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POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR

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Academic year: 2021

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POBREZA E EXCLUSÃO SOCIAL NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR Cláudia Luciana Santana de Souza1 Márcia Regina do Nascimento Sambugari2

RESUMO: O presente estudo teve como objetivo discutir como as temáticas pobreza e exclusão social são trabalhadas na prática escolar pelos professores. Buscou-se compreender como a prática pedagógica se aproxima, ou distancia dessas temáticas, por meio da escolha do currículo pelo professor. Para tanto partiu das seguintes questões: como o professor escolhe seus conteúdos? O que o professor entende por pobreza e desigualdade social? Há alguma preocupação em se articular os conteúdos com a questão da pobreza e da desigualdade social? Há espaço para os saberes (da vivência dos alunos) que não estão incluídos no currículo? Primeiramente foi realizado um estudo sobre currículo e pobreza a partir de livros de acervo pessoal, bem como em bases de dados como a Scielo e Domínio Público. Numa abordagem metodológica qualitativa, a pesquisa contou com a realização de entrevistas com professores dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental de duas escolas da rede municipal de ensino da cidade de Corumbá, MS, sendo uma localizada na área central e outra na parte alta da cidade. Com a análise dos dados foi possível perceber que, de modo geral, todas as professoras selecionam seus conteúdos pela Base Curricular, e os adaptam às necessidades educacionais de seus alunos na medida em que julgam propício. Muitas entendem que os benefícios recebidos pelas famílias não são empregados de forma adequada, pois ainda carecem de mais atenção por parte dos pais nas questões voltadas para o material e frequência escolar desses alunos. Também constatou-se que nas escolas não há nenhum projeto e/ou ação voltados para a inserção e permanência do aluno em situação de pobreza. Com esse estudo buscou-se contribuir com as discussões acerca das práticas pedagógicas na relação com um currículo que articule saberes, desenvolva autonomia, criticidade e transformação na realidade vivida pelos alunos provenientes das camadas populares.

Palavras-chave: Pobreza. Exclusão. Currículo. Prática pedagógica.

1 INTRODUÇÃO

Diante das discussões realizadas no curso de especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social, uma inquietação acometeu-me: como as temáticas da pobreza e da exclusão social são trabalhadas na prática pedagógica e como essa prática reflete isso.

1Aluna do curso de Especialização Educação, pobreza, Desigualdades Sociais (EPDS). Graduada em Pedagogia

pelo Campus do Pantanal (CPAN), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Professora da Rede Municipal de Educação, Corumbá, Mato Grosso do Sul. E-mail: claudia_lsantana@hotmail.com

2Orientadora. Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Professora

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Esse estudo torna-se relevante partindo do pressuposto que estamos discutindo questões voltadas à educação, à pobreza e à desigualdade social. Estudar como os profissionais da educação entendem a pobreza e como selecionam seus currículos de modo a amenizar e preencher as lacunas existentes na sociedade, garantindo a seus alunos acesso à educação transformadora, que garantam autonomia e a formação de um cidadão consciente de seus direitos e deveres.

O trabalho pretendeu analisar como a escolha de seus conteúdos influencia na proposta de uma educação transformadora. Busca investigar como o professor compreende seu papel diante da situação de pobreza e da desigualdade social e como a sua prática pedagógica reflete essa realidade.

Como o professor escolhe seus conteúdos? O que o professor entende por pobreza e desigualdade social? Há alguma preocupação em se articular os conteúdos com a questão da pobreza e da desigualdade social? Há espaço para os saberes (da vivência dos alunos) que não estão incluídos no currículo? Essas são algumas questões que nortearão o presente estudo.

Diante de tais questionamentos buscou-se conhecer a visão desses profissionais frente aos problemas que a camada menos favorecida enfrenta, tais como a falta de condições mais básicas de saúde, moradia, segurança, materiais de qualidade, etc.

A pesquisa teve como objetivo geral analisar como os professores articulam pobreza e currículo em sua prática pedagógica. Como objetivos específicos buscou-se verificar de que maneira os conteúdos são pensados pelos professores de modo a atender as necessidades dos alunos das camadas mais pobres. Também analisar se há alguma articulação entre currículo e pobreza.

