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O princípio da fundamentação das decisões judiciais no âmbito da justiça militar

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Academic year: 2018

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(1)

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

RODRIGO DIAS SARAIVA

O PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS NO ÂMBITO

DA JUSTIÇA MILITAR

FORTALEZA

(2)

RODRIGO DIAS SARAIVA

O PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS NO

ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR

Monografia submetida à

Coordenação do Curso de

Graduação em Direito da

Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal Militar e Direito Processual Penal Militar.

Orientador: Prof. Ms. Sérgio Bruno Araújo Rebouças.

FORTALEZA

(3)

RODRIGO DIAS SARAIVA

O PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR

Monografia submetida à

Coordenação do Curso de

Graduação em Direito da

Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito Penal Militar e Direito Processual Penal Militar.

Orientador: Prof. Ms. Sérgio Bruno Araújo Rebouças.

Aprovada em: ____/____/_________.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________

Prof. Ms. Sérgio Bruno Araújo Rebouças (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_____________________________________________________

Prof. Ms. Raimundo Bezerra Falcão

Universidade Federal do Ceará (UFC)

_____________________________________________________

Prof. Ms. William Paiva Marques Júnior

(4)

A José Nilton e a Nércia, a quem

(5)

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela existência.

Aos meus pais, José Nilton e Nércia, que em muito contribuíram

para a formação do meu caráter, e sem os quais eu jamais teria conquistado

essa vitória.

Ao meu irmão, Rommel, pelo companheirismo.

À minha namorada, Andressa, por me incentivar e me fazer acreditar

em meu potencial.

Aos demais familiares, que sempre me apoiaram no decorrer dos

cinco anos de graduação.

A todos os amigos e colegas que me acompanharam nessa jornada,

especialmente a Leonardo Rodrigues, José Aécio, Mariana Machado, Viviane

Mourão, Marcos César, Mateus Viana, Rodrigo Santos, Magda Matos, Alysson

Teixeira, Gabriel Peixoto, Juliano Cézar, Francisco Edson e Francisco Stênio.

Aos defensores públicos, estagiários, funcionários e assistidos da

Defensoria Pública da União no Ceará, com quem eu tive o prazer de conviver

durante dois anos.

Ao professor Sérgio Rebouças, que, com solicitude, aceitou

orientar-me no presente trabalho.

Aos demais integrantes da banca, professor Raimundo Falcão e

professor William Marques, por terem aceitado meu convite.

A todos os funcionários da Faculdade de Direito da Universidade

(6)

RESUMO

Analisa-se, no presente trabalho, o modo como é realizado o julgamento pelo

Conselho de Justiça, órgão colegiado de primeira instância da Justiça Militar.

Estuda-se a razão por que esse órgão é integrado por Juízes-Auditores

(concursados) e Juízes Militares (militares em serviço ativo), composição mista

denominada de escabinato. Investiga-se o motivo pelo qual tal modelo de

julgamento, que está regulamentado no Código de Processo Penal Militar e na

Lei de Organização Judiciária Militar, vai de encontro ao princípio da

independência do Poder Judiciário e ao princípio da fundamentação das

decisões judiciais, insculpidos, respectivamente, nos arts. 2º e 93, IX, da

Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Escabinato; Separação de Poderes; Motivação das decisões

(7)

ABSTRACT

It analyzes how the trial is conducted by the Council of Justice, a collective body

of first instance of Military Justice. It studies why this organ is composed of

Judges hearing officers (gazetted) Judges and Military (active duty military),

mixed composition called escabinato. It Investigates why such a model of

judgment, which is regulated in the Code of Criminal Procedure and the Law on

Military Organization Military Judiciary, goes against the principle of

independence of the judiciary and the principle of justification of judicial

decisions, insculpidos, respectively, in arts. 2nd and 93, IX, of the Federal

Constitution of 1988.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...9

1 A JUSTIÇA MILITAR...10

1.1 Evolução histórica...11

1.2 Organização...14

1.2.1 Justiça Militar da União...14

1.2.2 Justiça Militar dos Estados...17

1.2.3 Crime militar: conceito e critérios determinantes...18

2 O PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS...21

2.1 Origem...21

2.2 Conceito...23

2.3 Vícios...26

2.3.1 A ausência de motivação...26

2.3.2 A motivação incompleta...27

2.3.3 A motivação não-dialética...28

2.3.4 A motivação contraditória...29

2.3.5 A motivação implícita...30

2.3.6 A motivação per relationem...31

3 A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES NA JUSTIÇA MILITAR...34

3.1 Análise do art. 438 do Código de Processo Penal Militar...34

3.2 Previsão na Lei de Organização Judiciária Militar...36

3.3 Abordagem constitucional...37

CONSIDERAÇÕES FINAIS...41

(9)

INTRODUÇÃO

Na Justiça Castrense, o julgamento da ação penal é realizado por

um Juiz-Auditor (concursado) e quatro Juízes Militares. A decisão é tomada por

maioria de votos, e cada voto tem idêntico peso. A adoção dessa composição

heterogênea, que é denominada de escabinato, permite que o crime militar seja

apreciado não só por julgadores que possuem conhecimento jurídico, como

também por julgadores que acumulam as experiências da vida na caserna.

Ocorre que o Juiz togado, por força de previsão constante da

legislação processual penal militar, tem a incumbência de confeccionar a

sentença, mesmo que o voto por ele prolatado reste, ao final, vencido. Em

outras palavras, ainda que discorde dos argumentos que embasaram o voto

vencedor, terá a Juiz-Auditor de redigir a decisão. Essa tarefa, embora

contrarie o princípio da independência do juiz, não é questionada pela doutrina.

Convém ressaltar, aindam que os Juízes Militares não têm o dever

de fundamentar os respectivos votos. Tal forma de julgar merece ser revisada,

uma vez que o status libertatis, bem tão caro ao ordenamento jurídico, não

pode ficar à mercê de decisões desprovidas de fundamentação.

O presente trabalho se propõe a abordar os aspectos referentes à

Justiça Castrense, investigar o princípio constitucional da fundamentação das

decisões judiciais e, ao final, analisar a forma de julgamento prevista no Código

(10)

1 A JUSTIÇA MILITAR

No Brasil, o Poder Judiciário é integrado por três Justiças especiais:

a Justiça do Trabalho, a Justiça Eleitoral e a Justiça Militar. Trata-se de divisão

que está em conformidade com o princípio do juiz natural, motivo pelo qual não

se deve considerar tais Justiças espécies de juízos de exceção.

A despeito de a Constituição Federal de 1988 prever a especialidade

da Justiça Castrense, bastante já se discutiu a respeito da possibilidade de o

crime militar ser processado e julgado perante a Justiça comum. Essa

discussão, porém, mostra-se superada, pois várias são as razões da

imprescindibilidade da existência da Justiça das Armas.

Uma dessas razões é a condição pessoal dos jurisdicionados da

Justiça Militar. São estes indivíduos a quem a lei atribui direitos e obrigações

específicos (a exemplo do sacrifício da vida na realização da missão), distintos

daqueles conferidos legalmente aos civis. Ora, se os membros da força policial

se submetem a um conjunto de regras especiais, nada mais comum que serem

julgados perante uma Justiça também especial.

Convém afirmar, ainda, que as Forças Armadas, as Polícias Civis e

os Corpos de Bombeiros Militares são instituições que se organizam segundo a

hierarquia e a disciplina, valores essenciais para a defesa da lei e da ordem

pública. Somente uma Justiça especializada tem o condão de assegurar a

efetiva preservação dos referidos princípios.

