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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP. Cristiano Hernandes

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Academic year: 2022

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Cristiano Hernandes

AS CIÊNCIAS HUMANAS NO ENSINO TÉCNICO

PROFISSIONALIZANTE DO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DE SÃO PAULO (1992 – 2012)

Mestrado em Educação: História, Política e Sociedade

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Educação sob a orientação do Prof. Dr. Daniel Ferraz Chiozzini

São Paulo

2017

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BANCA EXAMINADORA

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À agência de fomento CAPES, pelo apoio financeiro para esta pesquisa.

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elaboração deste trabalho. Suas intervenções, sugestões, indicações, compreensão e estímulo foram imprescindíveis para o desenvolvimento desta pesquisa.

Aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, que contribuíram para minha formação acadêmica.

Aos professores João do Prado Ferraz de Carvalho e Helenice Ciampi, por suas contribuições na banca de qualificação que me levaram a explorar novas questões dentro da proposta desta pesquisa.

À Elisabete Adania, por sua valiosa ajuda, amizade e contribuição durante estes anos de curso.

Aos amigos Christian Moura e Lilian Marta Grisolio, pelo apoio e incentivo que sempre deram para minha inserção no mestrado.

Aos professores, funcionários e ex-funcionários do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo por sua ajuda e incentivo, principalmente aos professores Emmanuel Roberto de Oliveira Souza e Antonio Davis Pereira Junior por suas revisões ortográficas, à Beatriz Giorgi pela revisão deste trabalho, Patrícia Loureiro Marques Macedo e Maria Cristina Alves da Silva, que me deram total apoio e acesso aos documentos necessários para a realização deste trabalho.

À Maria das Graças Lins Cancian, que sempre torceu por meu crescimento enquanto professor e me incentivou no caminho da educação.

Aos meus parentes e amigos, principalmente Erica, Sergio, Marília, Eduardo e Ana pela ajuda e apoio nos momentos necessários.

Aos meus filhos, Leonardo Lins Cancian Hernandes e Luiza Lins Cancian Hernandes, minhas eternas inspirações.

Aos meus familiares, em especial meus pais, Antonio Hernandes e Maria Estefânia Hernandes, minha tia Maria Suzana e minha irmã Viviane Hernandes, que sempre estimularam, ajudaram e inspiram este curso.

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esta pesquisa fosse concluída.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus familiares e amigos que sempre estiveram comigo nesta jornada, aos meus filhos, Leonardo e Luiza, aos meus pais, Antonio e Estefânia, e ao meu grande amor, Giorgia Lins Cancian Hernandes.

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Este trabalho tem como objetivo analisar as transformações das disciplinas da área de ciências humanas no currículo dos cursos de ensino técnico profissionalizantes do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo entre os anos de 1992 e 2012 e também como ocorreram tais transformações dentro da instituição. A Lei de Diretrizes e Bases (LDBN 9394/96) e um conjunto de leis complementares modificaram a carga horária do ensino médio e dos cursos integrados a ele, pretende-se, assim, verificar como essa alteração ocorreu no ensino técnico da referida instituição, analisando não somente a carga horária dessas disciplinas em relação às demais, mas também os conteúdos ministrados nesses cursos como um todo e como a área de ciências humanas interpretou essas mudanças, como os agentes participantes deste processo interpretaram tais mudanças. Tendo como referência o campo de história da educação e história das disciplinas escolares, este trabalho utilizou como fonte documental os planos de ensino, planejamentos trimestrais ou bimestrais das séries do curso técnico, diários de classes, grades horárias, calendário escolar e atas de reuniões do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, assim como grades horárias de outras instituições de ensino técnico integrado ao ensino médio e bibliografias de referências sobre ensino e currículos escolares.

Palavras-Chave: Ensino Técnico, Ciências Humanas, Plano de Ensino e Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

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The purpose of this project is to analyze the changes on the disciplines of the human science area in the curriculum of professional technical education courses of the Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo School between 1992 and 2012 and also how such changes occurred in the institution. The Guidelines and Bases (LDBN 9394/96) resolution and other complementary resolutions had modified the workload of high school and others integrated courses. It is intended to verify how this change occurred in the technical education of the institution, to analyze not only the workload of these disciplines compared to the others, but also the whole contents of these courses, how the area of human sciences had interpreted these changes and how the individuals involved on this process had interpreted such changes. As reference to education history field and history of school disciplines, this project used as source documents:

teaching planning, quarterly or bimonthly planning of technical courses, class record books, grids, school calendars, meeting minutes of the Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo School, grids of other institutions of technical education integrated to high school and bibliographic references about education and school curriculum.

Keywords: Professional technical course, human science, teaching planning and Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

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INTRODUÇÃO...01

CAPÍTULO I - HISTÓRIA DA INSTITUIÇÃO: DIÁLOGOS COM A BIBLIOGRAFIA DO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DE SÃO PAULO...15

CAPÍTULO II - AS CIÊNCIAS HUMANAS E UMA NOVA PERCEPÇÃO DOS OBJETIVOS EDUCACIONAIS DO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DE SÃO PAULO...38

CAPÍTULO III - O LUGAR DAS CIÊNCIAS HUMANAS DENTRO DO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DE SÃO PAULO...61

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...80

DOCUMENTOS CONSULTADOS ...88

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...89

ANEXO I ...91

ANEXO II...,,,,...111

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INTRODUÇÃO

O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo é uma instituição centenária e que, nos últimos anos, tem se destacado não somente na formação de profissionais requisitados nas áreas técnicas das grandes empresas dos setores de edificações, eletrônica e de multimídia, como também na aprovação de seus alunos nos vestibulares mais concorridos, públicos e privados, do estado de São Paulo, e no Enem, o qual possibilita o ingresso desses alunos em várias universidades federais do Brasil.

O Liceu, desde seu início, não foi apenas uma instituição assistencialista, é uma instituição que possui uma historiografia, porém a preocupação deste trabalho é com a história mais recente do Liceu, mais especificamente a trajetória recente das ciências humanas na instituição, como ela foi sendo modificada, foi transformando-se ao longo dos últimos trinta, trina e cinco anos. Sendo assim, numa primeira análise, percebe-se que o Liceu está se tornando uma instituição de caráter propedêutico também, além do caráter de ensino técnico que já possuía, e, para entender essas mudanças pelas quais o colégio está passando, faz-se necessário entender alguns elementos que caracterizam a escola, elementos que são perenes e outros que são cambiantes dentro de sua própria história e que acabam por demonstrar sua identidade educacional.

De acordo com dados divulgados pelo INEP, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, em 2016 o Liceu foi considerado, através do resultado por escolas do Enem, como a melhor escola de ensino técnico do Brasil e uma das trinta melhores escolas do Brasil, entre técnicas e regulares nas áreas de conhecimento da base comum curricular nacional. Isso demonstra que a instituição, apesar de ter uma história ligada ao ensino técnico profissionalizante, nos dias atuais trabalha também com a formação propedêutica, inclusive em seu próprio site destaca essa característica, demonstrando dados do percentual de alunos aprovados nas principais universidades públicas e privadas, sem a necessidade destes alunos realizarem algum cursinho pré-vestibular.

Dentre essas transformações da identidade da instituição destaca-se a área de ciências humanas, que com o passar dos anos foi ganhando espaço no currículo da instituição durante esta nova identidade educacional do Liceu. Esse espaço não foi somente no aumento do número de aulas, mas também na forma como essas disciplinas foram sendo trabalhadas dentro da instituição, não somente pelos alunos, mas principalmente pelos professores e pela própria instituição.

