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Palavras-chave: Propaganda, ciência, alimentação infantil.

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PROPAGANDA E CIÊNCIA: O DISCURSO MÉDICO DO JORNAL DE PEDIATRIA NA DIVULGAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO INFANTIL (1935-1950)

Keice Ane Farias do Nascimento graduanda de História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e-mail: keice.kafdn@gmail.com

Resumo:

Este trabalho tem como objetivo estudar a alimentação infantil na cidade do Rio de Janeiro, na primeira metade do século XX, através do Jornal de Pediatria, analisando a relação estabelecida entre ciência, maternidade e propaganda. Tem-se em vista investigar os anúncios de alimentos infantis, as políticas governamentais dentre os anos 1935-1950 em relação à nutrição e os discursos médicos que legitimavam os produtos e serviços destinados à infância.

Palavras-chave: Propaganda, ciência, alimentação infantil.

Introdução

O trabalho apresentado está integrado ao projeto “História do Combate à Fome no Brasil: Ideias, Atores, Instituições”, desenvolvido pelo pesquisador Rômulo de Paula Andrade, na Casa de Oswaldo Cruz. A temática escolhida insere a pesquisa no cenário da primeira metade do século XX, período representado pela maior intromissão do Estado no enfrentamento de questões relacionadas à mortalidade infantil.

O início do século XX foi marcado por reformas urbanas e as influências de das reformas em Paris na sociedade carioca. Desde finais do século XIX as estratégias publicitárias de notícias e anúncios de jornais, revistas e periódicos se sofisticavam com

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recursos de edição, uso de bens simbólicos e imagens para atender aos mais diversos grupos sociais (BRITES, 2000). De acordo com Sorën Brinkmann, a política do Governo Vargas (1930-1945) foi eficaz em articular seus interesses, em relação à melhoria das condições alimentares da população brasileira, com o setor privado e com o discurso de sanitaristas da época (BRINKMANN, 2014).

As primeiras décadas do século XX tiveram a intervenção municipal do Rio de Janeiro nas questões de saúde e higiene da cidade. Quando as ações modernizadoras iniciaram tinham como objetivo problemas sanitários na zona portuária (SANGLARD, 2008). Nas décadas seguintes a intervenção do Estado passou a ser maior na cidade e no restante do país. Foi um período de valorização do sanitarismo e de maior intervenção estatal na saúde pública (HOCHMAN e FONSECA, 1999).

A preocupação com as condições higiênicas e sociais do país esteve presente na cidade do Rio de Janeiro desde o oitocentos por conta das epidemias que assolavam a população, contudo, as práticas profiláticas se fortaleceram na década de 1930. O governo de Getúlio Vargas, iniciado nos anos 30, foi caracterizado pela centralização administrativa, incentivo à propaganda brasileira, em conjunto com os interesses governamentais, e o início da estruturação de uma rede pública de saúde e assistência popular. A criação do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) e sua revista Cultura Política foi um exemplo disso. De acordo com a historiadora Helena Capelato, a imagética de bens simbólicos nacionais como o nosso mapa, a bandeira e a figura patriarcal de Vargas foram bastante utilizadas. A imagem de crianças foi associada à pureza e ao futuro. A santíssima Trindade era: a pátria, a bandeira e o chefe de Estado (CAPELATO, 2003).

O desenvolvimento da pesquisa buscou contribuir para a melhor compreensão das ações alimentares destinadas especificamente à criança após a Primeira República (1889- 1930). Tem como objetivo trabalhar a questão da alimentação infantil, na primeira metade do século XX, a partir de propagandas de alimentos industrializados e do discurso médico.

Neste cenário o Jornal de Pediatria se apresenta como fonte para a análise dos anúncios de alimentos e do pensamento médico, por meio dos artigos científicos publicados no período. Propomos refletir sobre o ideal de alimentação preconizado no período em

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diálogo com as práticas culturais vigentes no cotidiano da cidade e as ações de saúde infantil almejadas por lideranças médicas e políticas.

Segundo Henrique Carneiro, nossa conexão com a comida é mais do que biológica, também é afetiva e cultural, por isso a alimentação é uma fonte rica para se estudar as relações de poder uma sociedade (CARNEIRO, 2003). Isso pode ser visto pelo uso de bens simbólicos nas propagandas do periódico. Por exemplo, as propagandas do periódico apelavam para conceitos como família, maternidade idealizada, crianças vistas como futuro da nação etc. Imagens ou desenhos de crianças robustas ou raquíticas representando respectivamente a saúde e desnutrição eram comuns nos anúncios.

