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sua atualidade e seu fundamento no direito Vanessa Nunes Kaut, Vitor Amaral Medrado

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XXIV ENCONTRO NACIONAL DO

CONPEDI - UFS

TEORIA DO ESTADO

ARMANDO ALBUQUERQUE DE OLIVEIRA

ILTON NORBERTO ROBL FILHO

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Copyright © 2015 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

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T314

Teoria do estado [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UFS;

Coordenadores: Ilton Norberto Robl Filho, Armando Albuquerque de Oliveira, Sérgio Urquhart de Cademartori – Florianópolis: CONPEDI, 2015.

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-5505-066-4

Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: DIREITO, CONSTITUIÇÃO E CIDADANIA: contribuições para os objetivos de desenvolvimento do Milênio

1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Encontros. 2. Teoria do estado. I. Encontro Nacional do CONPEDI/UFS (24. : 2015 : Aracaju, SE).

CDU: 34

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XXIV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - UFS

TEORIA DO ESTADO

Apresentação

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O PROJETO KANTIANO PARA A PAZ INTERNACIONAL: SUA ATUALIDADE E SEU FUNDAMENTO NO DIREITO

THE KANTIAN PROJECT FOR INTERNATIONAL PEACE: ITS TOPICALITY AND ITS GROUNDING IN LAW

Vanessa Nunes Kaut Vitor Amaral Medrado

Resumo

A paz é desejável e necessária, mas qual o caminho para estabelecê-la perpetuamente? Sobre a temática, o filósofo alemão Immanuel Kant apresentou o que em seu entendimento seriam as predisposições necessárias aos Estados para viabilizar a paz, assim como os caminhos a serem seguidos para se estabelecer entre estes uma paz perpétua. O autor, por meio de uma analogia entre indivíduos e Estados, apresenta uma descrição da relação existente entre estes últimos, bem como propõe possíveis caminhos para superar sua atual situação que, majoritariamente, se mostra não condizente com um estado de paz. Porém, Kant, preso à tradicional concepção de soberania de sua época, não vislumbrou possibilidade fática para a instauração de um Estado dos povos, dotado de poder coercitivo, que figurasse como instrumento para o alcance da almejada paz perpétua. Coube, assim, a outro filósofo, a partir de um novo entendimento sobre a soberania dos Estados, levar a cabo a analogia kantiana entre indivíduos e Estados, ao final discorrendo, no intuito de realizar o projeto da paz perpétua, sobre a viabilidade e os contornos da instauração de uma República Mundial. Trata-se das contribuições do filósofo Otfried Höffe. NesTrata-se espectro, o preTrata-sente trabalho tem por objetivo articular as concepções de paz perpétua e República Mundial a partir da perspectiva destes autores, a fim de destacar o papel atribuído ao Direito na promoção destes conceitos e apontar para a atualidade do debate acerca da temática nas reflexões promovidas no âmbito das Teorias do Estado e do Direito Internacional.

Palavras-chave: Kant, Teorias do estado, Direito internacional, Paz perpétua, República

mundial, Soberania

Abstract/Resumen/Résumé

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people", endowed with coercive power, which could show itself as an instrument for achieving the desired "perpetual peace". It was left to another philosopher, from a new understanding of the sovereignty of States, to carry out the Kantian analogy between individuals and States, disserting in the end, in order to implement the project of the "perpetual peace", on the feasibility and the contours of the establishment of a "World Republic". These are the contributions of the philosopher Otfried Höffe. In this spectrum, this paper aims to articulate the concepts of "perpetual peace" and "World Republic" from the perspective of these authors, in order to highlight the role of Law in promoting these concepts and point out the relevance of the debate concerning the subject in the reflections promoted within the Theories of State and International Law.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Kant, Theories of state, International law, Perpetual

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I. INTRODUÇÃO

Kant pode ser elencado entre o pequeno grupo de autores que se dedicaram especialmente ao tema da paz perpétua. Apesar de injustificadamente pouco estudadas, as ideias de Kant sobre a paz são de grande relevância para o debate contemporâneo sobre as Teorias do Estado e o Direito Internacional. Isso explica porque alguns dos maiores pensadores da atualidade, entre eles o filósofo alemão Otfried Höffe, parte de Kant para construir um projeto filosófico-jurídico para a paz internacional.

Sustentamos que o projeto kantiano da paz perpétua pode ser compreendido como o verdadeiro escopo da filosofia de Kant. Se bem entendido, a filosofia crítica parte de uma nova visão epistemológica (Crítica da Razão Pura,Crítica da Razão Prática e Crítica da Faculdade do Juízo1), passa pela fundamentação da Ética e do Direito (Fundamentação da Metafísica dos

Costumes) para, por fim, deduzir, a partir do imperativo categórico, os princípios éticos e jurídicos universais (Metafísica dos Costumes). Coube a Kant, nesse sentido, para a realização do seu projeto filosófico, em especial no que concerne à Ética, à Política e ao Direito2, deduzir

a partir da aplicação do imperativo categórico as normas componentes dos tratados de paz, bem como os artigos definitivos que devem compor os mesmos como condição necessária para a instituição de um estado de paz no cenário internacional.

A pedra de toque para Kant é descobrir qual conjunto de regras de direito é capaz de garantir a paz dentro dos Estados e, no cenário internacional, dos Estados uns com os outros. Um dos pontos centrais do argumento de Kant na segunda edição do seu opúsculo “À Paz Perpétua”, de 1796, é que, à semelhança do que ocorre no âmbito nacional, o estado de paz só é alcançável sob a égide do direito:

Para Estados, em relação uns com os outros, não pode haver, segundo a razão, outro meio de sair do estado sem leis, que contém pura guerra, a não ser que eles, exatamente como homens individuais, desistam de sua liberdade selvagem e assim formem um

(certamente sempre crescente) Estado dos povos (civitas gentium), que por fim viria

a compreender todos os povos da Terra (KANT, 1989, p. 42, grifos do autor).

1 Pela “Crítica da Faculdade do Juízo” foi possível a Kant precisar melhor a dicotomia entre os conceitos de

natureza e liberdade. Nesse sentido, a causalidade da vontade, enquanto promove prescrições de conduta, está sob a égide da liberdade e não da causalidade necessária da natureza. Sendo assim, a Ética e também o Direito pertencem à parte prática da Filosofia, pela qual nos é possível, mais do que descrever a causalidade necessária das leis, por assim dizer, físicas, direcionar a vontade para instituir sentido e causalidade nas nossas ações no mundo. Ver: KANT, 1993, p. 15-18.

2 A relação próxima e conturbada entre Direito, Moral e Política é exposta brilhantemente por Herrero, para o qual,

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Kant estaria ainda, todavia, imerso em algumas preconcepções pertinentes à sua época, em especial uma concepção de soberania como poder absoluto. Para Höffe, essa concepção de soberania, ainda presente em Kant, inviabilizaria a união dos Estados para a constituição de um “Estado mundial”. É que uma mera confederação de Estados, como queria Kant, poderia ser considerada, na melhor das hipóteses, apenas uma solução provisória. Ela seria incapaz de solucionar conflitos, em função de lhe faltar competência para a promulgação e a aplicação de normas conjuntas, carecendo assim de poder coercitivo.

Atento a esse problema, Höffe salienta que, embora os próprios Estados nacionais venham se dedicando à tarefa de solucionar conflitos entre indivíduos, grupos e instituições, devido à pluralidade de Estados, somente a instituição de uma “República Mundial” seria capaz de levar a cabo tal expectativa (HÖFFE, 2005, p. 313).

Resta, entretanto, a necessidade de uma análise crítica tanto da recepção de Kant feita por Höffe, como também da pertinência e da correção do projeto de Höffe no contexto contemporâneo. Do ponto de vista conceitual, é preciso analisar a concepção kantiana da “paz perpétua”, sobretudo no que diz respeito ao pioneirismo do direito em sua construção, para enfim discutir criticamente a posição de Höffe sobre a possibilidade e necessidade da instauração do que denomina “República Mundial”. Destacamos o papel atribuído ao direito na promoção destes conceitos e, ainda, a atualidade desse debate para as Teorias do Estado e o Direito Internacional, frente aos desafios apresentados pelo cenário da globalização.

II. A PAZ INTRAESTATAL: do contrato social à República

No projeto kantiano a paz intraestatal está intimamente relacionada com a forma como Kant pensou o estado civil. Aos moldes de Hobbes e Locke, entre outros contratualistas, Kant também procurou pensar o estado civil em contraposição ao estado de natureza. No entanto, é um erro grosseiro ignorar os contrastes entre a visão de cada um desses autores. No que diz respeito a Kant, o contrato social é pensado a partir dos paradigmas da sua crítica, sobretudo da sua filosofia moral. Para Kant, sair do estado de natureza e ingressar no estado civil não é simplesmente um apelo da racionalidade instrumental, mas um dever moral.

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para todos. Como quer Kant, a liberdade, ao menos no seu uso civil, apenas é viável se presente também a coação jurídica. Nesse sentido, o direito positivo é uma exigência da própria liberdade e só é possível no estado civil, no qual as liberdades externas podem coexistir. É, como destaca Marcelo Galuppo:

[...] uma exigência da própria Liberdade. Mas ele só pode se desenvolver plenamente

no seio da sociedade civil ou, mais propriamente, do Estado Civil. Exatamente por

isso, a passagem para a sociedade civil é, segundo Kant, um dever que se impõe aos

homens no Estado de Natureza, uma vez que somente a sociedade civil e, mais propriamente, o Estado Civil, podem garantir, de maneira estável, a vida, o livre uso do corpo (…) e a existência da propriedade, que são condições, segundo Kant, para o

exercício da Liberdade (GALUPPO, p. 85, grifos do autor).

Para Kant, entretanto, a mera passagem do estado de natureza para o estado civil não garante por si só a racionalidade ou moralidade do estado civil. É que apenas a constituição republicana pode ser compreendida como consequência legítima do pacto social, ela é o único resultado possível, do ponto de vista racional, da “ideia do contrato originário” (KANT, 1989, p. 33). A constituição republicana é definida por Kant segundo os princípios que a compõem:

A constituição instituída primeiramente segundo os princípios da liberdade dos

membros de uma sociedade (como homens), em segundo lugar segundo princípio da

dependência de todos a uma única legislação comum (como súditos) e, terceiro,

segundo a lei da igualdade dos mesmos (como cidadãos), (...) é a constituição

republicana (KANT, 1989, p. 33-34) (grifos do autor).

O republicanismo, por sua vez, é definido como “um princípio de Estado da separação do poder executivo (o governo) do legislativo” (KANT, 1989, p. 36)3. Nessa primeira

formulação, Kant não estabelece, portanto, o judiciário como um dos poderes essenciais ao republicanismo. Na Metafísica dos Costumes, entretanto, Kant substituirá essa dicotomia por uma tricotomia, separando o poder soberano, o poder executivo e o poder judiciário. A separação de poderes, em Kant, não visa o equilíbrio entre os poderes, mas a melhor realização das diversas funções do Estado. Sendo assim, ao passo que o poder soberano deve vir do povo, que o exerce através da representação, também os poderes executivo e judiciário devem estar submetidos às leis advindas desse poder soberano. É de se esperar, portanto, que uma vez estabelecida uma República, isto é, uma forma de governo cuja constituição fundante seja a republicana, se promova gradualmente a paz em desfavor da guerra. É como explica Kant:

3 Ao revés, o “princípio de Estado do despotismo”, seria o “da execução autocrática do Estado de leis que ele

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[...] nada é mais natural do que, já que eles [os cidadãos] têm de deliberar sobre todas as aflições da guerra sobre si próprios (como estas: combater em pessoa, tirar de seu próprio patrimônio os custos da guerra, reparar penosamente a devastação que ela deixa atrás de si, como cúmulo do mal, uma dívida que nunca será paga (por causa da proximidade sempre de novas guerras) e que tornará a própria paz amarga), eles refletirão muito para iniciar um jogo tão grave (KANT, 1989, p. 35).

Com a crescente instituição de Repúblicas na ordem mundial, a paz seria mais facilmente estabelecida, em decorrência da própria essência de como os Estados são construídos. Além disso, entretanto, outro aspecto imprescindível do projeto de paz de Kant é a forma como concebe a relação entre os Estados. Isso porque, com vistas à paz no cenário internacional, é preciso também que os Estados sigam determinados princípios jurídicos que são compreendidos como condição de possibilidade para a paz.

III. KANT E A FEDERAÇÃO DE REPÚBLICAS LIVRES: a proposta a partir de uma analogia

Assumindo que a paz entre os Estados somente pode ser estabelecida de forma gradual e progressiva, Kant elege condições preliminares sem as quais toda possibilidade futura de alcance da paz restaria comprometida. Tais condições estão consubstanciadas em seis artigos a serem observados objetivamente pelos detentores do poder, na forma de leis proibitivas. Assim, ficam proibidos: (1) o reconhecimento de um tratado de paz contendo reservas para guerras futuras; (2) a aquisição de um Estado por outro; (3) a manutenção de exércitos permanentes; (4) a contração de dívidas públicas para fins belicosos; (5) a intervenção pela força; e, em caso de guerra, (6) a utilização de meios hostis que possam eliminar a confiança recíproca entre as partes beligerantes. (KANT, 1989, p. 31).

Cabe destacar, entretanto, como faz Joaquim Carlos Salgado, que os artigos incitados como condições preliminares “não dão imediata solução ao problema das guerras, tampouco concretizam, por si mesmos, a paz perpétua” (SALGADO, 2008, p. 143), mas apenas procuram realizar as condições sem as quais toda tentativa de alcance da paz restaria impossível. Sendo assim, se mostrou necessário que Kant estabelecesse artigos definitivos4, os quais são

4 Segundo Karine Salgado, os artigos definitivos têm “por fio condutor a idéia de dignidade do homem, que tem

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estabelecidos em três níveis5: o estatal (o modo de governo republicano), o interestatal (o

“Direito das gentes” fundado em um “Estado dos povos”) e o cosmopolita (SALGADO, 2008, p. 144), procurando assim atingir a eficácia de suas premissas na promoção do almejado alcance da “paz perpétua”.

Ao buscar desenvolver essas regras jurídicas, Kant formula uma interessante analogia entre indivíduos e Estados: a situação dos Estados no cenário internacional é semelhante a dos indivíduos no estado de natureza. Não há “nenhum tribunal que possa julgar com força de direito” e, por isso, “nenhuma das partes [da guerra] pode ser declarada como inimigo injusto” (KANT, 1989, p. 30-31). À semelhança do que ocorre com os indivíduos no estado de natureza, também falta na ordem global um estado jurídico pelo qual um Estado poderia reivindicar o seu direito. A guerra é, então, o caminho natural para o exercício do [pretenso] direito6.

Uma vez em guerra, o Estado poderia usar de quaisquer meios para a sua defesa, com exceção daqueles que promovam a transformação dos seus súditos em pessoas inaptas para serem cidadãos, na medida em que são usados de maneira desleal como, por exemplo, como espiões, assassinos ou envenenadores. Práticas como essas tornariam impossível a confiança recíproca entre Estados, condição para o estabelecimento da paz, quando findada a guerra (KANT, 2003, p.190). Portanto, mesmo nesse estado primitivo devem restar proibidas a “guerra punitiva” (bellum punitivum), a “guerra de extermínio” (bellum internecium) e a “guerra de subjugação” (bellum subiugatorium). A primeira porque, uma vez considerados iguais em estado de natureza, os Estados não estariam em uma posição de superioridade e submissão entre si. A segunda e terceira, porque importariam na aniquilação moral de um Estado (KANT, 2003, p.189-190).

política porque encontrou na natureza do homem uma garantia que assegurava o sentido das ações efetivas da humanidade. Mas esse sentido político refere-se apenas à liberdade externa. A liberdade interna do homem deve

realizar-se também na história e tornar efetivo nela o reino da moralidade, ou reino de Deus” (HERRERO, 1991,

p. 147). No mesmo sentido Höffe entende que Kant amplia a teoria moral sobre a paz para uma teoria teleológica da natureza. Cf.: HÖFFE, 2009, p. 5.

5 Fichte, comentando e complementando a teoria kantiana, assinala três pontos importantes derivados dos artigos

definitivos à paz perpétua: em primeiro lugar, a natureza cuidou de garantir que os cidadãos ingressem no estado civil, não por lhes ser de direito, mas porque é esperado que naturalmente os indivíduos se juntassem para se defender de uma guerra externa. Em segundo lugar, a natureza separou os indivíduos em diferentes culturas, causando discórdias, mas essas discórdias tendem naturalmente para a paz já que proporcionam o equilíbrio. Em terceiro lugar, o espírito de comércio, que é naturalmente fundado no egoísmo, também acaba por tender para a paz: no comércio, é a desordem, a desigualdade, que acaba por aproximar as pessoas e os Estados. Cf.: FICHTE, p. 319-320.

6 Travessoni Gomes chama a atenção para problemas contemporâneos nas relações entre os Estados, em especial

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Após a guerra, entretanto, não é direito do Estado vitorioso exigir indenizações pelos custos da guerra em detrimento do Estado vencido, pois isso significaria um juízo quanto ao que é direito de cada Estado, porém o estado de natureza se caracteriza justamente pela sua condição de não-juridicidade (KANT, 2003, p.190). Também por isso a “guerra punitiva” não faz sentido, portanto o Estado vitorioso não tem direito sobre os súditos do derrotado. Assim, não poderia torná-los escravos ou mesmo colonizar o Estado vencido (KANT, 2003, p.191).

É preciso atentar, deste modo, à inexistência do direito, em seu sentido mais estrito, no estado de natureza. Não há por onde atribuir juridicidade a uma situação que, por definição, é um estado sem lei. Para Kant, durante a guerra o único direito é o de “travar a guerra de acordo com princípios que deixam sempre aberto a possibilidade de abandonar o estado de natureza entre os Estados (na sua relação entre si) e ingressar numa condição jurídica” (KANT, 2003, p.189).

Assim, ao menos do ponto de vista moral, é possível afirmar que existem “inimigos injustos” mesmoem estado de natureza e Kant os define da seguinte forma:

[..] um inimigo cuja vontade publicamente expressa (pela palavra ou pela ação) revela uma máxima segundo a qual, se fosse constituída uma regra universal, qualquer condição de paz entre as nações seria impossível e, pelo contrário, seria perpetuado um estado de natureza (KANT, 2003, p.192).

