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As mulheres na expansão material de Fortaleza nos anos de 1920 e 1930

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDER AL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANID ADES

DEPART AMENTO DE HISTÓRIA

MESTRADO EM HISTÓRIA SOCIAL

AS MULHERES N A EXPANSÃO MATERIAL DE

FORTALEZA NOS ANOS DE 1920 E 1930

MÁRIO MARTINS VIANA JÚNIOR

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UNIVERSIDADE FEDER AL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANID ADES

DEPART AMENTO DE HISTÓRIA

PÓS-GR ADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

AS MULHERES N A EXPANSÃO MATERIAL DE

FORTALEZ A NOS ANOS DE 1920 E 30

MÁRIO MARTINS VIANA JÚNIOR

Diss ertaç ão apresentada como exigência parc ial para a obtenção do Grau de Mestre em História Social à Comiss ão J ulgadora da Universidade

Federal do Ceará, s ob

orientação do Prof. Dr.

Eurípedes Antônio Funes.

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UNIVERSIDADE FEDER AL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANID ADES

DEPART AMENTO DE HISTÓRIA

PÓS-GR ADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

AS MULHERES N A EXPANSÃO MATERIAL DE

FORTALEZA NOS ANOS DE 1920 E 30

MÁRIO MARTINS VIANA JÚNIO R

Esta Dissertação foi julgada e aprovada, em s ua forma final, no dia 18 de fevereiro de 2009, pelo Orientador e Membros da Banca Examinadora, compos ta pelos Professores:

________________________________________________________ Prof. Dr. Eurípedes Antônio Funes/UFC (Orientador)

___________________________________________ Profª. Dra. Joana Maria Pedro/UFSC

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Quando o dia amanhecer, estejam sempre de bom-humor e, ao anoitecer, tenham no cansaço a felicidade.

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6

AGRADECIMENTOS

O exercício do agradec imento é um momento difícil, pois nele corremos o risco de esquecer muitos nomes injustamente.

De for ma ampla, agradeço a todos aqueles que estiv eram presentes, direta ou indiretamente, tornando este trabalho possível. Nessa empreitada, colegas conhec idos nos loc ais de pes quisa, profess ores, amigos e, s obretudo, a família foram fundamentais. Sintam-se, então, abraç ados e recebam os meus mais sinceros agradecimentos .

Meu amigo, meu herói, v ocê tornou tudo isso realidade. Mes mo em meio a muitas dificuldades materiais , v ocê nunc a pediu que eu desistiss e. Sempre me apoiou incondicionalmente. Com sua serenidade fez a minha v ida ficar mais fácil. Com teus ens inamentos acredito ter me tornado uma pes soa melhor. Pena você ter partido tão c edo e não poder participar deste momento, mas sei que onde v ocê estiv er es tará torcendo por nós. Amo-te meu pai. Obrigado por tudo! Você deu sentido a tudo!

Agradeço a minha mãe. A senhora é parte dess e processo e sempre terá meu respeito, gratidão e amor. Ao meu irmão Leandro e a minha ir mã Leila serei eternamente grato, por tornarem nos sa família um porto seguro e por me apoiarem s empre.

Ao meu eterno amor que me fez des cobrir uma v ida diferente e que sempre es tev e pronta para me ac olher. Amo-te minha moça! Você que tantas vezes deixou seus afazeres para me ajudar na produção de meus textos e que, mesmo na dis tância, se fez presente, tornou mais lev e o momento da partida e deu sentido a palav ra saudade.

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Aos meus amigos do PET, um carinho especial. Foi naquela sala esc ondida no Centro de Humanidades que inic iei meus primeiros passos na pesquisa. O PET, como um c orredor de passagem, tornou poss íveis encontros entre diferentes geraç ões. Agradeço então aos mais antigos sem, contudo, fazer qualquer diferença de idade (Lucília, Marla, Márcio Inácio, Idalina, Carlos Henrique, Eduardo, Raimundo e Guilher me). Aos quatro últimos, um agradecimento específico por terem c ontribuído diretamente na minha pesquis a.

Não poderia esquec er os mais contemporâneos (Jofre, Keile, Keifer, Rafael, Loren e Daniel). Vocês tornaram as reuniões d as sextas-feiras à tarde menos enfadonhas e as discussões mais interess antes. Aos mais nov os (Renan, Rubem, Guilher me Montenegro), obrigado pela paciência com um “v elho petiano”. Sintam-se abraç ados.

À amiga Patrícia, não apenas dos tempos de PET e d a graduaç ão, mas de toda a v ida, não poderia faltar minha atenção particular. Amo-te, v ocê é minha “ídola”!

Agradeço a todos os profess ores! Em especial, c ito o profess or Almir Leal que fez co m que eu não desis tisse do curso. Aos professores e tutores, mas também amigos , Franck Ribard e Ana Carla Sabino o meu muito obrigado. Vocês mostraram que a Academia não é feita apenas de relações formais .

