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M HISTÓRICA DO ESPAÇ O URBANOE UMA ABORDAGEM GEOGRÁFICA DA CIDADE NA HISTÓ RIA

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UMA ABORDAGEM

HISTÓRICA DO ESPAÇO URBANO E UMA

ABORDAGEM

GEOGRÁFICA

DA CIDADE NA HISTÓRIA

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PAULO ROBERTO RODRIGUES SOARES'

NMLKJIHGFEDCBA

1 -INTRODUÇÃO

Nos últimos meses, fui procurado várias vezes por estudantes de História para discutir temas referentes ao espaço urbano e à cidade. Trata-se de uma nova área de interesTrata-se para esTrata-ses estudantes, que, a partir das novas tendências da pesquisa historiográfica, lançam suas inquietações para temas como o cotidiano operário, o mundo do trabalho, a arqueologia industrial, o movimento sindical, os movimentos sociais, questões de gênero. Com isso, os temas relativos à espacial idade ganham importância maior dentro do temário da História, reaproximando essa ciência da Geografia. O movimento tende a ser de duas mãos. Na Geografia temos uma fértil reaproximação com a História e demais ciências sociais, com as quais o geógrafo tende a dialogar cada vez mais. Obviamente essa reaproximação é em todos os aspectos diferenciada daquela camisa-de-força imposta durante os anos dos famigerados "Estudos Sociais", quando o que prevaleceu foi a descaracterização das ciências sociais como Ciências, em favor do enciclopedismo e da instrumentalização doutrinária do conhecimento produzido. Hoje, a reaproximação se dá sem amarras, preservando as especificidades de cada ciência e alargando o que cada uma tem de original nas suas ferramentas de pesquisa e análise (construídas socialmente por geógrafos e historiadores do passado, enriquecidas pelos avanços dessas ciências no presente) e em que pontos cada uma contribui para uma explicação mais rica e mais precisa do mundo em que vivemos, partindo do pressuposto de que este não vai ser explicado por apenas uma ciência, pois ~ complexidade da realidade impede que a verdade seja monopólio Intelectual de alguns.

---~---e • Professor Assistente de Geografia Humana - Dep. de Geociências/FURG. Mestre

rn Geografia - UNESP/Rio Claro.

BIBlas, Rio Grande, 8: 61.72,1996.

(2)

Neste artigo pretendemos discorrer sobre algumas questões pertinentes ao espaço urbano, de forma a referenciar aos colegas historiadores alguns pontos por onde é encaminhada essa discussão entre os geógrafos (e também demais cientistas sociais

NMLKJIHGFEDCBA

1) . Como nos coloca José de Souza Martins (1992:177), é preciso "que os pesquisadores se dêem conta de que a construção do objeto de seu conhecimento implica também a descoberta e elaboração do espaço em que tal objeto está contido e que é parte dele", sendo importante "não subordinarmos a produção do conhecimento a demarcações de natureza administrativa", para que "as

idéias não fiquem fora do lugar".

Como forma de preservar um certo "didatismo" intencional nas páginas que se seguem, estamos dividindo este artigo em duas partes: primeiramente vamos tratar das principais tendências do debate sobre o espaço urbano e a pesquisa urbana. A seguir, concisamente, faremos um passeio pela evolução da forma urbana da maioria das cidades brasileiras e latino-americanas, desde o final do século XIX até os dias de hoje, abordando tanto a morfologia como as estruturas sociais a elas

correspondentes, nos níveis intra e interurbano.

