O Mala
- Querido, você me acha bonita?
- Eu não diria bonita, pois se trata de um conceito adotado pelas classes dominantes para
classificar animais humanos dentro de padrões de beleza culturalmente pré-estabelecidos.
- Isto que dizer que sou feia?
- Cosmeticamente diferente é o termo mais adequado.
- Mas, você ainda me ama?
- O amor é um sentimento inventado pela burguesia com intuito de subjugar os indivíduos
ao um único modo de pensar a sociedade, tirando-lhes a razão e o senso crítico.
- E daí?
- Daí, que nutro por você um sentimento de co-participação em interesses de ordem habitacional, econômica e sexual.
- O quê? Quer dizer que você só me quer como faxineira e prostituta? - Não se diz faxineira e, sim, higienizadora ambiental.
E tratar parceiras sexuais alugadas como prostitutas não é politicamente correto.
- Você deve estar louco. - Emocionalmente fora do padrão.
- Bem que me avisaram que você era um chato. - Chato não, pessoa interessante de maneira diferente.
- Como fui cega...
- Desprovida de capacidade visual é mais correto. - Não sei por que casei com você!
- Você não sabe porque se submeteu a uma prostituição oficializada.
- Idiota.
- Pessoa com idéia fixa.
- Você não precisa recorrer a este tipo de relacionamento com padrão não convencional,
nós ainda podemos partilhar de uma co-existência saudável como duas pessoas com referências diferenciadas da cultura dominante.
- Prefiro conviver com um lavador de carros a continuar com você! - Sua preferência em manter uma co-habitação de caráter afetivo com um
especialista em
aparências de veículos, não lhe dá o direito de comparar opções de meio de sobrevivência alternativo com o meu comportamento
que se diferencia dos dogmas do status-quo.
- Ah, por que você não pode ser uma pessoa normal? - A normalidade é uma convenção imposta. - Chega, não agüento mais! Quero te ver morto.
- O que você deseja é transformar-me num indivíduo metabolicamente inviável.
Ela pega o revólver que está sobre o criado-mudo, ou melhor, ela pega o revólver que
está sobre o auxiliar doméstico oralmente prejudicado e atira no peito dele. Ao vê-lo caído no chão, todo ensangüentado, ela o abraça...
- Perdão, querido, eu sou uma burra!
No último suspiro, ele a corrige: