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AS LIÇÕES DO DIREITO ITALIANO PARA A MITIGAÇÃO DO PREJUÍZO NO DIREITO

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CERS | REVISTA CIENTÍFICA DISRUPTIVA | VOLUME III | NÚMERO 1 | JAN-JUN / 2021

AS LIÇÕES DO DIREITO ITALIANO PARA A MITIGAÇÃO DO PREJUÍZO NO DIREITO

Silvano José Gomes Flumignan1 RESUMO: O ensaio expõe como o direito italiano trata a mitigação do prejuízo e como ela pode influenciar o direito brasileiro. O problema identificado na pesquisa diz respeito à ausência de disciplina do comportamento da vítima no direito brasileiro. O trabalho buscará responder de que maneira o direito italiano pode colaborar para uma disciplina legislativa sobre a matéria. A análise crítica do direito italiano pode colaborar para eventual alteração do texto legal brasileiro. O trabalho foi dividido em cinco partes. Em todas, analisam-se as regras previstas no art. 1227 do Código Civil italiano. Em um primeiro momento, é verificada a noção de culpa concorrente em comparação com o art. 945 do Código Civil brasileiro.

Posteriormente, será verificada a regra referente à mitigação do prejuízo, seus fundamentos e características. A conclusão abordará a inconveniência de disciplinar a matéria no mesmo artigo da culpa concorrente. A metodologia emprega no trabalho foi dogmática, com a análise dos artigos 1227 do Código Civil italiano e 945 do Código Civil brasileiro e doutrinária com a verificação de textos que abordam a disciplina no direito italiano.

PALAVRAS-CHAVE: responsabilidade civil; dano; mitigação do prejuízo; direito italiano.

1 Doutor e Mestre pela USP. Professor do Mestrado do Cers. Professor da UPE e da Asces/UNITA. Procurador do Estado de Pernambuvo (cedido ao STJ).

Assessor de Ministro do STJ. https://orcid.org/0000-0002-1003-2415

RECEBIDO EM: 13/06/21 ACEITO EM: 25/06/21

VOLUME III | NÚMERO 1 | JAN-JUN / 2021

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CERS | REVISTA CIENTÍFICA DISRUPTIVA | VOLUME III | NÚMERO 1 | JAN-JUN / 2021

THE LESSONS OF ITALIAN LAW FOR THE MITIGATION OF DAMAGE IN BRAZILIAN LAW

ABSTRACT: The essay exposes how Italian Law deals with the mitigation of damage and how it can influence Brazilian law. The problem identified in this research concerns the lack of discipline of victim behavior in Brazilian law. The work will seek to answer how Italian law can contribute to a legislative discipline on the matter. A critical analysis of Italian Law can contribute to a possible change in the Brazilian legal text. The work was divided into five parts. In all of them, the parts provided from art. 1227 of the Italian Civil Code. At first, the notion of concurrent fault is verified in comparison with 945 article of the Brazilian Civil Code. Subsequently, the rule regarding the mitigation of damage, its foundations and characteristics will be verified. The conclusion will address the inconvenience of disciplining the matter in the same article as the concurrent fault. The methodology employed in the work was dogmatic, with the analysis of articles 1227 of the Italian Civil Code and 945 of the Brazilian Civil Code, and doctrinal with the verification of texts that address the discipline in Italian law.

KEYWORDS: tort law; damage; mitigation of damage; Italian Law.

LAS LECCIONES DE LA LEY ITALIANA PARA LA MITIGACIÓN DEL DAÑO EN LA LEY BRASILEÑA

RESÚMEN: El ensayo expone cómo la ley italiana trata la mitigación de lesiones y cómo puede influir en la ley brasileña. El problema identificado en la investigación se refiere a la falta de disciplina del comportamiento de la víctima en la ley brasileña. El trabajo tratará de responder cómo la legislación italiana puede contribuir a una disciplina legislativa sobre el tema. El análisis crítico de la legislación italiana puede contribuir a la posible alteración del texto jurídico brasileño. La obra se dividió en cinco partes. En total, se analizan las normas establecidas en el artículo 1227 del Código Civil italiano. En un primer momento, la noción de culpabilidad concurrente se verifica en comparación con el artículo 945 del Código Civil brasileño. Posteriormente, se verificará la norma relativa a la mitigación de la lesión, sus fundamentos y características. La conclusión abordará la inconveniencia de disciplinar el asunto en el mismo artículo de culpabilidad concurrente.

La metodología empleada en el trabajo fue dogmática, con el análisis de los artículos 1227 del Código Civil italiano y 945 del Código Civil brasileño y doctrinal con la verificación de textos que abordan la disciplina en el derecho italiano.

PALABRAS CLAVE: responsabilidad civil; daños; mitigación de lesiones; Ley italiana.

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CERS | REVISTA CIENTÍFICA DISRUPTIVA | VOLUME III | NÚMERO 1 | JAN-JUN / 2021

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 A REGRA GERAL DE MITIGAÇÃO PREVISTA NO DIREITO ITALIANO; 3 A DIFERENCIAÇÃO DAS DUAS REGRAS PREVISTAS NO ART.

1.227 DO CÓDIGO CIVIL ITALIANO A PARTIR DA DOUTRINA DO DANO-EVENTO E DO DANO-PREJUÍZO; 4 A DIFERENCIAÇÃO ENTRE AS REGRAS DO ART. 1.227 DO CÓDIGO CIVIL ITALIANO A PARTIR DO CARÁTER SUCESSIVO ENTRE OS TEXTOS;

5 O FUNDAMENTO PARA A MITIGAÇÃO DO PREJUÍZO NO DIREITO ITALIANO; 6 ASPECTOS RELEVANTES DA MITIGAÇÃO (DILIGÊNCIA ORDINÁRIA, COMPORTAMENTO DOLOSO E CUSTOS DA MITIGAÇÃO); 7 CONCLUSÕES;

REFERÊNCIAS.