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As disciplinas da área de ciências humanas fazem parte da grade curricular dos cursos do ensino técnico no Brasil. Há décadas que esses cursos incluem Geografia e História em seus currículos, mas com uma carga horária semanal reduzida em relação à carga horária do ensino médio regular ou de outras disciplinas do próprio ensino técnico ou de outras áreas, como ciências da natureza ou matemática. Apenas com a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 é que esses cursos técnicos tiveram que ampliar sua carga horária semanal nas disciplinas de Geografia e de História e, posteriormente, incluir as disciplinas de Sociologia e de Filosofia. Isto se torna claro com a análise dos planos de ensino ou das grades curriculares da instituição, porém deve-se destacar que outras disciplinas, de outras áreas também ampliaram suas cargas horárias na maioria das disciplinas que as compõem, tanto das disciplinas da base comum curricular quanto as disciplinas do ensino profissional.

O lugar ocupado pelas ciências humanas no âmbito do currículo do ensino profissional foi historicamente complexo, passando por uma série de transformações na carga horária e nos conteúdos e objetivos dessas disciplinas. No final do século XIX e início do século XX, algumas disciplinas ganharam destaque dentro dos currículos de ensino secundário, técnico ou propedêutico, muitas vezes para reafirmar um nacionalismo dentro das instituições educacionais. A língua portuguesa reafirmava a identidade nacional, assim como outras disciplinas: “em disciplinas como Históriae Geografia, o conteúdo nacional esteve fortemente vinculado à construção da nacionalidade.” (SOUZA, 2008, p.102.). Nota-se uma utilização do ensino dessas disciplinas como um dos instrumentos utilizados pelo governo para a tentativa de se criar uma identidade nacional brasileira.

No Brasil, o ensino técnico era um curso considerado como compensatório por muitos estudiosos da educação:

Desde a criação dos primeiros Liceus de Artes e Ofícios implantados no Brasil na segunda metade do século XIX, a educação profissional foi concebida com caráter assistencialista, visando a amparar e preparar para o trabalho crianças pobres, órfãs e desvalidas. (SOUZA, 2008, p.108)

Nesse período, algumas instituições e personalidades das elites desses centros, perceberam a necessidade de “formar o bom e consciente cidadão, sem distinção de classes, uma vez que consideravam a ignorância como princípio básico da anarquia” (GODINHO, 2000, p.21). Era necessário, portanto, lutar contra essa ignorância e, assim, foram criadas algumas instituições privadas, que contavam, muitas vezes, com a ajuda do poder público, como a Sociedade Propagadora de Instrução Popular, em São Paulo, atual Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, idealizado por parte da elite paulistana e por alguns maçons influentes da cidade de São Paulo.

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Carmem Sylvia Vidigal Moraes, analisando aspectos políticos da maçonaria no Brasil do final do século XIX, destaca sua relação com o ideário republicano e sua influência na educação. Para os maçons, a educação seria vital em seu projeto de transformação social da população, pois através da educação a população poderia ser transformada em uma sociedade com indivíduos capazes de serem produtivos e, ao mesmo tempo, conscientes de seus direitos e de seus deveres perante a sociedade. Assim, Carmem Sylvia demonstra que a fundação do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, desde sua origem como Sociedade Propagadora de Instrução Popular, tinha objetivos mais amplos que “apenas” um assistencialismo social, já que pretendia “civilizar” a população carente e qualificá-la para as demandas do mercado de trabalho que surgia na cidade de São Paulo:

“No entanto, desde o início, a escola da “Propagadora” comporta conteúdo inovador que irá diferenciá-la das demais instituições da época, e não mais se apresenta como medida de assistência social aos pobres, aos menores órfãos, abandonados ou expostos, mas como uma empresa da iniciativa privada destinada a cumprir dois objetivos simultâneos e complementares: atender às demandas de um mercado de trabalho em constituição, qualificando e encaminhando cidadãos livres às diversas profissões, o que – por sua vez – só poderia ser realizado na medida da sujeição do povo aos princípios da moral social. A instrução popular é vista como a vacina civilizadora, o sagrado dever higiênico de que depende diretamente o destino das coletividades humanas.” (Moraes, 2003, p. 14)

Nessa perspectiva, percebe-se que as mudanças educacionais estavam relacionadas ao que os governos e as elites políticas e sociais consideravam importantes para a formação, e até controle dos educandos, futuros trabalhadores das sociedades nas quais eles viviam, por meio de uma formação profissional e moral da população.

Historicamente o ensino de um ofício não dependia de uma escolarização. Com a industrialização e a urbanização houve a necessidade de um preparo para a inserção do aprendiz no mercado de trabalho e o ensino serviria à essa finalidade. O ensino propedêutico e o ensino profissional constituíram dois modelos paralelos: o ensino propedêutico buscava o preparo do aluno para o ingresso no ensino universitário, já o ensino profissional preparava o aluno para uma especialidade profissional, atendia à demanda do mercado de trabalho de sua região, este tipo de ensino estava voltado para a população, em geral, mais carente da sociedade. No entanto, ambos os modelos de ensino possuíam um objetivo comum:

A escola precisa exercer funções especializadas. A escola cumpre, portanto, o papel de preparar as crianças para viverem no mundo adulto. Elas aprendem a trabalhar, a assimilar as regras sociais, os conhecimentos básicos, os valores morais, coletivos, os

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modelos de comportamento considerados adequados pela sociedade. (BOCK, 2002, p.263)

Mesmo com modelos e, consequentemente, objetivos distintos, esses dois modelos de ensino, nos dias atuais, com exceções de cursos profissionalizantes que atuam de forma concomitante com o ensino médio, tornaram-se integrados:

“O que significa dizer que essas instituições ofertam uma educação que pretende aparelhar seus adolescentes com habilidades para o mundo do trabalho e para o prosseguimento de seus estudos, para que assim possam viver e se posicionar na sociedade.” (Alem e Pereira, 2016, p. 47)

A historiografia sobre educação tende a relacionar a forma escolar atual com a forma escolar grega, porém autores como Vincent, Lahire e Thin, através de uma análise sócio histórica, concluem que a origem dessa forma escolar está relacionada à Idade Moderna, entre os séculos XVI e XVII, quando foi instituída a escola laica na França, pois nessa nova instituição teria ocorrido uma “forma inédita de relação social entre um mestre e um aluno, relação que chamamos pedagógica”. (VINCENT, LAHIRE e THIN, 2011, p.13)

Esses autores demonstram que as disciplinas escolares servem para formar um aluno de acordo com as necessidades sociais e para manter uma certa ordem pública:

A função da escola seria de “transmitir saberes e saber-fazer” - sendo que os “métodos pedagógicos” garantem a eficácia desta transmissão, a invenção da forma escolar se realiza na produção das “disciplinas escolares”. (VINCENT, LAHIRE, THIN, 2011, p.14)

Isto vai de encontro com os ideais educacionais republicanos do final do século XIX, os quais pregavam uma educação que fornecesse uma profissão e, ao mesmo tempo, disciplinasse o cidadão, que funcionasse como uma disciplina social de acordo com os interesses e ideias das elites da sociedade na qual essa educação profissional seria ofertada e consequentemente estabelecesse uma ordem social.

Na atualidade, o Liceu integra o ensino técnico e o ensino médio (propedêutico) de maneira que seus alunos tenham as disciplina da base comum de ensino não somente por uma obrigação legal, mas também para que as utilizem, quando possível, em suas áreas de atuação profissional e preparem-se para a entrada no ensino universitário, facilitando, assim, sua adaptação nesse tipo de ensino nas mais diversas áreas do conhecimento. Isso fica claro na formação destes alunos e sua aceitação no mercado de trabalho dos respectivos cursos ofertados pela instituição e pelo alto número de alunos que se formam no Liceu e conseguem aprovação nas mais variadas universidades públicas do país, principalmente pelo número de aprovações através do Enem. A exceção dentro da escola é o curso de Desenho de Construção Civil, pois este é concomitante e não integrado ao ensino médio.

