalatiel.borges@gmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1781-4177.

4 Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, Brasil. Email: paulaboarin@hotmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5452-9319.

5 Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Belo Horizonte, Brasil. Email: ciro.sr@hotmail.com. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-6470-4782.

(2)

159

1. Introdução

O objetivo deste artigo é apresentar os principais temas e desafios presentes nos estudos sobre a influência dos grupos de interesse6, além de apontar caminhos para a superação dos referidos desafios. Tendo sido central para a Ciência Política, a temática das atividades de influência perdeu relevância em função, sobretudo, da ausência de coesão teórica (BAUMGARTNER e LEECH, 1998;

SALISBURY, 1975). Após a década de 1960, a abordagem pluralista (TRUMAN, 1951) perdeu espaço na medida em que o elitismo adquiria maior rigor teórico (OLSON, 1965). Naquele momento, pesquisas sobre lobbying e contribuições eleitorais7 cederam lugar às de mobilização e ação coletiva (MOE, 1981;

SALISBURY, 1969).

Somente nos anos 1990 as limitações dessa agenda foram reconhecidas, trazendo nova oportunidade para as pesquisas sobre influência (BAUMGARTNER e LEECH, 1998), reforçada pela grande preocupação com os efeitos dos recursos financeiros sobre a democracia (BAUMGARTNER et al., 2009; PRZEWORSKI, 2011;

THOMAS e KLIMOVICH, 2014). No entanto, ainda que a influência dos grupos de interesse seja considerada o núcleo do campo, seu estudo é responsável pela produção dos resultados menos robustos (DÜR, 2008; DÜR, BERNHAGEN e MARSHALL, 2015; DÜR e DE BRIÈVRE, 2007a, 2007b; FIGUEIREDO e RICHTER, 2014; HOJNACKI et al., 2012; LOWERY, 2013; MANCUSO, 2004, 2007; SANTOS, 2011).

Tendo isso em vista, este artigo destaca os problemas enfrentados e as estratégias para alavancar a capacidade inferencial das pesquisas sobre o tema. O foco está na mensuração da influência a partir das atividades dos grupos, não abarcando a literatura voltada à sua dinâmica de mobilização. No que se refere aos

6 Segundo Thomas (2004, p. 4), um grupo de interesse é “uma associação de indivíduos ou organizações ou uma instituição pública ou privada que, com base em um ou mais preocupação ou interesse compartilhado, tenta influenciar a política pública a seu favor”.

7 Por lobbying entende-se a interação de um grupo de interesse com os tomadores de decisão, direta ou indiretamente. Essa interação visa influenciar a política atual ou criar uma relação que, futuramente, beneficie o grupo na formulação de políticas favoráveis (THOMAS, 2004, p. 6). Por sua vez, neste artigo, as contribuições eleitorais assumem sua forma mais recorrente: o financiamento de campanha (SANTOS et al., 2015).

(3)

160

critérios de seleção do material analisado, foram considerados, sobretudo, artigos científicos publicados em revistas de Ciência Política de alto impacto.

Além dessa introdução e das considerações finais, o artigo se divide em quatro seções. Na primeira, é traçado o panorama das abordagens teóricas em torno da influência dos grupos (cf. 2), passando-se, na segunda, ao histórico de produção do campo (cf. 3). Em seguida, são descritos os principais desafios teóricos e metodológicos (cf. 4) para, finalmente, apontar novos caminhos para a análise da influência (cf. 5).

2. Panoramas das abordagens teóricas

No início do século XX, nos Estados Unidos, as pesquisas sobre grupos de interesse surgiam da preocupação com o efeito da segmentação social para a representação política, fundamento da democracia contemporânea (DAHL, 2005;

SCHUMPETER, 2016). Mais especificamente, buscavam compreender o alcance da influência dos grupos sobre as decisões políticas (BENTLEY, 1908; HERRING, 1929; SCHATTSCHNEIDER, 1935).

Naquele cenário, foram geradas duas tradições de pensamento, a pluralista e a elitista, que refletiam sobre a possível “captura” dos processos decisórios e administrativos (SCHATTSCHNEIDER, 1935; TRUMAN, 1951), no sentido de controle dos produtos da atividade legislativa e administrativa do Estado. A captura, portanto, seria a consequência extrema da influência dos grupos de interesse (POSNER, 2004). Posteriormente, o termo foi amplamente disseminado pela perspectiva econômica sob o rótulo de Teoria da Regulação (PELTZMAN, 1989; STIGLER, 1971).

O pluralismo se baseia na ideia do equilíbrio político produzido pela competição entre diferentes grupos. Para esta corrente, a influência dos grupos seria mutuamente anulada, enquanto aportam informações ao processo decisório.

Assim, considerando que os grupos emergem da ameaça aos interesses de seus membros, a inserção no processo decisório consistiria no caminho para impedir pressões unilaterais sobre os decision-makers (MOE, 1981; SALISBURY, 1975;

TRUMAN, 1951). Por extensão, o principal indicador mobilizado por estudos de

(4)

161

filiação pluralista é a diversidade de grupos envolvidos nesses processos (HERRING, 1929; TRUMAN, 1951).

Por sua vez, o elitismo se fundamenta nos problemas de ação coletiva entre interesses específicos e o interesse público ou difuso8 (LOWI, 1969; OLSON, 1965;

SCHATTSCHNEIDER, 1935). A ideia de equilíbrio político da corrente pluralista é contestada a partir da noção de que as capacidades de ação política estão desigualmente distribuídas entre grupos de interesse específicos e difusos (CRAWFORD, 1939; SCHATTSCHNEIDER, 1935). Assim, a diversidade na representação de interesses não impede a grande diferença nas capacidades de ação política e, por extensão, de pressão sobre os decision-makers. Portanto, os processos decisórios, e os resultados políticos, são enviesados.

Na perspectiva econômica dos grupos de interesse, o elitismo assumiu maior desenvolvimento teórico com a Teoria da Ação Coletiva (OLSON, 1965) e a Teoria da Regulação (STIGLER, 1971). Partindo dos pressupostos da Teoria da Escolha Racional, Olson (1965) demonstrou como o tamanho do público potencialmente beneficiário pela consecução de um interesse afeta as probabilidades de formação de um grupo de interesse.

Interesses que beneficiam um público amplo encontram dificuldades de mobilização em razão da tendência racional pela não cooperação: cooperar na provisão de um bem coletivo implica em arcar com os custos de seu provimento, sem a garantia da cooperação dos outros indivíduos que também vão se beneficiar.

Logo, o nível subótimo de cooperação é menor para grupos que representam interesses difusos em comparação àqueles que o fazem para interesses específicos (OLSON, 1965).