No que concerne à hierarquia e à disciplina no meio castrense,

disserta Flávio Flores da Cunha Bierrenbach:

A hierarquia e a disciplina militares são os valores que a Justiça Militar preserva. A tal ponto, que a Constituição Federal atribui ao Superior Tribunal Militar, com exclusividade absoluta, a competência excepcional de aplicar, em tempo de guerra, a pena de morte. Hierarquia e disciplina são princípios constitucionais de caráter fundamentalista, na medida em que integram a base axiológica das organizações militares. Não constam da Lei Maior apenas para reduzir a taxa da resistência entre o polo de comando e o polo de obediência. Condenam, no topo do edifício jurídico, outros valores caros à Nação brasileira, ao conjunto da sociedade, como o patriotismo, o civismo, a lealdade, a honra, a coragem, a honestidade, o profissionalismo, a camaradagem e o respeito à dignidade da pessoa humana.

(11)

necessária para fixar funções e responsabilidades, enquanto a disciplina, sem a qual não há como assegurar obediência à ordem legítima, é fundamental para o exercício regular das atividades das Forças Armadas.1

No mesmo jaez, discorre Octavio Augusto Simon de Souza:

A instituição militar está sujeita a um ordenamento jurídico particular: Códigos, Estatutos, Leis, Regulamentos, etc. – que pautam a vida e as ações dos seus integrantes com deveres, valores, cultura e psicologia típicas. As Forças Armadas e as Polícias Militares dispõem da força e do poder de coerção em nome do Estado. Sem disciplina, seus membros podem converter-se em bandos armados, com riscos para o cidadão, as instituições civis e o próprio regime democrático. Não há democracia sem o estrito controle da força armada.

É fundamental que os atos dos seus integrantes sejam julgados com isenção por quem conheça, na intimidade, os diferentes fatores interferentes em suas ações (riscos, elementos psicológicos e culturais, aspectos técnicos e operacionais e os fatores criminógenos), de forma a assegurar-lhes tranqüilidade e serenidade para o desempenho de suas funções e infundir-lhes a certeza da reprimenda penal quando ultrapassarem os limites da lei.2

Ademais, vale ressaltar que grande parte dos operadores do direito

que atuam perante a Justiça comum pouco ou nada sabem sobre os institutos

tratados pelo Direitos Penal Militar, tais como o abandono de posto, o motim e

a deserção, o que reforça a tese segundo a qual o crime militar deve ser

processado e julgado por uma Justiça especializada.

Neste capítulo, primeiramente, serão tecidos comentários a respeito

da história da Justiça Militar no Brasil. Em seguida, far-se-á uma abordagem

sobre a sua organização nos planos federal e estadual. Por fim, será analisado

o crime militar, objeto de julgamento da Justiça Militar.

1.1 Evolução histórica

A Justiça Militar foi instaurada por meio de alvará régio com força de

lei, assinado pelo Príncipe D. João VI, em 1º de abril de 1808, imediatamente

1

BIERRENBACH, Flávio Flores da Cunha. A Justiça Militar e o Estado Democrático de Direito. In RAMOS, Dircêo Torrecillas Ramos, ROTH, Ronaldo João, COSTA, Ilton Garcia da (Org.). Direito

Militar: Doutrina e Aplicações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 361.

2 SOUZA, Octavio Augusto Simon de. A Justiça Militar e a EC 45/2004. Disponível em

(12)

após a chegada da família real ao Brasil.3 Tal documento criou o Conselho

Supremo Militar e de Justiça, que deu origem ao atual Superior Tribunal Militar.

O mencionado órgão era composto pelo Supremo Conselho de Justiça, a que

competia fornecer respostas às consultas do rei a respeito de nomeações,

promoções, insígnias; e pelo Supremo Conselho Militar, a que cabia, por sua

vez, julgar os militares em segunda instância.4

A Constituição de 1891 transformou o Conselho Supremo Militar e

de Justiça em Supremo Tribunal Militar, que não integrava o Poder Judiciário,

mas o Poder Executivo. O citado diploma instituiu os Conselhos de Justiça,

órgãos colegiados legalmente responsáveis pelo julgamento dos crimes

militares em primeira instância. Não contemplou, no entanto, Tribunal Superior

competente para a atuação em segundo grau.5

Sobre o então recente Supremo Tribunal Militar, esclarece o

estudioso Flávio Flores da Cunha Bierrenbach:

A primeira Constituição republicana, de 24/02/1891, cujo artífice maior foi Rui Barbosa, consagrou a teoria da tripartição do poder, tal como concebido nos textos clássicos de Locke e de Montesquieu, estabelecendo um Poder Judiciário independente. Logo no texto correspondente à Declaração de Direitos, a Constituição de 1891 referiu-se à Justiça Militar como foro especial para os militares de mar e de terra, no que diz respeito aos delitos militares. O Supremo Tribunal Militar, então instituído, viria a ser a primeira jurisdição especializada do Brasil, muito antes de cogitação da justiça trabalhista e da eleitoral.6

Empós, a Carta de 1934 instituiu a Justiça Militar da União e

integrou-a ao Poder Judiciário. Ademais, admitiu, em algumas hipóteses, o

julgamento de civis perante a Justiça Castrense. Silente permaneceu o texto

constitucional, no entanto, em relação à Justiça Militar dos Estados.7

3

RAMOS, Dircêo Torrecillas. Direito Militar na Constituição: Relevância do Ensino do Direito Militar no Curso de Direito. In RAMOS, Dircêo Torrecillas Ramos, ROTH, Ronaldo João, COSTA, Ilton Garcia da (Org.). Direito Militar: Doutrina e Aplicações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 20.

4 Ibidem, pp. 71-72.

5

CASSEB, Paulo Adib. A Competência Constitucional da Justiça Militar e a Criação dos Tribunais Militares no Brasil. In RAMOS, Dircêo Torrecillas Ramos, ROTH, Ronaldo João, COSTA, Ilton Garcia da (Org.). Direito Militar: Doutrina e Aplicações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, pp. 92-93.

6 Ibidem, p. 357.

7

(13)

A respeito do tema, leciona Octavio Augusto Simon de Souza:

A Constituição de 1934, através de uma Assembléia Nacional Constituinte, foi a primeira a incluir, entre os órgãos do Poder Judiciário, “os juízes e tribunais militares”. Ela estabeleceu, ainda, que seriam órgãos da Justiça Militar o Supremo Tribunal Militar e os tribunais inferiores, criados por lei, [a qual regularia] também a jurisdição dos juízes militares e a aplicação das penas da legislação militar [...]. Também foi prevista a extensão da jurisdição militar sobre “os civis, nos casos expressos em lei, para a repressão de crimes contra a segurança externa do país ou contra as instituições militares”.8

A Constituição de 1946 estatuiu, em seu art. 124, XII, a Justiça

Militar dos Estados, composta, em primeira e em segunda instância,

respectivamente, pelos Conselhos de Justiça e por Tribunal especial ou

Tribunal de Justiça. A Lei Maior manteve a possibilidade de julgamento de civis

pela Justiça Castrense e promoveu a alteração na nomenclatura do Supremo

Tribunal Militar, que passou a chamar-se Superior Tribunal Militar.9

No que concerne à modificação da denominação do Tribunal,

pondera, com propriedade, Paulo Adib Casseb:

A Constituição de 1946, no âmbito da União, alterou a denominação do Tribunal Militar, ao suprimir o vocábulo “Supremo” e inaugurar a nomenclatura Superior Tribunal Militar. A aludida modificação atendeu ao apelo de Pontes de Miranda, segundo o qual “ficava-lhe demasiado imponente o adjetivo ‘Supremo’, que criticamos (Comentários à Constituição de 1934, I, 758; Comentários à Constituição de 1937, III, 210)”.10

As Constituições de 1964 e 1967 consagraram, também, a Justiça

Militar da União e a Justiça Militar dos Estados. O Texto de 1969 nada dispôs

em sentido contrário, mas impôs restrição à criação de Tribunal de Justiça

Militar, exceto nos Estados nos quais já havia sido constituído (Rio Grande do

Sul, Minas Gerais e São Paulo).11

O texto constitucional de 1988 dispõe que os Tribunais e Juízes

Militares integram o Poder Judiciário (art. 92, VI) e que a Justiça Militar se

estrutura nos âmbitos federal e estadual, conforme será examinado a seguir.