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Os currículos escolares são grandes fontes de estudo da educação, pois fazem parte de políticas culturais que visam às determinadas finalidades dos governantes:

Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, na visão de algum grupo acerca do conhecimento legítimo. É produto de tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo.

(Apple, 1982, p. 59)

Um dos autores que elucida a questão dos currículos escolares é Goodson, que demonstra como as disciplinas são constituídas historicamente e como influenciam a formação do currículo e, consequentemente, sobre o que deve ser lecionado. Além disso, devemos analisar a construção social do currículo de acordo com a própria etimologia da palavra: “a palavra currículo vem do termo latino “scurrere”, que significa percurso, caminho a ser seguido.” (GOODSON, 1995, p. 31). Nessa perspectiva, podemos definir currículo como um caminho a ser seguido, um objeto social para realizar certos objetivos humanos específicos.

O estudo das disciplinas das ciências humanas pode trazer contribuições para algumas questões sobre o significado e a utilidade do que a escola ensinava ou ensina para seus alunos do ensino técnico integrado ao ensino médio regular. Entender como estas disciplinas eram trabalhadas pelas instituições escolares traz uma perspectiva sobre as intenções que o governo e a própria instituição analisada tinha em relação a educação na sociedade.

Circe Bittencourt acrescenta à questão sobre as permanências ou tradições escolares, um aspecto que esta pesquisa vai trabalhar: a tradição das ciências humanas no ensino técnico do Liceu.

Havia permanências ou ‘tradições escolares’ a serem preservadas? A escola de outrora era melhor, mas para quem? Afinal, qual o significado do que a escola ensina e como os diversos conteúdos escolares se inserem na constituição de uma sociedade moderna, concebida sob égide de cultura letrada? (BITTENCOURT, 2003, p. 12)

Nesses estudos, a historiografia pode ajudar a perceber novos objetos e/ou temas que deixam de lado a perspectiva de que apenas o Estado é o agente das transformações que ocorrem na educação escolar.

Dentre os caminhos para responder às indagações que se acumulavam, a história da educação buscou uma maior aproximação com outros campos de investigação e, em especial com a historiografia que, então, estabelecia novos temas e objetos, sob o referencial de uma história social que se vinculava aos conceitos antropológicos de cultura. Tal aproximação resultou, ou tem resultado, em renovação para a história da educação que tem ultrapassado análises limitadas às ações do Estado como principal e, por vezes, agente exclusivo das transformações educacionais. (BITTENCOURT, 2003, p. 13)

Entender as mudanças nas disciplinas das ciências humanas é importante não somente para compreender como os currículos foram elaborados, mas também para demonstrar a

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importância de seus conteúdos e de sua utilidade para alunos e também para professores. Estes últimos, eram agentes participativos das transformações que ocorriam na educação e não somente o Estado ou os diretores das instituições educacionais.

As primeiras pesquisas sobre a história das disciplinas foram feitas no final da década de 1970 e início da década de 1980 com estudiosos como André Chervel e Ivor Goodson, os quais, para essa análise, preferem o uso do termo matéria escolar, ao invés de disciplina escolar, uma vez que muitas vezes as matérias escolares não derivam necessariamente das disciplinas acadêmicas:

... tem-se manifestado uma tendência, entre os docentes, a favor de uma história de sua própria disciplina. Dos conteúdos do ensino, tais como são dados nos programas, o interesse então evoluiu sensivelmente para uma visão mais global do problema, associando-se às ordens dos legisladores ou das autoridades ministeriais ou hierárquicas, à realidade concreta do ensino nos estabelecimentos, e, algumas vezes, até mesmo às produções escritas dos alunos. (Chervel, 1990, P. 177)

No Brasil da década de 1970, as disciplinas de ciências humanas foram agrupadas como estudos sociais, além das disciplinas de Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política do Brasil. Esse cenário foi modificado a partir da década de 1980 com o fim do regime militar no Brasil e da grande atuação da ANPUH, Associação Nacional de História e da AGB, Associação de Geógrafos do Brasil. Até então, as ciências humanas eram utilizadas como meios de formação de um “bom cidadão”, era ensinado o que se esperava dos alunos quando se tornassem adultos e não era trabalhada, em regra, a capacidade do aluno de compreender sua realidade e se posicionar perante ela.

Ivor Goodson traz a questão das análises do currículo prescrito e o currículo “em ação”, realizado pelas instituições escolares, análise esta que coloca o professor como o principal sujeito dessa ação.

O estudo histórico da história da vida dos professores e da história das matérias escolares nas últimas décadas dirige sobretudo nossa atenção para a estruturação dos interesses materiais – e a estruturação dos interesses materiais – e a estruturação associada ao discurso interno sobre o currículo escolar – e particularmente a maneira como se distribuem os recursos e oportunidades profissionais por intermédio dos quais são estabelecidos os status das matérias escolares. Nos centramos, então, na política econômica do currículo e, em especial, no “convencionalismo” da matéria escolar.

(GOODSON, 1991, P. 20)

Goodson ainda discute que, para se compreender a questão do currículo escolar, é necessário entender as relações entre o macro nível e o micro nível do sistema educacional, de forma que possamos entender mudanças ou permanências dos currículos escolares.

Para compreendermos como, com o tempo, as matérias escolares mudam, assim como mudam histórias das ideias intelectuais, precisamos entender não só como grupos particulares são onipotentes para introduzir mudança num currículo, mas também que

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as respostas desses grupos constituem uma parte muito importante do quadro geral.

(GOODSON, 1983, p. 4)

Mesmo utilizando as mudanças ocorridas nas disciplinas das ciências humanas no colégio Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, não se pode deixar de lembrar que a história das disciplinas escolares deve ser considerada como parte da cultura externa social e da cultura interna da própria escola, de forma que os seus conteúdos são derivados dessa relação. Assim, a escolha de se pesquisar as ciências humanas no curso técnico integrado ao ensino médio no Liceu foi realizada por se entender que servirá de referencial para a análise das ciências humanas no currículo do ensino técnico em São Paulo, pois, embora tenha uma cultura escolar própria, recebe influências culturais e legais externas, não nos esquecendo que o Liceu é apenas um referencial institucional para este entendimento, cada escola tem suas próprias identidades educacionais, pois estas relações entre as culturas internas e externas, dentro do sistema educacional, ocorreram em várias instituições educacionais públicas e privadas.

Em decorrência desta concepção de escola como lugar de produção de conhecimento, a história das disciplinas escolares deve ser analisada como parte integrante da cultura escolar para que se possam entender as relações estabelecidas com o exterior, com a cultura geral e a sociedade. (BITTENCOURT, 2003, p. 26)

Porém, é importante destacar que analisando a influência do bairro da Luz, no Liceu, torna-se difícil uma análise da influência externa do bairro, a partir da cultura dentro da escola, pois analisando os prontuários ou fichas de matrículas dos alunos, durante o período proposto pela pesquisa sobre o Liceu, verifica-se que a instituição recebia e recebe alunos das mais variadas regiões da cidade e até de algumas cidades vizinhas. Esse fato já pode ser considerado um exemplo de como é difícil uma análise da influência externa do bairro na instituição, pois eram, e são, alunos que vinham de regiões diferentes e de escolas diferentes, uma vez que o Liceu, assim como a maioria das escolas de ensino técnico, não tinha e nem tem o ensino fundamental II, portanto seus alunos estudam até o atual nono ano nas mais variadas escolas e bairros, sendo que poucos são os alunos que cursaram o ensino fundamental II no próprio bairro da Luz e redondezas e depois ingressam no Liceu.