O contexto histórico era de mudanças culturais e físicas da capital e o crescente protagonismo da criança nas preocupações médicas (GIL, 2019). A análise sobre o uso de produtos infantis foi feita em debates acadêmicos de médicos da época, teses de conclusão de curso da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro e de propagandas de leite artificial. Os veículos de comunicação se tornaram as bases informativas para as classes populares e as farinhas, leites maltados, suplementos e fortificantes foram popularizados entre as camadas pobres (GIL, 2019).

A rapidez e eficiência dos produtos alardeados pelos anúncios demonstram características da modernidade na sociedade brasileira. Outra discussão importante do texto é se houve ou não eficácia nos argumentos das políticas governamentais para a inclusão de leite artificial na sociedade. Desse modo podemos traçar a trajetória da expansão do mercado de leite artificial em um suposto combate à mortalidade infantil (GIL, 2019).

A partir de 1920 a ciência da nutrição difundiu no Ocidente a crença do leite como um dos alimentos mais saudáveis e esses saberes chegaram até o Brasil. As propagandas exaltando a eficácia nutritiva, e necessária, do leite, estavam por toda parte nos maiores jornais, periódicos e revistas do país. Através de políticas públicas o governo incentivava a melhoria do consumo nutricional correto. Segundo o pesquisador Sorën Brinkamann, o fator “eugênico” do leite para a formação de cidadãos saudáveis em sociedades progressistas e movidas por uma mentalidade civilizatória era oposta às nações atrasadas.

Foi a grande descoberta do leite pelos sanitaristas, nutricionistas e autoridades agrícolas

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que iniciaram esse tipo de discurso já na década de 1910 e impactaram o fomento, as propagandas do produto e as medidas públicas governamentais (BRINKMANN, 2014).

O Estado Novo tentou por vezes melhorar o sistema de abastecimento de leite de vaca e impedir o fracasso do projeto, porém, o brasileiro não possuía o hábito de utilizar esse alimento em suas refeições, a maioria da população não tinha condições financeiras de arcar com a compra do leite de vaca pasteurizado e não havia uma indústria altamente especializada e com bom rendimento de produção. Mesmo com a campanha do Ministério de Educação e Saúde Pública e do discurso dos vendedores o alto consumo de leite de vaca no Rio de Janeiro não deu certo devido à má qualidade do produto, boa parte do leite de vaca não era devidamente pasteurizado e isso acarretava o agravamento de doenças contagiosas que atingiam os animais e indiretamente prejudicavam a população. A “peste branca” que atingiu as vacas leiteiras se tornou outro empecilho para o consumo adequado do leite com riscos à saúde humana. Outros fatores eram as dificuldades financeiras nos repasses de verba para a área da pecuária, por conta do período de guerra, e o preço inflado. Quando em 1937 os órgãos de saúde pública responsáveis por fiscalizar e identificar os animais contaminados entrou em vigor houve a perda significativa de leite no mercado brasileiro e a falta do produto nas prateleiras dos estabelecimentos (BRINKMANN, 2014).

Foi um período da crise do leite no Brasil e nesse momento instável as empresas de leite artificial, como a renomada Nestlé, aproveitaram a oportunidade para vender seu próprio produto e ser a solução ideal para suprir as necessidades nutritivas da população.

Uma amostra disso foi a criação do evento “Semana do Leite” patrocinado tanto pela gestão estatal, através do Ministério da Educação e Saúde Pública, quanto pela empresa do ramo de laticínios Nestlé. O intuito desse evento era uma orientação didática para a população do Rio de Janeiro seguida de distribuição gratuita do produto (BRINKMANN, 2014). Esse foi um fator de peso para a ascensão das vendas de leite artificial no país no período pós-guerra, levando a propagação de ideias errôneas sobre o aleitamento de crianças antes do tempo recomendado.

Narrativas médicas sobre a alimentação infantil no Jornal de Pediatria: o interesse econômico e o projeto de nação

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O Jornal de Pediatria começou a circular na cidade do Rio de Janeiro em 1934 e existe até os dias atuais. Contou com a participação de médicos renomados, mas não apenas da área de Pediatria, como Olinto de Oliveira, Luiz Magalhães, Mario Olinto e Adamastor Barbosa. Além disso, ocorriam intercâmbios de ideias com especialistas de fora do Brasil e divulgação de novos métodos clínicos e debates científicos. O acervo que deu base a este estudo se encontra na biblioteca do Centro de Ciências da Saúde (CCS) da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foram colhidos os mais diversos dados no estudo da fonte, como artigos médicos que tratavam de variados males que atingiam as crianças brasileiras entre as décadas de 1930-1950, anúncios de produtos e atas da Sociedade Brasileira de Pediatria.

O Jornal conta com a presença de artigos médicos voltados para variados temas como: distúrbios gastrointestinais infantis; doenças causadas por subnutrição e desnutrição; assistência social aos menores e famílias fragilizadas socialmente; incentivo de médicos na introdução de leite artificial, farinhas lácteas ou leite pasteurizado de vaca na alimentação de crianças menores de três anos; repúdio de alguns médicos em relação à prática da alimentação artificial generalizada, entre outros. Sendo assim, observamos informações sobre os médicos brasileiros do período citado e o notamos ainda a presença de um grupo diversificado na composição da revista: médicos brasileiros e estrangeiros, enfermeiras, gestores hospitalares, higienistas e pesquisadores provenientes das Faculdades de Medicina de diferentes partes do país, como Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia.

Além do discurso médico contido em notas rápidas e trechos de livros e artigos, anúncios de produtos artificiais oriundos do leite e para tratar diversas patologias, o periódico contava também com algumas pesquisas extensas realizadas por pediatras que frequentavam instituições de renome da época, o Hospital Arthur Bernardes, Secretaria Geral de Saúde e Assistência e a Policlínica de Botafogo, como no caso dos médicos Mario Ramos e Magalhães Carvalho. Estas pesquisas tinham como objetivo entender como estava a saúde das crianças da primeira metade do século XX no país, quais os principais males que as atingiam, monitorar a evolução de tratamentos para doenças aplicados aos pequenos pacientes, divulgar remédios e métodos eficazes de combate aos

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males da desnutrição e demais doenças, fiscalizar os cuidados maternos, analisar a demografia da cidade de Rio de Janeiro, e por vezes de outras cidades brasileiras populosas, para obter dados sobre o comportamento e a saúde da população e contribuir com estes dados para auxiliar às medidas estatais em relação ao controle de doenças advindas de distúrbios causados por má alimentação em crianças.

O periódico nos permite observar o incentivo do uso de leite artificial e seus derivados, inclusive com uma atitude do Estado brasileiro para alcançar sua meta em manter a população infantil do distrito federal bem nutrida. Por exemplo, institutos filantrópicos, como o IPAI, distribuíam leite esterilizado para crianças de famílias que comprovassem baixa renda e problemas alimentares em seus filhos. Existia uma estratégia de publicar artigos referentes às doenças causadas pela má nutrição das crianças e o tratamento incluía o uso de leite em pó e farinhas lácteas em dosagens específicas para aumentar o peso de crianças e livrá-las das sequelas da desnutrição. Por vezes anúncios publicitários vinham em seguida, com frases de apelo visual, propagando os benefícios do leite artificial na nutrição infantil.

Em relação aos discursos científicos do período, os artigos da Revista de Pediatria nos levaram a questionar se a classe médica estava em concordância com os interesses da indústria de laticínios. Além da constante presença de anúncios de fórmulas lácteas infantis vale destacar um artigo de 1943 sobre misturas lácteas em conserva, escrito pelo pediatra Vicente Batista, que argumentava sobre os prós e contras da alimentação artificial infantil. Ao explicar como funcionava a conservação do leite usado na dietética infantil e seus processos físico-químicos. Vicente Batista criticou o uso do leite de vaca fresco na alimentação infantil e salientou as qualidades do leite em conserva por sua higiene e pouco prejuízo da qualidade com a industrialização do leite. Outro fator positivo do leite em conserva, segundo Batista, era seu custo-benefício sendo acessível às classes menos favorecidas e fabricado em larga escala (BATISTA, 1943).

O pediatra citou a Companhia Industrial e Comercial Brasileira de Produtos Alimentares, que era uma filial da empresa Produtos Nestlé em território nacional, e tinha o intuito de desenvolver o mercado interno brasileiro e diminuir a importação, isso é, em relação aos leites e farinhas para alimentação infantil. O artigo listou os produtos que eram oferecidos pela companhia focando nas farinhas e leites artificiais e explicou qual a

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era proporção certa a ser usada. É importante salientar que um dos principais patrocinadores do Jornal de Pediatria era a Nestlé. De acordo com Batista, muitos pediatras europeus do período continuavam defendendo seu uso, principalmente após a Primeira Guerra, e exaltavam sua eficácia diante do leite fresco para crianças saudáveis e doentes (BASTISTA, 1943).