A educação é um direito e, portanto, não deve ser encarada com caráter assistencialista. Garantir que os alunos provenientes das camadas mais pobres recebam uma educação de qualidade, voltada também para os seus saberes, que seja capaz de transformar realidades, é dever do educador. Sendo assim, essa pesquisa pretende entender a articulação entre currículo e práticas pedagógicas, no intuito de verificar como os professores pensam os conteúdos, se levam em consideração os saberes e as vivências dos alunos, se entendem a importância de se pensar um currículo voltado para a emancipação, para a superação das condições de pobreza e desigualdade social.

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A presente pesquisa está inserida no eixo ‘escola: espaços e tempos de reprodução e resistências da pobreza’, do curso de especialização em educação, pobreza e desigualdade social. Focaliza as potencialidades e fragilidades do Programa Bolsa Família a partir do olhar dos professores a partir da discussão da relação currículo e pobreza.

Ao final do estudo, pretende-se compreender de que forma a escolha dos conteúdos interfere nas práticas pedagógicas e como o professor considera os saberes já adquiridos pelos seus alunos.

O presente artigo está organizado em cinco partes, incluindo a introdução e as considerações finais. Na introdução consta uma breve descrição da temática investigada, os objetivos, metodologia, bem como a relevância desse estudo. Na segunda é apresentada uma reflexão acerca do currículo e prática pedagógica. Na terceira parte há a descrição do percurso metodológico. A quarta seção traz a análise das entrevistas e uma consideração acerca de como são compreendidos os currículos, a seleção de conteúdos e como essas escolhas se refletem na prática pedagógica em sala de aula. Por fim constam as considerações finais.

2 POBREZA E CURRÍCULO: UMA ARTICULAÇÃO NECESSÁRIA

Arroyo (2015) apresenta uma importante discussão sobre a articulação entre o currículo e a pobreza. Diante disso, o presente trabalho busca responder às questões de forma a entender quais saberes são priorizados na elaboração e escolha de conteúdos das escolas públicas. Saber como os profissionais da educação entendem a pobreza, o que esperam que seus alunos aprendam, o que se oferece e como se oferece (conteúdos), como a fala se aproxima da prática pedagógica de modo a atender todas as necessidades dos alunos provenientes das camadas populares.

Pensar num currículo voltado para a pobreza é pensar num currículo capaz de entender como funcionam os mecanismos que geram reprodução de pobreza; é repensar a prática pedagógica a partir das necessidades dos alunos, tornando-a mais inclusiva, menos reprodutora das desigualdades. Saber o que o professor entende por currículo, a intencionalidade que há por detrás de cada conteúdo, as constantes mudanças que ocorrem na sociedade e sua importância no direcionamento de sua prática pedagógica é uma das questões a serem abordadas nesse estudo. Para Arroyo (2011, p. 115):

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Uma forma de se aproximar o currículo às necessidades dos sujeitos (alunos) é tecer uma relação entre currículo e saberes produzidos através das relações sociais, mediante reconhecimento dos saberes que os alunos trazem consigo, das suas experiências, do seu trabalho e dos movimentos que ocorrem no meio da sociedade.

Sendo assim, a escolha de um currículo que articule a questão da pobreza, sem desvalorizar o sujeito, mas trazendo para ele algo que faça sentido, trocando experiências, desenvolvendo em conjunto habilidades que possam torná-lo capaz de superar suas dificuldades, ao invés de propor estudos e fórmulas desconexas e não significativas, seria um bom começo.

Não podemos é almejar mudanças se ainda reproduzimos o mesmo modelo hierarquizado, onde há saberes “mais elevados” e saberes “comuns, elementares”. Quando esses saberes se encontram dentro da sala de aula, parecem se perder, pois não se conversam. Arroyo (2011) ressalta que precisamos entender que sem experiência social não há produção de conhecimento. Precisa-se reconhecer o trabalho e as experiências de docentes e discentes para valorizá-las, pois:

[...] o conhecimento é fruto da produção social; o que se torna imprescindível é a superação de uma visão que segrega, distancia e desconecta saberes e experiências do currículo. Não que os conhecimentos tecnológicos e científicos não sejam importantes, mas pede-se uma reflexão entre esses saberes e àqueles produzidos no interior das lutas sociais, do dinamismo que é algo intrínseco à sociedade. Para o autor, diversidade de experiências gera diversidade de conhecimentos (ARROYO, 2011, p. 120).