É importante destacar também, que dentro da escola não há uma associação de pais e mestres ou um grêmio estudantil, de forma que uma análise sobre a influência de pais ou da comunidade torna-se inviável. Os pais, coletivamente, frequentam a escola em dias previamente marcados para a reunião da escola com eles. Em regra, estes pais preocupam-se com questões individuais de seus filhos, não sendo comum uma preocupação sobre questões coletivas, sobre questões institucionais, claro que com algumas exceções, isto fica nítido na análise das atas de reuniões de pais do colégio. Assim, nota-se que não há influência externa dos pais ou do bairro

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na proposta pedagógica da instituição pelos motivos citados neste parágrafo, pois não ocorre um diálogo coletivo entre a comunidade e a escola e o diálogo dos pais com a instituição, geralmente, ocorre de maneira individualizada. Mesmo não havendo um grêmio estudantil, existem representantes de classe, de turmas, os quais, nos últimos anos, têm encontros mensais ou bimestrais com a direção e a orientação da escola. Nestes encontros ocorre um espaço para os alunos levarem suas questões das mais variadas ordens escolares, o que parece ser proveitoso, uma vez que a direção da escola verifica e analisa essas questões e leva para o comitê gestor discutir e refletir sobre as mesmas. Estas questões escolares variavam desde assuntos pontuais, de cada classe, como uma lousa que estava ruim para os alunos enxergarem até problemas pedagógicos como um determinado professor que não era claro em suas explicações ou em suas orientações sobre alguma atividade avaliativa.

Para verificar as transformações que as disciplinas da área de ciências humanas sofreram no ensino técnico e do entendimento das mudanças curriculares nas ciências humanas dentro do Liceu se faz necessária uma análise quantitativa para podermos realizar uma análise qualitativa, de forma que serão utilizadas como fontes a grade horária dos cursos técnicos de Edificação, Desenho de Construção Civil, Desenhista de Arquitetura, Eletrônica, Mecânica e Multimídia, além dos cursos de Auxiliar Técnico de Eletrônica, Auxiliar Técnico de Mecânica e Auxiliar Técnico de Edificações, assim como também serão analisados planos de ensino, planos de aula, atas de reuniões, termo de visita de supervisores de ensino, regimentos da escola, diários de classe, calendário escolar, prontuários ou fichas de matrículas de alunos e a relação de livros didáticos.

Antes de explicitar o contato com os planos de ensino, a maior fonte deste trabalho, torna-se necessário mencionar as mudanças nos cursos e as fases as quais a instituição passou recentemente, dentro do período pesquisado.

Do ano de 1992 até o ano de 1999, os cursos técnicos ou de auxiliares técnicos tinham duração de quatro anos (técnico) e três anos (auxiliar técnico), integrados ao ensino técnico, mas com uma carga horária bem inferior aos dias atuais. Nessa primeira fase do estudo, as disciplinas da área de ciências humanas eram trabalhadas numa perspectiva aparentemente de obrigação legal pela instituição, o que não significa que os professores ou alunos considerassem as disciplinas de História ou de Geografia apenas como disciplinas obrigatórias, mas percebessem que não eram exigidas habilidades ou competências que hoje são exigidas nessas disciplinas, de forma que não havia a preocupação com uma formação mais completa em relação à área de ciências humanas.

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Entre os anos de 2000 e 2005, os cursos técnicos oferecidos eram cursos concomitantes com o ensino médio, portanto os alunos do ensino técnico não tinham as matérias da base comum curricular no Liceu, pois cursavam o ensino médio em outras instituições - essa é uma marca da segunda fase do Liceu dentro da pesquisa aqui proposta. Nesse período havia o ensino técnico integrado ao ensino médio apenas para as turmas concluintes, que tinham ingressado na instituição até o ano de 1999.

A partir de 2005, e até 2012, iniciou-se a terceira fase da identidade institucional do Liceu: a instituição voltou a oferecer cursos de ensino técnico integrado ao ensino médio, mas com um enfoque maior que o da primeira fase desta pesquisa, nas disciplinas da base comum curricular - uma tentativa de conciliar o ensino profissional com o ensino propedêutico e, assim, preparar seus alunos para o mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, para o ensino universitário, o que poderia inclusive atrair mais matriculas, através da publicidade, para o curso de ensino médio, o qual na instituição não é gratuito (com exceção das bolsas de estudo ofertadas para alguns alunos do ensino médio, em média três alunos por classe do ensino médio).

Mesmo não sendo o recorte desta pesquisa é importante destacar que entre os anos de 2012 até 2016 a escola manteve a mesma identidade, já em 2017 começaram algumas mudanças, como processos de avaliação e estudos do meio, as quais podem indicar uma nova fase da instituição, mas elas ainda são pequenas e estão sendo implantadas para podermos analisar como uma nova identidade da instituição, de forma que possam talvez serem apenas ajustes na identidade implementados desde 2005.

Num primeiro contato com os planos de aula, observa-se que a grade horária dos cursos de ensino técnico até 2002, quando se formaram os últimos alunos dos cursos técnicos iniciados em 1999, variava de três a quatro anos de estudo, sendo que esse quarto ano ocorria para os cursos técnicos. Os cursos de Auxiliar Técnico e de Desenhista de Arquitetura, este era um curso técnico, eram cursos de três anos de duração, sendo que todos estes cursos, técnicos e de auxiliares técnicos, não constavam com as disciplinas de Filosofia e de Sociologia, apenas constavam com as disciplinas de História e de Geografia. No quarto ano dos cursos técnicos, basicamente eram ministradas apenas disciplinas do ensino técnico, disciplinas ligadas às respectivas formações profissionais de seus alunos.

A disciplina de Geografia tinha, geralmente, apenas duas aulas por semana no primeiro ano e uma aula por semana no segundo ano. Já a disciplina de História contava com uma carga horária de duas aulas por semana no primeiro e uma aula por semana no segundo ano e nenhuma delas nos anos seguintes, em geral, e por vezes eram mudadas as ordens da distribuição das aulas de História e de Geografia nas séries de cada curso, por exemplo: um determinado curso

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poderia oferecer duas aulas de Geografia por semana no segundo ano e uma aula por semana no terceiro ano de seu curso. Era uma distribuição de carga horária irregular e minoritária se comparada à carga horária total destes cursos que tinham de três mil e duzentas horas a cinco mil e duzentas horas de aula durante seus cursos, sendo que as disciplinas de ciências humanas tinham, em média, de setenta e seis a cento e quarenta e quatro horas de aula e isso vigorou até 2002. Se comparada aos dias atuais, essa carga horária também é pequena, uma vez que essas disciplinas possuem, nos dias atuais, duas aulas por semana nos três anos do curso - praticamente o dobro da carga horária-, além das disciplinas de sociologia e de filosofia, que possuem uma aula por semana nos três anos desses cursos técnicos. Este dados aparentam que as disciplinas da área de ciências humanas eram lecionadas apenas por uma questão legal, de obrigatoriedade da instituição perante a lei educacional ou para a formação de um aluno apenas no que a instituição acreditasse importante, não apenas pelo número de aulas por classe, como também pelos planos idênticos muitas vezes e pela distribuição irregular que por vezes ocorria nos cursos de formação de técnicos principalmente.