É possível pensar, assim, que as limitações do direito de guerra estão fundadas na moral, pois é um dever abandonar o estado de natureza e ingressar no estado civil. No projeto kantiano, como dever, a busca pela “paz perpétua” é incondicionalmente e objetivamente necessária e, portanto, é também dever moral promover as condições necessárias para a sua consecução, mesmo que em desfavor dos interesses imediatos dos Estados em guerra. E também os Estados devem – tal como os indivíduos em estado de natureza – abandonar esse estado de barbárie para dar lugar a um estado jurídico, marcado pela regulamentação jurídica dos arbítrios. Nesse sentido, à semelhança dos indivíduos, cada Estado pode e deve “exigir do outro entrar com ele em uma constituição similar à civil, em que cada um pode ficar seguro de seu direito” (KANT, 1989, p. 38). Como explica Kant:

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A ideia de um estado de natureza entre os Estados, conforme sugerida por Kant, como bem observou Elias Grossmann, estabelece um novo paradigma na Filosofia do Direito e do Estado, já que os seus principais antecessores, como Hobbes e Rousseau, não tinham atentado para a possibilidade de se compreender a relação entre Estados, e não somente a relação entre indivíduos, como um estado de natureza (GROSSMANN, p. 97). Resta, todavia, a dúvida sobre o que exatamente significa o estado civil entre os Estados nacionais, isto é, o que substituiria o estado de natureza no que diz respeito ao cenário internacional? Kant responde a essa questão nos seguintes termos:

Para Estados, em relação uns com outros, não pode haver, segundo a razão, outro meio de sair do estado sem leis, que contém a pura guerra, a não ser que eles, exatamente como homens individuais, desistam de sua liberdade selvagem (sem lei), consintam com leis públicas de coerção e assim formem um (certamente sempre crescente)

Estado dos povos (civitas gentium), que por fim viria a compreender todos os povos da Terra (KANT, 1989, p. 42) (grifos do autor).

O leitor atento do projeto kantiano da “paz perpétua” poderia esperar, com razão, que Kant defendesse a incondicional necessidade da implantação do “Estado dos povos”, pois é a decorrência lógica da proposta. Todavia, Kant defendeu meramente a instauração do que chamou de uma “liga de paz” (ou “liga de povos” ou ainda “liga de nações”7. Isso se deve à

esperada recusa dos Estados nacionais em se desfazerem de sua soberania para dar lugar ao

Estado dos povos, que, por fim, resultaria em uma República Mundial8. A liga de povos é uma

espécie de Federação de Repúblicas Livres e, apesar de sempre em eminência de ser rompida, seria ao menos capaz de evitar provisoriamente a guerra9 (KANT, 1989, p. 42).

7 MIKALSEN defende que a instituição de uma liga de povos ao invés de um Estado de povos é coerente com o

pensamento kantiano. Cf.: MILKALSEN, p. 12-15. No mesmo sentido, Ricardo Terra, defendendo “federação de nações” expõe que “se houvesse um poder supremo mundial, as soberanias nacionais seriam destruídas e, o que é pior, se estabeleceria uma tirania universal que se basearia certamente no país mais forte e que acabaria dominando completamente os demais” (TERRA, 1995, p.71).

8 Afora a baixa expectativa de Kant para a consolidação de uma “República Mundial”, é preciso entender a

República Mundial como um postulado da razão, portanto, no sistema kantiano, deve ser compreendido como um ideal regulatório para as práticas. É nesse sentido que Ricardo Terra afirma: “a paz perpétua é uma tarefa a ser cumprida passo a passo, mesmo que nunca seja atingida; é uma ideia que se articula com outras ideias político-jurídicas que também são princípios para a direção da ação, os homens devendo agir “como se” fossem realizáveis” (TERRA, 1995, p. 73).

9 A liga de povos deveria ser, entretanto, de um “tipo especial”. Como quer Kant, ela deve se constituir como uma

liga de paz (foedus pacificum), a qual não se limita a um tratado de paz (pactum pacis), vez que busca a cessação

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Como entende Otfried Höffe (2005), Kant estava ainda preso à concepção de soberania de sua época, que não concebia a submissão dos Estados nacionais a outras instâncias de poder. Por isso, Kant não vislumbrou possibilidade fática para a efetivação do seu projeto de paz, vez que ausente, por exemplo, a possibilidade de sanção internacional para os Estados. A partir de um novo entendimento sobre o que é a soberania, entretanto, Höffe poderá levar a cabo o projeto de paz proposto, mas em certa medida abandonado por Kant, e apresentar os princípios de direito componentes da “República Mundial”.

IV. HÖFFE E A REPÚBLICA MUNDIAL: da sua viabilidade e seus contornos

O filósofo Otfried Höffe, à semelhança de Kant, concebe o Estado como uma pessoa moral, passível, assim, de ser compreendido enquanto pessoa jurídica. No caso da soberania interna, como explica Grossmann, a personalidade jurídica dos Estados não é inata, mas é dependente do contrato social. Ademais, no que tange à soberania externa, é necessário o reconhecimento dessa personalidade por parte de outros Estados (GROSSMANN, p. 116). Do ponto de vista de Höffe, todavia, a questão da legitimidade também é inerente à discussão sobre a soberania. É que o poder soberano do Estado deve ainda respeitar os direitos humanos10.

