Utilizando Realidade Aumentada para o Ensino de
Percepção Musical
Using Augmented Reality for Teaching Musical
Perception
Valéria Farinazzo Martins Faculdade de Computação e Informática
Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo, Brasil
valeria.farinazzo@mackenzie.br
Letícia Gomez
Faculdade de Computação e Informática Universidade Presbiteriana Mackenzie
São Paulo, Brasil
Resumo— No Brasil, há muitas crianças sem acesso à
educação musical porque ela se tornou um curso facultativo nas escolas brasileiras. Sem o contato com o ensino musical, estas crianças têm perdido a capacidade de entender e reconhecer as características do som. Outro fator importante é a falta de software para o ensino de percepção musical. Estes fatos motivaram o desenvolvimento de jogos usando Realidade Aumentada para ensinar as propriedades sonoras, tais como timbre, altura e duração do som. Duas pequenas aplicações foram desenvolvidas para investigar o uso de Realidade Aumentada como ferramenta para ensinar percepção musical para crianças. Testes foram aplicados em 14 crianças e os resultados são apresentados neste trabalho. Também, uma avaliação com uma professora de ensino musical foi realizada e os resultados apresentados.
Keywords—Educação Musical; Percepção Musical; Realidade Aumentada; Jogos Sérios.
Abstract— In Brazil there are many children without access
to musical education, because it became non compulsory subject in Brazilian schools. Without the contact with musical education, these children have lost the capacity to understand and recognize sound features. Also, there is a lack of software for the teaching of musical perception. These facts motivated the development of games using Augmented Reality technology to learn sound properties, such is timbre, pitch and sound duration. Two small applications were development to investigate the use of Augmented Reality as a tool to teach musical perception for children. Tests were applied in 14 children and the results are presented in this work. Also, an evaluation with a specialist musical education was conducted and the results presented.
Keywords—Musical Education; Musical Perception; Augmented Reality; Serious Games.
I. INTRODUÇÃO
Realidade Aumentada (RA) foi indicada pelo Horizon Report [1] como uma das tecnologias que irão revolucionar a educação nos próximos anos. Isto se deve a seu caráter lúdico e a seus recursos interativos, entre outros motivos. O surgimento de aplicações de RA na educação tornou-se possível por vários fatores, entre eles, é possível destacar: barateamento e melhoria do hardware; necessidade de mais interfaces amigáveis para interação com usuários não-especialistas; e a indispensabilidade de trabalhar com outras formas de ensino, utilizando práticas ativas.
Por outro lado, Schafer [2] afirma que a educação musical deve ser dirigida para todas as pessoas e não apenas para aquelas que demonstrarem aptidão. O autor trata do ensino musical como um processo criativo, mas ainda pouco praticado no ensino tradicional.
Neste contexto, na Austrália, a educação musical é distinta da de outros países, como o Brasil, em uma série de maneiras. Seus principais pontos fortes incluem a ideia de que a música deve estar disponível para todas as crianças. A música é identificada como uma área-chave do ensino, separada e importante dentro do currículo escolar [3]. Por outro lado, no Brasil, não há uma educação musical obrigatória nas escolas, o que impulsiona, ainda mais, a perda de percepção sonora/musical nas crianças brasileiras; por exemplo, a intensidade do som é confundida com os botões de volume do rádio.
Ainda são poucos os trabalhos encontrados na literatura que abordam o uso de Realidade Aumentada no campo das Artes [4][5][6][7][8]. Especificamente no ensino musical, isso se torna ainda mais escasso [4] [7] [8].
apresentados neste trabalho. Também foi realizada uma entrevista com uma professora de ensino musical a fim de validar as aplicações.
O trabalho está estruturado da seguinte forma. A seção II apresenta aspectos relacionados à Percepção Musical. A seção III, Trabalhos Relacionados, discorre sobre alguns trabalhos relacionados ao ensino de música com uso de Realidade Aumentada. A seção IV aborda a descrição dos jogos, bem como os aspectos de seu desenvolvimento. Já a seção V, Resultados, discute os testes realizados com as crianças e com a professora de ensino musical. Finalmente, na seção VI são apresentadas as principais conclusões obtidas com o desenvolvimento desta pesquisa, bem como traz os trabalhos futuros.