1 INTRODUÇÃO

A análise do comportamento da vítima, ou parte credora, após o evento danoso não é disciplinado pelo Código Civil brasileiro. No entanto, a evitabilidade dos efeitos está presente no Tratado de Compra e Venda Internacional de Mercadorias e já foi objeto de julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça.

Essa lacuna do direito brasileiro é o problema básico da pesquisa.

Ela vem sendo preenchida basicamente com a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, mas sua utilização tem sido restrita, quase que exclusivamente, ao direito contratual (FRADERA, 2011, p. 109-119).

A hipótese que se pretende provar é que a análise comparativa pode ser extremamente importante para uma eventual iniciativa brasileira no sentido de positivar a aplicação do instituto. Nessa seara, o direito italiano mostra-se relevante por ter regra expressa nesse sentido no Código Civil italiano de 1942, que, inclusive, influenciou o Código Civil brasileiro.

A verificação dos acertos e desacertos será importante para que os eventuais equívocos encontrados não sejam repetidos caso o legislador brasileiro opte pela previsão expressa da mitigação.

Para tanto, o trabalho será dividido em cinco partes. Na primeira, será observada a previsão legislativa do art. 1227 do Código Civil italiano. Após essa verificação, buscar-se-á distinguir as duas regras previstas no dispositivo a partir de critérios distintos.

Com a observação dos critérios, será possível a análise dos fundamentos da mitigação e de alguns elementos previstos pelo legislador para a sua aplicação.

A metodologia empregada no trabalho foi dogmática a partir da análise do texto legislativo e da bibliografia referente à matéria.

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2 A REGRA GERAL DE MITIGAÇÃO PREVISTA NO DIREITO ITALIANO

O direito italiano aborda a doutrina da mitigação no dispositivo destinado à culpa concorrente. O texto prevê duas regras no art. 1227:

Art. 1227 do Código Civil italiano. Concorrência de culpa do lesado. Se o fato culposo do credor concorreu para causar o dano, o ressarcimento é diminuído segundo a gravidade da culpa e a abrangência das consequências que lhe são derivadas. O ressarcimento não é devido para os danos que o credor poderia ter evitado usando a diligência ordinária (2056 e seguintes).2 (ITALIA, 1942)

A primeira regra refere-se à culpa concorrente e a segunda relaciona-se ao comportamento da vítima, mesmo que inseridas sob a rubrica da “culpa concorrente”

(BENEDETTI, 2012, p. 358-370; BIANCA, 1994, p. 136; CATTANEO, 1967, p. 460; CUPIS, 1970, p. 966; DISTASO, 1970, p. 444; FRANZONI, 1996, p. 63; GABRIELLI, 1998, p. 467;

LONGO, 1950, p. 348; SAPONE, 2007, p. 5-24; VISINTINI, 2005, p. 692).

A culpa concorrente, prevista na primeira regra, é, inclusive, muito semelhante ao art. 945 do CC brasileiro3:

Art. 945 do CC/02. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. (LOPES, 2011, p. 162)

A segunda regra, no entanto, não foi tratada na legislação codificada brasileira.

3 A DIFERENCIAÇÃO DAS DUAS REGRAS PREVISTAS NO ART. 1.227 DO

CÓDIGO CIVIL ITALIANO A PARTIR DA DOUTRINA DO DANO-EVENTO E DO DANO-PREJUÍZO

A maioria dos julgados italianos diferencia os dois parágrafos do art. 1.227 a partir da concepção de dano-evento e de dano-prejuízo:

1.1. Distinção entre danos-evento e danos-consequência. [...] A jurisprudência majoritária, para individualizar o discrimen entre o primeiro e o segundo parágrafo, baseia a distinção entre causalidade de fato, que se relaciona ao primeiro parágrafo, e casualidade jurídica, que diz respeito ao segundo parágrafo.

Verifica-se, portanto, de acordo com esta tese, o primeiro parágrafo quando a conduta do lesado é inerente à fase produtiva do evento lesivo (o termo deve ser

2 Art. 1227 Concorso del fatto colposo del creditore

Se il fatto colposo del creditore ha concorso a cagionare il danno, il risarcimento è diminuito secondo la gravità della colpa e l'entità delle conseguenze che ne sono derivate.

Il risarcimento non è dovuto per i danni che il creditore avrebbe potuto evitare usando l'ordinaria diligenza (2056 e seguenti)

3 “Apesar de a evitabilidade estar prevista em um artigo cujo título indica que trataria da matéria de culpa concorrente, a doutrina e a jurisprudência italianas firmaram entendimento de que esse artigo trata de duas hipóteses diferentes. No primeiro parágrafo, cuida propriamente da culpa concorrente, em que o ato culposo do credor intervém para a produção do evento danoso. Nesse caso, o juiz terá discricionariedade para fixar o valor da indenização tendo em vista o grau relativo de culpa das partes e o papel que o ato de cada uma delas teve na causação do dano”.

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CERS | REVISTA CIENTÍFICA DISRUPTIVA | VOLUME III | NÚMERO 1 | JAN-JUN / 2021 compreendido como sinônimo de evento danoso ou de evento de dano). O segundo parágrafo diz respeito ao nexo entre o evento danoso e as singulares consequências danosas (os danos-consequência).4 (SAPONE, 2007, p. 7)

De fato, a culpa concorrente prevista no primeiro parágrafo insere-se na discussão sobre o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Neste panorama, a verificação sobre o comportamento do lesado é estritamente ligada à causalidade fática.

Também não é equivocado se afirmar que, para a análise do segundo parágrafo, seria imprescindível a verificação das diversas consequências lesivas.

A decisão abaixo colacionada bem demonstra o afirmado:

[...] O primeiro parágrafo do art. 1227 do Código Civil diz respeito à concorrência culposa do lesado na produção do evento que configura o inadimplemento [...] enquanto no segundo parágrafo, o dano é originariamente imputável ao causador, mas as consequências danosas do mesmo poderiam ter sido evitadas ou atenuadas por um comportamento diligente do lesado.5

Os adeptos dessa associação limitam a análise da causalidade ao primeiro parágrafo e deixam para o segundo, que aborda precisamente a doutrina da mitigação do prejuízo por parte da vítima, a análise tão-somente das consequências danosas.