Nesses termos, sustenta que, sendo o grau de injustiça muito elevado, é problemático o reconhecimento da integridade de Estados ilegítimos (HÖFFE, 2005, p. 133).

Entender o Estado como um ente jurídico equivale a dizer que o Estado tem a faculdade de defender seus direitos quando estes forem ameaçados ou desrespeitados por outros Estados. Do ponto de vista de Höffe, entretanto, na aliança de povos, tal como proposta por Kant, essa faculdade seria inviabilizada, justamente por não existir ali um poder coercitivo internacional que pudesse garantir a segurança jurídica. Como quer Höffe, a constituição de um Estado por meio de regras de direito é um imperativo moral (HÖFFE, 2005, p. 20-21). Sendo assim, a defesa de uma república mundial estaria assentada em, pelo menos, dois pilares. O primeiro deles é a incapacidade de qualquer agrupamento internacional diferente de um Estado mundial em garantir a segurança jurídica, em decorrência da ausência de poderes supraestatais. Em segundo lugar, como já explicado por Kant, a necessidade da constituição de um Estado

10 Para Höffe, os direitos humanos antecedem o contrato social e possuem pretensão de validade universal. Quando

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supraestatal com regras jurídicas válidas para todos e dotado de poder coercitivo é um imperativo moral.

Höffe defende ainda um preceito jurídico universal: a supressão de toda forma de arbitrariedade pela condição de que as normas jurídicas sejam emanadas e aplicadas por autoridades competentes:

Continua valendo a ideia de que o acordado no contrato jurídico simplesmente “não cai do céu” para a realidade, necessitando, bem mais que isso, de poderes que sejam comuns a todos. E só através da instauração e, portanto, da institucionalização desses poderes, bem como de sua aplicação eficaz, é que a forma bárbara de solução de contendas – a guerra – abrirá espaço para a forma civil, a forma justa por princípio – o processo perante uma terceira parte dotada de imparcialidade. Da realidade da

justiça – executio iusti – faz parte o monopólio de poder (...). Devem-se desarmar os

membros de uma comunidade jurídica e abolir todas as formas de justiça feita com as próprias mãos – legislação privada, executivo privado e justiça privada (HÖFFE, 2005, p. 114).

Para tanto, todavia, seria necessário que, em nome da segurança jurídica, os Estados desfizessem de parte da sua soberania para a instituição de uma entidade supraestatal, com poder de coerção. Como quer Höffe, a passagem para esta nova configuração mundial é possível através de um contrato social bipartido, composto por um contrato original de direito e um contrato original do Estado (HÖFFE, 2005, p. 49-54). Ao passo que o contrato original de cidadania estabelece que os homens devem abdicar da sua liberdade total em favor da liberdade civil, o contrato original de Estado exige a renúncia de parte do poder estatal para a instauração de uma república mundial. Como é evidente, a dupla legitimação do Estado mundial – em termos de cidadania e de Estado – importa a necessidade de órgãos representativos, tanto dos cidadãos como dos Estados (HÖFFE, 2005, p. 362).

Höffe se esforça em legitimar a república mundial democraticamente, combinando os anseios tanto dos Estados como dos indivíduos. É nesse sentido que a república:

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Nos termos de Höffe, o assentimento em se submeter ao duplo contrato tem fundamentos tanto racionais, como morais11. É racional já que, mesmo suprimindo a liberdade

de agir não-regulamentada, proporciona juridicamente “as condições favoráveis à capacidade de ação” (HÖFFE, 2005, p. 57). Por outro lado, é moral porque respeita cada indivíduo como sujeito de direito e, portanto, como responsável, mas também reconhece o outro como igual em liberdade e capaz de estabelecer um contrato jurídico cuja base é a reciprocidade (HÖFFE, 2005, p. 93). Assim, “um eu natural se transforma em um eu também moral-jurídico” (HÖFFE, 2005, p. 95).

A legitimidade de uma ordem mundial complexa guarda relação, ainda, com três preceitos universais12, apresentados como imperativos: um imperativo jurídico universal, um imperativo estatal universal e um imperativo democrático universal (HÖFFE, 2005, p. 313). Para Höffe, esses imperativos seriam reconhecidos como desfecho natural de uma ordem mundial democrática (imperativo estatal universal e imperativo democrático universal), estabelecida como república e, portanto, alicerçada no desejo dos cidadãos e Estados, já que “apenas na ideia de uma República Mundial satisfaz-se um imperativo moral, cujo reconhecimento os indivíduos devem uns aos outros: o imperativo jurídico universal” (HÖFFE, 2005, p. 510, grifos nossos).

