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RITOS CENTRO-AFRICANOS NAS MANIFESTAÇÕES RELIGIOSAS DO RIO DE JANEIRO OITOCENTISTA Eduardo Possidonio

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I FÓRUM DISCENTE DO MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL DA UNIVERSO

AMANTINO, Marcia e ENGEMANN, Carlos (ORGS). Anais do I Fórum Discente do Mestrado em História do Brasil da UNIVERSO 2014.

RITOS CENTRO-AFRICANOS NAS MANIFESTAÇÕES

RELIGIOSAS DO RIO DE JANEIRO OITOCENTISTA

Eduardo Possidonio

Madrugada de quarta feira 14 de abril de 1871, tambores rufam na Rua da Conceição, sobrado de número 47, a batucada seguida de cantoria foi subitamente interrompida pela batida policial chefiada pelo “digno” 2° delegado de polícia o Sr. Dr. Miguel José Tavares. O delegado era “Magistrado respeitabilíssimo” e bem visto principalmente por se apresentar sempre “incansável” na busca por punições aqueles que se inclinavam a “ofender a moralidade pública”, nessa noite o “feiticeiro” Felippe Miguel, preto mina. O “novo Pagé” em suas cerimônias, bem como no momento da prisão, estava rodeado de uma “tribo” de mulheres. As vítimas indefesas da sociedade

de bem, Felippe Miguel “predizia” o futuro “mediante larguíssimas contribuições”. 1

Além do chefe “Quibombo” e suas “sectárias”, foi apreendida uma grande quantidade de objetos que auxiliavam a realização do culto, entre esses objetos uma “grande série de manipanços, de todos os tamanhos e feitios”, “cascos de tartaruga”, “palmatórias convexas”, “facões de chumbo” e “argolas de metal”. Frascos contendo “ervas e líquidos”, “búzios grandes”, “inspirados Pagés”, “grande pentes de chifre” e outros tantos objetos. Porém, para “assombro” da sociedade, no dia 28 abril de 1871, ganhava novamente as ruas o “feiticeiro” Felippe Miguel. Em uma tentativa de responder à distinta sociedade, o “digno” 2° delegado de polícia achou por bem não

devolver as “bugigangas” com as quais Fellipe Miguel “alimentava a supertição”. 2

Para compreender o destaque que o Diário de Notícias dava no ano de 1871 a prisão de Felippe Miguel é necessário mergulhar nesse contexto oitocentista. Estava preso, desde 1870 o afamado pai de santo Juca Rosa “feiticeiro” da Rua do Núncio próximo a Senhor dos Paços, que durante anos contava com vasta freguesia na Corte entre ricos e pobres. Filho de africanos, Rosa fora acusado de prometer a “quebra de feitiços”, “cura de quebrantos” e “maus olhados” e resolução de casos “amorosos”. Em

1

Relato baseado em notícia do Diário de Notícias 14/04/1871.

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1871, Juca Rosa seria levado a julgamento com ampla cobertura da imprensa sobre o passo a passo da tribuna. Sátiras diárias, peças teatrais envolvendo participantes do julgamento e frequentadores do culto eram expostos de forma jocosa nos jornais.3 O processo de Juca Rosa totaliza mais de 400 páginas onde promessas, ritos e costumes são apresentados pelos depoentes. A historiadora Gabriela Sampaio identifica nos depoimentos contra ele, uma série de práticas religiosas comuns na África Central bem como traços de outros ritos oriundos de outras regiões africanas que abasteceram ao comércio atlântico de escravos.

O período vivido na Corte era o de debates intensos a respeito da emancipação dos escravos. Senhores bradavam contra a interferência do Estado em questões privadas, como as relações entre senhores e escravos. Até então a liberdade do cativo passava também pela vontade do senhor. Somava-se a isso a preocupação das elites com a nova ordem social que se avizinhava. Os escravos outrora “controlados” por senhores, dependentes de seu “paternalismo”, para a angústia de senhores escravagistas, seriam, se as propostas do governo fossem implementadas, livres e donos de seus próprios destinos, e mais do que isso, se tornariam cidadãos com direitos e deveres.4 A caça a “feiticeiros” e o frenesi da imprensa que acompanhava de perto cada batida policial em tais casas de culto, se encaixam nesse novo momento em que Jucas e Felippes, que antes atuavam com o beneplácito e até mesmo participação da sociedade, encontrando seus espaços mesmo dentro de um universo escravista, agora passavam a inimigos que

viviam de “extorquir dinheiro da fragilíssima humanidade”. 5

Dentro de uma sociedade que se esforçava por mostrar os perigos de convivência entre uma sociedade de bem e negros livres abria-se espaço para indivíduos como o 2° delegado de polícia, o Sr. Dr. Miguel José Tavares, alcançar notoriedade, ele que, um ano antes prendia Juca Rosa, agora conseguia colocar fim as reuniões “diárias” da Rua da Conceição.

