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CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS CONSTITUCIONALIDADE

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Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 03B2788

Relator: FERREIRA DE ALMEIDA Sessão: 16 Outubro 2003

Número: SJ200310160027882 Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: REVISTA.

DIREITO INTERNACIONAL LIVRANÇA TAXA DE JURO

CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS CONSTITUCIONALIDADE

LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

Sumário

I. Às livranças emitidas em território nacional, e neste pagáveis, pode deixar de observar-se o preceituado nos arts. 48° e 49º da LULL (v.g a taxa de juro de 6%), por não se haver de considerar o Estado Português vinculado à

observância das regras convencionais de direito internacional quando elas, por invocadas e atendíveis razões supervenientes à respectiva aceitação/

subscrição, forem excluídas da ordem jurídica interna.

II. Para tal será, porém, necessária a invocação das razões constantes do preâmbulo do DL 262/83, de 16/6 - «cláusulas rebus sic stantibus» - o que tornará lícita e legítima a desvinculação das citadas normas convencionais e a sua substituição pelas constantes de subsequentes diplomas de direito interno que estabeleçam uma taxa de juro moratório diferente da fixada nos nºs 2 dos artºs 48º e 49º, ambos da Lei Uniforme.

III. Assim aos juros moratórios das livranças emitidas e pagáveis em Portugal é aplicável, em cada momento, a taxa que decorre do disposto no artº 4º do DL 262/83 de 16/6 e não a prevista nos nºs 2 dos artºs 48º e 49º da LULL.

IV. Se o recorrente, subscritor da livrança, negar falsamente haver aposto a sua assinatura no título a que se reportam os autos - tendo ficou provada uma tal aposição de assinatura - deduziu esse subscritor oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (por se tratar de um facto pessoal), sendo assim de concluir pela existência de dolo na respectiva actuação processual -

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integrando, manifestamente uma tal conduta a previsão típica da litigância de má-fé contemplada no artº 456º, nº 2, do CPC.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. BANCO A propôs contra B, C e D acção ordinária, a correr termos na 12ª Vara Cível de Lisboa, pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de 12.556.274$00, acrescida de juros vencidos e vincendos, à taxa de 15%, correspondente ao capital consubstanciado em livrança de que a A. é portadora, alegadamente subscrita pela 1ª R. e avalizada pelos 2° e 3°RR.

2. Contestou apenas o R. D, negando ter aposto a sua assinatura na livrança em causa, quer na qualidade de avalista, quer na de gerente da sociedade subscritora e, bem assim, sustentando a ilegalidade da taxa dos juros peticionados, concluindo pela improcedência da acção.

3. Em resposta, pronunciou-se a A. pela autenticidade da assinatura em causa, pedindo a condenação do R. contestante em multa e indemnização como

litigante de má fé.

4. Por sentença de 13-3-02, o Mmo Juiz da 12ª Vara Cível da Comarca de Lisboa julgou a acção procedente condenando, em consequência, os RR. a pagar à A. a quantia peticionada, acrescida de juros, bem como, o R.

contestante, como litigante de má fé, na multa de 30 UC e em indemnização à A., incluindo nesta as despesas com os honorários forenses.

5. Inconformado, veio o Ré D apelar, centrando a sua discordância relativamente à decisão recorrida nas seguintes questões:

- sobre a quantia titulada pelos títulos cambiários em causa apenas poderiam incidir juros moratórios à taxa legal de 6% nos termos do artº 48º, II, da LULL, pelo que a sentença recorrida, ao condenar o recorrente no pagamento de juros moratórios à taxa supletiva legal das operações civis, violou o disposto nos artºs 48º e 77º da LULL;

- é manifestamente ilegal a sua condenação como litigante de má fé, pois que não deduziu qualquer pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar (artº 456° do C PC), sendo que a decisão recorrida não demonstra, por

qualquer forma, de que modo o recorrente litiga de má fé condenando-o, não com base em factos alegados e provados, mas em meros juízos conclusivos e

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em ilações manifestamente abusivas da conduta processual dos recorrentes.

Porém, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 27-2-03, negou provimento ao recurso.