Este aumento da carga horária das disciplinas de ciências humanas ocorreu a partir do ano de 2005 e foi sendo ampliado desde então. Quando se tornou obrigatório o ensino das disciplinas de filosofia e de sociologia em 2009, chegou-se à carga horária desses cursos que se mantêm até os dias atuais. Os planos de ensino revelam que além das questões legais, a instituição preocupou-se, através de sua direção e de sua coordenação, geral e de área, com uma formação de seus alunos, uma formação não apenas profissional, mas também de cidadania e propedêutica.

De 1992 até 2012, em regra, a carga horária das disciplinas de ciências humanas aumentou proporcionalmente em relação às disciplinas da área de ciências naturais, de matemática ou pelo menos não houve diferenciação do aumento das cargas horárias semanais das diversas áreas do conhecimento dos cursos técnicos.

Analisando alguns planos de ensino da década de 1990,de 1992 até 1999, percebe-se uma divisão na disciplina de História: História geral – na qual os principais objetivos são conceituar e caracterizar fatos e a história do Brasil com a finalidade mais ampla que a história geral, mais especificadamente história da Europa, a de formar um cidadão crítico que soubesse interpretar e sintetizar esses fatos; na disciplina de Geografia, nota-se a preocupação com o espaço, a economia, as populações urbanas e também com relação ao estudo das fontes de energia, direcionado para um campo de estudo ambiental.

Esses planos de ensino eram utilizados para cursos e séries diferentes - para o primeiro ano do curso de edificações e para o terceiro ano do curso de mecânica, por exemplo. Muitos

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deles não tinham algum item que era solicitado, como justificativa, avaliação e desenvolvimento metodológico. Dessa forma, percebe-se que as ciências humanas não tinham um objetivo específico, e davam a parecer que estavam na grade curricular apenas por uma imposição legal e/ou para “tapar” buracos na grade horária desses cursos.

Os planos de ensino também eram chamados, em algumas ocasiões, de planos de aula e eram documentos que a escola possuía para que os professores descrevessem os conteúdos ministrados e as formas como esses conteúdos seriam cobrados pelo professor para verificar a aprendizagem dos alunos, sendo que, a partir de 1997, na maioria desses planos de ensino também constava a metodologia que seria utilizada pelo professor em sala de aula, embora, numa primeira análise, pudesse-se perceber que muitos eram apenas cópia do mesmo documento entregue no ano anterior. Além disso, eram documentos obrigatórios e que deveriam ser entregues para a direção e supervisão da escola, de forma que eram guardados em numa sala reservada, juntamente com diários de classe, prontuários de antigos alunos e outros documentos relacionados à escola.

Através da análise desses documentos, foram verificados o teor do ensino das ciências humanas e realizada uma crítica das ciências humanas no ensino técnico integrado ao ensino médio. Para isso, esse trabalho consistiu em descrever, analisar e verificar algumas das transformações que ocorreram no currículo de ciências humanas do ensino técnico oferecido pelo colégio Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo ao longo do período de 1992 e 2012. Porém numa primeira análise desses documentos, já é possível verificar que em regra, os planos eram apenas uma obrigação legal, uma prática burocrática a ser cumprida pelos professores, uma vez que muitos dos planos não continham várias informações necessárias para a compreensão da finalidade do trabalho de certos temas ou trabalhos históricos ou geográficos a serem realizados com os educandos.

Foram verificados os objetivos das disciplinas nos cursos técnicos, a carga horária das disciplinas, a justificativa das disciplinas, as avaliações dos alunos e os objetivos esperados pelos coordenadores dos cursos técnicos em relação às disciplinas das ciências humanas, dependendo do conteúdo dos respectivos planos. Além disso, buscamos comparar a carga horária das disciplinas de humanas com a carga horária total do curso e das disciplinas de física e/ou matemática, por exemplo, para mostrar as diferenças entre as cargas horárias quantitativamente e discuti-las qualitativamente.

A partir da questão central deste trabalho - quais transformações ou mudanças que as ciências humanas tiveram no ensino técnico - buscou-se entender como esta mudança curricular, na área de ciências humanas, foi implantada no ensino técnico a partir da grade

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curricular, planos de ensino e diários desenvolvidos no colégio Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, uma das instituições de referência do ensino técnico profissionalizante integrado ao ensino médio.

Nos dias atuais existe uma relação estreita entre algumas áreas do curso técnico e algumas disciplinas das ciências humanas como, por exemplo: no curso de Edificações são utilizados alguns conhecimentos da disciplina de Geografia para a formação profissional do aluno, como políticas públicas de habitação ou de urbanização. Assim, ocorre uma relação acadêmica e profissional entre a área das ciências humanas e a formação profissional dos alunos do ensino técnico, o que indica uma percepção do auxílio que a área de ciências humanas pode realizar em seus cursos e as contribuições que as ciências humanas podem trazer ao profissional - não somente em seu ofício, mas também no aspecto social, sua formação como cidadão crítico de sua própria realidade, como exposto em planos de ensino, principalmente a partir de 2005.

Sendo assim, a inclusão e/ou ampliação da carga horária das disciplinas da área das ciências humanas pode ter sido entendida pelos profissionais dos cursos técnicos como uma ação pedagógica proveitosa aos seus aprendizes e não apenas uma obrigação legal em relação à matriz curricular de seus cursos. Nesse sentido, buscou-se a investigação de sua implementação, de forma a investigar como ela envolveu o conjunto dos professores da área de ciências humanas e da equipe pedagógica da escola e ainda quais os interesses dos alunos na busca ou percepção dessas mudanças. Portanto, a análise qualitativa realizada através do estudo dos planos de ensino e diários de classe poderá permitir uma melhor percepção sobre o conteúdo aplicado nos cursos e quais os objetivos dessas disciplinas e consequentemente do impacto destas transformações na instituição.

Por toda esta primeira exposição, podemos perceber que a trajetória das disciplinas de ciências humanas no ensino técnico do Liceu até o final da década de 1980 eram perenes, a partir da década de 1990, especificadamente a partir de 1992, começaram a se tornar cambiantes, ocorreram algumas transformações no seu ensino, nas expectativas destas disciplinas. Para entender as mudanças pelas quais elas passaram, é necessário entender a história delas dentro da instituição, entender as causas que levaram o Liceu a se tornar uma escola técnica que passou a enfatizar também o ensino propedêutico dentro de seus cursos de ensino técnico.

Estes dados levaram a uma percepção diferente do Liceu, trouxeram uma perspectiva diversa da tradicional, esta pesquisa demonstrou uma escola técnica não apenas voltada para a formação específica profissional de seus alunos, mas também para uma formação propedêutica.

Todas essas análises levaram ao tema “As ciências humanas no ensino técnico do Liceu de

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Artes e Ofícios de São Paulo de 1992 até 2012”, tendo como objetivos verificar quais foram as mudanças e como ocorreram e/ou repercutiram no currículo da instituição em relação à área das ciências humanas.

As fontes documentais utilizadas nesta pesquisa são de extrema relevância para essa investigação, pois oferecem informações complementares que permitem ir além das análises e interpretações genéricas de caráter narrativo e temporal. Foram dados referentes a grades horárias, planos de ensino, manuais do aluno, regimentos, prontuários, diários de classe, álbum de fotos, avaliações, calendário e atas de reuniões institucionais que enriqueceram o trabalho aqui proposto. Assim, a identificação e a interpretação das fontes são elementos constituintes do caráter e da qualidade desse trabalho, além da identidade, ou transformações de identidade que a escola possuía e possui atualmente.