Voltando a Felippe Miguel, algumas situações saltam aos olhos quando o principal objetivo é encontrar traços da religiosidade oriunda das regiões da África

3

SAMPAIO, Gabriela dos Reis. Juca Rosa um pai de santo na Corte imperial. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2009, p. 31-108.

4 CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte.

São Paulo: Cia das Letras, 1990, p. 131-292.

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Central. 6 Felippe Miguel é apresentado pelos jornais e fichado na polícia como preto mina, mesmo assim encontramos no interior do sobrado da Conceição, objetos, nomes e ritos que nos remetem as regiões da África Central. O que nos permite aventar a possibilidade já apresentada por Mariza de Carvalho Soares ao abordar grupos de procedência em Devotos da Cor:

Os termos nação e gentio não correspondem, necessariamente, a um grupo étnico, podendo ser resultado da reunião de vários grupos étnicos embarcados num mesmo porto (no caso de africanos) (...). Assim, os grupos africanos são chamados angola, loango, benguela, mina (...).7

Portanto, podemos levantar a hipótese de Felippe Miguel ter apenas embarcado em uma região da Costa da Mina, mas sua origem ser de regiões do interior da África Central, ou também independente do seu porto de origem ou procedência ter recebido tal denominação de mina ao chegar no Brasil. Dessa forma, se entenderia a presença dessa religiosidade em seu “grande theatro”. 8

Mantendo a ideia de ser de fato mina, percebemos como os termos centro-africanos no campo do sagrado, estavam na voz corrente da sociedade brasileira tais como Pai Quibombo que segundo o dicionário

banto de Ney Lopes significaria pai de santo.9 Juca Rosa também ganhava esses nomes

pelos jornais, motivo que levou Gabriela Sampaio a buscar apoio nos Dicionários de Olga Cacciatore, Altair Pinto e Assis Jr. Para ampliar o entendimento ao termo:

(...) o termo [quimbombo] seria relativo à quimbanda, ‘linha ritual da umbanda que trabalha principalmente com exus’(...) Outra possibilidade para o termo quimbanda seria ‘sacerdote de cultos de origem banta’, ou ‘sacerdote e médico ritual, correspondente ao kikongo nganga’. Já quimbanda significa ‘entre fantástico’, e quimbango, ‘feiticeiro’. Todos podem ser variações do termo que tanto aparece nos jornais do século XIX, ‘Pai Quibombo’. Na consulta a outros dicionários, ‘quimbombo’ significa exatamente pai de santo, dirigente de terreiro, iniciado chefe; deriva do quimbundo ‘kimbamba’.10

6 Compreendo por África Central no contexto oitocentista as regiões atualmente chamadas de África

Austral e África Central.

7

SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de

Janeiro do século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2000, p. 104

8 Diário de Notícias 14/04/1871. 9

LOPES, Nei. Bantos, malês e identidade negra. Belo Horizonte: Autêntica, 2011, p. 187

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Como vemos, denominações oriundas de diversas regiões da África Central pululavam no imaginário carioca da segunda metade do século XIX. Vale ressaltar que o termo Pai Quibombo apareceu nas páginas do processo de Rosa, mas principalmente nas páginas de vários periódicos que passaram a lucrar com sua história. Ao intitular Felippe Miguel como Quibombo, estaria o paladino jornalista sendo influenciado pelos ecos do “fenômeno” de mídia Juca Rosa? Ou seria como ele mesmo se intitulava um profundo conhecedor de tais práticas ao afirmar “Nós temos estudado detidamente os preconceitos supersticiosos inveterados nessa espécie de pretos...”11 e continua a demonstrar “conhecimento”: “Conhecemos uma plêiade numerosa dessa espécie de pretos que produzem feitiçarias e sortilégios...”. 12

O fato é que outras manifestações fetichistas13 negras se espalhavam pela cidade e se tornavam causas cada vez mais frequentes de denúncias não só do Diário de

Notícias, mas também de outros jornais. Daí a atenção aos nomes dos objetos

encontrados no espaço de cerimônias de Felippe Miguel. Foram recolhidos à delegacia uma “grande série de manipanços, de todos os tamanhos e feitios”. 14