Stigler (1971), por seu turno, analisou o fenômeno da regulação estatal da economia, tradicionalmente explicado pela Teoria do Interesse Público9. Sob a

8 Grupos de interesses difusos possuem natureza ampla, isto é, perseguem interesses que beneficiam públicos amplos. Por seu turno, grupos de interesses específicos perseguem as demandas de seus membros e buscam promover as políticas cujos benefícios são acessados apenas por públicos restritos.

9 Oriunda da economia neoclássica, a Teoria do Interesse Público concebe as regulações como respostas aos mercados ineficientes, isto é, retificações às imperfeições do mercado. Dois pressupostos subsidiam tal concepção: (i) o mercado é frágil e pode funcionar de forma ineficiente

(5)

162

ótica do comportamento racional dos atores envolvidos nos processos regulatórios – empresas e/ou grupos de interesse empresariais e políticos e/ou partidos políticos –, pressupõe-se que os poderes de outorga legítima do Estado podem criar oportunidades de lucro por meio da regulação.

Essa perspectiva está, ainda, baseada em duas importantes contribuições da literatura econômica sobre a política: o pressuposto do eleitor racionalmente ignorante e o da mobilização insuficiente de interesses difusos (PELTZMAN, 1989).

O primeiro destaca a pequena capacidade de controle sobre os representantes por parte dos eleitores devido aos altos custos de monitoramento (DOWNS, 1999). O segundo aponta para a mobilização subótima dos grupos de interesses difusos em decorrência dos dilemas de ação coletiva (OLSON, 1965). Portanto, apenas os interesses específicos assumiriam importância para a modelagem da relação entre partidos políticos e grupos de interesse na provisão de regulação econômica.

Sendo atores racionais que buscam maximizar sua utilidade, os empresários irão perseguir regulação estatal favorável. Como consequência da possibilidade de intervenção estatal na economia, os atores mercantis perseguem seus objetivos também pela política. Do outro lado, políticos e partidos, atores racionais que buscam a reeleição e a manutenção do poder, cientes da dependência de fontes privadas de financiamento para suas campanhas, buscam condições que beneficiem seus financiadores. O resultado é uma relação economicamente subótima, em que as empresas aferem lucros artificialmente criados por regulações que obstruem a competição no mercado de forma direta ou indireta, enquanto os políticos aferem os recursos necessários para se manterem no poder, desequilibrando a competição eleitoral.

A Teoria da Regulação, entretanto, apresenta diferentes debilidades. De maneira geral, ela se baseou fortemente nas instituições políticas norte- americanas, o que restringe seu alcance. De fato, a verificação empírica da teoria não foi sistemática, sendo raros os estudos que buscaram testar suas hipóteses (PELZTMAN, 1989; POSNER, 2004). Outra importante crítica diz respeito à premissa que considera o Estado como um bloco monolítico. As disputas entre

quando autônomo e; (ii) a intervenção estatal na economia apresenta baixo custo (PELTZMAN, 1989; POSNER, 2004).

(6)

163

burocracias, políticos, poderes, entre outros, resultam na presença de múltiplos veto players (PELTZMAN, 1989). Logo, o produto da relação entre grupos de interesse empresariais e diferentes veto players em competição não irá necessariamente refletir as preferências das empresas reguladas.

Finalmente, contrariando as expectativas teóricas da Teoria da Ação Coletiva (OLSON, 1965), estudos verificaram que os interesses difusos também formam organizações capazes de pressão política (MOE, 1980; PELTZMAN, 1989;

SALISBURY, 1969; WALKER, 1991). Em adição, apesar dos problemas de assimetria informacional, partidos e políticos são, em elevado grau, accountables aos eleitores. Nesses termos, a opinião pública surge como importante elemento de incidência sobre as decisões políticas (PAGE e SHAPIRO, 1983; SANTOS et al., 2017). Logo, as preferências do público não mobilizados também afetam as decisões políticas. Por todas essas razões, a Teoria da Regulação não foi capaz de suprir a demanda por rigor teórico do campo de estudos sobre a influência dos grupos de interesse (DÜR, 2008; DÜR e DE BRIÈVRE, 2007a, 2007b; HOJNACKI et al., 2012; LOWERY, 2007, 2013).

3. Breve histórico de produção

A maior parte da produção acadêmica sobre grupos de interesse está concentrada nos Estados Unidos (BAUMGARTNER e LEECH, 1998; HOJNACKI et al., 2012; SALISBURY, 1975), desenvolvendo-se de forma significativa na Europa somente a partir década de 1990 (BEYERS, EISING e MALONEY, 2008; COEN, 2007). Na América Latina, as pesquisas ainda são escassas (THOMAS e KLIMOVICH, 2014), exceto pelo impulso recente ganhado no Brasil (JESUS, 2010;

MANCUSO, 2007; SANTOS, 2014; SANTOS et al., 2015, 2017).

Todavia, as pesquisas sobre a influência dos grupos de interesse baseada nas atividades de lobbying e suporte eleitoral ainda se concentram nos Estados Unidos (BAIRD, 2016; BAUMGARTNER e LEECH, 1998; BAUMGARTNER et al., 2009; DÜR, 2008a; DÜR e DEBRIÈVRE, 2007b; JESUS, 2010; MICHALOWITZ, 2007;

PEDERSEN, 2013; SANTOS, 2011; SANTOS et al., 2015, 2017). Mais numerosas são as iniciativas voltadas à mensuração do sucesso político de determinados grupos,

(7)

164

ou categorias de grupos, em diferentes contextos políticos (BAIRD e FERNANDES, 2014; BATISTA, 2012; BERNHAGEN, 2011; CARVALHO et al., 2016; DINIZ e BOSCHI, 1999; DÜR, BERNHAGEN e MARSHALL, 2015; ELGAR, 2014; GAMBOA et al., 2016; MANCUSO, 2004, 2007).

Em geral, os resultados encontrados pelas pesquisas sobre influência dos grupos de interesse nos Estados Unidos desde a década de 1950 são ambíguos (BAUMGARTNER e LEECH, 1998; SALISBURY, 1975), sobretudo em função da inconsistência teórica dos desenhos de pesquisa (BAUMGARTNER e LEECH, 1998;

DÜR, 2008a; LOWERY, 2007, 2013; SALISBURY, 1975;). Apesar disso, a partir da década de 2000, tem sido observado um padrão predominante de influência via lobbying sobre as decisões políticas, lançando mão, especialmente, de variáveis relativas ao contexto do processo decisório e do refinamento das cadeias causais envolvidas (BAIRD, 2016; HOJNACKI et al., 2012; JESUS, 2010; MICHALOWITZ, 2007; SANTOS, 2011).

Por outro lado, os resultados sobre contribuições eleitorais são ainda predominantemente contraditórios, variando entre ausência de efeito (BRONARS e LOTT, 1997; SANTOS et al., 2015; WAWRO, 2001), efeito condicional (FELLOWES e WOLF, 2004; LANGBEIN, 1993; WITKO, 2006) e efeito positivo substancial (HOLIAN e KREBS, 1997; STRATMANN, 2002). Nesse sentido, acredita-se que a questão de pesquisa enfrentada por essa literatura pode não ter sido a mais adequada, não sendo interessante indagar se os grupos de interesse são influentes, mas sob quais condições, em que medida e por quais meios conseguem influenciar (BAUMGARTNER e LEECH, 1998).

A partir da década de 1990, houve uma grande produção acerca de grupos de interesse na União Europeia com resultados relevantes sobre suas estratégias e funções nos sistemas multiníveis de governança (BEYERS, 2004). Além disso, os desenvolvimentos da literatura abarcaram: o processo de europeização dos grupos (BEYERS e KARREMANS, 2007; DÜR e MATTEO, 2014); os canais de acesso e demandas institucionais (BERNHAGEN, DÜR e MARSHALL, 2015; KLÜVER, BRAUN e BEYERS, 2015); a ampliação da atuação de grupos de interesses difusos (BERKHOUT e LOWERY, 2010; DÜR e DEBRIÈVRE, 2007b); a mensuração do sucesso político de grupos empresariais e de interesses difusos (DÜR,

(8)

165

BERNHAGEN e MARSHALL, 2015) e; a influência (CHALMERS, 2011; DÜR e DEBRIÉVRE, 2007b) e seus condicionantes (MICHALOWITZ, 2007).

No que diz respeito ao sucesso político, Dür, Bernhangen e Marshall (2015) identificaram maior média para os grupos de interesses difusos em comparação com os empresariais por meio da análise de preferências e resultados do processo decisório10. Os resultados da influência, porém, são contraintuitivos. Baseando-se na percepção de influência, Dür e De Brièvre (2007b) identificaram que os grupos de interesses difusos se percebem menos influentes do que os empresariais. De forma distinta, Chalmers (2011) encontrou níveis semelhantes de capacidade de influência de diferentes tipos de grupos de interesse na União Europeia, partindo da análise da política de produção e transmissão de informação pelos grupos.

Analisando casos por meio de process-tracing, Michalowitz (2007) destacou três aspectos condicionantes da influência: (i) o tipo de influência11 que, quando técnico, obtém mais sucesso do que quando direcional; (ii) o grau de conflito que, quando elevado, tende a reduzir a influência dos grupos de interesse, especialmente os empresariais12, e; (iii) o grau de tecnicidade que, quando elevado, amplia a influência dos grupos. Dessa forma, observa-se a persistência de resultados ambíguos na literatura sobre influência dos grupos de interesse na União Europeia em decorrência de problemas teóricos iguais aos presentes nos Estados Unidos: multiplicidade de abordagens teóricas e de estratégias de pesquisa para analisar um mesmo fenômeno.

Na América Latina, apesar de os grupos empresariais e profissionais ainda serem preponderantes, têm ocorrido mudanças nos últimos 30 anos. Há um contínuo processo de dispersão de poder na sociedade civil, bem como uma contraposição, cada vez mais forte e recorrente, de outros grupos de interesse, tais

10 Resultado semelhante foi observado por Bernhagen (2011) para o sucesso político dos grupos de interesse na Inglaterra, a partir de uma amostra de 163 propostas enviadas pelo Governo para o Parlamento, identificadas em reportagens jornalísticas entre 2001 e 2007.

11 A influência do tipo técnico consiste na alteração da especificação da regulação, enquanto a do tipo direcional busca alterar o sentido da legislação (MICHALOWITZ, 2007).

12 Dür, Bernhagen e Marshall (2015) identificaram efeito semelhante ao analisar sucesso político:

elevado grau de conflito implica em menor sucesso dos interesses empresariais e maior sucesso dos interesses difusos.

(9)

166

como trabalhadores, ambientalistas e étnicos (CESÁRIO, 2016; GOZETTO e THOMAS, 2014; RESENDE, 2018; SANTOS, 2014; THOMAS e KLIMOVICH, 2014).

Ao passo que o estudo dos grupos permanece escasso na região, outras abordagens são mais comuns: o corporativismo (BOSCHI, 1991; MALLOY, 1977;

REIS, 1989; WIARDA, 2004) e a ação política do empresariado na perspectiva da economia política (CASTAÑEDA, 2017; DINIZ e BOSCHI, 2004; FREYTES, 2013;

RIVERA, 2002). No Brasil, pesquisas destacam o elevado grau de sucesso político dos setores industrial e agropecuário no Congresso Nacional (MANCUSO, 2004, 2007; RIBEIRO, 2019; SANTOS, 2011). Por outro lado, o sucesso do empresariado é relativamente menor nas agências reguladoras (BAIRD e FERNANDES, 2014;

BATISTA, 2012) e no Supremo Tribunal Federal (CARVALHO et al., 2016), mas predominante dentre as categorias de grupos de interesse.

Santos (2011) traz um dos poucos estudos orientados para mensuração da influência dos grupos de interesse na Câmara dos Deputados. Sua análise tem por referência a atuação da Confederação Nacional da Indústria e, por meio de análise multivariada, encontra resultados alinhados às expectativas teóricas: (i) efeito positivo, mas pequeno, do volume do lobbying sobre o sucesso político; (ii) efeito substancial da autoria das proposições pelo governo, como fundamentado na Teoria do Presidencialismo de Coalizão (FIGUEIREDO e LIMONGI, 1999) e; (iii) ausência de efeito estatisticamente significativo para counterlobbying. Destacam-se como condicionantes do efeito do lobbying, o tempo de tramitação da proposição e a defesa do status quo regulatório, ambos positivamente associados ao sucesso político da indústria.

De um lado, quanto maior o tempo de exposição dos deputados, maior o sucesso dos industriais (SMITH, 1984). De outro, defender o status quo, isto é, as regulações vigentes, é mais fácil do que alterá-las em ambientes com elevado número de veto players (BAUMGARTNER e LEECH, 1998; MANCUSO, 2007).

Contrariando as expectativas teóricas, Santos (2011) e Santos et al. (2015) não observaram relação estatisticamente significante entre volume de doações eleitorais da indústria e cooperação dos deputados com os interesses da indústria nas votações ocorridas na Câmara dos Deputados. Em ambos os estudos, os resultados se alinham ao padrão mais amplo observado na literatura: resultados

(10)

167

menos contraditórios e alinhados às expectativas teóricas para o efeito do lobbying, e mais ambíguos para o efeito das contribuições eleitorais sobre o sucesso político.