2 _

DCBA

O DEBATE SOBRE O ESPAÇO URBANO NAS CIÊNCIAS SOCIAIS:

MARX, ENGELS, A ESCOLA DE CHICAGO E A SOCIOLOGIA

URBANA FRANCESA

Para irmos além da história da urbanização e das cidades, buscando nos clássicos as origens da reflexão sobre o espaço urbano nas ciências sociais, encontraremos essa temática bastante desenvolvida na obra de Marx e Engels, que inserem a cidade e o urbano em um contexto

mais amplo. que é a sociedade capitalista, procurando analisar a cidade como reflexo dessa sociedade e o seu papel decisivo no desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção capitalistas. São inúmeros os textos de Marx e Engels em que a cidade é o tema principal, como muito bem demonstrou Henri Lefebvre2

. A definição da cidade como "o lugar da concentração" é básica, pois "a burguesia suprime cada vez mais a dispersão dos meios de produção, da propriedade e da população. Aglomerando as populações, centralizando os meios de produção ..." 3 ,

resultando que a cidade concentra tudo que faz a sociedade ser uma

1Não pretendemos aqui tratar das referências da Arquitetura e do Urbanismo, que

também influenciaram o pensamento sobre a cidade e o urbano de muitos geógrafos.

2O

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P e n s a m e n t o M a r x is t a e aC id a d e . Lisboa: Ulisséia, 1973.

3Manifesto do Partido Comunista.

BIBlOS. Rio Grande. 8: 61-72.1996.

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sociedade (Lefebvre, 1973:80).

É impo:tan!e salient.ar q~e os trabalhos realizados por Engels (A

Q u e s t ã o d a f - ! a b lt a ç a o .e

A

S it u e ç ê o d a C la s s e T r a b a lh a d o r a n a I n g la t e r r a )

abordam a cidade capitalista numa outra perspectiva (não excludente em relação aos seus trabalhos com Marx), abordando aspectos contextuais e específicoS4 das cidades industriais alemãs e inglesas no século XIX, no casa a questão do alojamento e as condições de vida da classe operária inglesa, respectivamente. Sobre o segundo trabalho citado, podemos dizer que é um marco dos estudos urbanos, dada a riqueza e a precisão de informações, e principalmente pela abrangência das análises colocadas, que incluem temas que hodiernamente são abordados pelas ciências sociais, como a segregação residencial, os impactos das inovações tecnológicas nas condições de trabalho, a qualidade de vida e, por que não dizer, o meio ambiente urbano: "Todas as grandes cidades possuem um ou mais 'bairros de má reputação' - onde se concentra a classe operária. É certo que é freqüente a pobreza morar em vielas escondidas, muito perto dos palácios dos ricos, mas, em geral, designaram-lhe um lugar à parte (...). Estes 'bairros de má reputação' são organizados em toda a Inglaterra mais ou menos da mesma maneira, as piores casas na parte mais feia da cidade.( ...) Habitualmente, as próprias ruas não são planas nem pavimentadas; são sujas, cheias de detritos vegetais e animais, sem esgotos nem canais de escoamento, mas em contrapartida semeadas de charcos estagnados e fétidos" (p. 38).

Do mesmo período é importante também a contribuição dos literatos, que, atentos às transformações que ocorriam no seu tempo (e que se manifestavam sobretudo nas cidades), também discorreram sobre aspectos do espaço urbano. Victor Hugo, Baudelaire e suas impressões sobre as cidades de Paris e Londres no século XIX são uma importante referência para os historiadores, como nos demonstrou M. S. Bresciani."

No início do presente século, desenvolve-se nos Estados Unidos uma linha acadêmica de estudos urbanos. Pesquisadores da Universidade de Chicago realizaram uma série de investigações empíricas sobre os diversos grupos humanos que viviam na cidade: negros, prostitutas,

? a n g s t e r s , músicos de ja z z , operários, migrantes europeus (poloneses,

Italianos, alemães), inaugurando a chamada Ecologia Humana". A

40LlVEN, R. G. 'A cidade como categoria sociológica': In: U r b a n iz a ç ã o eM u d a n ç a

S o c ia l n o B r a s il. Petrópolis: Vozes, 1984, pp.13-29.

5BRESCIANI, M. S. L o n d r e s e P a r is n o s é c u lo X I X : oe s p e t á c u lo d a p o b r e z a , 6 .

ed. São Paulo: Brasiíiense, 1990 (Col. Tudo é História, 52).