A “República Mundial”, entretanto, não é uma mera utopia, mas, ao contrário, ela já se encontra em desenvolvimento. Para Höffe, um exemplo disso é a densificação das relações entre os Estados. Alega:

11 A concordância em se submeter ao Direito está ligada também a um cálculo de vantagens a serem obtidas. No

entanto, Höffe salienta que as vantagens auferidas por cada um devem estar em harmonia com aquelas auferidas pelos demais. Não seria cediço buscar vantagens em detrimento de prejuízo a ser sofrido por terceiro. Defende que, “não importa onde resida a vantagem, ela deverá beneficiar a todos” (HÖFFE, 2005, p. 48).

12 A legitimidade do consentimento é condicionada, ainda, à qualidade de a coexistência estar “comprometida com

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A república mundial não se apresenta como uma exaltada utopia do fundamental “nunca e lugar nenhum”. Para isso é co-responsável a sua modéstia conceitual(...). Nem nos estamos entregando a um sonho que distorce a realidade do mundo, a uma ilusão pessoal ou coletiva, nem estamos prometendo aquela plenitude do bem-estar que as religiões chamam de “salvação” e que, com razão, não esperam para este mundo. A república mundial subsidiária e federativa requerida é algo diferente: é uma utopia do ainda-não, um ideal, para cuja realização a humanidade se vê obrigada em termos de moralidade jurídica e em direção ao qual, felizmente, ela já está a caminho (HÖFFE, 2002, p. 218).

Na atualidade, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem buscado integrar os diversos atores políticos internacionais em vista de garantir a paz e segurança internacionais. A Carta das Nações Unidas tem como princípio a inclusão, procurando integrar todos os Estados na organização, inclusive os autocráticos. Por isso, como quer Grossmann, é possível pensar a ONU como uma fase transitória entre o estado de natureza entre os Estados e a “República Mundial” (GROSSMANN, p. 132). Se atentarmos para isso, não é espantoso supor que também os Estados autocráticos podem vir a integrá-la. No mesmo sentido, também a União Europeia tem por um de seus principais objetivos assegurar a paz, especialmente na Europa, ao promover a integração econômica e política entre os países membros. Para Grossmann, entretanto, diferentemente da ONU, a União Europeia age segundo o princípio da exclusão para a adesão de novos membros. Não são aceitos, por exemplo, Estados que não possuem um regime democrático bem estabelecido, além de outras tantas exigências para o ingresso na União13

(GROSSMANN, p. 132-133).

A expectativa, assim, é que a “República Mundial” não pode ser implantada de uma só vez, mas, ao contrário, deveria seguir alguns estágios. O ordenamento jurídico mundial começaria como “soft world republic” ou “governance without government”, isto é, uma espécie de república mundial mais frágil, com seus poderes executivo, legislativo e judiciário igualmente mais frágeis. (HÖFFE, 2005, p. 381)14. Com vistas à implantação da república,

Höffe apresenta algumas propostas reformadoras, entre elas a criação de um “direito penal nacional de caráter mundial”, o desenvolvimento de um “direito penal mundial transnacional” (HÖFFE, 2003, p. 121) e a instauração de uma “polícia mundial” em defesa da paz entre os Estados, em detrimento de um “exército mundial” (HÖFFE, 2005, p. 417).

13 No que tange à legitimidade, entretanto, a União Europeia se destaca em relação à ONU, tanto do ponto de vista

da legitimidade “input”, como da legitimidade “output”. Por outro lado, uma estratégia integrativa, nos moldes da ONU, é um passo importante para república mundial, pois, como organização, já é institucionalizada. Todavia, apenas a estratégia incentivadora, tal como a adotada pela União Europeia, parece ser uma estratégia legítima e apropriada para lidar com os Estados autocráticos. Cf.: GROSSMANN, p. 133-134.

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Mas o ponto central é que a implementação de tais reformas e mesmo toda progressão em direção à instauração de uma república mundial estão sujeitas ao consentimento dos Estados em limitar a sua soberania. No entanto, assim como Kant, Höffe temia que a necessidade de limitação da soberania dos Estados detivesse-os de consentirem com esse projeto. Por isso, frisou a importância de estabelecer com precisão como e quais seriam os poderes que deveriam ser concedidos subsidiariamente à república, para que os Estados se sentissem seguros na sua vinculação.

Por outro lado, ao menos no mundo contemporâneo, o próprio direito internacional impõe limites à soberania dos Estados, tanto do ponto de vista da soberania interna15, como da

soberania externa (HÖFFE, 2005, p. 139). Assim, apesar de na doutrina política tradicional o Estado soberano ser compreendido como aquele que detém o poder de decidir em última instância, a soberania não deveria ser vista como “a faculdade absoluta de agir arbitrariamente” (GROSSMANN, p. 139), na medida em que a restrição da soberania deve ser compensada pela expansão das possibilidades de ação e desenvolvimento, a qual proporcionaria à comunidade a fruição recíproca de vantagens.