8 Ibidem, pp. 73-74.

9 Idem, p. 74.

(14)

1.2 Organização

Na Federação, a Justiça Militar organiza-se nos planos federal e

estadual, que serão analisados separadamente.

1.2.1 Justiça Militar da União

A Justiça Militar da União se encontra disciplinada nos arts. 122 a

124 da Constituição Federal de 1988. Prevêem os referidos dispositivos:

Art. 122. São órgãos da Justiça Militar:

I - o Superior Tribunal Militar;

II - os Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei.

Art. 123. O Superior Tribunal Militar compor-se-á de quinze Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha, quatro dentre oficiais-oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentre civis.

Parágrafo único. Os Ministros civis serão escolhidos pelo Presidente da República dentre brasileiros maiores de trinta e cinco anos, sendo:

I - três dentre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional;

II - dois, por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar.

Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

Parágrafo único. A lei disporá sobre a organização, o funcionamento e a competência da Justiça Militar.

A Lei n.º 8.457, de 4 de setembro de 1992, conhecida como Lei de

Organização Judiciária Militar, regulamenta os dispositivos constitucionais que

(15)

legal, está dividida em doze Circunscrições Judiciárias Militares, cada qual

composta, em regra, por uma única Auditoria.12

A Auditoria é a sede do Conselho Especial de Justiça e do Conselho

Permanente de Justiça, órgãos colegiados compostos por um Juiz-auditor e

quatro Juízes militares e competentes para o julgamento, em primeira

instância, de crimes militares praticados, respectivamente, por oficiais (exceto

por oficiais-generais, que são julgados perante o Superior Tribunal Militar) e por

não oficiais, aí incluídos os civis infratores.

O Juiz-auditor é investido no cargo por meio de concurso público de

provas e títulos. Como qualquer magistrado, é dotado da prerrogativa

constitucional da vitaliciedade. Os Juízes militares, por sua vez, são sorteados

dentre os oficiais em serviço ativo e atuam durante período legalmente

determinado. Essa composição mista ou heterogênea que caracteriza os

Conselhos de Justiça é chamada de escabinato (ou escabinado).

A doutrina entende que a adoção do escabinato se presta a garantir

a correta aplicação do Direito Penal Militar. Com efeito, a decisão, tomada pela

maioria dos votos, é resultante da aliança entre o conhecimento do Juiz togado,

possuidor de formação jurídica; e a experiência dos Juízes militares, leigos em

sua maioria, mais familiarizados com a vida castrense. Dessa forma,

possibilita-se uma melhor compreensão das circunstâncias que cercam o crime

e, consequentemente, um julgamento mais justo.

Sobre o escabinato, afirma Ricardo Vergueiro Figueiredo:

O que se quer enfatizar aqui, é que as inúmeras particularidades que envolvem a vida militar, estruturada na hierarquia e disciplina, cujos integrantes estão sujeitos ao rigoroso cumprimento de suas obrigações e ordens, estão a justificar a existência de uma justiça especializada arquitetada na forma de escabinato. Tais julgadores, juízes militares e juízes togados, por estarem mais acostumados às peculiaridades da caserna, poderão com maior sensibilidade e facilidade aferir os valores que são colocados volta e meia em discussão no âmbito da sociedade militar (que é bem diferente da

12 As exceções à regra encontram-se previstas no art. 11, caput, da Lei n.º 8.457/92, que dispõe:Art. 11. A

cada Circunscrição Judiciária Militar corresponde uma Auditoria, excetuadas as primeira, segunda, terceira e décima primeira, que terão:

a) a primeira: 4 (quatro) Auditorias; b) a terceira três Auditorias;

(16)

vida civil), entregando a tutela jurisdicional de forma verdadeiramente límpida e equânime.13

A respeito da composição mista, prossegue o autor:

Reforçamos a ideia de que a forma de escabinato existente na Justiça Militar é absolutamente imprescindível e fundamental para a entrega da tutela jurisdicional, pois permite que cada situação fática seja analisada tanto sob o prisma das peculiaridades da vida militar, que certamente não serão esquecidas diante da vivência e da prática dos juízes militares, quando do ponto de vista técnico-jurídico, este último intrínseco à pessoa do juiz togado.14

Ainda acerca do escabinato, afirma Patrícia Silva Gadelha:

A Justiça Militar da União é uma justiça especializada na aplicação da lei a uma categoria especial, a dos militares federais - Marinha, Exército e Aeronáutica, bem como aos civis que pratiquem crimes militares, os quais estão definidos no Código Penal Militar.

Veja-se que não se trata de um juízo de exceção. Mas, ao contrário, de uma justiça especializada, mista, composta de Juízes civis e militares (regime de escabinato), que busca, com isso, harmonizar a experiência adquirida pelos Juízes militares na caserna com os conhecimentos jurídicos do Juiz-Auditor (civil) quando da aplicação da lei penal militar ao caso concreto.

[...]

Como já foi mencionado, os Juízes-Auditores (civis), os quais integram o quadro da Magistratura por meio de concurso público, não julgam sozinhos. Sua atuação individual dá-se até o recebimento da denúncia. Instaurada a ação penal, passa-se ao sorteio do Conselho Especial de Justiça ou à convocação do Conselho Permanente de Justiça.

Os Juízes militares dos Conselhos Especial e Permanente são sorteados dentre Oficiais de carreira, da localidade onde está sediada a Auditoria, com vitaliciedade assegurada.15

A segunda instância da Justiça Militar da União é representada pelo

Superior Tribunal Militar. Da mesma forma que os Conselhos de Justiça,

assume a forma de escabinato, consoante se depreende do conteúdo do art.

123, parágrafo único, I e II, do texto constitucional vigente. Com efeito, o

mencionado Tribunal é composto por Ministros civis, provenientes dos quadros

das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), não necessariamente

13 FIGUEIREDO, Ricardo Vergueiro. O Escabinato na Justiça Militar e o Julgamento na Primeira

Instância. In RAMOS, Dircêo Torrecillas Ramos, ROTH, Ronaldo João, COSTA, Ilton Garcia da (Org.).

Direito Militar: Doutrina e Aplicações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011, p. 854.

14 Idem, p. 856.

15 GADELHA, Patrícia Silva. Entendendo a Competência e a Importância da Justiça Militar da

União. Disponível em http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=1102. Acesso em

(17)

bacharéis em Direito; e por Ministros togados, oriundos da advocacia, do

Ministério Público Militar ou da magistratura. Assim, nas primeira e segunda

instâncias, a decisão que julga o crime militar será produto do conhecimento

jurídico dos Juízes togados e da experiência profissional dos Juízes militares.