S. . 6Para uma visão ampla e introdutória do pensamento da Escola de Chigado de

U O C lo lo g l8 Urbana, ver a excelente coletânea organizada por O. G. Velho, O F e n ô m e n o r b a n o . RIo de Janeiro: Zahar, 1967.

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BIBLOS, Rio Grande, 8: 61-72,1996.

63

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~ ~ I .m J ~ n• • • ~ .

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conjuntura da cidade de Chicago nas primeiras décadas do século

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é

bastante conhecida: um acelerado processo de industrialização, migrações em massa de negros vindos do Sul e de operários europeus fortemente influenciados pelo ideário socialista. Quadrilhas disputando o poder do submundo das drogas, da prostituição e do jogo. A "adaptação" desses diferentes grupos humanos ao modo de vida urbano e WASP

7

foi o principal tema das pesquisas da chamada Escola de Chicago de Sociologia Urbana, numa tentativa de compreender os "problemas urbanos" que afetavam a cidade. Baseados no funcionalismo e no darwinismo social, insistiam nos problemas de "adaptação ao meio" e nas "patologias sociais" ocasionadas pela segregação dessas comunidades. A cidade é tratada como um organismo, um corpo vivo, seus problemas são "disfunções", "doenças" que devem ser tratadas nos seus "nichos" A segregação residencial é uma questão de

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h a b it a t , onde coletividades adequam-se ao seu "meio natural" no

interior do tecido urbano.

O pensamento de Robert E Park, George Simmel eE W. Burgess influenciou (dada a própria hegemonia dos Estados Unidos no mundo capitalista do pós-guerra) toda uma geração de cientistas sociais que importaram seus conceitos e trataram da cidade como um organismo. Na América Latina, foram inúmeros os pesquisadores que se utilizaram da "Teoria da Marginalidade Urbana" para lidar com temas como migrações

rurais-urbanas (êxodo rural), a formação das periferias, das favelas, cortiços, "barrios", da violência urbana. Expressões como "crescimento natural das cidades" povoavam livros e artigos, inclusive de geógrafos, abordagem que, embora as diversas críticas que lhe foram feitas, ainda hoje é freqüente em vários trabalhos. Nunca é demais lembrar que a cidade é sobretudo uma construção social, e seu crescimento, ou qualquer um dos processos que ocorram no seu interior, nunca poderá ser natural, pois são obras de

homens concretos.

Essa crítica foi feita sobretudo por cientistas sociais de inspiração marxista e que nos anos 60 passam a se importar com os temas urbanoS. A

distância teórico-metodológica entre esse movimento e o anterior é tão grande como aquela que separa Chicago de Paris. As suas proposições retomam a questão da cidade como reflexo e concentração das contradições da sociedade capitalista. A partir desse ponto foram desenvolvidos diversos trabalhos, que se preocuparam em formular um suporte teórico consistente que desse conta das novas características que o fenômeno urbano assumia na sociedade capitalista na contemporaneidad

e

7White, Anglo-S

axon and Protestant (branco, anglo-saxão e protestante), o padrãO

do "homem médio americano". O termo é de utilização recente, mas o "padrão" a que se refere

é presente há muito tempo dentro da formulação ideológica do caráter nacional da "América".

BIBlOS, Rio Grande, 8: 61-72, 1996

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do pÓs-guerra. Topalov", um participante do movimento, ao fazer a revísão da trajetória desta que ficou conhecida como "a Escola de sociologia urbana marxista francesa", indicou os principais temas trabalhados por autores corno Manuel Castells, Jean Lojkine, Alain Lipietz: a questão da habitação, a renda fundiária urbana, o papel do Estado na urbanização, a questão do consumo coletivo, os movimentos sociais urbanos. A cidade é vista como "o lugar da concentração dos meios de produção e das condições da reprodução da força de trabalho". O Estado tem papel decisivo na urbanização, pois é ele que decide sobre a localização dos meios de consumo coletivo, favorecendo a reprodução do capital e da força de trabalho. O surgimento dos movimentos sociais urbanos reflete a necessidade de organização do proletariado, que procura romper com a distribuição desigual desses equipamentos, pressionando o Estado. Sobre esses aspectos, o livro A Q u e s t ã o U r b a n a é uma obra de referência.