Alunos desinteressados, professores desmotivados, baixos índices de aprendizagem e desempenho também podem estar ligados à pobreza curricular: currículos cheios de conteúdos descontextualizados e pobres em experiências sociais, culturais, humanas. É preciso reconhecer os saberes empíricos de alunos e docentes e aproveitá-los de modo a gerar uma motivação em relação aos saberes das disciplinas.

O conceito de currículo é algo relativamente recente; mesmo entre os docentes. Embora a prática pedagógica seja uma realidade previamente estabelecida, observada através de comportamentos didáticos, políticos, econômicos, deve se ter cautela ao se racionalizar a prática curricular (SACRISTÁN, 2000, p.13).

Para o autor, o currículo vai além do aspecto conceitual, compreendendo como a própria organização da prática pedagógica. Entender como os profissionais compreendem o

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currículo e como a sua escolha leva a determinadas práticas pedagógicas, que por sua vez geram resultados (positivos, ou não) é um dos pontos abordados nesse estudo.

3 METODOLOGIA

Para a realização da presente pesquisa primeiramente foi realizado um estudo sobre currículo e pobreza a partir de livros de acervo pessoal, bem como em bases de dados como a

Scielo e Domínio Público.

Foram realizadas entrevistas com duas professoras que quisessem participar da pesquisa, atuassem nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental de duas escolas da rede municipal de ensino, sendo uma localizada na parte central e outra, na parte alta do município de Corumbá, MS. A entrevista foi realizada por meio de um roteiro semiestruturado (Apêndice A) e contou com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), informando que os dados pessoais serão mantidos em sigilo (Apêndice B). Para acesso aos professores foi elaborado o termo de autorização para que a escola permitisse a entrada para a realização da pesquisa (Apêndice C).

Os dados foram analisados, em constante diálogo com teóricos da área como Arroyo (2011, 2015), e Sacristán (2000).

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

As entrevistas foram realizadas em duas escolas, uma situada na área central e a outra na parte periférica da cidade, todas da rede municipal. Essas escolas, localizadas em áreas distintas de uma mesma cidade, foram escolhidas para se tentar entender como os docentes, diante de determinada clientela de alunos, desenvolvem sua prática, como a entendem e a contextualizam mediante a escolha de conteúdos presentes no currículo escolar, bem como o papel que a instituição desempenha nos diferentes níveis e modalidades do ensino.

4.1 PERCEPÇÕES DAS PROFESSORAS ACERCA DA POBREZA NO CURRÍCULO ESCOLAR

Para a análise da percepção das professoras, sujeitos deste estudo, buscamos identificar as recorrências na fala, bem como o que foi singular. Essa parte encontra-se em andamento e seguem algumas análises, ainda preliminares.

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Primeiramente apresentamos o perfil dos sujeitos quanto à idade, formação e atuação profissional. Para manter o anonimato dos sujeitos, as professoras são identificadas nesse estudo com nomes fictícios. As professoras Aline e Jéssica atuam na escola 1, localizada na região central, e as professoras Elza e Túlia na escola 2, da região periférica da cidade de Corumbá, MS.

Conforme podemos observar no quadro a seguir, todas as professoras são formadas em Pedagogia e possuem especialização. A idade varia entre 32 a 42 anos. A professora Aline tem 13 anos de atuação como professora, a Jéssica 27 anos, sendo dois na mesma escola. A Elza tem 10 anos, dos quais 8 na mesma escola e a Túlia 8 anos, atuando sempre na mesma escola.

Quadro 01: Perfil dos sujeitos da pesquisa Escola Descritores/sujeito s ESCOLA 1 (região Central) ESCOLA 2 (região periférica)

Aline Jéssica Elza Túlia

Idade 37 42 38 32

Nível Superior Pedagogia Pedagogia Pedagogia Pedagogia

Pós-graduação (Especialização) Psicologia Institucional Psicologia Clínica Gestão e Planejamento Educação Infantil Psicopedagogia Tempo de atuação docente

13 anos 27 anos 10 anos 8 anos

Tempo de atuação docente na mesma escola

1 ano 2 anos 8 anos 8 anos

Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora, 2016.