Finalmente, comparando as causas do sucesso político de organizações representantes dos interesses municipais no Brasil e na Holanda, Jesus (2010) identificou que os casos de sucesso têm características comuns: (i) forte mobilização da base, isto é, dos prefeitos, ou forte apoio popular; (ii) o emprego combinado de táticas de lobbying direto e indireto e; (iii) o uso de influência técnica. De maneira geral, os resultados observados por Jesus (2010) se alinham às expectativas teóricas, isto é, o emprego combinado de táticas de lobbying direto e indireto como mais efetivo do que táticas somente diretas ou indiretas (BEYERS, 2004; BINDERKRANTZ, 2005), e o emprego de influência técnica como mais efetivo do que a influência direcional (MICHALOWITZ, 2007).

É importante destacar dois outros achados tangenciais na literatura brasileira. Primeiro, a verificação de que a presença de elevado grau de conflito não impede o sucesso dos grupos, o que pode estar relacionado ao posicionamento da opinião pública (JESUS, 2010). Segundo, a observação realizada por Santos et al.

(2017) de que a mobilização da opinião pública afeta de forma distinta o efeito do lobbying dos grupos de interesse.

Na medida em que o grau de conflito está associado ao aumento de atores e grupos envolvidos, reverberando na mobilização da opinião pública como tática clássica de lobbying indireto, posicionamentos contra majoritários passam a enfrentar a pressão da opinião pública, reduzindo o efeito do lobbying. Portanto, grau de conflito e opinião pública seguem figurando como elementos de grande importância na análise da influência e devem ser incorporados nas pesquisas brasileiras sobre o tema, o que permitiria alavancar a validade interna das inferências sobre influência.

A ampliação do grau de conflito e a mobilização de novos grupos de interesse insere outro elemento de suma importância, tipicamente criticado por sua ausência nas pesquisas sobre influência, o counterlobbying (BAUMGARTNER e LEECH, 1998). Ao expandir o conflito e buscar construir coalizões, os grupos de interesse mobilizam aliados, implicando na intensificação da competição por

(11)

168

influência entre favoráveis e contrários à proposta em análise. Assim, se desconsiderado da análise, o efeito pouco substantivo do lobbying é mascarado pelo efeito mais intenso do counterlobbying.

4. Desafios teóricos e metodológicos acumulados

Ao analisar a literatura norte-americana, Salisbury (1975) observou que o aumento dos estudos sobre o efeito dos grupos de interesse no processo político não era acompanhado da acumulação de conhecimento. Segundo ele, esse cenário se devia, especialmente, a dois fatores: (i) pesquisas deficientes quanto à validade externa, já que, em geral, tratava-se de estudos de casos significativamente limitados, e; (ii) emprego de base teórica frágil, com diversos desacordos conceituais, de mensuração e sobre o papel dos grupos no processo político.

Mais de vinte anos depois, Baumgartner e Leech (1998) descreveram o campo de estudos sobre influência dos grupos de forma semelhante: intensificação de pesquisas e baixa cumulatividade. Os problemas estavam além do tipo de desenho de pesquisa utilizado, já que estudos com grande número de observações, desenvolvidos a partir da década de 1980, fracassaram em dotar o campo de comparabilidade, capacidade de generalização e resultados robustos. Além disso, o campo enfrenta desacordos teóricos sobre aspectos centrais (BAUMGARTNER e LEECH, 1998; BEYERS, EISING e MALONEY, 2008; COEN, 2007; DÜR e DE BRIÈVRE, 2007a; SALISBURY, 1975), entre eles: O que são os grupos de interesse?

Qual seu papel no processo político? O que é a influência? Como mensurá-la? Por quais mecanismo opera? Em que momento é mais relevante (agendamento, formulação, decisão)?

Portanto, o problema fundamental dos estudos sobre lobbying e contribuição de campanha é a falta de comparabilidade dos resultados (BAUMGARTNER e LEECH, 1998). Ainda, a existência de faces invisíveis do poder torna a identificação empírica sempre parcial, sendo primordial o emprego de conceito explícito de influência, de forma a permitir cumulatividade às pesquisas13

13 A segunda face do poder diz respeito à capacidade de impedir a produção de uma decisão bloqueando o agendamento, ou seja, consiste em impedir que algumas questões sejam analisadas

(12)

169

(BACHRACH e BARATZ, 1962; LUKES, 1974). Além disso, existem diferentes caminhos pelos quais a influência pode ocorrer e, mesmo controlando vários deles, muitos são de difícil detecção. O problema da mensuração da influência está, desse modo, vinculado à ausência de consenso conceitual, mas também à operacionalização, sobre onde e como observá-la.

O tratamento dado à questão da influência pelas abordagens pluralista e elitista é um dos responsáveis pelos resultados ambíguos (BAUMGARTNER e LEECH, 1998; LOWERY, 2007, 2013). Ambas pressupõem grupos poderosos sem considerar as incertezas inerentes às atividades de ação coletiva e influência. Já a abordagem neopluralista assume que os resultados da atividade de lobbying serão inerentemente incertos (LOWERY, 2007; LOWERY e GRAY, 2004).

O neopluralismo busca desenvolver o estudo de grupos de interesse de forma integrada, identificando as relações entre diferentes dimensões (recrutamento e operação) e fases (mobilização e manutenção). Para isso, atenta- se aos problemas gerados pela incerteza dos indivíduos e grupos nas fases de mobilização e manutenção, e o modo como fatores contextuais moldam a capacidade de ação nas dimensões de recrutamento e operação (LOWERY e GRAY, 2004). Por consequência, uma importante alteração situa a discussão para além dos resultados políticos. Isso porque fazer lobbying não se limita à busca de influência do processo decisório, podendo envolver, entre outros, o recrutamento de novos membros, o fortalecimento da identidade do grupo ou a atração de financiadores (LOWERY, 2007, 2013).

Ademais, como apontam Baumgartner et al. (2009), os resultados contraditórios das pesquisas sobre a influência dos grupos de interesse emergem da desconsideração do desenho institucional dos sistemas políticos democráticos.

Estes são orientados para garantir distribuição de poder e, assim, tornar menos provável a ocorrência de controle unilateral das decisões políticas por qualquer agente inserido no processo decisório.

pelas instâncias decisórias (BACHRACH e BARATZ, 1962). A terceira face está na capacidade de grupos sociais determinarem a formação das preferências dos indivíduos em uma comunidade (LUKES, 1974).