Entendendo a cidade como "o espaço da reprodução da força de trabalho", Castells produz um verdadeiro tratado sobre as cidades tanto nas sociedades capitalistas avançadas como nos países "subdesenvolvidos", e inclui nas suas análises a Teoria da Dependência". A influência exercida sobre a pesquisa urbana latino-americana foi significativa, sobretudo nos pesquisadores próximos do pensamento cepalino, como Anibal Quijano, E. Pradilla-Cobos e brasileiros como L. Kowarick e P. Singer.

Muito da pesquisa urbana produzida nos dias de hoje tem referência na produção francesa do início dos anos 70, embora essa "escola" já não represente uma unidade de pensamento e tenha recebido uma série de críticas, tanto pela sua clara filiação ao estruturalismo como pela sua ênfase excessiva na análise do Estado (Topalov, 1988:17).

Desenvolvendo seu pensamento nesse período, Henri Lefébvre é

um autor que merece uma síntese mais detalhada, por ter realizado aquela que talvez seja a leitura mais rica e abrangente sobre a cidade e o espaço que nos últimos anos vem influenciando um número significativo de cientistas sociais e geógrafos na análise do urbano. Paradoxalmente é um autor que percorreu sua trajetória intelectual como um o u t s id e r no debate do final dos anos 60, justamente por sua crítica ao estruturalismo vigente. Obras como O D ir e it o à C id a d e (1968), A R e v o lu ç ã o U r b a n a (1970), e A

P r o d U Ç ã o d o E s p a ç o (1973) nos trazem uma série de elementos para

analisar as novas tendências do capitalismo avançado e, sobretudo, a re-produção das relações de produção capitalistas, superando conceitos e

'---8TOPALOV, C. Fazer a história da pesquisa urbana: a experiência francesa desde

1

9 6 5 . E s p a ç o eD e b a t e s , Sã.o Paulo, NERU, n. 23, 1988, pp. 5-29.

9Na introdução de A Q u e s t ã o U r b a n a , Castells elogia as formulações de Cardoso

e Faletto sobre a Teoria da Dependência.

B l8 la s , Rio Grande, 8 : 6 1 - 7 2 , 1 9 9 6 .

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categorias tradicionais, realizando uma releitura revigorante do marxismo. Para Lefébvre, o que define o fenômeno urbano é a

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centralidade. O urbano é, por excelência. um lugar de convergência, de reunião, de encontro, o lugar da concentração. O urbano não é somente o espaço da reprodução do capital e da força de trabalho, sendo também o lugar de reprodução da vida. O urbano se define pelo seu conteúdo e pela sua forma concretizada, a cidade. A cidade é o agrupamento de objetos múltiplos justapostos. A cidade agrupa todos os mercados: locais, regionais, nacionais, mundiais, os mercados de capitais, o mercado de trabalho e o mercado do solo (Lefébvre, 1980: 123).

O urbano tem papel decisivo na reprodução das relações de produção, pois o capitalismo reconstitui suas relações de produção e se reproduz "ocupando o espaço, produzindo um espaço" (Lefébvre, 1973a:21). Retomaremos algumas das idéias de Lefébvre na continuação do trabalho.

A partir de agora apresentaremos uma breve síntese da evolução

da forma urbana, colocando a cidade como reflexo de um contexto que

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é o da sociedade capitalista, com as suas múltiplas contradições acrescentadas

ao espaço.