[...] o primeiro parágrafo regula a concorrência do lesado na produção do fato danoso e tem como consequência uma repartição de responsabilidade [...] na qual um dos coautores do fato danoso é o mesmo lesado [...]. Uma situação bastante diferente é, ao contrário, disciplinada no segundo parágrafo da norma reclamada: aqui não existe um problema etiológico ou causal, mas somente de extensão do dano [...].6

Essa primeira interpretação estabelece que a regra do primeiro parágrafo se associa à concepção clássica de responsabilidade civil com a previsão de que o dano indenizável tenha que necessariamente ter relação causal com a conduta; enquanto o segundo visa determinar a entidade do dano ressarcível (CATTANEO, 1967, p. 460)7.

4 “Distinzione tra danni-evento e danni-consequenza [...]

La giurisprudenza maggioritaria, per individuare il discrimen tra primo e secondo comma, fa perno sulla distinzione tra causalità in fatto, cui ha riguardo il primo comma, e causalità giuridica, a cui attiene il secondo comma. Opera quindo, secondo questa tesi, il primo comma quando il fatto del danneggiato inerisce alla fase produttiva dell’evento lesivo (termine da intendersi quale sinonimo di evento dannoso o di evento- di-danno). Il secondo comma riguarda invece il nesso che intercorre tra l’evento lesivo e le singole conseguenze dannose (i danni-conseguenza”.

5 Cass. 16/06/2003, n. 9629. “il primo comma dell’art. 1227c.c. concerne il concorso colposo del danneggiato nella produzione dell’evento che configura l’inadempimento [...] mentre nel secondo comma il danno è eziologicamente imputabile al dannegiante, ma le conseguenze dannose dello stesso avrebbero potuto essere impedite o attenuate da un comportamento diligente del danneggiato”.

6 Cass. 04/05/1990, n. 3729. “Il primo comma regola il concorso del dannegiato nella produzione del fato danoso ed ha come conseguenza una ripartizione di responsabilità [...] nella quale uno dei coautori del fatto dannoso è lo stesso danneggiato. [...] Una situazione del tutto diversa è invece disciplinata dal secondo comma della norma richiamata: qui non v’è un problema eziologico o causale, ma solo di estensione del danno”.

7 O autor chega a afirmar que o dano “evitável” não seria um dano no sentido jurídico.

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O resultado dessa tentativa de distinção é associar o primeiro parágrafo ao dano-evento e o segundo ao dano-prejuízo (SAPONE, 2007, p. 10).

De fato, o fenômeno do dano pode ser compreendido em dois momentos:

como pressuposto do dever de indenizar e como parâmetro para se fixar a indenização.

O primeiro envolve a demonstração dos pressupostos da responsabilidade (dano, nexo causal e culpa, quando não dispensada, nas hipóteses objetivas).

[...] E, uma vez superado esse primeiro plano (an debeatur), voltam-se as atenções ao tema da avaliação, da quantificação dos danos já então reconhecidos. Eis o segundo momento na ordem de considerações sucessivas constante das ações de responsabilidade civil (quantum debeatur), ao qual se chegará tão-somente após se lograr êxito na caracterização dos pressupostos.

(MONTEIRO FILHO, 2000, p. 124-125)

Essa corrente doutrinária e jurisprudencial italiana, no entanto, ao comentar o art. 1.227 do Código Civil italiano, atribui o primeiro momento de análise do dano somente ao primeiro parágrafo. No parágrafo seguinte, caberia a análise do segundo momento.

Mais do que isso, tal corrente pressupõe que somente o dano-evento entraria na cadeia causal gerada pela conduta e que o dano-prejuízo não poderia ser analisado do ponto de vista do nexo de causalidade. Tais conclusões, no entanto, parecem equivocadas.

Não perceberam os autores que tanto o dano-evento como o dano-prejuízo são resultados da conduta e integram a cadeia causal da conduta gerada.

O dano compreendido a partir da noção de dano-evento e dano-prejuízo não permite a confusão entre a conduta com o seu resultado.

A conduta é o comportamento humano voluntário exteriorizado por uma ação ou omissão. É composta pelo elemento objetivo e subjetivo. O objetivo é a exteriorização (ação ou omissão). O subjetivo é composto pelo dolo e pela culpa. O dano-evento não se confunde com a conduta. É o resultado de uma ação ou omissão que viola direito subjetivo ou interesse juridicamente relevante. Ele deve ser acompanhado com o dano-prejuízo, o segundo momento da caracterização do dano, que é a consequência de ordem patrimonial ou extrapatrimonial correlacionada diretamente à violação do direito ou do interesse. (FLUMIGNAN, 2015, p. 192)

Isso fica claro com o seguinte exemplo: “Se uma pessoa excede o limite de velocidade em seu automóvel, comete um ato ilícito. Porém, apenas será possível falar em responsabilidade civil se esse ato gerar algum dano” (FLUMIGNAN, 2009, p. 42)8.

O dano-evento e o dano-prejuízo constituem um fenômeno unitário que somente pode ser distinto em dois momentos no plano ideológico. A unitariedade não impede o problema normativo da distinção entre o dano-evento e o dano- prejuízo (SALVI, 1989, p. 63).

8 O problema do ato ilícito na responsabilidade se expressa de diversas formas. O fato jurídico sempre será ilícito, pois o dano-evento sempre será antijurídico.

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“O dano-evento constitui-se pela lesão a um direito subjetivo ou a um interesse juridicamente relevante e o dano-prejuízo é a consequência patrimonial ou extrapatrimonial da lesão.” (FLUMIGNAN, 2015, p. 193)

A aparente ambiguidade entre os termos dano-evento e o dano-prejuízo pode ter fundamento na origem etimológica. As línguas latinas costumam atribuir aos termos lesão e dano o significado que se pretende com os termos dano-evento e dano-prejuízo (Azevedo, 2004, p. 289 e ss.). Philippe le Tourneau e Loïc Cadiet (1998, p. 193), por exemplo, mencionam os termos dommage (originada do vocábulo latino damnum) e préjudice.