(13)

170

A incerteza sobre a capacidade de influência dos grupos é potencializada quando se percebe que diferentes tipos de recursos podem ser mobilizados com finalidade política e, a depender da estratégia, são tão efetivos quanto os recursos materiais, como argumentavam os pluralistas norte-americanos (BAUMGARTNER et al., 2009; LOWERY e GRAY, 2004). Por exemplo, o número de membros ou apoiadores também é importante para o processo político, uma vez que possibilita mobilizações de massa, desperta a atenção da mídia, permite amplas campanhas de arrecadação, aporta legitimidade à ação do grupo e a pressão pela via eleitoral. Assim, grupos com recursos materiais limitados podem compensar sua capacidade de pressão com outros tipos de recursos (MOE, 1981;

SALISBURY, 1975).

Dois outros fatores relevantes ainda não foram adequadamente explorados:

a relação dos grupos com decision-makers e a figura do lobista. Primeiro, o status de insider de um grupo facilita seu lobbying, já que, na visão dos decision-makers, o grupo conta com legitimidade para falar em nome de parcela relevante da sociedade (BEYERS, 2004; BEYERS e BRAUN, 2014; BINDERKRANTZ, 2005). De encontro à ideia pluralista do Estado como receptor neutro dos inputs da sociedade, o alinhamento de preferências entre decision-maker e grupos de interesse traz pontos de inflexão como a ação de advocates14, sejam eles funcionários públicos de carreira ou eletivos (BAUMGARTNER et al., 2009). Isso porque os advocates podem desequilibrar a disputa por influência, na medida em que dispõem de recursos institucionais e posição privilegiada no interior do aparato estatal.

Quanto à figura do lobista15 (LOWERY, 2013), ressalta-se sua exclusiva aplicação à relação entre grupo de interesse e lobista outdoor, ou seja, contratado pelo grupo, mas não parte de seu quadro de funcionários. Há, nessa relação, um problema clássico de agência: se os interesses dos clientes forem conflitantes, concorrentes na disputa por influência, qual deles o lobista irá seguir? Além disso,

14 Advocates são atores institucionais alinhados com as preferências de um grupo de interesse, seja por sua influência em momento anterior ou pela congruência de preferências (BAUMGARTNER et al., 2009).

15 De acordo com Thomas (2004), o lobista é o representante do grupo de interesse na busca por influência nas decisões políticas.

(14)

171

lobistas podem oferecer mais serviços do que o necessário ou delongar a questão para estender seu contrato. Portanto, resta compreender sob quais condições a capacidade de controle exercida pelos grupos de interesse (principal) sobre o lobista (agent) é suficiente para produzir os resultados esperados com as atividades de lobbying.

5. Novos caminhos para a análise de influência dos grupos de interesse

Considerando as dificuldades envolvidas na mensuração da influência dos grupos de interesse, duas novas agendas de pesquisa surgiram. A primeira foca na dinâmica de mobilização e na conformação de sistemas de grupos de interesse (CESÁRIO, 2016; GRAY e LOWERY, 1996; RESENDE, 2018). A segunda se volta aos padrões de comportamento estratégico dos grupos, procurando identificar e explicar quais táticas empregam, e em que medida esse comportamento está associado ao sucesso político (BAUMGARTNER e LEECH, 1998; LEECH, 2010).

Essas novas agendas de pesquisa se afastaram do tratamento direto da influência dos grupos e buscaram compreender sua interação com instituições e atores. Esse cenário permitiu a formulação de modelos capazes de associar: (i) padrões de vieses no sistema de grupos de interesse e padrões regulatórios (CESÁRIO, 2016; RESENDE, 2017, 2018), e; (ii) o sucesso político nos padrões de comportamento estratégico16 (HOJNACKI et al., 2012; LEECH, 2010).

O estudo das táticas e estratégias dos grupos permitiu o emprego de surveys capazes de produzir indicadores com maior validade que os de lobbying ou influência. Os resultados dos surveys, apesar de oriundos de diferentes populações, convergiram em vários aspectos: (i) táticas de lobbying direto entre as mais frequentes, tais como contato direto com decision-makers, participação em audiências públicas, contatos informais, elaboração de projetos de lei e emendas;

(ii) padrão ambíguo de mobilização da mídia e judicialização das decisões políticas

16 Os estudos sobre sistemas de grupos observam a influência por meio da dinâmica de mobilização e, dessa forma, não fazem parte do escopo deste artigo. Já os estudos sobre táticas seguem as trilhas dos antigos pluralistas, buscando relacionar a ação dos grupos de interesse ao sucesso político.

Portanto, integram o escopo do artigo.

(15)

172

por grupos de interesse; (iii) uso regular de táticas de lobbying indireto não contenciosas, a exemplo do envio massivo de cartas e e-mails e realização de abaixo-assinado; (iv) baixa frequência do uso de táticas de lobbying indireto contenciosas, como protestos (BINDERKRANTZ, 2008; NOWNES e FREEMAN, 1998; SANTOS et al., 2017; SCHLOZMAN e TIERNEY, 1986; WALKER, 1991).

Portanto, um dos principais achados está no uso de um diversificado conjunto de táticas, de um lado, e repertórios semelhantes entre grupos diferentes, de outro.

Essa agenda de pesquisa, porém, tem enfrentado duas críticas: (i) a ausência de exploração sobre as atividades desenvolvidas pelos grupos com finalidade de monitoramento e agendamento das issues de interesse e (ii) a não integração dos apontamentos dos estudos de caso que consideram o efeito das características contextuais sobre o comportamento dos grupos de interesse.

Primeiro, como apontado por Dexter (1969), os grupos concentram grande parte dos seus esforços em atividades não diretamente vinculadas ao estágio de votação de uma proposta, mas no monitoramento (HEINZ et al., 1993) e na busca pelo agendamento (SCHLOZMAN e TIERNEY, 1986). Entretanto, os estudos sobre lobbying ainda não exploraram essa perspectiva do comportamento estratégico dos grupos, permanecendo o foco nas táticas de pressão (BEYERS, 2004;

BINDERKRANTZ, 2005, 2008; DÜR e MATTEO, 2013).

Segundo, embora o emprego de surveys tenha permitido acessar maior volume de dados, perguntas imprecisas sobre frequência ou efetividade de táticas escondem diferenças importantes no comportamento e percepção dos grupos de interesse, sobretudo por não controlar os efeitos dos fatores contextuais e organizacionais. Dessa forma, é necessário combinar a capacidade de generalização dessa técnica de coleta de dados a elementos como grau de conflito, saliência na opinião pública e counterlobbying, presentes em estudos de caso. Essa combinação alavancaria a validade interna das pesquisas que buscam relacionar padrões de comportamento estratégico ao sucesso político dos grupos de interesse.