Com relação à escolha de conteúdos pelas professoras, todas relatam que se baseiam na base curricular, na proposta da escola em que atuam, fazendo as adaptações e articulações necessárias.

De acordo com a grade da escola, né, esse ano eu recebi a sala do quinto ano e a escola já me deu a proposta. Então eu vou de acordo com a proposta da escola. E vou ajeitando e finalizando o currículo de acordo com a necessidade dos meninos. Se tiver um avanço maior, a gente dá até uma profundidade maior em cada tema (Professora Aline. Entrevista, 2016).

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A escolha da professora Jéssica é baseada nas propostas da rede de ensino, a qual vai adaptando seus conteúdos de acordo com a demanda e necessidade educacional de sua turma.

Bom, eu pego os conteúdos propostos pela rede e aí eu vou adaptando à realidade e situação da sala de aula (Professora Jéssica. Entrevista, 2016).

A professora Elza seleciona seus conteúdos pela Base Curricular, e faz as alterações e adaptações sempre que necessário. Já a professora Túlia destacou a questão do planejamento e também informou vai alterando conforme as necessidades que vão surgindo.

Primeiro, através do planejamento. Depois, conforme a necessidade da turma, vai mudando, adaptando conforme a necessidade da turma (Professora Túlia. Entrevista, 2016).

A análise dos depoimentos das professoras nos permite inferir que a escolha do currículo é feita pelo professor. O currículo tem em seu conteúdo opções histórica e socialmente selecionadas, construídas e configuradas de acordo com o dado momento social, abarcando em si cargas, valores, concepções políticas, escolares, sociais, fazendo com que o mesmo seja o reflexo do conflito dos interesses que permeiam essa mesma sociedade, pois conforme salienta Sacristán (2000):

Culturalmente, cada instituição escolar adota uma posição seletiva, que reflete diretamente na escolha dos conteúdos curriculares, currículos esses, que tendem a ser diferenciados, pois carregam em si determinados interesses e finalidades que acabam por atingir os alunos, segregando-os ou integrando-os. É através do currículo que todas as funções da escola se efetuam e institucionalizam (SACRISTÁN, 2000, p. 17).

Quanto à concepção de pobreza pelas professoras foi possível verificar o seguinte:

[...] pobreza é o estado de situação da pessoa bem humilde mesmo, né? Desigualdade social já é a parte das diferenças de classes de uma determinada região, de um determinado lugar (Professora Aline. Entrevista, 2016).

Pobreza é a pessoa mais necessitada de tudo, não só de recursos materiais, mas também de afeto. Desigualdade social: uns tem muito e outros tem quase nada (Professora Jéssica. Entrevista, 2016).

Pobreza... falta de recursos. desigualdade é quando tem um muito pobre e o outro, no caso, é rico, né? (Professora Elza. Entrevista, 2016).

Pobreza é quando a gente não tem o que é necessário, o básico para a gente poder sobreviver. Desigualdade social... diferenças entre as classes, na própria pobreza, né, tem as classes de pobreza: miserável, menos miserável... acho que é isso (Professora Túlia. Entrevista, 2016).

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Com relação à preocupação em se articular os conteúdos com a questão da pobreza e da desigualdade social em sala de aula, para a professora Aline, a questão da adaptação do currículo é feita na medida em que surgem as necessidades educacionais de seus alunos, embora tenha relatado que em sua sala de aula não existam alunos em situação de pobreza.

Bom, até que aqui na minha sala nós não temos essa situação de pobreza, né. Nós temos crianças com diferentes classes sociais, mas a pobreza não é pertinente aqui nesta sala. Porém, assim, eu coloco muito a questão da desigualdade na questão da deficiência. Mas eles (os conteúdos) são abordados de todos os tipos. Leva em conta a consideração da questão do negro, da deficiência da desigualdade financeira mesmo, e a gente aborda bem esses casos aqui (Professora Aline. Entrevista, 2016).

Para a professora Jéssica é importante essa articulação, pois:

[...] essa desigualdade ela leva a uma série de problemas sociais, né? Que vem desde a falta da criança na escola, a não preocupação dos responsáveis de levar a escola a sério e aí a gente vai adaptando esses conteúdos e estar sempre retomando: vai e volta o tempo inteiro. Porque é um problema social muito grande, porque uma coisa vai refletindo na outra (Professora Jéssica. Entrevista, 2016).