Antônio Junqueira de Azevedo (2004, p. 289 e ss.) expõe ser ideal a referência precisa dos dois momentos para a caracterização do dano: o dano-evento (primeiro momento) e o dano-prejuízo (segundo momento). A noção de dois momentos não implica, necessariamente, um lapso temporal entre um e outro. A simultaneidade é perfeitamente possível9.

Mesmo existindo dois momentos do ponto de vista teórico, não se pode afirmar que apenas o dano-evento integraria a cadeia causal, pois a distinção ocorre apenas no plano teórico. Como fenômeno, o dano-evento e o dano-prejuízo constituem o resultado da conduta.

De qualquer forma, a corrente que prevalece é a que associa o primeiro parágrafo ao dano-evento e o segundo ao dano-prejuízo. Contudo, existem entendimentos contrários. Tais previsões associam o segundo parágrafo, o que aplica à doutrina da mitigação de maneira mais categórica, também à noção de evento danoso:

Também sobre o tema do segundo parágrafo existem conclusões jurisprudenciais da opinião que sustenta a irrelevância entre danos-evento e danos-prejuízo. [...] A teoria predominante - que se sustenta na distinção entre danos-evento e danos-prejuízo e que nos leva a considerar necessariamente sucessivo ao evento danoso o comportamento da vítima relevante no sentido do segundo parágrafo - foi negada em outro caso, decidido pela Cass.

09/04/1996, n. 3250, MGC 1996, 519. O autor havia acionado a administração provincial porque alguns animais, mantidos pela própria Administração em uma área de repovoamento e de captura, tinham invadido um pomar de sua propriedade, causando vários danos; tais danos, de acordo com o autor, seriam imputáveis à Administração que não tinha conseguido isolar adequadamente a área de repovoamento: O Tribunal acolheu a demanda de ressarcimento fundamentando que não havendo a Administração provido o isolamento da área de forma adequada, não tinha o autor o dever de prevenir no sentido da

9 De acordo com o autor, a natureza do dano-evento não necessariamente será a do dano-prejuízo. “Pode haver lesão à integridade física de uma pessoa e as principais consequências não serem de ordem pessoal, e sim patrimonial - por exemplo, se a vítima perdeu total ou parcialmente sua capacidade laborativa; ou, inversamente, a lesão pode ser numa coisa que está no patrimônio de alguém e a consequência ser principalmente um prejuízo não-patrimonial (dano moral), - por exemplo, se o dono tinha, pela coisa, valor de afeição... Portanto, o dano-evento, ou lesão, pode ser no corpo ou no patrimônio e, quer numa hipótese quer noutra, o dano-prejuízo ser patrimonial ou não-patrimonial: um dano ao corpo pode ter consequências patrimoniais ou não-patrimoniais e um dano ao patrimônio também pode ter consequências patrimoniais ou não-patrimoniais” (AZEVEDO, 2004, p. 291)

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art. 1227, segundo parágrafo, do CC (como havia sustentado o Magistrado) porque ele deveria exercer uma atividade extraordinária significativa ou desembolsar despesas consideráveis, tais como as resultantes do encerramento do fundo dos artigos 841 e 842 do Código Civil.10 (SAPONE, 2007, p. 16)

Dessa forma, a análise da culpa concorrente é uma verificação de causalidade.

O nexo de causalidade liga a conduta ao resultado danoso, que pode ser desdobrado em dano-evento e dano-prejuízo. A mitigação ocorre na apuração do quantum indenizável.

Logo, é posterior a verificação do dano-prejuízo.

4 A DIFERENCIAÇÃO ENTRE AS REGRAS DO ART. 1.227 DO CÓDIGO CIVIL ITALIANO A PARTIR DO CARÁTER SUCESSIVO ENTRE OS TEXTOS

Outra tentativa de diferenciação entre a culpa concorrente, prevista no primeiro parágrafo do Código Civil italiano, e a mitigação do prejuízo, diz respeito ao caráter sucessivo entre as duas regras.

Sapone (2007, p. 10 e ss), por exemplo, sustenta que o caráter omissivo do comportamento do lesado levaria necessariamente a uma análise posterior ao evento lesivo11.

A crítica que se faz a esse entendimento é que ele não explica o fato de o comportamento de mitigação do prejuízo poder ser exigido também como conduta preventiva, ou seja, anterior à ocorrência do dano (SAPONE, 2007, p. 18).

Christian Sahb Batista Lopes, ao comentar o direito italiano, não discorre sobre essas várias interpretações possíveis de distinção entre os parágrafos do art. 1227 do Código Civil italiano. Em verdade, deixa transparecer a existência de apenas uma interpretação. Para o autor, somente existiria uma causa para o dano no segundo parágrafo; já em relação ao primeiro parágrafo haveria mais de uma causa. A doutrina da mitigação prevista no segundo parágrafo teria o condão de interromper o nexo de causalidade em relação aos danos que poderiam ter sido evitados:

10 “Anche sotto il versante del secondo comma vi sono riscontri giurisprudenziali all’opinione che afferma l’irrilevanza tra danni-evento e danni-conseguenza. [...]

La tesi prevalente - che fa leva sulla distizione tra danni-evento e danni-conseguenza e che porta a considerare necessariamente successivo all’evento dannoso il comportamento della vittima rilevante ai sensi del secondo comma – è stata smentita anche in altro caso, deciso da Cass. 9.4.1996, n. 3250, MGC 1996, 519.

L’attore aveva agito nei confronti dell’amministrazione provinciale perché alcuni animale, tenuti dall’Amministrazione stessa in una zona di ripopolamento e cattura, avevano invaso un frutteto di sua proprietà, provocando molteplici danni; tali danni, secondo l’attore , erano addebitabili all’Amministrazione che non aveva provveduto a recintare adeguantamente la zona di ripopolamento: Il Tribunale ha accolto la domanda di risarcimento ritenendo che non avendo l’Amministrazione provveduto a recintare adeguatamente tale zone, non aveva l’attore il dovere di provvedervi ai senso dell’art. 1227 secondo comma c.c. (come aveva invece sostenuto il Pretore) perché avrebbe dovuto esplicare un’ attività straordinaria abnorme, o sostenendo esborsi di spese considerevoli, quali quelle derivanti dalla chiusura del fondo ex artt.