Assim, é importante ressaltar que a presente pesquisa só pôde se concretizar porque o Liceu disponibilizou esses documentos acima citados. Além disso, outro aspecto da pesquisa, que compõe o corpo das investigações e que se configura como fonte documental importante, são as publicações de jornais, termos de visita da supervisão de ensino, outras instituições educacionais e dados fornecidos pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

Este trabalho constitui-se de três capítulos. No primeiro tratamos de uma breve revisão sobre a historiografia do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, analisamos algumas de suas características educacionais para compreendermos melhor as transformações que ocorreram na área de ciências humanas nas últimas décadas, mais especificamente de 1992 a 2012, pois consideramos que esse período foi marcado por três fases de transformações de identidade que a instituição passou e que foram fundamentais para a área de ciências humanas dentro da instituição, mudanças que, por motivos diversos, ocorreram em outras instituições de ensino técnico em São Paulo. Enfim, analisamos sua identidade institucional e a relação dessa identidade com as disciplinas da área de ciências humanas.

O segundo capítulo trata das transformações ocorridas nas disciplinas que compõem a área de ciências humanas, no recorte desta pesquisa, e trata de como os documentos utilizados serviam para conceber o entendimento do que ocorreu com essas disciplinas no ensino dos cursos técnicos ofertados pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo do ano de 1992 até o ano de 2012. Neste capítulo cada documento é analisado de forma separada para se entender melhor como eles podem demonstrar as transformações ocorridas dentro da instituição.

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Finalmente, o terceiro capítulo analisa a importância e as características atuais das disciplinas de ciências humanas dentro da instituição e qual seu espaço institucional nos cursos técnicos integrados ao ensino médio ofertados pela escola atualmente, tanto em relação a essas próprias disciplinas no período inicial desta pesquisa quanto em relação às demais disciplinas das outras áreas do conhecimento atuantes no Liceu.

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CAPÍTULO I - HISTÓRIA DA INSTITUIÇÃO: DIÁLOGOS COM A BIBLIOGRAFIA DO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DE SÃO PAULO

Neste capítulo realizaremos um diálogo com a historiografia do Liceu, exercitar uma breve crítica historiográfica apenas, sem percorrer toda a história do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo ou a história da educação profissional em São Paulo. A história do Liceu não é a propostas central da investigação, mas sim o estudo das disciplinas da área das ciências humanas na instituição durante os anos de 1992 até 2012. No entanto, compreender, ainda que brevemente, sua história, sobretudo antes do recorte da pesquisa, auxilia na compreensão da identidade da instituição e do lugar historicamente ocupado pelas ciências humanas na formação profissional do Liceu, dando maior sentido ao entendimento das transformações pedagógicas que ocorreram dentro da instituição e principalmente na área de ciência humanas a partir de 1992.

O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo é uma instituição educacional filantrópica que foi fundada em 1873 com a finalidade de proporcionar cursos de alfabetização gratuitos a uma parcela da população carente da cidade de São Paulo e que, a partir de 1883, passou a oferecer, também, cursos profissionalizantes gratuitos aos seus alunos, mesmo que apenas em 1893 é que tenha conseguido efetivamente oferecer esses cursos. Mais de um século depois, a partir de 2002, também passou a ofertar, além dos cursos técnicos gratuitos, o curso de ensino médio, porém, este curso era, e continua sendo pago por seus alunos. Mesmo após essa implementação de cursos pagos, a instituição continuava sendo filantrópica, uma vez que ainda oferecia cursos profissionalizantes gratuitos aos alunos ingressantes no ensino técnico, que eram a maioria dos alunos da escola e o lucro obtido com o ensino médio é, até os dias atuais, revertido para a melhoria da própria instituição.

A filantropia, assim como a oferta de cursos técnicos que atendam a demanda das empresas da cidade de São Paulo são características da instituição que são perenes, mantiveram- se ao longo da trajetória do Liceu, mesmo contando com o curso de ensino médio pago.

Verificando o número de alunos que estudam no Liceu, através dos diários de classe, a maioria de seus educandos cursa o ensino técnico integrado ao ensino médio e o curso técnico de Desenho de Construção Civil.

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Atualmente, de acordo com dados de registros de matrícula acadêmica dos alunos, 201 alunos, aproximadamente 40%, pagam mensalidade e 310 alunos, aproximadamente 60%, estudam gratuitamente na instituição, comprovando sua identidade filantrópica na educação profissionalizante. Esse número de alunos pagantes varia de ano para ano, de acordo com o número de alunos matriculados por série, podendo aumentar ou diminuir ano a ano, já o número de alunos bolsistas tem pouca variação, uma vez que sempre são ofertados 105 vagas para o ensino técnico integrado ao ensino médio, sendo que poucos alunos são reprovados e, pelo regimento da instituição, os alunos reprovados nos cursos de ensino técnico não podem continuar em seus respectivos cursos, além dos alunos que desistem durante o curso, os quais são poucos, e os alunos bolsistas do ensino médio, que sempre são três alunos por série. Ainda são ofertadas 35 vagas por ano para cada um dos cursos profissionais concomitantes ao ensino médio.

A exceção deste número de abertura de vagas para os cursos do ensino técnico integrado ao ensino médio ocorreu entre os anos de 2009 e 2012, quando foram ofertadas o dobro de vagas para os cursos técnicos - 210 vagas nos três cursos de ensino técnico integrados ao ensino médio-, porém, a partir de 2013, essa oferta voltou ao número de 105 vagas por ano, 35 vagas por curso técnico (Eletrônica, Multimídia e Edificações).

Nos dias atuais (2017) os cursos técnicos são integrados ao ensino médio, com exceção do curso de Desenho de Construção Civil, que depois de ser extinto em 1998, voltou a ser oferecido em 2016, porém para alunos do ensino médio da rede pública de ensino, os quais cursam o ensino médio pelo período da manhã em suas respectivas escolas e, posteriormente, o ensino técnico no período da tarde e início da noite no Liceu, também é necessário destacar que em 2017 será ofertado o curso técnico de Automação Industrial que será concomitante ao ensino médio. O curso de Desenho de Construção Civil possui em sua grade curricular apenas as disciplinas relacionadas à área técnica, uma vez que em suas escolas os alunos estudam as disciplinas de competência do currículo da base nacional do ensino médio, assim também será o curso de Automação Industrial.

Os cursos técnicos concomitantes ao ensino médio, no Liceu, têm a duração de um ano e meio, seus ingressantes têm, por regimento da instituição, de estarem cursando a segunda série do ensino médio da rede pública de ensino e o aluno selecionado somente recebe o certificado do ensino técnico se completar no mesmo período o ensino médio regular em sua escola de origem. Nesses cursos, os alunos recebem todo o material e o uniforme escolar, além de refeição na própria instituição. Além disso, os demais alunos carentes (dos demais cursos do

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Liceu) podem requerer ajuda da instituição, como material escolar ou vale-refeição que, mediante comprovada a dificuldade econômica de seus responsáveis civis, a escola fornece - mais uma demonstração da perenidade no ideário de filantropia do Liceu.

Em sua fundação, o colégio chamava-se Sociedade Propagadora de Instrução Popular de São Paulo, a qual “constituiu-se como projeto educacional da iniciativa particular, assumindo importante papel social e suprindo uma carência do Estado.” (GODINHO, 2000, p.21). Mais tarde, esse projeto se tornaria o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, que além de manter um ensino voltado para a alfabetização também ofertava cursos profissionalizantes para seus alunos, os quais, em seu início, tinham as mais variadas idades nos cursos ofertados, inclusive era oferecido também para mulheres e escravos, estes teriam que possuir uma autorização escrita de seus possuintes.