II. PERCEPÇÃO MUSICAL
De acordo com Schafer [2], música é uma organização de sons, que, através de suas propriedades (ritmo, intensidade, melodia e timbre), tem a intenção de ser ouvida. Assim, música também pode ser descrita como uma imitação da natureza ou de sons do cotidiano e não somente músicas classificadas como erudita, popular ou folclórica.
De acordo com Schafer [2], a consciência dos sons do ambiente ocorre através de muito treinamento. A educação musical proporciona treinamento de pessoas para ser capaz de preservar sons conhecidos e criar novos. Assim, ele deve ouvir, analisar e emitir sons. Ainda, para o autor, a educação musical deve ser constantemente ligada às experiências e descobertas, só assim pode-se obter resultados eficientes. Essas experiências e descobertas devem acontecer muito cedo na infância.
Desta maneira, para que uma pessoa entenda música, é necessário, primeiramente, que ela tenha conhecimento sobre o significado das propriedades sonoras, a saber [2][9][10]:
Altura: refere-se aos sons graves, médios e agudos. Timbre: é a qualidade do som que distingue
instrumentos. É a personalidade do som. Intensidade: é a força com que o som ocorre. Amplitude: é a variação de intensidade do som. Melodia: movimento do som por diferença de
frequências.
Duração: é a variação do tempo do som; seus extremos são: longo e curto.
Utilizando estas propriedades, o compositor é capaz de suscitar respostas emocionais nos seus ouvintes; por exemplo, utilizando extremos relacionados a estas propriedades (agudo e grave, forte e suave, curto e longo, rápido e lento), ele é capaz de criar uma composição com um caráter específico que poderá afetar a emoção do ouvinte [9].
III. TRABALHOS RELACIONADOS
Na área ainda incipiente do ensino musical utilizando RA, Corrêa et al [4] apresentam um livro interativo para o ensino de
música. A ideia de sons graves e agudos está atrelada a animais, tais como pode ser visto na Figura 1.
Fig. 1. Livro interativo de RA para o ensino de música [4]
Outro trabalho, nesta área, é o apresentado por [7]. Nesta aplicação, é ensinado o conceito de ritmo, em que o usuário deve manipular os marcadores no mesmo ritmo que objetos virtuais são apresentados a ele. Também é possível aprender sobre as notas musicais. A Figura 2 apresenta esta aplicação.
Fig. 2. Ensino de ritmo e notas musicais com RA [7]
Corrêa et al [11] apresentam, na área de Musicoterapia, o uso de RA para estimular crianças com distrofia muscular a utilizarem o sistema repetindo os sons ou criando novos, utilizando marcadores representados por figuras geométricas que indicam as notas musicais, em que a criança pode interagir – melhor do que um instrumento físico, visto que a criança não teria força suficiente para tocar. Duas telas apresentando o jogo são mostradas na Figura 3.
Fig. 3. Interação com o GenVirtual[11]
parâmetros geométricos do teclado do piano são detectados para criar um marcador.
IV. DESENVOLVIMENTO DOS JOGOS
Para a realização do desenvolvimento dos jogos, a fase de elicitação dos requisitos do sistema foi realizada a partir de técnicas de entrevista com um professor de música de uma escola particular localizada na cidade de São Paulo. Nesta entrevista, foi percebida a falta de recursos tecnológicos – software – para o ensino de percepção musical. Os softwares existentes se limitam a ensinar música – uma etapa à frente do ensino de percepção musical – ou algum instrumento musical. Assim, notou-se que o foco dos jogos não era ensinar música e sim ensinar as propriedades sonoras, tais como intensidade sonora, melodia, duração e timbre.
Como o público-alvo para o uso dos jogos eram crianças, a partir de quatro ou cinco anos, os requisitos funcionais deveriam ser: facilidade de uso, caráter lúdico, facilidade de aprendizado do uso dos jogos, visualmente agradável e atrativo.
A ferramenta escolhida para o desenvolvimento dos jogos foi a ferramenta de autoria Flaras [12], devido à facilidade de criação dos ambientes. Os objetos foram importados a partir de repositórios de objetos 2D e 3D.
O desenvolvimento dos dois jogos durou cerca de duas semanas, desde a concepção das ideias até a fase de finalização do ambiente. Este desenvolvimento foi realizado por uma aluna do 1º semestre do curso de Ciência da Computação, de uma universidade particular da cidade de São Paulo.