841 e 842 C.C”.

11 Neste ponto, cabe ressaltar que como evento lesivo, a doutrina italiana trabalha com a noção de dano- evento (Cass. 10/12/1986, n. 7319; Cass. 09/05/2000, n. 5883).

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CERS | REVISTA CIENTÍFICA DISRUPTIVA | VOLUME III | NÚMERO 1 | JAN-JUN / 2021 A hipótese prevista no parágrafo segundo “pressupõe que o comportamento do autor tenha sido a única causa eficiente do referido evento, e se refere às consequências posteriores que, devido à falta de ordinária diligência da parte do credor prejudicado, agravaram o dano.” Portanto, reconhecem-se haver diferenças entre as duas normas previstas no art. 1.227. Na primeira delas, há mais de uma causa para a ocorrência do evento danoso. Na segunda, que trata realmente da minimização dos danos, há apenas uma causa para o evento danoso. Entretanto, entende-se que a falta de uso da ordinária diligência do credor para evitar danos interrompe o nexo de causalidade com relação aos danos que poderiam ter sido evitados. Desta forma, a lei atribui uma consequência para essa segunda hipótese que é diferente daquela prevista para a primeira: o credor não poderá ser indenizado pelos danos que poderia ter evitado. (LOPES, 2011, p. 62)

Tal concepção encontra algumas restrições. Embora se afaste da ideia equivocada de distinção entre os parágrafos com base na noção de dano-evento e de dano-prejuízo12, não explica a questão da mitigação preventiva do dano ao falar em

“quebra da causalidade”. Tal ideia necessariamente implica o caráter sucessivo do dano e gera uma espécie de confusão conceitual. Ela prevê que a “causa” dos danos evitáveis seria o comportamento da vítima ou da parte credora o que não condiz, em absoluto, com a realidade. A “causa” do prejuízo continua sendo a conduta do autor do dano13.

5 O FUNDAMENTO PARA A MITIGAÇÃO DO PREJUÍZO NO DIREITO ITALIANO Resta saber, no direito italiano, o fundamento de aplicação desse instituto.

Natalino Sapone tenta estabelecer o fundamento do segundo parágrafo. Para tanto, enquadra o direito italiano em três grandes correntes doutrinárias: boa-fé objetiva;

causalidade e eclética (2007, p. 285 e ss.).

A que se funda na boa-fé objetiva sustenta que o comportamento do lesado na mitigação do prejuízo que lhe foi causado é fato impeditivo da responsabilidade do causador do dano. Tal efeito constitui sanção pela violação do dever jurídico de lealdade e do desrespeito à concepção de solidariedade nas relações jurídicas (BIANCA, 1994, p. 143).

Restaria saber se esse impedimento seria total ou parcial. A jurisprudência italiana já se pronunciou pela parcialidade do impedimento devido ao fato de subsistir a responsabilidade do causador do dano e que o impedimento somente seria gerado no caso de omissão do credor ou vítima14. Cesare Massimo Bianca, por outro lado, defende

12 Até porque tanto o dano-evento como o dano-prejuízo integram a causalidade do fato gerador do dano.

13 Aliás, esse parece ser o entendimento da jurisprudência italiana há algum tempo: Cass. 13/12/1980, n.

6430 - “Il secondo comma (dell’ art. 1227, n.d.r.) prende in considerazione la condotta del danneggiante posteriore all’evento lesivo, già determinatosi per fatto esclusivo del debitore o del responsabile; in questa seconda fase del rapporto, il creditore o il danneggiato hanno il dovere di adottare le misure [...] opportune per ridurre o comunque per non aggavare le conseguenze dannose dell’inadempimento ovvero del fatto illecito” (O segundo parágrafo (do art. 1227) leva em consideração a conduta do causador do dano posterior ao evento lesivo, já determinado por fato exclusivo do devedor ou do responsável; nesta segunda fase da relação, o credor ou o lesado tem o dever de adotar as medidas adequadas [...] necessárias para reduzir ou, pelo menos, para não agravar as consequências danosas do inadimplemento ou do fato ilícito).

14 Cass. 15/10/2004, n. 20324.

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a possibilidade de imputação total ou parcial por se tratar de uma sanção imposta ao descumprimento de dever oriundo da boa-fé objetiva (BIANCA, 1994, p. 143).

No que se refere à possibilidade de impedimento total ou parcial, parece que a razão está com quem admite a total. O Código Civil italiano não restringe o efeito do descumprimento do parágrafo segundo apenas à parcial redução da indenização. Ele afirma apenas que o ressarcimento não será devido se for possível a atuação do credor ou da vítima para mitigar os efeitos de um prejuízo causado. Essa, claro, não será a regra, mas, a depender do caso concreto, poderá ocorrer.

Sobre essa possibilidade, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou pela possibilidade de afastamento total da indenização no direito brasileiro:

RESPONSABILIDADE CIVIL. SENTENÇA PUBLICADA ERRONEAMENTE.

CONDENAÇÃO DO ESTADO A MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ.

INFORMAÇÃO EQUIVOCADA. AÇÃO INDENIZATÓRIA AJUIZADA EM FACE DA SERVENTUÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. DANO MORAL.

PROCURADOR DO ESTADO. INEXISTÊNCIA. MERO DISSABOR.

APLICAÇÃO, ADEMAIS, DO PRINCÍPIO DO DUTY TO MITIGATE THE LOSS.

BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO DANO. [...] 4. Não fosse por isso, é incontroverso nos autos que o recorrente, depois da publicação equivocada, manejou embargos contra a sentença sem nada mencionar quanto ao erro, não fez também nenhuma menção na apelação que se seguiu e não requereu administrativamente a correção da publicação. Assim, aplica-se magistério de doutrina de vanguarda e a jurisprudência que têm reconhecido como decorrência da boa-fé objetiva o princípio do Duty to mitigate the loss, um dever de mitigar o próprio dano, segundo o qual a parte que invoca violações a um dever legal ou contratual deve proceder a medidas possíveis e razoáveis para limitar seu prejuízo. É consectário direto dos deveres conexos à boa-fé o encargo de que a parte a quem a perda aproveita não se mantenha inerte diante da possibilidade de agravamento desnecessário do próprio dano, na esperança de se ressarcir posteriormente com uma ação indenizatória, comportamento esse que afronta, a toda evidência, os deveres de cooperação e de eticidade. (BRASIL, STJ, Resp 1325862/PR, rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Órgão Julgador: Quarta Turma, j. em 05/09/13.)

Para essa corrente, portanto, não haveria um juízo de causalidade entre a conduta do causador do dano e o prejuízo evitável, haveria simplesmente uma sanção pela não observância da boa-fé objetiva.

A corrente que se baseia na causalidade, por outro lado, entende que o parágrafo segundo excluiria o dever de indenizar pela conduta inerte do credor ou da vítima, porque os danos decorrentes da falha na mitigação não seriam “causados” direta e imediatamente pela conduta do autor do dano15.

Tal concepção não parece ser a correta, pois um dos principais fatores de diferenciação entre a culpa concorrente e a doutrina da mitigação é que a primeira trabalha com mais de uma “causa” a produzir o resultado danoso.

15 Cass. 09/02/2004, n. 2422.

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Ademais, ao se admitir a mitigação do prejuízo como uma quebra da causalidade, confunde-se o duty to mitigate com a culpa ou fato exclusivo da vítima, como que se o “prejuízo” causado pela evitabilidade do dano fosse de responsabilidade exclusiva da vítima ou parte credora, o que não pode ser aceitável.

A solução eclética tenta combinar as concepções “patrimonialista”16 e causalista. Para essa ideia, as duas soluções não seriam incompatíveis ou excludentes. Em verdade, o parágrafo segundo somente seria possível como resultado da convergência da boa-fé com a causalidade que teria ampliado as situações de diligência ordinária.

Esta reconstrução une o nexo de causalidade com o dever de boa-fé. Não são somente duas chaves de leitura compatíveis, mas – nesta visão – dois planos que não podem ficar separados. A ampliação da diligência ordinária prevista no art. 1227, §2º, constitui o resultado da convergência do plano da causalidade e da boa-fé.17 (SAPONE, 2007, p. 291)

A teoria tem o condão de afastar, tal qual a ideia prevista no Código Civil de Quebec, a disseminação de um fundamento único para a mitigação do prejuízo.

Todavia, a teoria eclética peca em alguns aspectos com a regra prevista no art. 1227.

Ao se prever uma regra específica sobre mitigação do prejuízo no Código Civil, afasta-se a necessidade de se recorrer à principiologia da boa-fé objetiva. O legislador italiano, quando quis prever a aplicação da boa-fé-objetiva, assim o fez.

Além disso, o critério da diligência ordinária não se identifica por completo com a lealdade da boa-fé objetiva.

Em verdade, o comportamento da vítima ou da parte credora que opta por permanecer inerte após sofrer um prejuízo não viola diretamente o direito na legislação italiana.

Como mencionado, o autor acredita que a disposição é uma expressão do princípio da auto-responsabilidade; mas não no sentido da violação do dever primário de boa-fé, mas como um conceito contrário àquele de hetero- responsabilidade em relação a si mesmo. O que significa que o segundo parágrafo não se refere à violação de um dever primário de comportamento;

subjacente ao segundo parágrafo está um comportamento em si livre, portanto, não antijurídico.18 (SAPONE, 2007, p. 292)

16 Tal denominação da corrente doutrinária foi dada por Sapone (2007, p. 286-288).

17 “Questa riconstruzione salda il rapporto di casualità con il dovere di buona fede. Non sono solo due chiavi di lettura compatibili, mas - in questa visione – due piani che non possono procedere separati. L’ ampiezza dell’ordinaria diligenza di cui all’art. 1227 secondo comma costituisce la risultante della convergenza del piano della causalità e della buona fede”.

18 “Come già detto, chi scrive ritiene che la disposizione costituisca espressione del principio di autoresponsabilità; ma non nel senso di violazione del dovere primario di buona fede, ma come concetto contrapposto a quelo di etero-responsabilità verso se stesso. Il che vuol dire che il secondo comma non si riferisce alla violazione di un dovere primario di comportamento; sotteso al secondo comma è un comportamento di per sé libero, dunque non antigiuridico”.

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Como se observou, a aplicação da teoria do dano-evento e do dano-prejuízo não ajuda muito a explicar a diferença entre os parágrafos do art. 1227, pois parte de premissas erradas. Ela é relevante, no entanto, para se verificar que as consequências lesivas da conduta serão importantes para a quantificação do dano indenizável e do dano evitado ou evitável.

Da mesma forma, o caráter sucessivo para diferenciar a culpa concorrente da mitigação do prejuízo não esclarece, por exemplo, a questão da mitigação em caráter preventivo.

A teoria que prega ser a causalidade o fator decisivo para a mitigação não observa que de fato as consequências lesivas não foram causadas pela vítima, mas pelo autor do dano.

A boa-fé também não encontra completa aplicação na mitigação já que o legislador italiano, quando quis tratar da boa-fé o fez expressamente. Além disso, a lealdade, como padrão de comportamento, não se enquadra por completo no conceito de “diligência normal ou ordinária” do segundo parágrafo do art. 1227.

A teoria eclética, por ser uma combinação da teoria da causalidade com a da boa-fé, agrega as críticas de ambas as correntes; tem, contudo, uma importante vantagem de admitir que um instituto jurídico não necessariamente tenha apenas um fundamento. É perfeitamente possível a aplicação de mais de um a depender da situação concreta que exija a sua tutela.