3 -UM PASSEIO PELA EVOLUÇÃO DA FORMA URBANA

No final do século XIX, a economia agroexportadora impunha às cidades brasileiras e latino-americanas a hegemonia do capital mercantil. A burguesia comercial convivia no espaço urbano com as oligarquias latifundiárias, que se transferiram do campo para assumir seu lugar na cidade,

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lo e u s do poder político e das disputas pelos excedentes decorrentes

da exportação de produtos tropicais (Moreira, 1991). As principais cidades localizavam-se ao longo da costa. A vida econômica transitava em torno do porto, onde se situava a alfândega. Um pouco afastada (nos terraços, quando existentes), a praça principal, onde se localizavam os prédios públicos: a prefeitura, a câmara de vereadores. A riqueza circulante e a ausência da indústria geravam a transferência de excedentes para a construção de prédios suntuosos (teatros, igrejas, clubes sociais), que simbolizavam o poder das elites comerciais e do baronato. A vida urbana das classes dominantes, estritamente rentistas, era animada com festas, saraus, bailes, apresentações de companhias de teatro. O comércio se concentrava na venda de artigos de luxo, importados da Europa. A infra-estrutura urbana (iluminação a gás, calçamento das ruas) atendia as casas da elite.

As relações escravistas e a presença dos subalternos no cotidianO das famílias abastadas determinava um padrão de segregação espacial

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pouco marcado na paisagem, apresentando as cidades algumas pequenas vilas afastadas, onde viviam os escravos libertos.

A rede urbana era constituída por poucas cidades, e a circulação de mercadorias era restrita: do campo para o porto, via estradas de ferro, que ligavam as áreas produtoras aos armazéns do cais; da cidade portUária para os centros consumidores europeus. Como não havia a necessidade de circulação intra-urbana, o traçado das ruas tinha importância menor, por isso elas eram estreitas e sinuosas. A centralização da vida urbana no porto e na praça impedia que a cidade crescesse, pois o monopólio da terra no latifúndio e as relações escravistas descartavam a especulação fundiária urbana.

É essa a cidade que vai sofrer profundas transformações na passagem da economia agroexportadora para a economia urbano-industrial. Segundo Francisco de Oliveira1 0 , "a indústria no Brasil nasce em cidades que eram sedes do aparelho burocrático e do capital comercial", necessitando de uma série de obras para o aporte do capital industrial, que Hardman e Leonarní!' denominaram "melhoramentos urbanos". Era o capital industrial influenciando a fisionomia da cidade, a forma urbana. Por outro lado, essa influência era mais profunda, pois representava a transformação das estruturas sociais da cidade. O nascimento da indústria em inúmeros pontos dispersos pelo território ocorreu pela presença de excedentes do capital comercial, das infra-estruturas portuárias e ferroviárias instaladas e pela formação de um incipiente mercado de trabalho urbano. A indústria vai exigir um novo tipo de cidade, ou, na impossibilidade de se criarem cidades novas, vai patrocinar profundas intervenções no espaço urbano - a melhoria dos transportes, novas infra-estruturas de energia, intervenções nas vias públicas, que devido à maior circulação Interna, terão seus traçados retificados.

O início do século XX é o período das grandes obras de alargamento de ruas e de "higienização" das cidades (um período que vem sendo suficientemente estudado pelos historiadores). É quando a burguesia industrial impõe à sociedade, através do Estado, a modernidade e a sua racionalidade (que também é a da fábrica) ao espaço urbano. Ruas retas, traçados quadriculados (o tabuleiro de xadrez), é o espaço que pode ser medido e repartido. A indústria vai se localizar afastada do núcleo urbano, ao longo das ferrovias, e não raras vezes vai construir as vilas operárias, lOcal de habitação para essa nova classe social que entra em cena no

---1 0O U V E /R Ã , F . O E s t a d o e ou r b a n o n o B r a s il.

1 1HARDMAN F e LEONARD/ V H is t ó r ia d a I n d ú s t r ia e d o T r a b a lh o n o B r a s il, 2 .

ed. São Pau/o: Ática, 1991. . , .

B I B la s . RIO Grande. 8 : 6 1 - 7 2 . 1 9 9 6 .

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espaço urbano: o proletariado tndustríal."