A. Jogo sobre Timbre
As Figuras 4 a 8 apresentam as telas do jogo "Timbre". Depois de ouvir as explicações sobre o timbre, o jogo começa. Então um som é apresentado a ela (Figura 4); a criança deve decidir qual o som está ouvindo (Figura 5), se ela errar, uma tela de feedback (Figura 6) é apresentada. Se ela escolher a opção certa (Figuras 7), a tela de parabenização (Figura 8) é apresentada.
Fig. 4. Um som é apresentado à criança
Fig. 5. A criança escolhe uma opção de som
Fig. 6. Uma tela de erro é apresentada à criança
Fig. 8. A tela de parabenização aparece
B. Jogo sobre Duração
As Figuras 9 a 12 mostram o fluxo principal do jogo "Duração". A criança deve ouvir as explicações de sons curtos e longos (Figura 9). Depois, a criança deve ouvir um determinado som (Figura 10) e decidir se a afirmação sobre se o som é longo ou curto é verdadeira ou falsa (Figura 11). Uma tela com feedback sobre o acerto (Figura 12) ou de erro é mostrada para a criança.
Fig. 9. Tela inicial do jogo sobre o tema “Duração”
Fig. 10. A criança ouve o primeiro som
Fig. 11. A criança decide se a afirmação sobre a duração do som está correta ou errada
V. METODOLOGIADOSTESTESERESULTADOS
A fim de validar as aplicações (jogos) desenvolvidas, dois tipos de avaliação aconteceram: testes com potenciais usuários finais e avaliação com uma professora de música.
Um grupo de 14 crianças de ambos os sexos (nove meninas e cinco meninos) foi selecionado para o teste. A idade das crianças é apresentada no Gráfico 1. Cinco crianças já tinham tido contato com a Realidade Aumentada. Oito crianças já tiveram ou têm contato com educação musical.
Gráfico 1. Distribuição das Crianças por Idade
Para a realização dos testes com potenciais usuários finais, a seguinte metodologia foi aplicada. Primeiramente, foram coletadas autorizações dos pais para a criança participar dos testes. Foram realizadas algumas perguntas sobre o seu perfil (idade, estudo de música na escola, sexo, contato com Realidade Aumentada). Assim, para cada criança que não conhecia RA, seus princípios foram explicados, bem como uma pequena demonstração foi apresentada. Posteriormente, cada criança foi convidada a realizar a execução dos jogos sobre as propriedades de som. Finalmente, algumas perguntas abordaram a usabilidade dos jogos.
O ambiente físico utilizado para os testes não foi um ambiente controlado. Os testes ocorreram na casa dos usuários, a fim de não causar incômodo para as crianças, já acostumadas ao ambiente familiar. Assim, interferências de iluminação e sonora, por exemplo, podem ter acontecido com alguns usuários.
Durante as sessões de teste, o testador/observador, por meio de técnicas de observação, pode notar algumas informações sobre o uso dos jogos:
Cinco crianças apresentaram alguma dificuldade para realizar as atividades.
Esta dificuldade não está relacionada com a falta de educação musical, nem com a falta de interesse. Essa dificuldade está relacionada a problemas de
usabilidade da tecnologia em si, tais como aqueles causados por luz inadequada ou falta de detecção do marcador em alguns momentos.
100% das crianças puderam compreender as propriedades sonoras usando os jogos.
Sobre as questões de usabilidade, as crianças responderam: 100% das crianças consideraram o layout dos dois
jogos, como apropriado e atraente.
11 crianças consideraram a interação do mouse como boa e 13 consideraram a interação com o marcador muito bom.
100% das crianças gostaram dos sons dos jogos. 100% das crianças gostaram de usar os jogos e
gostariam de usar este tipo de tecnologia com frequência.
Por outro lado, através de entrevista com uma professora de música, foram coletados os seguintes resultados:
A professora não conhecia a tecnologia de RA, mas a considerou importante para ser utilizada para o ensino musical.
A professora considerou as aplicações muito interessantes e divertidas e que poderiam, realmente, ajudar no ensino musical.
A faixa de idade para as crianças utilizarem tais jogos deveria ser entre quatro e seis anos.
A professora acredita que os jogos são fáceis de manipular e que as acrianças não teriam problemas com isso.
Ela considerou que mais jogos deveriam ser desenvolvidos e depois organizados em forma de um
kit e distribuídos para as crianças.
VI. CONCLUSÕES
Este trabalho apresentou o uso de Realidade Aumentada para o ensino de percepção musical de crianças brasileiras, com o uso de pequenos jogos.