Para a professora Elza, há necessidade de se articular devido ao perfil da sua turma que possui um nível muito baixo, o que de certo modo, segundo ela, acaba por interferir na aprendizagem daqueles alunos que teriam um melhor rendimento e por sua vez ficam estagnados, pois a mesma sente dificuldades no que diz respeito a essa questão.

Na minha sala... eu não penso nessa desigualdade, mas pela realidade, que tem, eu tenho que adaptar todo o currículo para o nível mais baixo que tem, infelizmente. Colocar toda a turma praticamente no mesmo parâmetro daqueles que pouco sabem. E não é questão da pobreza, mas é questão de conhecimento. Que é o que é mais pobre, eu percebo que é o que tem menos acompanhamento em casa. Então se eu acelerar a turma, os que estão atrasados não vão acompanhar. Quem está perdendo hoje em dia é o que está mais adiantado. Porque não tem essa realidade, dizer assim: ah, eu vou aplicar um conteúdo pra acelerar esse e daqui pra tentar acompanhar. Não tem, vira uma bagunça, infelizmente (Professora Elza. Entrevista, 2016).

Já a professora Túlia ressalta que a questão da pobreza em sua sala de aula não é algo alarmante, e que ainda não precisou adaptar ou alterar seus conteúdos para que seus objetivos pudessem ser alcançados.

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Com relação aos dados referentes se na prática pedagógica as professoras trabalham os saberes (da vivência dos alunos) que não estão incluídos no currículo, foi unânime a resposta de que consideram tais saberes.

Sim e são as aulas que eles mais gostam, porque são as aulas que eles mais participam, que eles podem se expor mais. Já em relação à Matemática e Português o negócio é mais centrado. Agora, quando leva mais na parte das Ciências, História e Geografia, que eles participam mais da parte oral, dando opiniões, tirando as dúvidas, colocando o que eles tem de vivência e sabedoria dessas áreas, eles participam muito desse conteúdo (Professora Aline. Entrevista, 2016). Com certeza, sempre aparece. Você está falando alguma coisa, sempre eles têm alguma coisa para acrescentar. Então acaba fazendo parte ali do aprendizado de todo mundo (Professora Túlia. Entrevista, 2016).

Para a professora Jéssica, os saberes extraclasses de seus alunos são trabalhados dentro de sala de aula, através de recursos como ludicidade, objetivando traçar um paralelo entre os dois saberes.

A professora Elza relata que prioriza em algumas áreas do conhecimento, tais como:

[...] mais na parte de Geografia, História e Ciências. Matemática pega também, né? O Português, nem tanto. Eu não consigo tanto porque a gente trabalha já pela orientação, mais poesias, né? E na oralidade no Português só, que eu trabalho a vivência deles (Professora Elza. Entrevista, 2016).

A análise desses dados nos remete ao que Sacristán (2000) alerta a respeito do currículo como um processo social, e, portanto, precisa articular ao contexto dos alunos:

O currículo precisa ser refletido como sendo uma gama de particularidades que se aglutinam, com objetivos específicos, direcionados ou norteados muitas vezes por interesses sociais, econômicos e políticos. Complexo é realizar tal análise, pois partindo do pressuposto de que o currículo também constitui-se processo social, é necessário que ele seja articulado, vinculado às realidades que o permeiam, garantindo-lhe assim, significado real, mediante a prática docente desenvolvida (SACRISTÁN, 2000, p. 21).