Ao meu orientador e amigo Eurípedes Funes, agradeço por sempre ter acreditado em mim e por ter prolongado essa parceria acadêmica que hoje tem quase c inco anos .

À profes sora Adelaide Gonç alv es, agradeço pela atenção e confiança dada a um “desconhecido” ao ter possibilitado minha ida à Florianópolis . De lá, agradeç o de maneira especial à professora Joana Maria Pedro que me recebeu com o carinho e c alor que muitas v ezes as terras do Sul não oferecem.

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“pseudo-8

manezinhos ” (Gerson, Rafael, Joana, Maíse e Soraia). Suas amizades v erdadeiras amenizaram meu sofrimento com a solidão.

Aos meus amigos de graduação (Régis, Kleber, Bruno, Jana, Cícera, Ricardo e Priscilla), interpet (Auricélio, Javam, Diego Gadelha e Carol, Elydiana e Priscila) e mestrado (Raquel, Kleiton e Gil), meus mais sinc eros agradecimentos . Vocês são parte deste trabalho. Em particular agradeço ao Renato Rios pelo carinho de uma amizade v erdadeira e ajuda na escrita até o último momento. Esta dissertação também é tua!

Às psicólogas Eugênia, Helenira, Hélida e Paula que vieram junto com a minha “pequena”. Sempre foram e serão verdadeiras amigas .

Ao Mathias, Diego e W illiam. Amigos de longa data que sempre me apoiaram e es tiv eram presentes.

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RESUMO

Neste trabalho procuramos compreender as relações de gênero estabelecidas no processo de expansão material da cidade de Fortaleza nos decênios de 1920 e de 1930. Para tanto, focamos as ações das mulheres que se inseriram e possibilitaram tal processo. Elas eram as profissionais liberais e proprietárias negociantes, mas também trabalhadoras pobres e empregadas domésticas, entre muitas outras. Assim, tentamos mostrar algumas das variadas formas de como a expansão tocava os diferentes sujeitos, engendrando, por um lado, aproximações e relações de solidariedade, mas, por outro, conflitos e contradições expressos em aspectos de gênero. Como recursos, utilizamos documentos de caráter variado, tais como: processos crimes, livros de registros policiais, escrituras comerciais, jornais, guias e almanaques da cidade, códigos legislativos e crônicas.

ABSTRACT

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS 12

CAPÍTULO I – AS MULHERES NA CIDADE: A importância da

administração profissional 38

1.1 Públicas experiências femininas? Algumas atividades das mulheres fortalezenses

53

1.2 As mulheres no papel e o papel das mulheres 73

CAPÍTULO II – AS MULHERES PROPRIETÁRIAS: da casa para a rua

2.1 A participação das mulheres na especulação imobiliária: peculiaridades e paradoxos de uma expansão

2.2 O significado e a força das mulheres negociantes: o imóvel como moeda

CAPÍTULO III – AS MULHERES PROPRIETÁRIAS: da rua para a casa

3.1 Proprietárias (os) e Trabalhadoras Domésticas – relações sociais e de gêneros

3.2 Patroas, Patrões e Criadas – Vigilâncias e Insubordinações

CONSIDERAÇÕES FINAIS FONTES

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

97

101

130

160

166

182

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ÍNDICE DE IMAGENS, FIGURAS E TABELAS

Imagem 01 – Excelsior Hotel Imagem 02 – Doutora Ida Santos Elery Imagem 03 – Doutora Maria S. Cavalcante Nogueira Imagem 04 – Farmacêutica Julia Cavalcante Imagem 05 – Planta da Cidade Imagem 06 – Parte leste da cidade

Figura 01 – Média Total por estado civil

Tabela 01 – Vilas e Sítios Tabela 02 – Análise Geral das Escrituras Tabela 03 – Média de mulheres compradoras e vendedoras Tabela 04 – Média Total de mulheres considerando o estado civil Tabela 05 – Atuação das mulheres nos negócios de imóveis segundo o estado civil e profissão

49

67 70

70 105

118

139

102 133 134 139

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Fortaleza, 20/06/1937. Centro da cidade. Na Av enida do Imperador, ouv iu-se um dis paro. Um homem ferido saiu de um carro. Uma bala atrav essou sua mão alojando-se na perna esquerda. A autora da detonação, feita com um rev ólver “próp rio

pa ra mu lher”, permanec eu sentada no banco traseiro do veículo. Mais tarde, na delegac ia, foram identific ados como v ítima e agress ora, J úlio Saraiv a e Maria Luiza de Oliv eira Ferro, respec tiv amente. Ele, empreiteiro de obras e ela, também conhecida c omo Dona Luizinha, proprietária de uma sortida merc earia.1

Por v ários dias, imaginar o es tampido dess e disparo fez parte do noss o dia-a-dia.2 O barulho do tiro parec ia estar presente, inquietando e propiciando algumas reflexões. Mais que o inc ômodo, o estrondo alimentav a a curios idade de inv es tigar a v ida daquela mulher e, de for ma mais ampla, inquirir sobre o que era próprio das mulheres e ho mens naque la c idade e naquele período. Em outras palav ras, instigava-nos a pesquisar o que significava ser homem e mulher, o que representav a ser de um ou outro sexo no meio social fortalezense dos anos de 1920 e 30, bem como a maneira que eles se relac ionavam.