No campo voltado aos padrões de comportamento estratégico, a questão principal é averiguar se diferentes tipos de grupos de interesse, especialmente os de interesse específico e difuso, têm repertório tático similar, e se dele lançam mão

(16)

173

com a mesma intensidade. Se afirmativa, a resposta encerra o problema do viés nas decisões políticas no que diz respeito à influência dos grupos. A explicação das decisões políticas passaria a residir em outros fatores, como a estrutura de preferências da elite política e a opinião pública. Se a resposta for negativa, o problema da influência assimétrica dos grupos de interesse permanece.

Nesse sentido, baseados nos apontamentos de Olson (1965), muitos estudos consideraram que a variação entre as táticas adotadas por diferentes tipos de grupo ocorre em função da capacidade de mobilização. Com isso, habituou-se a tratar as táticas em duas categorias, diretas e indiretas. Sabe-se que as táticas de lobbying direto (inside) são de alto custo, pois envolvem a contratação de profissionais de relações institucionais e públicas, a produção e sistematização de informação técnica e política, o monitoramento contínuo, entre outras ações. Já as táticas de lobbying indireto (outside) dispendem menos recursos, não sendo contínuas e evocando a cooperação dos interessados em demonstrações de mobilização de massa, como protestos, abaixo-assinados e envio de e- mails/cartas17.

Sendo assim, grupos de interesses específicos tendem a empregar predominantemente táticas inside, enquanto os de interesses difusos, as outside. Ao passo que alguns pesquisadores advogam que os grupos se especializam no emprego de estratégias diferentes a depender de sua capacidade organizacional (BINDERKRANTZ, 2008; DÜR e MATTEO, 2013; GAIS e WALKER, 1991), outros defendem haver fatores para além do tipo de interesse (BEYERS, 2004;

BINDERKRANTZ, 2005; LOWERY e GRAY, 2004).

Nesse sentido, Mahoney e Baumgartner (2008) identificam importante convergência entre as literaturas norte-americana e europeia em relação ao efeito do desenho institucional sobre o comportamento estratégico dos grupos de interesse. Seguindo a argumentação neo-institucionalista, os autores destacam que as instituições geram estruturas de oportunidade que permitem aos grupos aumentarem o grau de acesso ao processo decisório. De forma similar, Mahoney

17 Inside lobbying envolve o conjunto de táticas de lobbying orientadas para o contato direto com os decision-makers, enquanto o outside lobbying envolve a influência sobre a opinião pública e, indiretamente, nos decision-makers (BEYERS, 2004).

(17)

174

(2008) destaca três aspectos dos desenhos institucionais relevantes para o comportamento dos grupos de interesse: a dependência eleitoral dos decision- makers, a organização do processo decisório e a distribuição horizontal e vertical do poder.

A dependência eleitoral torna os decision-makers mais sensíveis à ação dos grupos de interesse, considerando os efeitos da mobilização da opinião pública e da ativação dos mecanismos de accountability. Esses elementos podem influenciar os resultados eleitorais por meio do suporte aos candidatos alinhados às preferências dos grupos, expresso no financiamento de campanha, mobilização da rede de membros, disponibilização de recursos humanos e materiais, entre outros.

Por sua vez, a organização do processo decisório permite identificar onde os grupos agem, como e por qual motivo, na medida em que regula as prerrogativas dos atores políticos e institucionais para propor, avaliar, vetar e alterar políticas públicas. O grau de dispersão do poder de proposição afeta a capacidade de alteração do status quo pelos grupos, enquanto o de veto, sua manutenção.

Já a distribuição horizontal e vertical de poder incide sobre a relevância das diferentes arenas para a atuação dos grupos de interesse, assim como o alinhamento entre a oferta de recursos, por parte dos grupos, e a demanda institucional de cada arena, a exemplo de informação e legitimidade (BEYERS, 2004; BINDERKRANTZ, 2005; CHALMERS, 2013; COEN, 2007; KLÜVER, BRAUN e BEYERS, 2015). Nos sistemas dominados pelo Poder Executivo, os grupos tendem a empregar informação técnica. Naqueles dominados pelo Poder Legislativo, a tendência está no uso de táticas de troca de informação política (BOUWEN, 2002).

Recorrer ao Poder Judiciário também pode ser uma forma de alterar a conformação da agenda política e impedir alterações no status quo, embora sua utilização dependa do grau de acesso a essa instituição. A divisão vertical de poder dispersa ou centraliza a competição por influência, afeta a organização do processo decisório e permite a criação de demandas geograficamente localizadas.

Outros fatores que afetam o padrão de comportamento estratégico dos grupos são: o grau de conflito da issue, a reputação do grupo e a formação de coalizão. No que diz respeito ao grau de conflito, Dür e Matteo (2013) observam que o comportamento de grupos de interesse específicos (empresariais e

(18)

175

profissionais) e difusos são afetados de formas diferentes. Os primeiros empregam majoritariamente táticas de lobbying direto quando enfrentam baixo grau de conflito, e táticas indiretas em contextos nos quais esse grau é alto. Por outro lado, grupos de interesses difusos não alteram sua estratégia de acordo com o grau de conflito, utilizando predominantemente táticas de lobbying indireto.

Em relação à reputação, Binderkrantz (2005) aponta para a importância do prestígio público do grupo como indutor da atribuição do status de insider pelos decision-makers. Tal status permite contatos regulares do grupo com esses atores, gerando relações de confiança que retroalimentam o grau de acesso ao processo decisório. Nessa condição, os grupos são induzidos a empregar majoritariamente as táticas de lobbying direto.

Por fim, a formação de coalizões permite aos grupos de interesse aumentar a capacidade de mobilização, acessar recursos, informação e expertise diferentes (BAUMGARTNER e MAHONEY, 2002). No entanto, elas resultam em custos para os envolvidos, especialmente no que diz respeito à sobrevivência. Dessa perspectiva, integrar coalizões afeta a credibilidade da organização perante os membros, especialmente quando a estratégia de mobilização se baseia em benefícios de natureza moral, ou seja, quando se trata de interesses difusos. Assim, grupos empresariais formam coalizões com mais facilidade, garantindo acesso a um volume ainda maior de recursos para suas atividades de lobbying (BEYERS e DEBRUYCKER, 2018).

6. Considerações finais

O artigo buscou apresentar um panorama da literatura voltada à influência dos grupos de interesse, entendendo que conhecer o campo e seus principais desafios é necessário ao avanço do conhecimento. A análise revelou a manutenção da ausência de coesão teórica e metodológica como o problema central. Essa ausência foi responsável por resultados pouco robustos e pela inviabilização de comparabilidade entre diferentes estudos. Ainda assim, há importantes contribuições vindas de pesquisas realizadas nos Estados Unidos e nos países europeus. Todavia, os estudos sobre o tema na América Latina ainda são escassos.

(19)

176

Lidar com esse problema impele os pesquisadores a refletirem sobre ao menos três aspectos frágeis tipicamente presentes nos estudos sobre influência:

mecanismos causais, validade dos indicadores e capacidade inferencial. Em primeiro lugar, a reflexão sobre os mecanismos causais que conectam a atividade dos grupos ao sucesso político, assim como as variáveis intervenientes da relação postulada, torna possível senão eliminar, ao menos ter ciência de potenciais confounders.

Em segundo lugar, a aproximação crítica do processo de operacionalização das variáveis, considerando lobby, saliência pública, counterlobbying, grau de conflito, entre outras variáveis relevantes, como intrinsecamente complexas e de difícil mensuração, possibilitaria a construção de indicadores compartilhados entre diferentes pesquisas e o aprimoramento das suas validades.

Em terceiro lugar, a reflexão sobre a capacidade inferencial do desenho de pesquisa empregado, tendo por referência uma definição explícita do conceito de influência, permitiria ampliar o espoco de comparabilidade e cumulatividade das pesquisas, ao mesmo tempo que limitaria a pretensão inferencial e as dotaria de maior densidade teórica.

Atualmente, um grande entrave dessa literatura está no teste da suficiência de variáveis contextuais (saliência, grau de conflito e counterlobbying), institucionais (grau de dependência de recursos exógenos, número de veto players, extensão do poder de vetos) e táticas (contatos diretos, participação em audiência públicas, campanhas midiáticas, contribuição eleitoral) na explicação do sucesso dos grupos. Adicionalmente, não é inesperado que os resultados da influência dos grupos, ponderando as variáveis citadas, seja pequeno. É por essa razão que variáveis institucionais e contextuais assumem relevância nas pesquisas recentes, sendo capazes de captar duas dimensões cruciais na identificação da influência:

dispersão de poder na sociedade civil e insulamento do processo decisório.

Tendo isso em vista, os pesquisadores do caso brasileiro, que contam com vastas possibilidades de expansão do campo, podem partir de resultados já encontrados por estudos anteriores, adicionando as dimensões institucional e contextual com a finalidade de verificar as especificidades presentes nas atividades de influência dos grupos de interesse que aqui operam. Nesse sentido, as diversas

(20)

177

ramificações da agenda de pesquisa assumem especial importância. Para compreender a função política dos grupos é necessário conhecer seu papel no ciclo de políticas públicas, no processo de participação política, nos dilemas de ação coletiva, suas formas de atuação, relações com os partidos políticos e com a burocracia. Somente assim, reconhecendo e tratando toda complexidade que envolve o estudo dos grupos, será possível oferecer respostas mais abrangentes sobre sua influência política.

7. Referências

BACHRACH, P.; BARATZ, M. Two Faces of Power. American Political Science Review, v. 56, n. 4, p. 947-952, 1962.

BAIRD, M. O Lobby na Regulação da Publicidade de Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Revista Sociologia e Política, v. 24, n. 57, p. 67-91, 2016.

BAIRD, M.; FERNANDES, I. Flying in Clear Skies: Technical Arguments Influencing ANAC Regulations. Brazilian Political Science Review, v. 8, n. 2, p. 70-92, 2014.

BATISTA, M. Mecanismos de Participação e Atuação de Grupos de Interesse no Processo Regulatório Brasileiro: O Caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Revista de Administração Pública, v. 46, n. 4, p.969-992, 2012.

BAUMGARTNER, F.; LEECH, B. Basic Interest: The Importance of Groups in Politics and in Political Science. Princeton: Princeton University Press, 1998.

BAUMGARTNER, F.; MAHONEY, C. Gaining Government Allies: Interest Group Lobbying Strategies and Government Response. In: MIDWEST POLITICAL SCIENCE ASSOCIATION ANNUAL MEETINGS, 2002, Chicago.

BAUMGARTNER, F.; BERRY, J.; HOJNACKI, M.; KIMBALL, D.; LEECH, B. Does Money Buy Policy? In: BAUMGARTNER, F.; BERRY, J.; HOJNACKI, M.; KIMBALL, D.; LEECH, B. Lobbying and Policy Change: Who Wins, Who Loses, and Why. Chicago/London:

University of Chicago Press, 2009, p. 190-214.

BENTLEY, A. The Process of Government: A Study of Social Pressure Chicago:

University of Chicago Press, 1908.

BERKHOUT, J.; LOWERY, D. The Changing Demography of the European Union Interest System since 1990. European Union Politics, v. 11, n. 3, p. 447-461, 2010.

(21)

178

BERNHAGEN, P. Who Gets What in British Politics – and How? An Analysis of Media Reports on Lobbying around Government Policies, 2001-2007. Political Studies, v. 60, n. 3, p. 557-577, 2011.

BERNHAGEN, P.; DÜR, A.; MARSHALL, D. Information or Context: What Accounts for Positional Proximity Between the European Commission and Lobbyists?

Journal of European Public Policy, v. 22, n. 4, p. 570-587, 2015.

BEYERS, J. Voice and Access: Political Practices of European Interest Associations.

European Union Politics, v. 5, n. 2, p. 211-240, 2004.

BEYERS, J.; KARREMANS, B. Critical Resources Dependencies and the Europeanization of Domestic Interest Groups. Journal of European Public Policy, v. 14, n. 3, p. 460-481, 2007.

BEYERS, J.; BRAUN, C. Ties that Count: Explaining Interest Group Access to Policymakers. Journal of Public Policy, v. 34, n. 1, p. 93-121, 2014.

BEYERS, J.; DEBRUYCKER, I. Lobbying Makes (Strange) Bedfellows: Explaining the Formation and Composition of Lobbying Coalitions in EU Legislative Politics.

Political Studies, v. 66, n. 4, p. 959-984, 2018.

BEYERS, J.; EISING, R.; MALONEY, W. Researching Interest Group Politics in Europe and Elsewhere: Much We Study, Little We Know? West European Politics, v. 31, n.

6, p. 1103-1128, 2008.

BINDERKRANTZ, A. Interest Group Strategies: Navigating Between Privileged Access and Strategies of Pressure. Political Studies, v. 53, p. 694-715, 2005.

BINDERKRANTZ, A. Different Groups, Different Strategies: How Interest Groups Pursue Their Political Ambitions. Scandinavian Political Studies, v. 31, n. 2, p.

173-200, 2008.

BOUWEN, P. Corporate Lobbying in the European Union: The Logic of Access.

European Union Politics, v. 9, n. 3, p. 365-390, 2002.