Quanto à informação de que na turma em que lecionam atualmente há alunos que recebem algum benefício (bolsas) e como compreendem, a professora Aline ressalta, ainda que alguns recebem o benefício, mas que para ela deveria estar atrelado a um prazo determinado, objetivando a não acomodação dos beneficiados, o que no seu ponto de vista

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Sim. Se eu não me engano, uns cinco alunos recebem o Bolsa Família. Olha, quando começou esse benefício eu era até a favor. Realmente ajudou muito, antes se chamava Bolsa Escola, e ajudou muito. Mas eu acho que esse benefício ele tinha que ser considerado um limite de tempo para aquela família poder se reorganizar estruturalmente, financeiramente. Porque o que a gente vê? Hoje eu tenho alunos que vem à escola porque não podem faltar. Porém só vem presente: só está de corpo. De cabeça, de pensamento, aqui não existe. Então assim, a família fica muito vincula da a esse benefício e esse benefício acabou sendo como uma pensão vitalícia. Não se tira deles. Então eu acho, na minha opinião, esse que benefício deveria ter um tempo. Essa família vai receber um período de dois anos. Em dois anos essa família tem que começar a se reorganizar, se reestruturar. E infelizmente o que a gente vê é que a criança é a última que vê o benefício. O benefício serve para infinitas coisas, menos para uso próprio da criança. É o que eu vejo aqui presente nesta sala este ano (Professora Aline. Entrevista, 2016).

A professora Jéssica entende que os programas sociais de renda deveriam estar atrelados não à frequência da criança à escola e sim, ao seu rendimento escolar.

A maioria recebe o Bolsa Família. A meu ver, o Bolsa Família deveria não só estar vinculado à frequência, mas a rendimento, a nota. Porque eles não estudam. Eles muito mal vêm para a escola (Professora Jéssica. Entrevista, 2016).

Para a professora Elza, o benefício recebido pelos seus alunos não vem sendo aplicado de forma correta, pois os mesmos não apresentam materiais escolares e relata que alguns nem precisariam do benefício, devido às condições financeiras de alguns pais.

Sim, 15 alunos. Deveria ser para ajudar, mas dos quinze, eu vejo que tem criança que não precisaria, porque até carro o pai tem e os outros não têm acompanhamento nenhum, nem o material os pais compram para eles, porque esse benefício, para mim, seria para isso. Comprar material, ajudar o aluno, mas não compram. Esperam que a escola dê (Professora Elza. Entrevista, 2016).

A professora Túlia também tece críticas ao programa, pois entende que apesar de alguns de seus alunos receberem benefício de transferência de renda, as crianças ainda assim não possuem material escolar, nem o mínimo desses materiais.

Existe. Cinco, mas que não vejo nenhum benefício revertido para eles, em sala. No que deveria ser, né, revertido com material escolar e a maioria que recebe esse benefício não tem o material que precisam, o básico: o lápis, a borracha, o caderninho. Não tem. Acredito que o Bolsa Família deveria ser para atender o básico da escola, o lápis, o caderninho, o básico mesmo (Professora Túlia. Entrevista, 2016).

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Com relação se a escola dispõe de algum programa ou projeto voltado para a inclusão do aluno em situação de pobreza, as professoras informaram que não há nada voltado para essa questão da inserção e permanência do aluno em situação de pobreza e que o PPP das escolas não prevê nenhum tipo de ação nesse sentido.

Quanto ao trabalho com conteúdos articulados com a questão da pobreza e aos resultados que essas professoras esperam no que diz respeito à aprendizagem, a professora Elza relata que não trabalha. A professora Túlia também informa que não trabalha, porque na turma em que trabalha “[...] não é nada gritante assim não. Pois é, não são todos pobres. Está bem nivelado ali” (Professora Túlia. Entrevista, 2016). Já a professora Aline destaca a questão do respeito à diversidade.

[...] o respeito, principalmente o respeito. Não é porque eu tenho um pouquinho a mais de condição ou muita condição (financeira) que eu posso pisar. Eu acho que daí não entra mais a parte da desigualdade, eu acho que aí entra a falta de respeito à humanidade. Então é isso que eu cobro muito, que eu coloco muito a eles. Não importa se é diferença de negro, diferença de classe social, de deficiente. O respeito, acima de tudo. Alguns alunos já mostram, né, um companheirismo maior com aqueles é... vamos dizer assim, com menos condições, mas mesmo assim você ainda acaba vendo um ou outro que ainda tem uma certa resistência. Mas é colocado, é pensado, é refletido com eles essa questão do respeito principalmente (Professora Aline. Entrevista, 2016).

A professora Jéssica ressalta a necessidade de se trabalhar continuamente a questão da pobreza com os alunos.