Ao se analisar o texto do segundo parágrafo, percebe-se que a vítima ou parte credora pode optar por permanecer inerte sem que isso represente uma violação da ordem jurídica. A consequência apenas é que ela não receberá o valor da indenização de maneira integral. Tal previsão se enquadra perfeitamente na noção de ônus jurídico, sendo que o benefício para aquele que o cumpre é justamente a reparação integral (parte ressarcida pelo causador do dano – prejuízos não evitáveis; parte pela sua própria atuação – mitigação do prejuízo). “Essa conduta é transformada pela disposição em questão em ônus, tendo por objeto a utilização da diligência ordinária nos termos do art. 1176 do Código Civil, colocado para proteger o interesse de outrem”19 (SAPONE, 2007, p. 292).

6 ASPECTOS RELEVANTES DA MITIGAÇÃO (DILIGÊNCIA ORDINÁRIA, COMPORTAMENTO DOLOSO E CUSTOS DA MITIGAÇÃO)

Resta ainda a análise de alguns pontos do dispositivo. O art. 1227, §2º, prevê a denominada “diligência ordinária”. O dispositivo não aborda expressamente a razoabilidade e nem tal noção assume o protagonismo do instituto.

19 “Tale comportamento libero viene trasformato dalla norma in questione in onere, avente as oggetto l’uso dell’ordinaria diligenza di cui all’art. 1176 c.c., posta a tutela dell’interesse altrui”.

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O termo “diligência ordinária” pode ser compreendido em um aspecto negativo e positivo. Do ponto de vista negativo, significa que a atuação esperada da vítima ou da parte credora não pode ser gravosa ou extraordinária20.

Em relação ao aspecto positivo, deve-se atentar para o custo moderado da mitigação, a necessidade de assunção de riscos e o sacrifício esperado.

Assim, existem três critérios fundamentais que devem ser utilizados para delimitar o dever (rectious, o ônus) de diligência ordinária prevista no art. 1227, segundo parágrafo: despesas significativas de dinheiro, assunção de riscos, sacrifícios significativos.21 (SAPONE, 2007, p. 295)

A análise da razoabilidade encontra limitação no caráter extraordinário dos gastos e das medidas de mitigação. Tais elementos somente podem ser verificados no caso concreto, o que leva, ainda que não expressamente, à noção de razoabilidade discutida no direito canadense. Uma razoabilidade verificada em concreto segundo as circunstâncias do caso. É o que se depreende do seguinte julgado do Tribunal de Rovereto:

O ônus da diligência ordinária exigido do art. 1227, parágrafo 2º, do Código Civil, ao credor para limitar o dano pelo inadimplemento deve ser alargado também para aqueles comportamentos positivos através do qual o dano possa ser evitado ou reduzido com certeza22

A razoabilidade depende da análise do comportamento e da situação específica de dano. Assim, a circunstância das partes envolvidas, características pessoais, o dano causado e até mesmo circunstâncias alheias às partes e ao negócio específico como a infraestrutura do local da ocorrência do dano podem ser levadas em conta na análise da diligência ordinária.

Outro ponto relevante diz respeito ao momento em que se espera a conduta da vítima ou parte credora. Já se expôs que pode haver a aplicação da mitigação do prejuízo em caráter antecipado, ou seja, antes da ocorrência do dano. Isso ocorre porque o fator desencadeador do art. 1227, parágrafo segundo, é a evitabilidade das consequências danosas. Se for possível a mitigação de forma preventiva, é possível a aplicação da regra do parágrafo.

Essa discussão leva à outra. É preciso a certeza da ocorrência do prejuízo?

Neste caso, mesmo a mitigação em caráter preventivo, parece exigir que o dano ocorra

20 Cass. 20/11/1991, n. 12439.

21 Dunque, tre sono i fondamentali critério cui far ricorso per perimetrare il dovere (rectious, l’onere) dell’ordinaria diligenza di cui all’ art. 1227 secondo comma: esborsi apprezzabili di denaro, assunzione di rischi, apprezzabili sacrifici.

22 Trib. Rovereto 16/03/98, pres. ed est. Di Fazio, in D&L 1998, 1013 – apud http://www.di- elle.it/giurisprudenza/63-risarcimento-danni/danni-in-genere/424-danni-in-genere acesso em 01/05/2015.

“L’onere di ordinaria diligenza richiesto ex art. 1227, 2° comma, c.c. al creditore per limitare il danno da inadempimento va esteso anche a quei comportamenti positivi attraverso cui il danno possa essere evitato o ridotto con certezza.”

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com certo grau de certeza ainda que ele seja projetado para o futuro, pois, sem dano, não há o que se indenizar.

Questão diversa é saber se somente o comportamento exigível da vítima ou parte credora é aquele que necessariamente leve à mitigação ou se o juízo de probabilidade é suficiente. As condutas que necessariamente levam à mitigação serão relevantes para a aplicação do instituto. A dúvida surge em relação a condutas que geram um juízo de probabilidade de mitigação. Cesare Massimo Bianca sustenta que o “dever”

ou “ônus” de agir surge quando ocorre razoável probabilidade de sucesso (1994, p. 144).

Porém, o autor não aprofunda a questão. Neste ponto, o direito canadense abordou o tema de maneira mais específica e razoável ao determinar que o grau de probabilidade de mitigação do dano será analisado no cálculo do prejuízo evitável e a porcentagem de probabilidade de êxito pode influenciar no cálculo da indenização23.

Um tema extremamente importante no direito italiano diz respeito à possibilidade de aplicação da doutrina da mitigação para os casos em que o causador do dano agiu de maneira dolosa.

Parte da doutrina sustenta que esse seria o limite para a aplicação do parágrafo segundo do art. 1227 (BELLANTUONO, 2001, p. 581). O argumento seria de que a intenção deliberada de descumprir a relação jurídica, por exemplo, para auferir maiores lucros em nova negociação, geraria um bloqueio à aplicação da doutrina da mitigação. Caso o entendimento fosse contrário, poderia levar a grande “injustiça” na prática.