Antes do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, porém, surgiram alguns Liceus pelo Brasil, como o Imperial Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, Liceu das Ciências Industriais, em Pernambuco e mais duas escolas técnicas, uma no Rio de Janeiro e outra no Rio Grande do Sul.

Mais tarde, com o Decreto Lei número 7.566, de 23 de setembro de 1909 do presidente do Brasil Nilo Peçanha, foram criadas 19 Escolas de Aprendizes e Artífices, uma por Estado,

“formando uma rede federal de escolas técnicas que vinha somar-se às escolas já existentes, de iniciativa privada ou aquelas patrocinadas pelo poder municipal” (CARDOZO, 2013, p.106).

Assim, começaram a popularizarem-se as escolas de ensino técnico em alguns centros urbanos do país e também a ideologia de assistencialismo para uma parcela da população carente de alguns centros do Brasil. O ensino técnico tinha esta função assistencialista, já o ensino propedêutico era destinado a uma pequena parcela da população, era destinado para a os filhos das elites econômicas ingressarem, se prepararem para o ensino universitário.

Em São Paulo, destacaram-se duas escolas de ensino técnico, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e a Escola de Aprendizes e Artífices, atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, mais conhecido como Instituto Federal de São Paulo. O Liceu contava com oficinas de marcenaria, carpintaria, fundição, serralheria, entre outros: “No período noturno funcionavam oficinas de carpintaria, marcenaria, ebanisteria, escultura ornamentarista, forja, ...” (GODINHO, 2000, p. 31). Já a Escola de Aprendizes e Artífices investia em cursos voltados para a indústria: “Em suas dependências, foram oferecidos os cursos de tornearia, mecânica e eletricidade e algumas oficinas de carpintaria e artes decorativas (marcenaria, modelação e entalhação.)” (FONSECA, 1993, p.324). Nesse período, cursos como

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marcenaria ou carpintaria eram chamados de artes decorativas, pois eram cursos voltados para acabamentos, geralmente, de interiores das edificações paulistas, públicas e privadas.

O surgimento dos Liceus no final do século XIX e início do século XX demonstra como era necessário, em alguns centros urbanos, a formação de mão de obra especializada para alguns setores da economia, fosse por uma iniciativa do Estado ou uma iniciativa público/privada, como o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, em seu início, já que depois o Liceu se tornou uma instituição apenas privada.

Diferentemente da Escola de Aprendizes e Artífices, atual Instituto Federal de Educação, o Liceu surgiu, não apenas para ser uma instituição assistencialista amparada pelo governo, mas também com o objetivo de atender aos interesses, à demanda de mão de obra dos empresários paulistanos do final do século XIX e, para isso, na visão destes, era necessário que o povo se sujeitasse aos princípios morais da sociedade “a vacina civilizadora, o sagrado dever higiênico de que depende diretamente o destino das coletividades humanas.” (O Correio Paulistano, Editorial,1873). Ficava explícita a intenção de formar uma mão-de-obra que atendesse as necessidades da elite, ao mesmo tempo que formasse um cidadão que fosse controlado moralmente, através da educação profissional, por esta mesma elite.

Carmen Sylvia Vidigal, em sua tese de doutorado “A Socialização da Força de Trabalho:

Instrução popular e qualificação profissional no Estado de São Paulo”, demonstra que o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo era uma escola voltada para a formação de um operário ligado ao setor de mobiliário e da construção civil, quando compara a educação proposta pelo Liceu com a educação profissional proposta pelas escolas profissionais do estado de São Paulo:

“Dirigidas à mesma população, aos operários e filhos de operários, atendiam a diferentes segmentos do mercado de trabalho industrial. Enquanto o Liceu formava, basicamente, mestres para o setor da construção civil e mobiliário, os cursos das escolas oficiais eram mais diversificados, dirigindo-se a vários ramos da indústria. Neste sentido, as iniciativas de controle do Estado sobre o mercado de força de trabalho vêm complementar as realizações da iniciativa privada. Apresentavam a mesma concepção de qualificação profissional, organizando-se como escolas profissionais completas, nos moldes propostos por Victor Della Vos, visando a formação do trabalhador integral.”

(MORAES, 1990, p. 225)

Carmem Sylvia traz o relato de um diretor da Escola Profissional Masculina de São Paulo sobre a utilização do ensino profissional, a qual deveria ser um ensino voltado não apenas para uma formação profissional, mas também deveria realizar uma formação moral do aluno,

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facilitando assim a dominação da elite econômica sobre o operário, pois este seria educado a respeitar as hierarquias sem questioná-las, “(...) o obreiro educado e consciente de seus deveres e direitos, unido ao patrão, no trabalho comum, será a base do progresso e da prosperidade em que assentará a Pátria a grandeza de suas instituições.” (MORAES, 1990, p. 222). O Liceu poderia continuar assistencialista, mas, a partir de 1893, também passou a ter o papel social de não somente possibilitar ensino de uma profissão para atender as necessidades da sociedade paulistana como também o papel educacional de disciplinar esse futuro operário nos diversos ramos fabris de São Paulo.

O projeto original previa o ensino primário, secundário e de nível superior em algumas áreas, porém nos primeiros anos de existência, a escola não trabalhou o ensino de ofícios aos seus alunos, ofertou apenas aulas noturnas de ensino primário e algumas aulas de ensino secundário. De acordo com o estatuto da Sociedade, em seu artigo 23, o ensino seria ministrado para adultos e crianças, homens ou mulheres, estrangeiros ou brasileiros, livres ou escravos, e estes deveriam ter uma autorização por escrito de seus donos. As aulas ocorreriam no período das 17:00 horas às 21:00 horas. É necessário destacar que embora houvesse a intenção da implantação de um ensino de cursos superiores, este tipo de ensino nunca foi implantado pela instituição.

Todos esses interesses, mesmo contando com aqueles que não conseguiram se realizar, demonstram que o colégio, desde seu início, tinha uma intenção diversa das demais instituições educacionais de sua época, pois, além do assistencialismo, a Sociedade Propagadora, futuro Liceu, pretendia a formação de mão de obra necessária e que fosse do interesse dos diretores dos projetos e que não existiam em larga escala ou até em nenhuma escala na cidade.

“A escola da Propagadora tinha objetivos mais largos, o de preencher o vácuo da formação de um tipo de profissional cada vez mais requisitado por um mercado de trabalho que, com o desenvolvimento das atividades econômicas, tendia a crescer e a diversificar-se. Os setores priorizados serão justamente aqueles onde os grupos sociais envolvidos detinham maiores interesses.” (MORAES, 2003, p. 17)

A ligação com as “Belas Artes” estava, em algumas das instituições de ensino técnico, nas artes decorativas, desde suas fundações, exemplo disso foram as palavras de Ramos de Azevedo, presidente da Escola Politécnica e do Liceu, sobre os cursos do Liceu: “Procurei transformar aquele estabelecimento em uma grande escola noturna para ilustração dos operários e seus filhos no curso preliminar das letras e no curso prático das belas artes.” (GODINHO, 2000, p.28). Esse é um exemplo do ideal pedagógico do Liceu em seus primeiros anos de

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existência, o qual inclui a formação profissional e a alfabetização para as camadas populares da cidade de São Paulo.

No final do século XIX, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo realizou sua primeira exposição de trabalhos produzidos por seus próprios alunos. O evento teve grande repercussão e êxito, recebendo a visita de figuras ilustres da sociedade paulistana e nacional, como a princesa Isabel e seu marido, o conde D`Eu. No ano de 1906 foi inaugurada uma Gipsoteca na escola, a qual consistia em uma galeria de arte que continha peças conhecidas da estatuária europeia, produzidas em gesso; eram reproduções autorizadas de obras de alguns museus renomados como o museu do Louvre ou o Vaticano, entre outros museus europeus.