Sim. Eu espero que a aprendizagem melhore né? Porque a gente vai trabalhando... Vai e volta o tempo inteiro a questão dos conteúdos. A gente avança e retrocede. A gente espera que surta o efeito e a gente trabalha para que aconteça, mas nem sempre vem acontecendo (Professora Jéssica. Entrevista, 2016).

A professora Jéssica ressalta, ainda, que existe uma dificuldade, porque os alunos são faltosos e não há uma efetiva parceria com os pais, desestruturando, assim, o processo de aprendizagem desses alunos.

Os pais, né? Principalmente. Porque precisam se envolver, se articular com a escola, para que a aprendizagem aconteça. Porque o tempo que eles aqui, que as crianças passam na escola é pouco; se eles não retomam o material em casa, se eles não refazem, se não estão sempre vendo, criar rotina, né? Não acontece. E aí a gente fica nessa: o que a gente tem certeza é o seguinte, o que a criança aprende é o momento em que ela está na escola, e quando vem, né? Quando não falta, porque também o índice de faltas é uma coisa

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Verificou-se, portanto, com a análise dos dados a necessidade de se repensar o próprio conceito de currículo, a fim de que a pobreza e as desigualdades sociais estejam sejam consideradas para se pensar em um currículo pautado no respeito às diferenças e aos alunos oriundos das camadas populares, em situações de pobreza. Ficou evidente de que, assim, como destaca Sacristán (2000, p. 101-102), “[...] cada docente exerce uma determinada ação sobre o currículo; pois a interpretação sobre a relevância dos conteúdos é de certa forma, dada de modo peculiar”, e por isso encontramos diferentes práticas entre os professores de uma mesma escola.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao investigar de que maneira as professoras compreendem a sua atuação docente diante da situação de pobreza e da desigualdade social e como a sua prática reflete essa realidade foi possível perceber, com a análise dos dados que, de modo geral, todas as professoras selecionam seus conteúdos pela Base Curricular, e os adaptam às necessidades educacionais de seus alunos na medida em que julgam propício. Muitas entendem que os benefícios recebidos pelas famílias não vem sendo empregados de forma adequada, pois ainda carecem de mais atenção por parte dos pais nas questões voltadas para o material e frequência escolar desses alunos.

Outro ponto que chamou a atenção foi o fato de que nas escolas não há nenhum projeto e/ou ação voltado para essa questão da inserção e permanência do aluno em situação de pobreza. Muitos ressaltam as dificuldades de se aproximar de forma mais estreita dessas famílias, gerando essas lacunas, essa ausência de pais no ambiente escolar.

Existe uma preocupação em se absorver os saberes das vivências desses alunos, do seu dia a dia, das suas lutas e conquistas, embora que de modo ainda tímido, mas as docentes já desenvolvem suas atividades dessa forma, mesmo que o façam de modo “natural”, pois entendem que essa aproximação gera ganhos e resultados positivos para o processo de ensino e de aprendizagem. Sacristán (2000) nos alerta acerca da necessidade de se repensar o currículo, “[...] pois, ele revela a percepção do valor cultural da escola como instituição facilitadora, mediadora da cultura e aprendizagem e dela parte a seleção dos conteúdos que compõem o seu currículo” (SACRISTÁN, 2000, p. 18).

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O currículo não constitui, portanto, mera escolha de conteúdos, é o reflexo de dado momento social, permeado de questões e interesses culturais, que elencam, orientam, direcionam o que, quando, onde e por que se deve ensina/aprender o que se determinou. E não é somente isso; o currículo também é refletido na prática pedagógica, mediante as concepções culturais que cada docente traz consigo que por sua vez ficam nítidos na forma como são encarados esses conteúdos e qual o grau de importância que pretendem fazer na vida de escolar dos seus alunos. Esse currículo é submetido à interpretação e avaliação peculiar de cada docente, e é modificado de acordo com os conflitos e interesses que permeiam as esferas políticas, sociais, culturais, psicológicas, econômicas, administrativas e pedagógicas.

6 REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel Gonzalez. Pobreza e Currículo: Uma Complexa Articulação. Módulo IV. Educação, Pobreza e Desigualdade Social. 2015.

___________. Currículo, território em disputa. Petrópolis, 2011.

SACRISTÁN, J. Gimeno. O Currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000.

Referências

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