Ney Lopes apresenta a palavra manipanso como ídolo africano.15

Mesmo com um olhar repletamente preconceituoso, o jornalista concebe estar diante de divindades para os frequentadores das reuniões. Podemos buscar ajuda para o termo manipanso em outras páginas do Diário de Notícias de novembro de 1871 que se preocupava em mostrar para sociedade os “fatos horrorosos praticados pelo célebre José Sebastião Rosa [Juca Rosa]” acontecidos no interior do templo da Rua do Núncio:

As sextas feiras, então, esta seita infernal, estes novos Thugs, adoravam o ‘Manipanço’, sua divindade, e Juca Rosa, em trajes de sacerdote em frente do ídolo toscante acabado e de feições estrambóticas, casava e batizava, erguendo saudações sacrílegas a um pedaço de madeira informe. 16 [grifos nossos]

11 Diário de Notícias 14/04/1871. 12 Diário de Notícias 14/04/1871. 13

Trabalho com a definição de fetichismo animista de Nina Rodrigues para denominar feitiços feitos por povos negros no Brasil.

14 Diário de Notícias 29/04/1871. 15

LOPES, Nei. Bantos, malês e identidade negra, p. 140

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O contexto social em que vivia o jornalista e seu ideal de “limpar” a sociedade das práticas de “sacerdotes do erro e do embuste”, 17

não permitiriam a ele outra conclusão diante da divindade centro-africana esculpida na madeira, que não fosse “estrambóticas”, ou seja: exótico, ridículo, afetado e extravagante. Mas ao olhar para as fontes com o devido cuidado que a historiografia nos imprime, percebemos a importância da divindade para os cultos até então praticados ao longo do século XIX na cidade do Rio de Janeiro.

Junto ao manipanso, é apresentado pelo jornal o deus Ganço presente no local de encontro de Felippe Miguel. Recorrendo mais uma vez a Ney Lopes e agora fazendo uso de aproximação fonética encontramos a palavra Pânzu que ganha significado de

inquice 18 congo cultuado em candomblé bate-folha notamos mais uma vez a visível e forte influência dos povos oriundos das regiões da África Central no Rio de Janeiro.

Concluindo por ora as observações do culto de Felippe Miguel, não se pode deixar de destacar outra forma como ele foi chamado: “novo Pagé” e que no interior de sua casa existiam “inspirados Pagés”. É comum ao longo dos estudos da religiosidade de povos centro-africanos encontramos intensas relações dos africanos com os povos indígenas, conhecedores das plantas e dos espíritos locais. Em A Árvore de Nsanda

Transplantada, Robert Slenes destaca essa relação:

(O ‘Caboclo velho’ também é comumente invocado na umbanda do Rio de Janeiro e de São Paulo, cujas raízes em grande parte são centro-africanas.) Teria sido natural para gente deslocada do Kongo e de outros lugares na África Central cultuarem os ancestrais dos habitantes mais antigos de sua nova terra – neste caso, índios brasileiros – tidos como transformados em espíritos locais da água e da terra.19

Convém destacar que o também conhecido Juca Rosa tinha no interior de seu culto diversos objetos de origem indígena. Isto indica que centro-africanos possuíam uma capacidade de adaptação e reelaboração de suas matrizes religiosas. Ao recorrer às

17 Diário de Notícias 14/04/1871.

18 Em regiões da África Central os nkisi eram divindades locais, representados por objetos de variadas

formas e tamanhos, no Brasil atualmente inquice serve para denominar as divindades do Candomblé Angola. O que equivaleria ao orixá no Candomblé Nagô.

19 SLENES, Robert, A Árvore de Nasanda Transplantada: Cultos Kongo de aflição e identidade escrava

no Sudeste brasileiro (século XIX)”, in LIBBY, Douglas Cole e FURTADO, Júnia Ferreira. (Orgs.)

Trabalho livre trabalho escravo: Brasil e Europa séculos XVIII e XIX. São Paulo: Annablume, 2006, p.

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leituras de africanistas consagrados como Jan Vansina, John P. Fox e Willy de Craemer, nos deparamos com uma África Central bastante diversificada na questão religiosa, mas mantendo importantes semelhanças. Destacando o complexo de “ventura e desventura”. Nessa visão, as sociedades centro-africanas buscavam trabalhar com o olhar na “ventura” que seria o equilíbrio, prosperidade e paz, assim, tudo que fugisse a esse equilíbrio tais como guerra, mortes, doenças e outros, era atribuído à “desventura”, concluindo-se, então, que o bem e o mal estariam sempre se contrapondo pelas ações da humanidade. Tais autores também trabalham com uma capacidade de assimilação por parte dos povos centro-africanos, de outras práticas religiosas, sendo novas divindades anexadas aos seus já tradicionais sistemas religiosos. Era o que ficava claro no Congo católico a partir do século XV.20