Não é demais lembrar que o Superior Tribunal Militar possui

competência originária para decidir pela perda do posto e da patente dos

oficiais das Forças Armadas, conforme o art. 142, §§ 3º e 4º, da Texto Maior.

1.2.2 Justiça Militar dos Estados

A Justiça Militar estadual está prevista no art. 125, §§ 3º a 5º, da

Constituição Federal de 1988, colacionado abaixo:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

[...]

§ 3º A lei estadual poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça, a Justiça Militar estadual, constituída, em primeiro grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau, pelo próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes.

§ 4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças.

§ 5º Compete aos juízes de direito do juízo militar processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de Justiça, sob a presidência de juiz de direito, processar e julgar os demais crimes militares.

No plano estadual, os jurisdicionados da Justiça Castrense são

somente os membros da Polícia Militar e os integrantes do Corpo de

Bombeiros Militares que venham a praticar crime militar. Os civis que venham a

cometê-lo devem ser julgados em âmbito federal, conforme já aludido

anteriormente.

Em primeira instância, a Justiça Militar dos Estados é composta

(18)

monocraticamente, os crimes militares praticados contra civis e as ações

judiciais contra atos disciplinares militares; e pelos Conselhos Permanente e

Especial de Justiça (cada qual composto por um Juiz de Direito do juízo militar

e quatro Juízes militares, ou seja, em escabinato), que processam e julgam,

respectivamente, as praças nos delitos militares e os oficiais da Polícia Militar e

do Corpo de Bombeiros Militares nos crimes militares.

Há um único crime militar cuja apreciação foge da esfera de

competência da Justiça Militar: o de homicídio doloso praticado contra civil, que

deve ser julgado pelo Tribunal do Júri, segundo a inteligência do art. 125, § 4º,

da Constituição Federal de 1988. O crime militar de homicídio culposo

cometido contra civil e o de homicídio doloso ou culposo praticado contra

militar, por sua vez, devem ser processados na Justiça Militar dos Estados.

No que se refere à segunda instância, consoante o art. 125, § 3º, da

Carta Maior, a Justiça Militar estadual é representada pelo Tribunal de Justiça

Militar ou, onde este não se fizer presente, pelo Tribunal de Justiça.

Atualmente, o Tribunal de Justiça Militar se encontra instalado apenas em São

Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, embora várias outras unidades

federativas possuam mais de vinte mil integrantes no efetivo militar.

Ao contrário do que ocorre em relação aos Tribunais de Justiça, os

Tribunais de Justiça Militar adotam o escabinato, uma vez que são compostos

por quatro Juízes militares, originários do Corpo de Bombeiros Militares e da

Polícia Militar; e por três Juízes togados, provenientes da advocacia, do

Ministério Público da unidade federativa e da magistratura.

Ressalte-se que, da mesma maneira que sucede no plano federal,

no âmbito estadual, ao órgão de segunda instância cabe, originariamente,

decidir pela perda do posto e da patente dos oficiais sujeitos à sua jurisdição.

1.3 Crime militar: conceito e critérios determinantes

A Justiça Militar tem competência preponderantemente criminal.

Inobstante julgue ações de natureza cível, a maioria das demandas submetidas

ao seu crivo está relacionada à prática de crimes militares.

O crime militar consiste na ação ou na omissão que acarreta lesão a

(19)

transgressão disciplinar no que concerne à intensidade de violação do bem

jurídico. Enquanto o crime militar se caracteriza por uma afronta acentuada aos

referidos valores, a transgressão disciplinar configura uma lesão mais branda.

Na lição de Jorge César de Assis:

Crime militar – é toda violação acentuada ao dever militar e aos valores das instituições militares. Distingue-se da transgressão disciplinar porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e simples. A relação entre crime militar e transgressão disciplinar é a mesma que existe entre crime e contravenção.16

Cinco são os critérios de que a doutrina pátria se utiliza para definir o

crime militar, quais sejam, ratione materiae (em razão da matéria), ratione

personae (em razão da pessoa), ratione loci (em razão do lugar), ratione

temporis (em razão do tempo) e ratione legis (em razão da lei).

Segundo o critério ratione materiae (em razão da matéria), no crime

militar, a qualidade militar está presente no ato e no sujeito.

Conforme o critério ratione personae (em razão da pessoa), o delito

é militar quando o sujeito ativo é militar. Tal critério se mostra superado, pois é

perfeitamente possível que o civil pratique crime militar.

O critério ratione loci leva em consideração o lugar do crime. Assim,

considera-se militar o delito cometido em área sujeita à administração militar,

pouco importando a condição pessoal do sujeito ativo.

De acordo com o critério ratione temporis (em razão do tempo), o

crime é caracterizado como militar quando cometido em determinado época,

em tempo de paz ou em tempo de guerra.

Pelo critério ratione legis (em razão da lei), é militar o crime definido

em lei como tal. Trata-se do critério adotado pela legislação. Com efeito, será

militar o crime que o Código Penal Militar assim considerar.

Ione de Souza Cruz e Cláudio Amin Miguel dissertam:

São diversas as definições sobre o crime militar, porém, seguindo o critério estabelecido pela Lei Maior, podemos conceituá-lo, de forma simples e objetiva, como sendo todo aquele definido em lei.

16

(20)

O art. 124 da CR dispõe que “à Justiça Militar compete processar e julgar crimes militares definidos em lei”, ou seja, cabe ao legislador ordinário fixar os critérios para definir o crime militar. Essa lei é o Código Penal Militar, especificamente nos seus artigos 9º (tempo de paz) e 10 (tempo de guerra). Tais dispositivos são o “coração” da legislação penal militar.17

Os crimes militares estão definidos nos arts. 9º e 10 do Código

Penal Militar. Convém salientar que, embora seja majoritariamente aceito pela

doutrina o critério ratione legis, poderá este mostrar-se associado a algum dos

outros critérios mencionados anteriormente.

Tome-se como exemplo o art. 9º, II, b, do Código Penal Militar, que

dispõe ser crime militar em tempo de paz o crime previsto no citado diploma

legal, praticado por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar

sujeito à administração militar, contra militar da reserva, reformado,

assemelhado ou civil. No dispositivo em comento, há menção aos critérios

ratione legis, ratione personae e ratione loci.

Assim, para que o crime seja militar, é necessário que sejam

preenchidos três requisitos: a um, deve a conduta praticada estar prevista na

Parte Especial do Código Penal Militar; a dois, tem de restar presente alguma

das hipóteses enumeradas nos arts. 9º e 10 do mesmo diploma legal; a três,

por fim, faz-se necessário verificar se a Justiça Militar tem competência para

julgar o sujeito ativo da conduta praticada.

17 CRUZ, Ione de Souza; MIGUEL, Cláudio Amin. Elementos de Direito Penal Militar. Parte Geral. 2.

(21)

2 O PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS

No âmbito de um Estado Democrático de Direito, a necessidade de

motivação das decisões constitui-se em um pressuposto da limitação dos atos

praticados pela autoridade judiciária. Com efeito, a fundamentação dos

provimentos emanados, aliada à publicidade destes, permite o exercício do

controle popular sobre a atividade jurisdicional.

Admitir, como se fazia durante o Antigo Regime, a dispensabilidade

de fundamentação das pronunciamentos emanados dos membros do Poder

Judiciário é permitir arbitrariedades. A necessidade de elaboração de um

discurso justificativo nas decisões judiciais consiste numa arma de que o

ordenamento jurídico se utilizou para controlar a subjetividade do julgador, que

deve atuar em conformidade com os preceitos legais.