6. De novo irresignado, desta feita com tal aresto, dele veio o recorrente

recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1ª- O portador da livrança só pode exigir dos demais obrigados cambiários juros de mora à taxa de 6% desde a data do vencimento, nos termos do

disposto no ano 48° da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL) aplicável às livranças, «ex-vi» do artº 77º do mesmo diploma;

2ª- No caso «sub judice» sobre a quantia titulada pelo referido título

cambiário apenas poderiam incidir juros moratórios à taxa legal de 6%, nos termos previstos no artº 48º da LULL;

3ª- O douto acórdão recorrido, ao manter a condenação do recorrente no pagamento de juros moratórios à taxa supletiva legal para as operações civis, violou o disposto nos artºs 48º e 77º da LULL;

4ª- Nos termos do artº 456º, nº 2 do C PC, a condenação como litigante de má fé implica a demonstração de que o recorrente deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, pressupondo necessariamente a existência de dolo;

5ª- A decisão recorrida não demonstra, por qualquer forma, de que modo o recorrente litiga de má fé, condenado-o com base em factos alegados e

provados, mas em meros juízos conclusivos e ilações manifestamente abusivas da conduta processual do recorrente;

6ª- A condenação do recorrente como litigante de má-fé é manifestamente ilegal, pois este não deduziu qualquer pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar (v. art. 466° do CPC);

7ª- No caso «sub judice» não resulta que o recorrente tivesse praticado

qualquer acto susceptível de integrar a conduta prevista no artº 456º, nº 2, do CPC e muito menos que tenha agido com dolo, sendo certo que se limitou a alegar os factos pelos quais se pretendia demonstrar a falsidade das

assinaturas apostas na livrança.

7. Não foram apresentadas contra-alegações.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

9. Em matéria de facto relevante deu a Relação como assentes os seguintes pontos, com remissão para o assentamento feito em 1ª instância:

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1º- A A. é portadora da livrança junta a fls. 3, que aqui se dá por integralmente reproduzida, no valor de 12.556.274$00, com data de vencimento de 25-10-95;

2º- Tal livrança encontra-se avalizada por C, ora 2° R.

3º- Por escritura pública de 18-5-95, o 3° R., D, cedeu a E as quotas de que era titular na 1ª Ré - F - nos termos e condições constantes do doc. junto a fls. 24 e ss., aqui dado por integralmente reproduzido;

4º- O R. D apôs a sua assinatura na livrança referida sob o nº 1º, na qualidade de gerente da subscritora, a ora 1ª R.;

5º- Bem como no verso de tal livrança, no lugar destinado ao aval;

6º- Em Agosto de 1992, foi creditado na conta da 1ª Ré o montante de

10.000.000$00, titulado pela livrança referida sob o nº 1, acrescido de juros e comissões, em conformidade com o teor do documento de fls. 71, aqui dado por reproduzido.

Passemos agora ao direito aplicável.

10. 1ª- Questão: Taxa de juro aplicável às operações cambiárias.

Vem, de há muito, constituindo jurisprudência firmada, quer do TC quer dos tribunais ordinários, a aplicabilidade às letras e livranças pagáveis no

território português de uma taxa superior à constante da respectiva Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças (LULL).

No artº 13° do Anexo II da Convenção de Genebra de 7 de Junho de 1930 contemplava-se a possibilidade/faculdade de que qualquer das Partes Contratantes tinha a faculdade de determinar, no respeitante às letras

passadas e pagáveis nos seus territórios, que a taxa de juro referida nos artºs 48º e 49º, nº 2, da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - no montante de 6

% - poderia ser alterada e substituída pela taxa legal em vigor nos seus territórios, sendo, todavia, que Estado Português só fez reserva de não se aplicar nos seus territórios coloniais.

É certo que o direito internacional convencional prevalece, em princípio, sobre o direito interno (artº 8º, nº 2, da CRP), e tais normas convencionais

continuam - pacificamente e em princípio - a aplicar-se em relação aos títulos transnacionais ou pagáveis no estrangeiro.

Contudo, relativamente às letras e livranças emitidas em território nacional, e neste pagáveis, pode deixar de observar-se o preceituado nos arts. 48° e 49º da referida Lei, por não se haver de considerar o Estado Português vinculado à observância das regras convencionais de direito internacional quando elas, por invocadas e atendíveis razões supervenientes à respectiva aceitação/

subscrição, forem excluídas da ordem jurídica interna.

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Para tal será, porém, necessária a invocação das razões constantes do preâmbulo do DL 262/83, de 16/6 - «cláusulas rebus sic stantibus» - o que tornará lícita e legítima a desvinculação das citadas normas convencionais e a sua substituição pelas constantes de subsequentes diplomas de direito interno, na circunstância aquele DL (conf. Ac do STJ, de 6-1-88, in Bases de Dados da DGSI - -JSTJ 00011300).