Através dos resultados de observação, é possível concluir que, para este estudo, as crianças puderam compreender, com a utilização de RA, os conceitos de duração e timbre - propriedades de som que devem ser aprendidas antes do aprendizado de música propriamente dita. Todas as crianças puderam resolver os exercícios sobre percepção musical.
Através dos resultados do questionário, pode-se notar que as crianças se sentiram motivadas a usar a tecnologia. Outra observação é que as crianças parecem entender como se utilizar RA logo que elas começam a interagir com a tecnologia.
Através da entrevista com uma professora de música, constatou-se que RA poderia ser utilizado para ensino de música; as aplicações desenvolvidas podem motivar as crianças a aprenderem música.
Para este estudo, RA parece ser adequada para uso com crianças, devido à sua natureza lúdica e atrativa. Assim, é possível considerar RA como uma ferramenta auxiliar no processo de ensino-aprendizagem da percepção musical.
desenvolvidos devido à falta de recursos da ferramenta, tais como comandos de programação como IF-ELSE.
Como trabalhos futuros, mais jogos devem ser desenvolvidos, a fim de se criar um repositório de jogos para o ensino de percepção musical. Outro fator bastante importante é o de se realizar mais testes, envolvendo mais crianças, a fim de validar, mais profundamente, o uso de RA como ferramenta de apoio ao ensino de percepção musical.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Universidade Presbiteriana Mackenzie pela bolsa de Iniciação Científica – PIBIC - destinada à autora Letícia Gomez e também por ceder o espaço físico, instalações e recursos computacionais para a efetivação do projeto. Sem isto, seria impossível concluir o projeto.
REFERÊNCIAS
[1] NMC, “NMC Horizon Project Short List: 2013 Higher Education Edition”, Austin, Texas, The New Media Consortium, 2012. Available:http://www.nmc.org/pdf/2013-horizon-higher-edshortlist.pdf. [2] R. M. Schafer. The soundscape: Our sonic environment and the tuning
of the world. Inner Traditions/Bear & Co, 1993.
[3] D. J. Hargreaves and A. North (eds). Musical development and learning. Bloomsbury Publishing, 2003.
[4] A. G. D. Corrêa, G. A. de Assis, M. do Nascimento, M., R. D. Lopes, “Genvirtual: Um Jogo Musical Para Reabilitação De Indivíduos Com Necessidades Especiais”. Revista Brasileira de Informática na Educação, 16(01), 2008.
[5] M. Lima, D. G. Melo, I. I. Santos, A. G. D. Corrêa, “Livro MusicandoRA: uma nova experiência para o ensino e aprendizagem musical apoiada pela Realidade Aumentada”. In: Congresso Brasileiro de Recursos Digitais na Educação, 2012, São Paulo. I Congresso Brasileiro de Recursos Digitais na Educação, 2012.
[6] E. T. Noguera, D. K. Gomes, G. G. Cunha, “Realidade Aumentada Aplicada a Visualização de Histórias infantis em 3D”. In: III Workshop de Realidade Aumentada, UERJ/UFRJ. 2006. p. 43-46.
[7] E. R. Zorzal, A. A. B. Buccioli, C. Kirner. “O uso da Realidade Aumentada no Aprendizado Musical”. In: Workshop de Aplicações de Realidade Virtual, Minas Gerais. 2005.
[8] Y. Huang, Z. Jiang, Y. Liu, Y. Wang. Augmented Reality in Exhibition and Entertainment for the Public. Handbook of Augmented Reality, pp. 707-720, 2011.
[9] T.A. Brito. Música na Educação Infantil - Propostas para a formação integral da criança. São Paulo: Peirópolis, 2ª Edição, 2003.
[10] B. L. M. Parente, "A Pedagogia Musical de Schafer e seus desdobramentos no Brasil". Monografia: Rio de Janeira, 2008.
Disponível em:
http://www.domain.adm.br/dem/licenciatura/monografia/brunoparente.p df. Acesso em: 22/11/2013.
[11] A. G. D. Corrêa,; M. Lima,; D. G. D. Melo; I. I. D. Santos. “Desenvolvimento de um Livro Interativo em Realidade Aumentada para Ensino e Aprendizagem Musical”. RENOTE, 10(2), 2013. [12] R. C. Souza, H. D. F. Moreira, C. Kirner, C. “FLARAS 2.0–Flash