A segregação residencial que se institui está relacionada com o próprio caráter das relações de classe numa sociedade que deixa de ser escravista. As relações de produção capitalista se dão entre homens "livres". A burguesia industrial afasta-se espacialmente dos seus dominados, segregando-os nos bairros operários que vão marcar a paisagem urbana, nos terrenos insalubres das várzeas, embora ela mesma comece a se afastar das ruas comerciais do centro, que passam a ter um movimento maior de pessoas e de negócios, constituindo seus bairros nobres. Essa segregação (e a conseqüente aglomeração) permitiu ao operariado nascente um grande poder de organização e mobilização, pois no cotidiano dos clubes, nas festas, nas "associações de ajuda mútua", localizadas nas vilas operárias, era realizada a conscientização de classe. Mas o centro ainda é um espaço público por excelência, e estamos na época em que as multidões ganham as ruas, tanto nos momentos decisivos da luta de classes e da conturbada cena política do início do século como nos momentos de lazer, do

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f o o t in g , dos cinemas, cafés e confeitarias que marcaram a vida burguesa (e às vezes até aristocrática) das cidades brasileiras.

O fluxo migratório para as cidades torna .latente o problema da habitação para a classe operária. As vilas operárias não são suficientes, ocupam-se os antigos sobrados abandonados pela burguesia, formam-se os cortiços. A pressão demográfica e o monopólio privado da terra faz crescer a especulação imobiliária. A burguesia industrial brasileira desde cedo tornou-se proprietária de terras e utilizou a renda fundiária como fator de acumulação

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1 3 . Expandem-se os loteamentos populares, ao longo das vias de transporte (estradas e ferrovias), distantes do núcleo urbano, deixando amplas áreas vazias para a especulação futura. Surgem os subúrbios residenciais operários, sem infra-estrutura urbana, onde predomina a autoconstrução de moradias. As cidades crescem ao sabor das loteadoras privadas, o seu traçado viário, aparentemente confuso, retrata a lógica e a forma de atuação dos agentes do capital imobiliário.

1 2

o

exemplo da cidade de Rio Grande é significativo. Primeiro temos o traçado

das ruas mais antigas do núcleo urbano, estreitas, tortuosas, que são aquelas entre o cais do

Porto Velho e a Av. Silva Paes; a partir daí temos o predomínio do traçado quadriculado estilo

"tabuleiro de xadrez", que se adapta ainda aos antigos canais de escoamento pluvial.

Segundo, temos a Fábrica Rheingantz, que se localizou distante do núcleo urbano, formando a

sua vila operária adjacente à fábrica.

1 3 " ( . . . ) um dos capítulos fundamentais da história da industrialização e da

acumulação de capital na área metropolitana de São Paulo foi o da manipulação da renda

fundiária urbana como fonte de recursos. As primeiras indústrias muito cedo preferiram

mudar-se para o que na época era campo e ai instalar-se, como a Moóca, Ipiranga, São Caetano,

São Bernardo, ou Pirituba, Água Branca, Lapa e Barra Funda" (Martins, 1992:177).

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BIBlOS,Rio Grande. 8: 61-72,1996.

A partir dos anos 50, a industrialização acelerada, o crescimento das cidades e o nascimento de uma "civilização do automóvel" são marcantes na transformação da sociedade (que definitivamente torna-se urbano-industrial), trazendo novas mudanças para a forma urbana. O crescimento do setor terciário, que acompanha a industrialização, torna o centro da cidade uma área estritamente comercial. A indústria localiza-se ainda nas antigas áreas industriais interiores ao tecido urbano, mas começa a se deslocar para os eixos de transporte rodoviário. A divisão espacial das funções especializa áreas da cidade (comércio e serviços, indústria, habitação, lazer). As cidades industriais realizam seus planos diretores de inspiração nitidamente funcionalista e tecnocrática, que induzem e reforçam essa divisão. O resultado é a "clonagem" das cidades, com a verticalização do uso do solo no centro comercial (que perde a função de lazer, ficando com intensa circulação de pessoas durante o dia e esvaziado à noite), áreas residenciais nobres, uma extensa periferia não atendida pelos serviços urbanos e áreas industriais especiais (os distritos industriais). Avenidas e corredores de transporte interligam cada uma dessas áreas. Favelas se disseminam por todas as áreas da cidade, convivendo com imensos vazios urbanos que caracterizam a utilização dos terrenos disponíveis para especulação imobiliária 1 4 . A nova divisão social do trabalho faz da periferia o lugar de todos os trabalhadores e não apenas do proletariado industrial, que já não marca a paisagem urbana como no período anterior. Esse é o modelo