BOSCHI, R. Corporativismo e Desigualdade: A Construção do Espaço Público no Brasil. Rio de Janeiro: IUPERJ/Rio Fundo, 1991.

BRONARS, S.; LOTT, J. JR. Do Campaign Donations Alter How a Politician Votes? Or, Do Donors Support Candidates Who Value the Same Things that They Do? Journal of Law and Economics, v. 40, n. 2, p. 317-350, 1997.

CARVALHO, E.; SANTOS, M.; GOMES NETO, J.; BARBOSA, L. Judicialización de la Política y Grupos de Presión en Brasil: Intereses, Estrategias y Resultados.

America Latina Hoy, v. 72, p.59-88, 2016.

(22)

179

CASTAÑEDA, N. Business Interest Groups and Policy-making in South America. In: RIGGIROZZI, P.; WYLDE, C. (Orgs.). Handbook of South American Governance, Abingdon: Routledge, 2017, p. 262-274.

CESÁRIO, P. Redes de Influência no Congresso Nacional: Como se Articulam os Principais Grupos de Interesse. Revista de Sociologia e Política, v. 24, n. 59, p.

109-127, 2016.

CHALMERS, A. Interest, Influence and Information: Comparing the Influence of Interest Groups in the European Union. Journal of European Integration, v. 33, n.

4, p. 471-486, 2011.

CHALMERS, A. With a Lot of Help from their Friends: Explaining Social Logic of Informational Lobbying in the European Union. European Union Politics, v. 14, n.

4, p. 475-496, 2013.

COEN, D. Empirical and Theoretical Studies in EU Lobbying. Journal of European Public Policy, v. 14, n. 3, p. 333-345, 2007.

CRAWFORD, K. The Pressure Boys: The Inside Story of Lobbying in America. New York: J. Messner, 1939.

DAHL, R. Poliarquia: Participação e Oposição. São Paulo: EDUSP, 2005.

DINIZ, E.; BOSCHI, R. O Legislativo como Arena de Interesses Organizados: A Atuação dos Lobbies Empresariais. LOCUS: Revista de História, v. 5, n. 3, p. 7-32, 1999.

DINIZ, E.; BOSCHI, R. Empresários, Interesses e Mercado: Dilemas do Desenvolvimento no Brasil. Belo Horizonte/ Rio de Janeiro: Editora UFMG/

IUPERJ, 2004.

DEXTER, L. How Organizations are Represented in Washington. Indianapolis:

Bobbs-Merrill, 1969.

DOWNS, A. An Economic Theory of Democracy. New York: Harper & Bros, 1999.

DÜR, A. Measuring Interest Group Influence in the EU: A Note of Methodology.

European Union Politics, v. 9, n. 4, p. 556-576, 2008a.

DÜR, A. Interest Groups in European Union: How Powerful Are They?. West European Politics, v. 31, n. 6, p. 1212-1230, 2008b.

DÜR, A.; DEBRIÈVRE, D. The Question of Interest Group Influence. Journal of Public Policy, v. 27, n. 1, p. 1-12, 2007a.

DÜR, A.; DE BRIÈVRE, D. Inclusion without Influence? NGOs in European Trade Policy. Journal of Public Policy, v. 27, n. 1, p. 79-101, 2007b.

(23)

180

DÜR, A.; MATEO, G. Gaining Access or Going Public? Interest Group Strategies in Five European Countries. European Journal of Political Research, v. 52, p. 660- 686, 2013.

DÜR, A.; MATEO, G. The Europeanization of Interest Groups: Group Type, Resources and Policy Area. European Union Politics, v. 15, n. 4, p. 572-594. 2014.

DÜR, A.; BERNHAGEN, P.; MARSHALL, D. Interest Group Success in the European Union: When (and Why) Does Business Lose? Comparative Political Studies, v.

48, n. 88, p. 951-983, 2015.

ELGAR, R. Women's Rights in Transition: The Collision of Feminist Interest Groups, Religion and Non‐governmental Organizations in Three Latin American Countries.

Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3-4, p. 359– 368, 2014.

FELLOWES, M.; WOLF, P. Funding Mechanisms and Policy Instruments: How Business Campaign Contributions Influence Congressional Votes. Political Research Quarterly, v. 57, n. 2, p. 315-324, 2004.

FIGUEIREDO, A.; LIMONGI, F. Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999.

FIGUEIREDO, J.; RICHTER, B. Advancing the Empirical Research on Lobbying.

Annual Review of Political Science, v. 17, p. 163-185, 2014.

FREYTES, C. Empresarios y Política en la Argetina Democrática: Actores, Procesos y Agendas Emergentes. Revista de la Sociedad Argentina de Análisis Político, v.

7, n. 2, p. 349-363, 2013.

GAIS; T.; WALKER, J. Pathways to Influence in American Politics. In: WALKER, J.

(Ed.). Mobilizing Interest Groups in America. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1991, p. 103-121.

GAMBOA, R.; SEGOVIA, C.; AVENDAÑO, O. Interest Groups and Policymaking:

Evidence from Chile, 2006-2014. Interest Groups & Advocacy, v. 5, n. 2, p. 141- 164, 2016.

GOZETTO, A.; THOMAS, C. Interest Groups in Brazil: A New Era and Its Challenges.

Journal of Public Affairs, v. 14, n. 3-4. p. 212-239, 2014.

GRAY, V; LOWERY, L. The Population Ecology of Interest Representation. Ann Arbor: University of Michigan Press, 1996.

HEINZ, J.; LAUMANN, E.; NELSON, R.; SALISBURY, R. The Hollow Core: Private Interests in National Policymaking. Cambridge: Harvard University Press, 1993.

Referências

Documentos relacionados

São eles, Alexandrino Garcia (futuro empreendedor do Grupo Algar – nome dado em sua homenagem) com sete anos, Palmira com cinco anos, Georgina com três e José Maria com três meses.

Após a colheita, normalmente é necessário aguar- dar alguns dias, cerca de 10 a 15 dias dependendo da cultivar e das condições meteorológicas, para que a pele dos tubérculos continue

b) Execução dos serviços em período a ser combinado com equipe técnica. c) Orientação para alocação do equipamento no local de instalação. d) Serviço de ligação das

A Escala de Práticas Docentes para a Criatividade na Educação Superior foi originalmente construído por Alencar e Fleith (2004a), em três versões: uma a ser

Acreditamos que o estágio supervisionado na formação de professores é uma oportunidade de reflexão sobre a prática docente, pois os estudantes têm contato

AC AC TROMBONE II a VIII JLA JLA METAIS 4. AC AC

Os resultados são apresentados de acordo com as categorias que compõem cada um dos questionários utilizados para o estudo. Constatou-se que dos oito estudantes, seis

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o