Sobre o tema, aduz José Carlos Fragoso:

A motivação da sentença é exigência de todas as legislações modernas, onde exerce, como diz FRANCO CORDEIRO (“Procedura Penale”, 1966, p. 615), função de defesa do cidadão contra o arbítrio do juiz. De outra parte, a motivação constitui também garantia para o Estado, pois interessa a este que sua vontade superior seja exatamente aplicada e que se administre corretamente a justiça. O juiz mesmo, protege-se, mediante o cumprimento da obrigação de motivar a sentença, contra a suspeita de arbitrariedade, de parcialidade ou de outra injustiça. (MANZINI, “Tratado de Derecho Procesal Penal”, trad., vol. IV, p.490). Já NUVOLONE assinala que o controle de motivação por parte do juiz torna-se um problema de garantias e, pois, lato sensu, de legalidade, de modo que em alguns ordenamentos (entre eles o italiano), a Corte de Cassação se arroga o dever de controlar não é só existência, mas também a logicidade da motivação.18

O presente capítulo tratará da origem e do conceito do princípio da

fundamentação das decisões judiciais, e, ao final, serão analisados os vícios

que podem macular o referido postulado constitucional.

2.1 Origem

A mais remota menção à fundamentação das decisões judiciais é

encontrada no direito canônico. A decretal Sicut nobis, escrita pelo papa

18 FRAGOSO, José Carlos. Sobre a necessidade de fundamentação das sentenças. Disponível em

(22)

Inocêncio III, defendia a validade da sentença não fundamentada. À época,

presumia-se que os provimentos, quando emanados pelas autoridades

judiciárias, estavam imunes a qualquer espécie de vício.19

A partir do século XIII, surgiram os primeiros pronunciamentos que

traziam, em seu bojo, os respectivos motivos. Estes faziam referência,

geralmente, ao conteúdo de determinado documento, ao depoimento de

alguma testemunha e à confissão de uma das partes.

Antônio Magalhães Gomes Filho afirma que, à época, a

fundamentação:

[...] não se destinava ao esclarecimento das partes, nem ao controle da opinião pública, mas atendia basicamente à necessidade de construir um sistema jurídico dotado de alguma certeza, diante da dispersão das fontes normativas; propiciava, assim, de forma ainda incipiente, a formação de um conjunto de precedentes.20

Durante o Absolutismo, a prática de motivar os provimentos não

vingou. Como o rei e os agentes que agiam em seu nome se viam como os

representantes de Deus na Terra, não se achavam no dever de fundamentar as

decisões que proferiam, fato que, conjugado à inexistência do dever de

publicidade, dava origem a julgamentos arbitrários.

Antônio Magalhães Gomes Filho disserta:

Sob um primeiro aspecto, essa postura pouco diferia da lógica inerente aos juízos de Deus: se o rei exercia os seus poderes terrenos “por graça de Deus”, nada mais natural que no exercício desses mesmos poderes ele e seus agentes estivessem isentos de dar qualquer justificação de seus atos. O limite do arbítrio judicial não era assim jurídico, mas simplesmente moral, inscrevendo-se a função de julgar dentro do quadro da moral cristã.

De outro lado, de um ponto de vista mais prático, a indeterminação dos motivos, conjugada ao segredo do procedimento, ao mesmo tempo que conferia a mais ampla liberdade do juiz, aumentando o seu poder e prestígio, atendia também aos interesses da monarquia em fazer aparecer quanto menos as razões de uma decisão, para evitar que os prejudicados pudessem discutir eventuais contradições entre julgamentos diferentes de uma mesma questão.21

19 GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A Motivação das Decisões Penais. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2001, p. 52. 20 Idem, pp. 53-54.

21

(23)

No decorrer do século XVIII, os filósofos iluministas, principalmente

Montesquieu, defenderam a necessidade de fundamentação das decisões

como forma de a sociedade controlar o exercício do poder do juiz. Durante o

Antigo Regime, a inexistência de previsão legal referente ao dever de motivar

deu ensejo ao surgimento de pronunciamentos contrários às normas então

vigentes, o que passou a ser contestado pelos estudiosos. Estes exigiam o

cumprimento dos mandamentos legais.

Veja-se, mais uma vez, a lição de Antônio Gomes Magalhães Filho:

Os reclamos de um controle sobre a atuação dos magistrados tem que ver, igualmente, com as teses de Montesquieu sobre a divisão de poderes e ainda, por influência sobretudo de Locke e Rousseau, com a idéia de supremacia do Poder Legislativo, pois este é o único a ser exercido diretamente pelos representantes do povo. Para a doutrina iluminista, na sua vertente liberal e democrática, o primado da lei decorre não somente do fato de ser expressão da vontade popular soberana, mas também porque a lei, geral e certa, representa a garantia dos direitos individuais.

É com base nessas premissas que Montesquieu desenvolve sua teoria sobre a atividade judicial, afirmando que no governo republicano é da própria natureza da sua constituição que os juízes sigam a letra da lei. Os juízes não são senão a “bouche qui prononce les paroles de la loi”; em resumo, seres inanimados que não podem moderar nem a força nem o rigor do que dispôs o legislador.

Percebe-se, daí, a íntima relação entre o dever de motivar e a concepção de supremacia da lei legada pelo iluminismo: se a lei constitui expressão da vontade popular soberana, nada mais consentâneo com isso que o dever que tem o juiz de demonstrar à opinião pública, à sociedade, enfim, que suas decisões estão apoiadas nos textos legais.22

O princípio da motivação das decisões judiciais, que é decorrente do

postulado do devido processo legal, tem sua origem nos ideais iluministas.

Trata-se de uma garantia constitucional, pois possibilita que as partes e a

sociedade controlem a subjetividade do julgador.

2.2 Conceito

O princípio da fundamentação das decisões judicias está insculpido

no art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988. Reza tal dispositivo que “todos

os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e

fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar

22

(24)

a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou

somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do

interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação”.

A norma transcrita acima impõe ao magistrado o dever de analisar

todas as questões de fato e de direito ventiladas no decorrer do processo. O

juiz tem de expor os motivos pelos quais acolhe ou rejeita o pedido formulado

pelo autor, isto é, está obrigado a revelar as razões do seu convencimento.

Trata-se de um requisito de validade dos atos decisórios.

Como garantia política, a motivação tem como destinatária a

sociedade. Esta tem a faculdade de verificar se a atividade jurisdicional é

prestada adequadamente. Em outras palavras, o povo possui o direito de

conferir a justiça da decisão, o conhecimento técnico-jurídico do magistrado,

bem como a imparcialidade deste. Esse controle externo consiste na função

extraprocessual do princípio em comento.

Com propriedade, ensina Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró:

A motivação confere “transparência” à decisão judicial, permitindo um controle generalizado e difuso sobre o modo pelo qual o juiz administra a justiça. Sob este aspecto, não é uma garantia exclusiva das partes, ou de seus advogados ou mesmo dos juízes dos tribunais, mas principalmente da opinião pública. Destina-se, portanto, a quisque de populo.

É através da motivação que qualquer do povo poderá controlar a legalidade da decisão, a imparcialidade do juiz, enfim, a justiça do julgamento. Em suma, é a motivação uma garantia de controle democrático sobre a administração da justiça23.