de cidade fruto da urbanização acelerada e excludente que vai prevalecer até o final dos anos 70, influenciando toda uma série de pesquisas que vão centrar suas análises no estudo dos "problemas urbanos", dando ênfase a questões pontuais como a habitação, os transportes, infra-estrutura urbana, o acesso a serviços básicos e, finalmente, os movimentos sociais urbanos, que renascem nas grandes cidades.

É a partir dos anos 80 que urbanização e metropolização se aceleram, juntamente com uma série de transformações que vão caracterizar as cidades a partir de então. A globalização da economia, a generalização do mundo da mercadoria, as inovações tecnológicas e o ?esenvolvimento das redes de telecomunicações aceleram os fluxos de Informações pelo território, que se dão através de rede urbana, que deixa de ser nacional para ser internacionalizada (Santos, 1988).

. . 14Segundo dados levantados pela administração passada da sua Prefeitura

Municipal, a cidade de São Paulo apresenta cerca de 45% da sua área urbana caracterizada

~orno de vazios urbanos; em Porto Alegre, também de acordo com a Prefeitura, cerca de 40%

Os terrenos estão nessà situação! Não precisamos de muito esforço para identificar os

~~~rrnes estoques de terrenos vazios na cidade de Rio Grande e na vizinha Pelotas, o que

n ICaque a especulação irnobitíána não é privilégio das metrópoles.

BIBlas.Rio Grande. 8: 61-72.1996.

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Todavia, é a indústria que se renova tecnologicamente que vai ocasionar maiores impactos ao espaço urbano. De um lado, a homogeneização das condições de infra-estrutura leva à sua autonomização em relação à localização. Com isso, muitas plantas retiram-se das antigas regiões industriais, criando novas áreas de concentração. O abandono das áreas industriais é evidente em muitas cidades, enquanto que o crescimento do setor terciário é significativo e se espalha por toda a cidade. É o que Lefébvre chama de "implosão do centro histórico" da cidade e a formação de inúmeros centros.

A nova divisão social do trabalho pulveriza o operariado, em diversos estratos de qualificação, ocupação e renda que vão caracterizar o conjunto dos trabalhadores. Por outro lado, a segregação residencial tende a se acentuar, capitaneada pela atuação dos agentes do capital imobiliário, que vão moldar a cidade de diferentes formas (condomínios fechados, conjuntos residenciais, edifícios de alto padrão, bairros "planejados", loteamentos populares) de acordo com as suas necessidades crescentes de acumulação. A aglomeração urbana deixa de ser "tecido intersticial" e auxiliar das grandes empresas, tornando-se parte integrante dessas, que passam a atuar estrategicamente no espaço urbano, existindo um verdadeiro "consumo produtivo do espaço" e de suas infra-estruturas, mobilizando uma parcela considerável da força de trabalho, que passa a se dedicar à sua construção e conservação (Lefébvre, 1976: 135, cit. in Soares, 1994).

O que caracteriza o espaço urbano é a construção-destruição, a mudança rápida, o célere e o efêmero.

NMLKJIHGFEDCBA

A velocidade das transformações, da verticalização, da abertura de novas ruas e avenidas leva à perda de

referenciais. A cidade não é mais o lugar de encontro, da vida urbana. É o

aZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

lo e u s da reprodução das relações sociais (Carlos, 1992). A produção do

espaço como fator de acumulação implanta na cidade novos e imensos aparelhos de consumo ( s h o p p in g - e e n t e r s , parques, centros culturais e de lazer), os chamados "templos laicos,,15onde impera o lazer programado, relacionado ao consumir. O centro principal se desdobra em muitos centros, complementares e articulados hierarquicamente, os limites da cidade se estendem ao máximo, englobando núcleos menores, antigas áreas rurais, incorporadas ao urbano, tanto na forma como no conteúdo.