Ressalta-se, ainda, que o avanço no processo da economia industrial e cafeeira proporcionou à sociedade brasileira, e em especial à paulista, novos hábitos e costumes que reverberaram nos currículos dos cursos de artes e ofícios oferecidos pelo Liceu. As produções de artefatos mobiliários e decorativos produzidas pelos alunos e mestres dessa escola, assim como da escola de aprendizes e artífices, disseminaram-se na arquitetura urbana paulista em ambientes públicos - como em prédios, museus, bancos, igrejas ou praças - e ambientes privados - como os casarões paulistas, símbolos da oligarquia cafeeira e da burguesia industrial de São Paulo.

Em 1920 os trabalhos realizados pelos alunos do Liceu eram reconhecidos internacionalmente e suas obras se espalharam por várias capitais do Brasil. Eram obras de artes em ferro, constituídas por mobiliários, acessórios de decoração de interiores, que eram vendidos para as mais variadas instituições, públicas ou privadas, de São Paulo, além de adornarem também os casarões da elite paulistana, com destaque para obras estatuárias e luminárias conforme figuras1 a seguir. É necessário destacar que o lucro obtido com estas vendas, era revertido para o pagamento dos professores e para a manutenção da própria escola como compra de máquinas ou instrumentos utilizados nas oficinas da escola para o aprendizado de seus alunos das profissões que ali eram ministradas e ensinadas aos alunos, embora em vários períodos do início de sua existência, a instituição contou com o apoio financeiro do governo do estado de São Paulo e principalmente de empresários paulistanos, ligados ou não à maçonaria de São Paulo.

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Esta prática, de vender obras realizadas pelos alunos do Liceu para ajudar no custeio da manutenção da instituição durou por algumas décadas, pois era uma maneira de manter economicamente a instituição através dos trabalhos realizados pelos próprios alunos do colégio.

1 Fonte: Álbuns de Fotografias Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo

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Na década de 1920, o estado de São Paulo tornou-se o grande centro industrial do Brasil, num contexto em que era necessária uma readequação do ensino profissional, “o Estado de São Paulo se torna o maior produtor industrial do país” (CUNHA, 2000, p.9). Em 1926, ocorreu outro marco do ensino profissional, com a Consolidação dos Dispositivos Concernentes às Escolas de Aprendizes e Artífices, que trazia um novo currículo na educação profissional, acrescentando dois anos complementares - até então eram quatro anos na formação, mesmo na formação profissional, nos cursos de ensino profissionalizante. Sendo assim, deveriam formar- se operários e contramestres por meio de conhecimentos práticos e teóricos. Nesse momento havia o ensino da língua nacional e é possível perceber indícios de um ensino de História e de Geografia voltados para um ensino nacionalista.

Nas décadas de 1930 e de 1940, ocorreram as reformas educacionais de Francisco Campos, em 1931, e de Gustavo Capanema, em 1942, que regulamentaram a rede federal de ensino industrial, criando as escolas técnicas e industriais. Essas reformas educacionais atingiram não somente as escolas da rede federal como outras escolas de ensino privadas, como o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Elas tiveram por base o desenvolvimento, por parte dos alunos, para uma educação que cumprisse a função social de atender aos interesses do país em relação a todas as classes existentes. Sendo assim, a reforma de Francisco Campos era tida como uma reforma mais liberal, pois atendia aos interesses de uma educação mais voltada para as áreas científicas, mais tarde a reforma Capanema trouxe a volta do destaque educacional das disciplinas clássicas, uma certa volta ao conservadorismo educacional, porém ambas, mesmo com suas diferenças pedagógicas, acabaram por não diferenciarem o lugar do ensino técnico no sistema educacional.

Em São Paulo, tanto o Liceu de Artes e Ofícios quanto a Escola de Aprendizes e Artífices aderiram a essas reformas e reformularam seus currículos, oferecendo principalmente cursos voltados para a indústria e para a construção civil. Mesmo com essas reformas educacionais, de 1931 e de 1942, o ensino secundário continuou destinado às elites condutoras do país, e o ensino profissional para as classes menos favorecidas. O ensino profissional tinha a finalidade de preparar o aluno para uma força de trabalho específica, aos setores produtivos ou burocráticos, sendo visto por muitas famílias como uma chance de ascensão social e econômica para seus filhos, ao contrário do ensino propedêutico, que tinha a finalidade de preparar os filhos das classes elitizadas do país para o ensino superior, no Brasil ou na Europa.

Percebe-se que as disciplinas da área de ciências humanas, quando ofertadas, serviam apenas para reforçar o nacionalismo, como já dito na introdução deste trabalho, por isso esses cursos

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não percebiam a importância do ensino dessas disciplinas em seus respectivos currículos, não havia o entendimento de alguma importância, por parte da maioria dos alunos e até mesmo dos professores, da área de ciências humanas na formação dos alunos do ensino técnico.

Em 1945 ocorreu um grande incêndio no edifício do Liceu, que nesse período encontrava-se na Avenida Tiradentes. Grande parte das obras que estavam na Gipsoteca, gravuras e reproduções de obras europeias que eram utilizadas para fins de instrução pedagógica e exposições, foram destruídas. Em 1946 o governo do Estado de São Paulo desapropriou o prédio do Liceu situado na Avenida Tiradentes e, em troca, foi doado um terreno para a construção de um novo prédio na Rua da Cantareira. O prédio ficou pronto apenas no final da década de 1950, e a escola permanece nesse endereço até os dias atuais.

A partir da década de 1950 o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo recebeu uma licença do governo para funcionar em duas vertentes, a primeira denominada de Escola Elementar e a segunda de Escola Ramos de Azevedo. A Escola Elementar oferecia o ensino primário de quatros anos e mais dois anos de ensino em suas oficinas, e tratava-se de uma linha de ensino vocacional proposto pela Nova Escola que logo foi cancelado. A Escola Ramos de Azevedo oferecia os cursos preparatórios de desenho arquitetônico e desenho de máquinas, além das oficinas especializadas em madeira, ferro e outros materiais. Essas oficinas ofereciam cursos livres para a formação de profissionais, contudo não emitiam diplomas, o que mostra que eram um ensino prático voltado para a criação rápida de mão de obra especializada.

Com a retomada das obras públicas na área da construção civil na capital paulista, a demanda por hidrômetros aumentou muito, assim como os serviços de marcenaria e serralheria, o que gerou grande demanda para as oficinas do Liceu, que vendia as obras e produtos feitos por seus alunos e professores para a manutenção da própria instituição. Foi um período de grande crescimento econômico da instituição, principalmente pela venda de hidrômetros. Nesse período havia grande rigidez nos horários e os inspetores circulavam para verificar o ritmo da produção como se a escola fosse uma verdadeira fábrica. O Liceu realizou inúmeras obras e a marca LAO (indústria de hidrômetros) já representava garantia e prestígio para seus produtos e, ao mesmo tempo, uma enorme possibilidade de empregabilidade aos seus formandos.

A produção de mobiliários e objetos ligados à arte para decoração de interiores das elites paulistanas e ornamentação prédios públicos (portas, janelas e gradis) destaca-se em confessionários de madeira em jacarandá na Catedral da Praça da Sé, nas portas, janelas e mobiliário do Museu Paulista, nos móveis e componentes arquitetônicos do Palácio dos Campos

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