No mesmo diapasão, defende José Carlos Vasconcellos dos Reis:

Eis aí o fundamento republicano e democrático na imposição constitucional de motivação das decisões judiciais, que não podemos perder de vista, porque ele está ligado à própria legitimidade do Poder Judiciário. Uma instituição não pode ser considerada antidemocrática só porque não provém de eleição popular. No caso do Judiciário, a motivação das decisões é instrumento de controle do

arbítrio e do “decisionismo”. Cumpre, assim, um papel

extraprocessual, ao tornar a decisão compreensível para o cidadão, em cujo nome é administrada a Justiça. Os juízes devem laborar com a consciência de que o destinatário do seu discurso – i.e. o seu interlocutor – é a sociedade como um todo. E, por isso, a fundamentação das decisões judiciais – especialmente nos chamados casos difíceis (hard cases) – deve ser densa de tal modo

23 BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Vícios de Motivação da Sentença Penal. Revista Brasileira

(25)

que qualquer cidadão, lendo o acórdão ou a sentença, fique convencido de que aquela decisão foi a mais acertada. Isso conduz à crença de que ele estará em boas mãos caso precise recorrer algum dia ao Judiciário. Aí reside um imperativo de confiança no Direito e na Justiça que não pode ser descurado jamais.24

Na qualidade de garantia processual, a fundamentação permite que

as partes tomem conhecimento dos pressupostos de que o juiz se utilizou para

proferir determinado provimento. Ademais, por meio da explicitação das

questões suscitadas durante a demanda, será possível o manejo do adequado

recurso. Assume a motivação, nesse ínterim, função endoprocessual.

Nesse jaez, leciona Marcela Harumi Takahashi Pereira:

Na qualidade de garantia para a efetividade do duplo grau de jurisdição – um outro exemplo –, a fundamentação é indispensável, a fim de que a parte avalie eficazmente a conveniência de impugnar o julgado, inclusive cotejando as razões nele adotadas e a jurisprudência do juízo superior, e a fim de que, concluindo ser conveniente, sirva-se dos fundamentos como uma referência para a elaboração de críticas no recurso (GOMES FILHO, 2001, p. 103).25

Como se percebe, tem o princípio em apreço a finalidade de evitar a

prática de arbitrariedades pelo Estado-juiz. Afinal, as partes e a coletividade

observam, ao terem acesso ao discurso justificativo, se foi este elaborado com

fulcro nas regras e nos princípios constantes do nosso ordenamento jurídico, e

não com esteio nas intuições e nas meras opiniões do magistrado.

Esse acesso a que o parágrafo anterior se refere só é possível,

obviamente, se houver a publicidade dos atos decisórios. Não basta que a

decisão seja fundamentada; a ela deve ser conferida, também, publicidade. Por

meio desta, os pronunciamentos dos magistrados podem ser controlados.

Eis a lição de Carlos Eduardo Scheid acerca da relação existente

entre a fundamentação e a publicidade:

Serve a motivação como garantia da publicidade dos atos processuais. E, de outro curso, a publicidade serve como garantia do controle da motivação. Ao que se afigura, existe, entre a publicidade e a motivação, uma relação recíproca de instrumentalidade, qual se

24

REIS, José Carlos Vasconcellos dos. Constituição e Processo: o Dever de Motivação das Decisões Judiciais à Luz do Princípio Democrático. Revista da Faculdade de Direito Cândido Mendes: Nova

Série. Vol. 1. Rio de Janeiro: UCAM, FDCM, 1996, p. 224.

25 PEREIRA, Marcela Harumi Takahashi. Direito à Fundamentação das Decisões Judiciais. Revista de

(26)

funda, essencialmente, na possibilidade de comunicação entre o atuar processual e a sociedade. Em visão simplista, é possível ver-se essa dita relação instrumental nestes moldes: por um lado, apenas se pode dar publicidade a uma decisão motivada; e, de outro ângulo, o controle da (validade ou invalidade) da motivação tão-só pode ser levado a efeito caso a decisão seja publicada. Ou seja: a motivação garante a possibilidade de a decisão (com seus motivos e fundamentos) ser publicada; e a publicidade, de sua vez, viabiliza o controle da atividade jurisdicional por parte da sociedade, das partes e dos órgãos jurisdicionais superiores. Dessa arte, cuida-se de garantias de segundo grau (garantia das garantias) que se encontram, em grande medidas, entrelaçadas, necessitando uma da outra para exercerem a seu papel garantista, sendo ambas essenciais em um Estado que se queira democrático.26

Tal é a razão por que, nos Estados autoritários, as decisões são

arbitrárias. Neles, o exercício do poder jurisdicional não se dá de maneira

transparente, o que inviabiliza qualquer controle de validade dos provimentos

emanados pelos membros do Poder Judiciário.

2.3 Vícios

Passa-se, neste momento, à análise dos vícios suscetíveis de

impedir que as partes do processo, os eventuais terceiros que nele atuam e a

sociedade deixem de compreender as razões pelas quais a autoridade

judiciária profere determinado ato decisório.

2.3.1 A ausência de motivação

A inexistência de motivação, considerada o mais grave dos vícios,

verifica-se quando a autoridade judiciária se exime do dever constitucional de

expor as razões pelas quais proferiu determinado provimento.

A violação ao referido dever se manifesta não só nos casos em que

o magistrado omite, completamente, os motivos de fato e de direito que

influenciaram o seu convencimento, mas também nas hipóteses em que se

vale de fórmulas ou enunciados genéricos, desprovidos de qualquer conteúdo,

para solucionar o conflito submetido ao seu crivo.

26 SCHEID, Carlos Eduardo. A Motivação das Decisões Penais a Partir da Teoria Garantista. Porto

(27)

Gustavo Badaró afirma que a ausência de motivação pode ser total

ou parcial, a saber:

A ausência de motivação é o vício mais grave que pode atingir a sentença, sob a ótica de sua fundamentação. A ausência ou carência de motivação pode ser total, isto é, a sentença não possui qualquer fundamentação, ou seja, falta uma parte da sentença. Não há qualquer menção aos fundamentos. Na verdade, haveria apenas a decisão, sem as razões de decidir.

Pode ocorrer, no entanto, a ausência parcial de motivação. Nesse caso, que é o mais freqüente, embora a sentença apresente fundamentação sobre determinadas questões, não exaure o campo decisório, deixando de motivar uma ou mais questões que exigiam fundamentação. Mesmo que a sentença traga motivação de vários pontos, se o juiz se omite em expor os motivos relativos a um capítulo da sentença ou um ponto da decisão, haverá ausência de motivação.27

Fácil é perceber que, como são prolatadas com fulcro na vontade

pessoal do juiz, e não com esteio nos elementos que se encontram nos autos,

as decisões carecidas de motivação prejudicam o contraditório e a ampla

defesa. Afinal, impede-se que o réu avalie se as alegações e os meios de

prova de que se utilizou foram examinados pelo julgador.

2.3.2 A motivação incompleta

O juiz, ao fundamentar a decisão, tem de enfrentar todas as

questões de fato e de direito suscitadas durante o demanda. Em outras

palavras, todos os temas ventilados no decorrer do processo devem ser

analisados pelo julgador. Caso contrário, a motivação será incompleta.

Antônio Magalhães Gomes Filho, a respeito do tema, pondera:

[...] devem ser necessariamente objeto de justificação todos os elementos estruturais de cada particular decisão, como a escolha e interpretação da norma, os diversos estágios do procedimento de verificação dos fatos, a qualificação jurídica destes etc., bem como os critérios (jurídicos, hermenêuticos, cognitivos, valorativos) que presidiram as escolhas do juiz em face de cada um desses componentes estruturais do procedimento decisório.28

27 Ibidem, pp. 127-128.

28

(28)

Trata-se de um vício que compromete a integridade, que consiste

num dos requisitos da motivação. Com efeito, o princípio da fundamentação

das decisões judiciais, insculpido no art. 93, IX, da Constituição Federal de

1988, impõe não só que qualquer provimento judicial deve ser motivado, mas

também que todo o provimento deve ser examinado.

Ainda conforme o ensinamento de Antônio Magalhães Gomes Filho:

Assim, ainda que não se possa estabelecer in abstracto um modelo estrutural de decisão e de motivação que indique exaustivamente todos os pontos nos quais a justificação é necessária, num primeiro esboço é viável sugerir que tal estrutura é determinada pelos próprios textos legais que disciplinam o tema objeto da decisão, com as possíveis opções que possam surgir a propósito da identificação da norma, sua interpretação, e sua ulterior utilização para qualificar os fatos da causa, pelos dados probatórios existentes nos autos – ou que deveriam existir –, para o acertamento dos fatos e, principalmente, tanto na apreciação da matéria de direito como na de fato, pelos pedidos e alegações das partes.29

Assim sendo, sob pena de incorrer em tal vício, o magistrado tem os

deveres de justificar os motivos pelos quais não acolheu as postulações

formuladas pelas partes, demonstrar a maneira como valorou as provas

carreadas aos autos e expor as razões que o conduziram a prolatar a decisão.

2.3.3 A motivação não-dialética

Em juízo, autor e réu buscam interesses antagônicos ou divergentes

entre si. Em virtude disso, após a atuação de uma das partes, deve ser

conferida à outra a oportunidade para manifestar-se, sob pena de restar violado

o princípio do contraditório, previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal de

1988. É por meio deste que a dialeticidade se opera.

Pode ocorrer de a autoridade judiciária, ao fundamentar determinada

decisão, ignorar argumentos, provas ou dados fornecidos pelas partes, em

notória afronta ao mencionado postulado constitucional. Quando isso se

verifica, diz-se que a motivação é não-dialética.

29

(29)

Nesse ínterim, explica Carlos Eduardo Scheid:

A decisão, em verdade, deve ter visos de dialeticidade, na medida em que se mostra indispensável à análise de todos os pontos alçados à discussão pelas partes. É, por isso, que se afirma ser uma decisão motivada apenas nos casos nos quais o magistrado evidencie ter sopesado/avaliado todas as contribuições geradas a partir e dentro do contraditório, principalmente no que pese às atividades defensivas, as quais “objetivam efetivamente provocar a decisão sobre uma questão pertinente à discussão da causa e que resultam, portanto, na ampliação da atividade cognitiva judicial”. Assim, a motivação deve alcançar todas as provas e argumentos defensivos trazidos ao processo. Pensa-se que esse entendimento prevê a ampla defesa, o contraditório, o devido processo legal e a garantia de motivação das decisões judiciais), de modo que o juiz deve observar o conjunto principiológico constitucional para legitimar a sua atuação.30

No mesmo sentido, entende Antônio Magalhães Gomes Filho

[...] a estrutura dialética do processo não pode deixar de refletir no julgamento, na medida em que as atividades dos participantes do contraditório só têm significado se forem efetivamente consideradas na decisão. Daí a correspondente exigência de que a motivação possua um caráter dialógico, capaz de dar conta da real consideração de todos os dados trazidos à discussão da causa pelas partes.31

A motivação não se presta, apenas, a explicitar os elementos que

formaram o convencimento judicial, mas também a demonstrar que todas as

informações presentes nos autos foram analisadas pelo magistrado. Isso é

imprescindível para que as partes, como uma das destinatárias da decisão,

constatem se a atividade cognitiva foi realizada de forma exauriente.

2.3.4 A motivação contraditória

A contradição se manifesta não só quando os argumentos presentes

na motivação são incompatíveis entre si (contradição interna), como também

quando inexiste coerência entre a fundamentação e a parte dispositiva do

conteúdo decisório (contradição externa). Na segunda hipótese, se a

contradição for dolosa, tem-se a sentença suicida.

30 Ibidem, p. 142.

31

(30)

O vício em comento compromete a clareza da decisão e pode ser

sanado por meio de embargos de declaração, recurso a ser oposto perante o

órgão prolator da provimento que se impugna.

2.3.5 A motivação implícita

Na motivação implícita, há uma relação lógica entre o que foi

expressamente abordado pelo autoridade judiciária em seu discurso

justificativo e o que deveria ter sido abordado, mas não foi. Assim, os

argumentos de que o juiz se utiliza para justificar a adoção de uma tese se

prestam, implicitamente, para refutar a escolha uma outra questão.

Confira-se o magistério de Carlos Eduardo Scheid:

[...] alguns julgadores afirmam que o juiz agasalha uma tese jurisdicionalmente e refuta a outra de maneira implícita, sendo que, nesse procedimento, há a análise conjunta de todos os dados. Ou seja: ao escolher um argumento, o juiz não precisaria analisar, frontalmente, os outros levantados pelas partes, pois quando escolhe um, refuta os demais de modo implícito, ocorrendo, como se disse, uma análise conjunta da integralidade dos aspectos apresentados à decisão. Acrescenta-se, ainda, à linha exposta, a indispensabilidade de uma relação entre as questões efetivamente analisadas e as implicitamente resolvidas.32

Veja-se o exemplo dado por Antônio Magalhães Gomes Filho:

Tome-se como exemplo o acolhimento fundamentado da pretensão de uma das partes: é possível dizer que nesse caso a justificação apresentada contém, implicitamente, as razões do indeferimento de pretensão contrária formulada pela outra parte; mas isso só ocorrerá quando a decisão se limitar às escolha entre duas alternativas – uma excluindo a outra por absoluta incompatibilidade e propiciando assim o aproveitamento a contrario da mesma justificação. Em outras situações, em que existam alternativas diversas, não necessariamente contrapostas no plano lógico, esse aproveitamento será inviável, pois o silêncio sobre essas outras alternativas abrirá espaço a dúvidas e incertezas sobre os motivos do apontado indeferimento.33

A motivação implícita não encontra guarida no ordenamento jurídico

pátrio, pois o juiz, ao apreciar o caso concreto, deve manifestar-se,

explicitamente, sobre todas as questões de fato e de direito suscitadas no

32 Ibidem, p. 145.

33

(31)

decorrer do processo. Não se admite que o magistrado acolha, expressamente,

determinada tese e refute, consequentemente, as demais de maneira implícita.

Falar implicitamente é o mesmo que não falar.

Nesse sentido, leciona Carlos Eduardo Scheid:

Ora, admitir-se isso é reconhecer que a decisão esboça, em seu discurso, determinadas lacunas, pontos omissos. Em face disso, cumpre-se questionar: será que a Constituição Federal, em seu artigo 93, IX, considera valida uma motivação lacunosa? Será que essa motivação satisfaz a necessidade/exigência de as partes (e também a sociedade) conhecerem e avaliarem as atividades do Poder Judiciário? Será que uma motivação vazia legitima o exercício de poder por parte do juiz, mormente no direito penal e processual penal, que lidam com restrições às liberdades individuais? Indubitavelmente – levando-se em linha de conta a necessidade de uma leitura constitucional do processo penal – a resposta, para todas essas perguntas, só pode ser uma: não! Pensa-se ser óbvio que não! Impossível admitir-se a denominada motivação implícita, e isso sobremaneira no processo penal.34

A não-admissão da motivação implícita tem sua razão de ser. Com

efeito, o vício em comento acarreta prejuízo não só às partes, que se vêem

impossibilitadas de compreender o modo como o juiz apreciou todos os

argumentos e todo o manancial probatório por elas levados ao processo; e à

sociedade, que, por não ter conhecimento de todas as questões ventiladas

pelas partes no curso da marcha processual, tampouco da apreciação judicial

que sobre elas recaiu, mostra-se incapacitada de fiscalizar a justiça da decisão.