Porém, também foi possível notar a publicação de alguns artigos médicos que contrariavam essa concepção de defesa do leite artificial. Muitos desses médicos, condenavam o uso de leite artificial e alertavam por meio de estatísticas de pesquisas científicas para o elevado número de crianças vítimas fatais do uso de tais produtos. Para exemplificar cito o artigo publicado no periódico no fascículo 7 em 1937, mas que vinha originalmente de uma reunião ocorrida em Genebra no ano de 1936 da Organização de Higiene da Sociedade das Nações, cujo autor estrangeiro, P. Lereboullet, pontuou as opiniões dos médicos ali presentes sobre quais eram as necessidades nutricionais de crianças nos primeiros meses de vida. A conclusão era que a amamentação era a melhor dieta para crianças antes dos 6 meses e esse método era superior para suprir as necessidades diárias das crianças. Além disto, precisava ser mantida de preferência até os 9 meses.

O “projeto de nação civilizada” concebido pelas classes dominantes brasileiras tentou adequar esse objetivo à realidade institucional do país, uma república que herdou variados problemas estruturais do Império. Este “projeto” incluía um povo provido de saúde, uma moral adequada e educação higiênica básica. A ideia de prevenção às doenças no Brasil teve seu marco inicial com o movimento sanitarista iniciado em 1910.

Inicialmente a preocupação sanitária era com as zonas urbanas, em específico os portos e a capital, mas depois a atenção foi dirigida às zonas rurais (TAMANO, 2017).

As discussões do movimento sanitarista brasileiro a respeito da prevenção de doenças por meio da profilaxia e alimentação adequada foram um modo encontrado de mudanças interpretativas acerca do atraso nacional, que sempre foi creditado à questão racial. Com o foco mudando da questão racial para a questão sanitária foi possível pensar e dialogar com outras formas de transformar o país. Isso não quer dizer que o fator racial deixou de ser considerado ou que não continuasse a ser entendido como um entrave ao desenvolvimento do país. A ideia de defesa da saúde como redentora da nação e da

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educação não foi homogênea entre as classes intelectuais e políticas, porém, foi pensada como uma alternativa eficaz para um país melhor e civilizado (TAMANO, 2017).

Umas das maiores preocupações para as lideranças governamentais e civis na virada do século XIX para o XX era pensar modos de diminuir os índices de mortes infantis. Portanto, era comum encontrar médicos que se atentavam para a forma de alimentar as crianças, principalmente às menores de um ano. Um exemplo interessante, é a tese de doutorado do médico Antônio de Azevedo Borba Júnior, escrita em 1918, intitulada “O aleitamento materno sob o ponto de vista médico-social”, neste trabalho o aluno não poupou argumentos para defender o aleitamento materno, inclusive apontou os benefícios para as próprias mães como melhorar a saúde e a robustez física, impedir abcessos nos seios e útero e servir como fonte terapêutica para acalmar as neuroses e outras perturbações nervosas (JÚNIOR, 1918).

O estudioso explicou como o aleitamento materno devia ser realizado, a quantidade adequada de leite, a frequência, qual a posição devia ficar o bebê e os cuidados de higiene com os mamilos e os aparelhos para uso do leite de vaca. Ao final da tese o autor apresentou algumas situações que por motivo de força maior, como saúde debilitada ou falta de tempo, é necessário o aleitamento artificial. Contudo, frisou que o aleitamento materno era o único método que podia amenizar os altos índices de mortalidade infantil que o país tinha durante a primeira metade do século XX (JÚNIOR, 1918).

A preocupação com a mortalidade infantil prosseguiu nas décadas seguintes no Brasil. O médico Rosalvo Moura, um dos autores colaboradores do Jornal de Pediatria, produziu um estudo nomeado “Proteção à primeira infância” e apontou, em 1945, a necessidade dos países civilizados se atentarem para o baixo índice de natalidade e o alto índice de mortalidade infantil. Muitos pediatras e higienistas se esforçaram em conjunto para achar uma “salvação nacional”. Havia uma preocupação de que a população se tornasse senil à medida que o número de jovens e crianças diminuísse impedindo o país de alcançar o progresso. Moura invocou a imagem do “jéca do interior repleto de flagelos”

para ressaltar sua crítica (MOURA, 1945).

Moura não se preocupou tanto com natalidade no Brasil, mas sim com a mortalidade infantil, que se devia a ignorância das mães e ao abandono da infância pelo Estado. Segundo o artigo, um estudo estatístico não oficial a respeito da mortalidade geral

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mostrou a necessidade da proteção à infância através da higiene infantil. Era com essa solução que os óbitos de modo geral eram evitados por países mais avançados. No entanto, alertava que no Brasil um terço das mortes do estado de São Paulo, por exemplo, acometiam crianças na tenra idade (MOURA, 1945).