Observando as manifestações religiosas centro-africanas por esse olhar, compreendemos a presença marcante de objetos e divindades indígenas apreendidos nos cultos negros pela Corte. Ao estudar profundamente a escravidão urbana no Rio de Janeiro, a historiadora Mary Karasch lança mais possibilidades para compreendermos esse quadro de adaptação e recriação religiosa dos povos oriundos da África Central:

Uma das influências básicas sobre a religião do Rio era a falta de conservadorismo religioso. Com efeito, era ‘tradicional’ entre os centro-africanos formar novos grupos religiosos e aceitar novos rituais, símbolos, crenças e mitos. Portanto, eles não tinham de abandonar sua religião quando escolhiam venerar a imagem de um santo católico. Como na África, adotavam a estátua como um símbolo novo. É essa flexibilidade, em comparação com a tradição iorubana, que caracterizava as religiões centro-africanas no passado que ainda predomina na umbanda moderna. A assim chamada tendência inexplicável dos grupos de umbanda de se dividir e multiplicar, sob o comando de líderes carismáticos, pode ter origem na África Central, pois novos centros de umbanda surgem constantemente no Rio contemporâneo, cada um com novos símbolos, rituais e crenças e com novos líderes espirituais que ‘reorganizam’ os antigos.21

O exposto por Karasch associado aos estudos de Slenes permite pensar o sudeste brasileiro como palco de uma herança cultural apoiada principalmente por seu

20 THORNTON, John. “Religião e Vida Cerimonial no Congo e Áreas Umbundo, de 1500 a 1700”, in

HEYWOOD Linda M. (Org.) Diáspora Negra no Brasil. São Paulo: Contexto, 2010, p. 94-100

21

KARASCH, Mary C. A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850). São Paulo: Cia das Letras, 2000, p. 355

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tronco linguístico banto, facilitador de contatos entre os diversos povos centro-africanos escravizados e enviados em quantidade superior a outros povos, para os portos do sudeste. Slenes tem documentado detalhadamente as “continuidades culturais” dos referidos povos no sudeste, passando pelo olhar da família escrava a suas práticas religiosas.22

Compreendemos que esses laços culturais passavam principalmente pelo campo do sagrado, não se restringiam ao fetichismo, podendo ser observados também pelo parentesco espiritual obtido, dentre outras formas, pela busca do compadrio nas

redes do batismo católico.23 O que fica claro é que povos centro-africanos encontraram

na adversidade escravista do sudeste a possibilidade de reinventarem suas práticas e principalmente suas formas de cultos.

Voltando o olhar no fetichismo, Karasch mais uma vez nos ajuda ao inovar e afirmar que:

Portanto, é possível afirmar que os nativos da África Central que usavam santos católicos, entravam para irmandades religiosas e participavam de procissões católicas não se convertiam necessariamente ao catolicismo romano, nem adotavam necessariamente uma religião sincrética, em parte católica, em parte africana. Em vez disso davam continuidade no Rio às tradições religiosas flexíveis de sua terra natal. Somente o aspecto interno mudava. Em vez de se adaptarem ao catolicismo, incorporavam imagens católicas a sua religião.24

Vale ressaltar que a flexibilidade apresentada por Karasch para compreender a religiosidade centro-africana esta pautada nos estudos dos africanistas já citados, e que essa flexibilidade não tem relação com aceitação, perda de identidade ou falta de luta, mas a continuidade de uma tradição de incorporação de novos símbolos as suas práticas religiosas.

Portanto, as conclusões até aqui expostas, fazem parte de uma pesquisa maior em andamento, buscando apresentar uma sociedade marcada pela presença de costumes

22

SLENES, Robert . Na senzala uma flor: Esperanças e Recordações da Família Escrava (Brasil Sudeste, Século XIX). 2 ed. Campinas: Editora Unicamp, 2011, p. 139 - 239

23 FREIRE, Jonis. Escravidão e família escrava na Zona da Mata Mineira oitocentista. Tese de

Doutorado: Unicamp 2009, p.188

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religiosos oriundos da África Central. A possibilidade de análise da atuação da força policial e da forte presença da imprensa em casos como o de Felippe Miguel, bem como o cruzamento com outras fontes relacionadas ao tema, como os Livros de Matrícula da Casa de Detenção da Corte, Viajantes e suas observações sobre o sagrado na cidade, entre outras fontes, permite-nos perceber que africanos procedentes dessas regiões souberam dialogar intensamente com outras matrizes religiosas, dessa forma conseguiram dinamizar o campo do sagrado no coração administrativo do Império do Brasil.

FONTES

Diário de Notícias 14/04/1871, 29/04/1871, 25/11/1871. Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.

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