Temos pois que, não obstante o que consta do artº 48°, nº 2º, da LULL, podem ser pedidos e exigidos juros à taxa estabelecida pelo DL 262/83, de 16/6

superior, pois, à prevista naquele inciso normativo.

A jurisprudência dominante dos nossos tribunais anteriores considera não estar ferida de inconstitucionalidade a norma do artº 4° do DL 262/83, de 16/6, que estabelece uma taxa de juro moratório diferente da fixada nos nºs 2 dos artºs 48º e 49º, ambos da Lei Uniforme.

O direito internacional positivo atribui o efeito de caducidade dos

compromissos convencionais à alteração das circunstâncias que rompam o equilíbrio global das obrigações deles constantes, ao ponto de se tomar manifestamente irrazoável, injusto ou contrário à boa fé a exigência do seu cumprimento (conf. o Ac do STJ, de 7-11-90 -JSTJ 0000 5486).

A este propósito, extracta-se do Ac do TC de 12-10-88, in BMJ nº 380º pág 183, o significativo segmento que se segue:

- Em princípio, a cláusula rebus sic stantibus" só opera em processo através do qual seja possível determinar a modificação do quadro circunstancial,

estabelecer a sua dimensão e intensidade, e, quando for caso disso, fixar a respectiva caducidade, mas o Estado interessado pode deixar de cumprir o tratado a partir do momento em que expressamente invoque a modificação das circunstâncias, de harmonia com o princípio segundo o qual os sujeitos de direito internacional estão autorizados em cada momento a agir conforme o que julgam ser o seu direito. A grave fractura aberta em Portugal desde 1980 entre a taxa legal de juros de mora das diversas obrigações pecuniárias civis e comerciais e a taxa convencional aplicável aos juros moratórios das dívidas tituladas por letras e livranças, representa uma alteração das circunstâncias tal que conduz à extinção do compromisso de respeitar a taxa dos artºs 48º e 49º da Lei Uniforme, significando o texto preambular do DL 262/83 de 16/6 a inequívoca invocação pelo Estado Português dessa alteração, traduzindo uma declaração de vontade no sentido de fazer cessar a vigência daqueles

preceitos uniformes na parte em que estabelecem a taxa de juros de mora de 6% - (sic).

Assim, - ainda na esteira desse Ac do TC, - a alteração da taxa de juros de mora das letras emitidas e pagáveis em território português promovida pelas disposições conjugadas do DL 262/83 e da Port 581/83 de 18/5 não viola

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qualquer norma internacional convencional, nem o princípio constitucional da primazia do direito internacional convencional sobre o direito ordinário

interno" (igualmente sic).

-"The last but not the least", o Assento do STJ de 13-7-92, in BMJ nº 419º, pág 75, decidiu que - nas letras e livranças emitidas e pagáveis em Portugal, é aplicável, em cada momento, aos juros moratórios à taxa que decorre do disposto no artº 4º do DL 262/83 de 16/6 e não a prevista nos nºs 2 dos artºs 48º e 49º da LULL.

Doutrina que é de continuar a seguir, tendo em atenção o postulado no nº 3 do artº 8º do C. Civil, nos termos do qual - nas decisões que proferir o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito -.

11. Litigância de má-fé.

Finalmente, não assiste, de igual modo, qualquer razão ao recorrente, no tocante à questionada condenação por litigância de má-fé.

Estatui o artº 456°, nº 2 do CPC considerar-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:

a)- deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b)- alterar a verdade dos factos ou omitir factos relevantes para a decisão da causa;

c)- praticar omissão grave do dever de coação;

d)- tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Ora, demonstrado ter o recorrente negado falsamente haver aposto a sua assinatura da livrança a que se reportam os autos - quando ficou provada uma tal aposição de assinatura - dúvidas não restam de que deduziu oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (por se tratar de um facto pessoal) pelo que não poderia deixar de se concluir - tal como decidido pelas instâncias -, pela existência de dolo na sua actuação processual - integrando,

manifestamente, uma tal conduta a previsão típica contida no citado preceito.

12. Decisão:

Em face do exposto, decidem:

- negar a revista;

- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Outubro de 2003

(7)

Ferreira de Almeida

Abílio Vasconcelos (com a declaração de que entendo não ser de conhecer, in casu, do recurso na falta referente à condenação do recorrente como litigante de má-fé, por sobre essa decisão tal já havido recurso em um grau (art. 456º n.

3 do C.P.C.) e não ter havido alteração da factualidade em que a condenação assentou.

Duarte Soares

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