O crime apontado tev e v ários registros. Apareceu no jornal

Gazeta de Notícias, deu entrada na I Delegacia, com diferentes anotaç ões, e chegou ao meio judiciário, tornando-se processo criminal. Naquele momento, os ruídos do crime cometido por uma mulher ecoaram em div ersos âmbitos do meio social e urbano,

1 APEC, Tribunal de Justiça, Ações Criminais, Ferimentos, Caixa-37, 1937/28.

2 Optei por escrever este trabalho na primeira pessoa do plural, no sentido delineado por

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tocando e sendo interpretados de formas diferenciadas por aqueles que recebiam a notícia.

Particular mente , o contato com os resquícios desse inc idente, ocorrido há mais de 70 anos, deu-se por conta da nossa participação como bols ista no Programa de Educação Tutorial – PET, a partir da inserção no projeto Conservar para Preservar, Preservar para Conhecer 3 ainda na graduação que, entre outros aspectos, possibilitou um maior entendimento e compreensão acerc a das fontes criminais para a produç ão do conhecimento his tóric o e, mais especificamente, para começ ar a pensar uma proposta de pesquisa.

Tais fontes sinalizav am a possibilidade de entendimento das relações conflituosas tanto na escala do micro, do cotidiano, como em um nív el mais amplo e macro, isto é, que percepções exis tiam em torno dos papéis sociais dos sujeitos e como as ações des tes des toavam ou não dos parâmetros estabelecidos. Por se tratar de doc umentação polifônica, pudemos encontrar diferentes falas como as daqueles que exerciam e busc avam a manutenção do poder ins tituído, além dos testemunhos dos que observavam e cometiam des regramentos. Formav am ess e conjunto: acus ados, vítimas, testemunhas, policiais, delegados, adv ogados, promotores e juízes. Dessa maneira, mediante as múltiplas falas, foi poss ível, pouc o a pouc o, enveredar pelas for mas c omo alguns sujeitos agiam e pensav am na Fortaleza de 1920 e 30.

A riqueza de infor maç ões que surgia a todo instante merec eu sérios c uidados no momento da análise, pois, no momento em que se iniciou o acesso à dinâmica c itadina cotidiana, esta se enc ontrava eivada de mediação oficial e inv entiv idade dos sujeitos env olv idos. A própria anális e das falas exigiu extrema prudência na medida em que apontav am per fis femininos e masculinos

3 Esse projeto, desenvolvido pelo grupo PET-História/UFC, teve duração de três anos

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idealizados, muitas v ezes , conflitantes , ou mes mo distantes, das relações e práticas soc iais estabelecidas.

Nesse contexto foi importante o contato com o trabalho des envolv ido por Carlo Ginzburg e, mais espec ificamente, com a sua forma de tratamento e abordagem dos documentos criminais. Segundo ele, embora essas fontes tenham sido produzidas sob o olhar e a mediação do poder ins tituído, s eriam elas indícios de quanto a realidade histórica é paradoxal, na medida em que “[...] uma realidade cultural contraditó ria pode tran spare cer mesmo d e textos controlad os como o s dos proce sso s da Inquisição ”.4

Era imprescindível manter-nos atentos aos cuidados nec essários às interferências na reproduç ão das falas dos sujeitos em outra tarefa árdua e indispensáv el: o esmiuçar dos process os e das demais fontes c riminais. Guardadas algumas exceções, os processos crimes as sumiam o seguinte for mato: 1 - Denúncia da Promotoria; 2- Inquérito polic ial; 3- Auto de prisão; 4- Exame de corpo de delito (casos de agressão); 5- Depoimentos na delegac ia (env olv idos e testemunhas); 6- Exame descritiv o do réu; 7- Relatório do delegado remetido para o distribuidor do Foro; 8- Mandado de citaç ão dos envolv idos pelo Juiz; 9- Contestação do crime pelo acusado; 10- Intimaç ão dos envolv idos (acusado, v ítima e testemunha); 11- Auto de qualific ação do réu em juízo; 12- Depoimento das testemunhas; 13- Depoimento do ac usado; 14- Relatório do Promotor (acusaç ão); 15- Relatório da defesa; 16- Autos conclusiv os do Juiz.