A partir de uma nova perspectiva de entendimento do sentido de soberania, Höffe postula a vinculação entre soberania e liberdades fundamentais dos súditos alegando que:

[...] os poderes do Estado não existem por própria perfeição de poder, mas graças à renúncia do direito daqueles que são primeiros e originários e os aliados no direito. Somente porque são vantajosas para cada um deles as renúncias à liberdade que fazem parte das liberdades fundamentais e porque cada um deles assim se situa melhor diante da hipótese se um poder coletivo é responsável pelas liberdades fundamentais, por isso e somente por isso os poderes de Estado são legítimos (HÖFFE, 2006, p. 393).

Reitera, portanto, ser incabível o entendimento da soberania como “uma perfeita liberdade de decisão e ação” ou “um poder em branco do Estado contra seus cidadãos e súditos” (HÖFFE, 2006, p. 392), já que não se trata de um poder absoluto – válido por si mesmo – mas de um poder dependente de ser outorgado por aqueles que são sua fonte originária de legitimação. Fiel às suas críticas a respeito da soberania como poder absoluto, Höffe defende um modelo de república mundial visando evitar o surgimento de um novo Leviatã e os males de um poder centralizado – como o indesejado engessamento, a burocratização e a

15 É possível dizer, entretanto, com Höffe, que a soberania interna continuaria vigorando, na medida em que

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homogeneidade (HÖFFE, 2005, p. 369). É que a própria ideia de república é indissociável dos princípios da liberdade, da igualdade e da separação de poderes, os quais já funcionariam como restrições às competências da república mundial, pois exige que as decisões políticas não sejam arbitrárias.

A república mundial deve ser também subsidiária e federal, em acordo aos princípios da subsidiariedade, do federalismo e dos direitos dos Estados. O princípio da subsidiariedade seria aquele a impor a necessidade de justificação para a transferência de tarefas para uma unidade central. Dessa forma sustenta que:

As competências estatais são legítimas apenas naqueles casos e apenas à proporção que indivíduos e unidades sociais pré-estatais carecem de ajuda. E no âmbito de um Estado hierarquizado, as competências devem ser abordadas tão mais na base quanto fizer bem à última instância legitimatória, os indivíduos (HÖFFE, 2005, p. 160).

A república mundial, assim como os Estados, deveria estar a serviço da paz e do direito, desde que seus poderes sejam precisamente delimitados, de forma a evitar o abuso (HÖFFE, 2005, p. 370). Pelo princípio do federalismo, os Estados continuariam a ter competências legislativas e fiscais originárias (não-derivadas), na medida em que são entendidos como Estados primários. A república mundial, portanto, seria:

[...] um Estado complementar: um Estado secundário e, no caso do nível intermediário regional, simplesmente um Estado terciário. Seja como for, não se trata de um Estado uniforme espalhado por todo o globo, mas um Estado de Estados: um Estado formado por Estados ou povos (HÖFFE, 2005, p. 372).

O federalismo, assim, é a qualidade dos Estados-membros dividirem as tarefas estatais e terem soberania financeira, e mais, serem originalmente competentes para tarefas não cedidas no contrato federal, não derivando, assim, do Estado em seu conjunto (HÖFFE, 2005, p. 171).

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livremente desses direitos sem o emprego de força ou justiça privada, gozando ainda do direito de participação equitativa na República Mundial (HÖFFE, 2005, p. 380-381).

V. CONCLUSÃO

A analogia kantiana entre Estados e indivíduos não pode levar a outra conclusão senão a da necessidade de se instituir um organismo internacional dotado de coerção como único meio de se viabilizar a paz. Assim como o estado civil é o contraponto racional à imoralidade do estado de natureza, a República Mundial é o contraponto racional à ineficiência dos Estados em garantir a paz no cenário internacional. Entretanto, preso à concepção de soberania como poder absoluto de sua época, Kant em certa medida abandonou o seu projeto de paz, vez que não vislumbrava possibilidade fática de relativizar o poder soberano dos Estados nacionais.

Coube a Höffe, a partir de uma nova concepção de soberania, levar a cabo o projeto kantiano e discutir a sua aplicação na contemporaneidade. A república mundial, apesar de ainda ser uma ideia que causa estranhamento, é necessária se levarmos a sério os princípios morais, políticos e jurídicos que informaram a modernidade e continuam a guiar os ânimos no plano intraestatal. Longe de ser uma proposta tirânica, um novo Leviatã, a ideia de uma República Mundial está ancorada nos princípios republicanos da democracia, da subsidiariedade e do federalismo. Ao mesmo tempo em que se pretende uma organização mundial com poder coercitivo, a república tem também por finalidade preservar as características fundamentais dos Estados – sua identidade e estrutura.

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REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS

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