Em seguida, o artigo listou as sete principais causa da mortalidade infantil no primeiro ano de vida dos pequenos e as dividiu em detalhes mais minuciosos de como isso ocorria. A primeira causa que apareceu foi o modo de alimentação incorreta. Moura afirmou que o modo de alimentação mais saudável para as crianças é o aleitamento materno. Sem essa opção, o mais correto era o aleitamento mercenário feito no próprio lar sob vista dos pais. Posteriormente, o artigo condenou a alimentação artificial e a colocou como o flagelo responsável por uma parte considerável das mortes infantis (MOURA, 1945).

Outro ponto que podia levar a óbito era a insuficiência de secreção láctea nos seios, irregularidade do regime ou intoxicação da mãe. A alimentação artificial era viável, para Moura, com regras e muito cuidado. Os aspectos biológicos e de disponibilidade nutricional do leite animal eram bem diferentes do leite humano. Com isso, certos procedimentos precisavam ser seguidos. Por exemplo, o estado de saúde do animal devia ser excelente, o leite devia ser ordenhado e manipulado em condições higiênicas adequadas, os instrumentos onde o leite seria dado a crianças devia ser esterilizado, cuidados com o regime da criança etc (MOURA, 1945).

A segunda causa eram as doenças gastrointestinais, e que também estavam ligadas ao aleitamento e que para o autor eram mais frequentes em dietas com alimentação artificial. Em seguida vinham as doenças do trato respiratório que estavam comumente ligadas à baixa imunidade e comorbidades. As doenças infecciosas de modo geral apareceram na lista através de doenças como: sarampo, coqueluche, escarlatina, varicela e difteria. Outras causas que apareceram foi a tuberculose, muito comum no início do século XX, e a sífilis que era uma condição muitas vezes hereditária e herdada com mais frequência da mãe. A última causa foi à debilidade congênita como o nascimento prematuro. O motivo das debilidades geralmente era associado pelos médicos ao fato de a mãe trabalhar ou ter uma dieta insuficiente na gestação, moradia insalubre, alcoolismo dos pais e o clima (MOURA, 1945).

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Ainda não há como confirmar o incentivo da utilização de produtos lácteos artificiais como um movimento homogêneo entre a categoria médica no Rio de Janeiro da primeira metade do século XX. Outro ponto para destacar é o público alvo do periódico, a análise da linguagem usada nas publicações, nos leva a sugerir médicos em formação ou no processo de aperfeiçoamento de suas habilidades profissionais e pessoas instruídas, geralmente de classes mais abastadas.

Considerações Finais

Por meio do mapeamento do conteúdo do periódico citado foi possível entender alguns dos mecanismos de propaganda utilizados para incentivar o uso de serviços médicos, do leite artificial e de outros produtos lácteos infantis. Bem como, observar e entender da classe médico e do governo em relação à higiene e formas efetivas de nutrição para a população explicitada em narrativas acadêmicas. KOBAYASHI, 2018). Contudo, ainda sim, encontramos forças contrárias a essa vertente, como exemplificado através dos escritos de Rosalvo Moura e Antônio de Azevedo Borba Júnior, que se preocuparam acima de tudo com o projeto nacional visando à saúde da infância no Brasil.

Ou seja, o discurso médico, em muitos casos, colaborava com o incentivo ao uso de leite artificial e farinhas lácteas. Os artigos encontrados no Jornal de Pediatria, uma revista científica produzida pela elite pediátrica da capital, é um indício que existia uma relação de afinidade entre os interesses da indústria alimentícia e de alguns médicos.

Outro ponto a ser observado é que muitas propagandas, para as mais diversas patologias expostas no periódico da SBP, eram de fornecedores e fabricantes de remédios, suplementos, alimentos e fortificantes que entregavam amostras grátis dos produtos para os médicos oferecerem aos seus pacientes.

Em Suma, é possível entender que existiram intelectuais e políticos que concebiam um projeto de nação voltado para o “bem comum” e que estavam dispostos a utilizar os preceitos de higiene, educação e sanitarismo para salvar a população de sua ignorância e de uma vida precarizada pelas doenças que assolavam os brasileiros. Neste sentido, eram contrários ao uso generalizado de fórmulas lácteas e farinhas por lactantes e crianças, para que deste modo, pudessem salvar o futuro da nação salvando a infância.

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A partir das leituras realizadas, neste início de pesquisa, e os primeiros contatos com a fonte foi possível começar a refletir sobre o uso de propagandas na alimentação infantil dos anos 1930-1950, e perceber como se davam as relações de poder entre os diversos atores sociais envolvidos com a causa da saúde infantil na primeira metade do século XX, representados pelo governo, os médicos, os filantropos, os fabricantes de produtos lácteos e a própria população carioca.

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