Os deslocamentos de trabalhadores despojados da cidade. e jogados para as periferias aceleram-se, pois o local de trabalho situa-se cada vez mais distante do local de moradia (Harvey,1982). Essa descontinuidade trabalhar-morar coloca para os trabalhadores o desafio de

1 5Wettstein, G. 'Ciudades y metropolis, su crecimento mágico': In: S u b d e s a r o / lo Y

G e o g r a f í a . Montevideo: Ed. índice, cap.11, pp.251-267, 1989.

7 0 SISLOS. Rio Grande. 8: 61-72,1996.

criar novas formas de resistência que construam uma Subjetividade que não fique centrada 1~penas na contradição capital-trabalho. Os movimentos sociais urbanos de diversos matizes que se desenvolvem congregando diferentes grupos sociais em torno da luta pelo "direito à cidade" representam essas novas formas de mobilização, que não se circunscrevem apenas às grandes cidades, espalhando-se pelas cidades médias e até mesmo pequenas.

Nas grandes cidades, as diversas práticas socias relacionadas à reprodução dos trabalhadores, representadas nas diversas formas de habitação, geram diferentes estratégias para esses movimentos, que vão das ocupações de terrenos ociosos (por aqueles que estão no limite da sobrevivência na cidade) e da autoconstrução da moradia 17nos mutirões dos fins de semana (o tempo livre do trabalhador, que é trocado pelo "sonho da casa própria") aos movimentos por mais verde e melhor qualidade de vida predominantes nos bairros de classe média. Temos ainda uma parcela significativa das famílias de trabalhadores "residindo" em conjuntos habitacionais onde impera a monotonia arquitetônica, a aridez, onde o Estado homogeneiza a paisagem e concebe um espaço com a sua racionalidade, imposto às pessoas, que devem se contentar ("pelo menos temos onde morar"). A especificidade desse movimento, que precisa congregar pessoas com as mais diversas experiências pretéritas, deve ser levada em consideração."

Ocorre que o espaço urbano, como coloca Lefébvre, é repartido, fragmentado e amplamente dominado pelo valor de troca, cabendo aos diversos grupos sociais excluidos da lógica da troca a tentativa de impor a predominânCia do valor de uso no espaço urbano.

A cidade vai sendo construída através desse conflito caracterizado como um conflito entre o valor de uso e o valor de troca, ou entre o público e

16Os movimentos sociais urbanos estão bastante presentes na leitura que

SOCiólogos, antropólogos, historiadores e (inicialmente em menor número) geógrafos fazem da

Cidade e do espaço urbano, sobretudo a partir do final dos anos 70, quando os movimentos

pela redemocratização espalham-se pelo Brasil e América Latina.

• 17A literatura sobre habitação popular é bastante significativa. Destacamos a

coletanea organizada por Ermínia Maricato. A p r o d u ç ã o d a c a s a (e d a c id a d e ) n o B r a s il

m d u s t n a l. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982, com alguns dos mais importantes artigos sobre a

:utoconstrução já publicados. Também destacamos o B o le t im P a u lis t a d e G e o g r a f ia n. 64,

dOdOdedicado à habitação, publicado pela AGB-SP no 2.0 semestre de 1986. O primeiro artigo

e~sa cOletãnea, 'Habitação e espaço social na cidade de São Paulo', de Arlete M. Rodrigues

anoel Seabra, é uma referência básica

1 8 .

nu . Ver a propósito o artigo de Amélia Luisa Damiani, 'Morar ou apenas se adaptar

(r rn Conjunto habltaclonal: fragmento da história de Itaquera I', publicado em T r a v e s s ia

d:;;~~a do migrante). publi~ação do Centro de Estudos Migratórios _ Ano VIII. n. 23.

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