Todavia, o termo “injustiça” é empregado sem qualquer respaldo técnico e apenas de acordo com o entendimento dos defensores. Fato é que os atos dolosos não encontram ressalva na aplicação da mitigação do prejuízo. Ademais, o fundamento máximo da mitigação, mesmo no direito italiano, é constitucional, cujo efeito é repartir as consequências dos efeitos danosos, sendo a aplicação decorrente da noção constitucional de “solidariedade”.

Isso, no entanto, não impede que, no campo do dever de mitigação se possa atribuir qualquer importância ao dolo. Se o art. 1227 for lido também à luz do princípio constitucional de solidariedade, a tal ponto que é em razão deste princípio que se justifica a ampliação do conteúdo da diligência ordinária também para o comportamento positivo, não parece implausível estabelecer que este princípio (de solidariedade) não tenha razão de existir em face de um inadimplemento doloso.24 (SAPONE, 2007, p. 323)

23 Janiak v Ippolito [1985] 1 SCR 146.

24 “Ció comunque non preclude che nel perimetrare il dovere di mitigazione si possa attribuire un qualche rilievo al dolo. Se l’art. 1227 va letto anche ala luce del principio costituzionale di solidarietà, al ta punto che è in forza di tale principio che si giustifica l’ampliamento del contenuto dell’ordinaria diligenza anche ai comportamento positivo, non appare implausibili stabilire che tale principio (di solidarietà) non ha più ragion d’essere a fronte di un inadempimento doloso”.

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Não se quer afirmar que o dolo é irrelevante ou não possa ser levado em consideração para a doutrina da mitigação, mas que o agir doloso por parte do causador do dano não justificaria outra atuação atentatória aos interesses da própria sociedade.

Ainda que se possa argumentar que a aplicação da teoria da mitigação se faça com reservas, o comportamento doloso deve produzir efeitos relativos em relação ao comportamento omissivo da vítima ao da parte credora, gerando, por exemplo, uma interpretação restritiva da mitigação. Entretanto, sob qualquer hipótese, não poderia servir de fundamento a permitir comportamento positivo da parte credora ou vítima que aumente as consequências danosas25 (SAPONE, 2007, p. 323).

Finalmente, outro importante ponto do direito italiano é a questão dos custos da mitigação. A vítima ou parte credora podem empreender esforços para mitigar as consequências do ilícito e incluir os custos no montante da reparação. Resta saber se qualquer custo poderá ser repassado. Neste caso, a jurisprudência e a doutrina italiana utilizam como baliza o prejuízo evitável. Isso significa que, na responsabilidade contratual, por exemplo, o custo da mitigação poderia ultrapassar o valor da prestação originária26.

7 CONCLUSÕES

A discussão e a previsão do direito italiano como ônus são importantes para revelar uma proposta de previsão legislativa para o direito brasileiro.

Como se percebeu, o problema das tentativas de diferenciação dos dois parágrafos do art. 1227 do Código Civil italiano é que se tenta utilizar o mesmo critério para tratar de assuntos que são distintos.

A inconveniência de se prever institutos diversos em um mesmo dispositivo (culpa concorrente e mitigação do prejuízo) é uma importante experiência que pode também servir de exemplo para eventual disciplina legislativa brasileira. Isso sem falar que a discussão travada para distinguir os dois parágrafos do art. 1227 ajuda a distinguir o instituto da mitigação da previsão do art. 945 do CC/02.

Ao se pensar na solução atual e em uma eventual proposta de alteração legislativa, deve-se levar em conta a inconveniência de se tratar em um mesmo

25 “Cosicché viene a ridursi lo spazio dell’ordinaria diligenza. Si può in questo modo giungere a sostenere che in caso di dolo l’ordinaria diligenza è da intendersi limitata ad un contegno omissivo. Il dovere di mitigazione pertanto in caso di inadempimento intenzionale o dettato da motivi speculativi può essere configurato restrittivamente, vale a dire como onere di non adottare comportamenti positivi che aggravino le conseguenze dannose e non anche como onere di attivarsi per elidere o attenuare le conseguenze dannose”

(Por isso, para se reduzir o espaço da diligência ordinária. Pode-se, deste modo, vir a argumentar que em caso de dolo a diligência ordinária deve ser considerada limitada a um comportamento omissivo. O dever de mitigação, portanto, em caso de inadimplemento intencional ou ditado por motivos especulativos pode ser configurado de forma restritiva, ou seja, como ônus de não adotar comportamentos positivos que agravam as consequências danosas e também não como ônus de atuar para elidir ou atenuar as consequências prejudiciais).

26 Cass. 12/04/1980, n. 2331. Vide também: FRANZONI (1996, p. 127).

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dispositivo a mitigação do prejuízo e a culpa concorrente sem desprezar o debate da solução proposta como ônus jurídico.

A previsão do direito italiano como ônus não significa que o direito brasileiro, caso venha a disciplinar a matéria de maneira expressa, proceda da mesma maneira. Pode-se optar pela solução do dever jurídico ou até mesmo pela aplicação da boa-fé de maneira abrangente.

Outra importante contribuição do direito italiano diz respeito aos fundamentos para aplicação da teoria. A discussão sobre a causalidade, a boa-fé objetiva, a possibilidade de mais de um fundamento, como sustenta a teoria eclética, ajudam no debate do direito brasileiro.

Finalmente, as consequências dos resultados do fundamento e a natureza jurídica como sanção ou ônus ajudarão a construir o instituto no Brasil.

Em relação à aplicação detalhada do instituto, destaca-se a discussão sobre a influência do dolo e a probabilidade de êxito na atenuação dos danos evitáveis.

O direito italiano desconsidera a probabilidade de êxito na mitigação. Essa não parece ser a melhor solução. Ela desconsidera que uma situação pode representar grande probabilidade de eficácia caso sejam tomadas medidas para atenuar as consequências danosas e que em outra, ainda que haja atuação específica, o objetivo de reduzir as consequências danosas dificilmente seria alcançado. O tratamento não deveria ser o mesmo para as duas situações.

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