2.3.6 A motivação per relationem

Não raras vezes, a autoridade judiciária, ao expor as razões de seu

convencimento, limita-se a fazer menção à fundamentação abordada em outro

documento. Assim, em vez de examinar, pormenorizadamente, as questões

que cercam determinado conflito, o magistrado faz remissão à motivação

presente em ato decisório prolatado anteriormente.

34

(32)

Carlos Eduardo Scheid, com propriedade, ensina:

[...] na motivação per relationem, existe uma inversão cronológica da motivação, porquanto a motivação do ato já havia se concretizado em momento anterior à perfectibilização do ato judicial em si.35

No mesmo sentido, aduz Gustavo Badaró:

A motivação per relationem também não é uma forma de motivação válida. Mesmo nas hipóteses em que tem sido aceita tal forma de motivação, quando o acórdão se limita a confirmar a sentença impugnada, ou quando as razões de recurso são meras repetições de argumentos já utilizados nas alegações finais, tem sido exigido que o julgador analise todo os argumentos, ainda que venha a rejeitá-los. Todavia, mesmo nesses casos, embora a motivação per relationem atenda à finalidade endoprocessual, não permite o controle popular da decisão, sendo inaceitável por violação da garantia constitucional em seu aspecto extraprocessual.36

A modalidade per relationem se verifica, por exemplo, quando o

juízo ad quem, na fundamentação do acórdão, sem explanar o porquê de haver

rejeitado as alegações contidas no recurso, adota as mesmas razões de que o

juízo a quo lançou mão para prolatar a decisão recorrida.

É indubitável que tal técnica dificulta o controle popular sobre a

atuação do membros do Poder Judiciário. Afinal, o documento a que o juízo

prolator da decisão se reporta nem sempre se mostra acessível aos cidadãos,

fato que os impede de fiscalizar a prestação da atividade jurisdicional. A

despeito disso, a motivação per relationem é comumente utilizada,

principalmente por motivos de celeridade processual.

De forma clara, pontua Marcelo Lopes Barroso:

A motivação per relationem tem sido utilizada na prática forense como mecanismo de aceleração dos julgamentos, de forma a evitar a exposição de densa fundamentação sobre a análise de uma matéria já debatida. Inegável o comodismo que essa técnica representa ao julgador, todavia, não pode ser considerada verdadeiramente como motivação, apenas como reforço argumentativo do autor da decisão, uma ferramenta auxiliar, nunca exclusiva.37

35

Ibidem, p. 147. 36 Ibidem, pp. 139-140.

37 BARROSO, Marcelo Lopes. A motivação das decisões judiciais no processo penal militar.

(33)

O dever de fundamentar cabe ao julgador, e não a terceiros alheios

à demanda, de sorte que é inconcebível a utilização da motivação per

relationem sob o pretexto de extirpar a morosidade da máquina judiciária,

(34)

3 A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES NA JUSTIÇA MILITAR

O art. 93, IX, da Constituição Federal de 1988 exige que os atos

decisórios sejam devidamente fundamentados, sob pena de nulidade. A

despeito disso, o Código de Processo Penal Militar e a Lei de Organização

Judiciária Militar não conferem tal dever constitucional aos Juízes Militares.

Dessa forma, estes podem, simplesmente, manifestar-se pela condenação ou

pela absolvição do acusado, sem que seja necessária qualquer motivação,

assemelhando-se aos jurados do Tribunal do Júri.

Ressalte-se, ainda, que esses diplomas infraconstitucionais atribuem

ao Juiz-Auditor a incumbência de redigir a sentença, seja o seu voto vencedor

ou vencido. Ao assim chancelarem, ferem o postulado da independência do

magistrado. Se é sabido que a explicitação das razões do convencimento é

uma tarefa personalíssima, como se justifica a competência que o Juiz togado

tem de motivar a decisão quando seu voto é vencido?

O presente capítulo dedicar-se-á ao estudo do modelo de

julgamento adotado pelo Conselho de Justiça e, em seguida, fará uma

abordagem a respeito dessa forma de julgar à luz do Texto Maior.

3.1 Análise do art. 438 do Código de Processo Penal Militar

Na Justiça Militar, em primeira instância, o julgamento é realizado

pelos órgãos colegiados, compostos, cada qual, por um Juiz-Auditor,

previamente aprovado em concurso de provas e títulos; e quatro Juízes

Militares, sorteados dentre os oficiais em serviço ativo. Essa composição

heterogênea é chamada de escabinato.

Essa composição mista tem sua razão de existir. Com efeito, o

conhecimento técnico-jurídico do Juiz togado (concursado) e a experiência da

vida na caserna dos Juízes Militares permitem, segundo a melhor doutrina, a

melhor aplicação da lei penal militar.

Cícero Robson Coimbra Neves, a respeito do escabinato, pondera:

(35)

aquele(s) que conhece(m) o Direito, o(s) juiz(es) togado(s), alia(m) seu acurado conhecimento ao dos leigos conhecedores das peculiaridades da vida de caserna. Essa realidade é verificada em primeiro grau e, nos Estados possuidores de Tribunal de Justiça Militar, bem como em âmbito federal pelo Superior Tribunal Militar, em segunda instância, formando, na expressão de Hélio Lobo, o juízo composto de “sabres e togas”

[...]

Os julgamentos proferidos pelos juízos colegiados marcados pelo escabinato, possuem características próprias que podem ser ressaltadas como circunstâncias que buscam a maior compreensão do fato sob julgamento, possibilitando assim, a aproximação maior que se pode chegar do senso de justiça.

[...]

Por todos os argumentos evidenciados acerca do escabinato, notório se torna que o Poder Constituinte originário, ao prever o julgamento de crimes militares por um juízo militar, por tradição, tinha por significado um juízo colegiado, formado por “sabres e togas”, isso na busca de um justo julgamento, longe de um julgamento complacente como pretendem os algozes da Justiça Militar.38

A decisão é tomada pela maioria de votos, e cada voto tem peso

idêntico. Primeiramente, cabe ao Juiz-Auditor proferir fundamentadamente o

seu voto. Em seguida, votam os Juízes Militares, em ordem crescente de

antiguidade. Encerrada a votação, caberá ao Juiz-Auditor redigir a sentença,

ainda que, ao final, seu voto seja vencido. Tal é o modelo de julgamento

previsto no Código de Processo Penal Militar, a saber:

Conteúdo da sentença

Art. 438. A sentença conterá:

[...]

c) a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão;

[...]

Redação da sentença

2º A sentença será redigida pelo auditor, ainda que discorde dos seus fundamentos ou da sua conclusão, podendo, entretanto, justificar o seu voto, se vencido, no todo ou em parte, após a assinatura. O mesmo poderá fazer cada um dos juízes militares.

O art. 438, “c”, da Lei Adjetiva Penal Militar impõe que os elementos

fáticos e jurídicos que subsidiam a decisão tomada pelo Conselho de Justiça

38 NEVES, Cícero Robson Coimbra. A reforma da Justiça Militar em face da Emenda Constitucional

nº 45. Disponível em http://www.jusmilitaris.com.br/uploads/docs/inovacoesemenda.pdf. Acesso em

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