O entendimento e a c aracterização do funcionamento interno dos inquéritos, dos proc essos c riminais, do espaç o da delegacia e do âmbito jurídico, de maneira geral, fac ilitaram as idas e v indas, os av anços e recuos no mapeamento das experiências dos sujeitos e de seus juízos de v alores que s inalizav am for mas corretas e díspares de ser e estar em Fortaleza.

A partir da inv estigação de diferentes processos e de um esforço de imaginação histórica, foram sendo agr egados outros

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sons ao estampido inicial do tiro provocado pela arma de fogo que Dona Luizinha portav a. Tais docu mentos guardav am certa similitude e marcav am uma sonoridade e temporalidade espec ífica em que as mulheres agiam com v iolência em relação aos homens. O ajuntamento de outros cri mes em que eram as mulheres as acusadas de agress ão possibilitou o delineamento de uma primeira e incipiente problemática para a inv estigação que foi pautada pela preocupação em torno da v itimaç ão dos homens.

Foram v ários os registros enc ontrados que enquadrav am as ações das mulheres como c riminosas. A escolha por esses tipos de transgress ões nos permitiu ev idenciar redes de relações paradox ais, questionamentos e enfrentamentos às tentativ as de exerc ício do poder masculino atrav és das atitudes de v iolência físic a ex erc idas pelas mulheres e que não foram cens uradas pela violência andrógena (casos em que as mulheres foram v ítimas). Logo, interessav a inv estigar não apenas o resultado final dess as ações, mas, sobretudo, como elas foram se constituindo, que tramas c riavam, pondo em ev idência as experiências das mulheres que rompiam as normas sociais e delineav am outras maneiras de se relacionarem com os homens , tal como no caso de Dona Luizinha.

A inquietaç ão por saber mais sobre essa mulher nos permitiu enc ontrar registros seus em outras fon tes polic iais.5 Mais que is so, possibilitou o acesso a um número expressivo de queixas em que homens eram feitos v ítimas pelas mulheres . A partir das ofens as proferidas foi possível nuançar aspectos próprios das relações sociais dos (as) fortalezens es, partindo de elementos considerados depreciativ os para entender, também, aqueles de caráter valorativ o. Assim, as ofensas orais transcritas pelos escriv ães possibilitaram o conhec imento acerca de alguns valores e depreciações em v oga para aqueles sujeitos históricos, além das

5 APEC, Livro de Registro de Identif i caçõe s Crimi nais, 1934, n° 3 4,

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diferenças de tratamento conforme o sexo, a idade e a clas se social.

Tais registros estavam no Livro de Identific ações Criminais, Liv ro de Apresentaç ão de Delinqüentes e, sobretudo, nos Livros de Queixas. Guardadas as especific idades de cada liv ro, o traço comum observ ado em tais fontes foi a possibilidade de acesso ao imediatis mo c otidiano, às s ituações de c aráter c orriqueiro, mas nem por isso mecânicas e que, muitas v ezes, não alcançav am as proporções judiciais. Estes liv ros mostrav am a circulação e funcionalidade dentro do meio policial.

Um cuidado metodológico tomado em relação a essas fontes diz respeito à atenção aos seus indícios e às poss ibilidades de cruzamento de elementos encontrados entre elas e outros doc umentos. Mes mo sendo infor mações bem diretas e sintétic as, tornaram possível a ev idência de estratégias , táticas de sobrev ivência e dominação traçadas pelos s ujeitos env olv idos.

Tais doc umentos v iabilizaram, ainda, um melhor

entendimento da cons tituição mater ial e espacial da cidade a partir das relaç ões entre homens e mulheres que apontav am para a composiç ão de espaç os mas culinizados e feminizados, além do tratamento diferenciado atribuído aos diferentes indiv íduos de acordo com sexo no âmbito da delegac ia. Constituições ess as que coadunaram com nossa proposição mais ampla de buscar entender o que representav a ser homem e mulher nesse momento histórico. No entanto, era preciso saber mais e sair do univ erso policial para compreender a pluralidade das relações soc iais.

Na pesquisa com periódic os, outra vez foram os indícios da ação de Maria Luiza que orientaram nossa inv estigação. Com a manchete “L uta dentro de um automóvel”,6 o c ronista que esc rev eu sobre o incidente parecia não acreditar que uma mulher fos se capaz de cometer um dis paro, de realizar um ato agressiv o. O

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barulho do estampido era, assim, abafado pelos estalos e pela autoridade da máquina de es crever do jornalista.

Ao tratar os jornais como fontes his tóric as, estes foram entendidos como meios propagadores de c ondutas sociais, especificamente relacionados aos aspectos comportamentais de homens e mulheres . Era m tentativ as de delineamento dos modos de agir dos sujeitos. Disc ursos construídos e propagados que endossavam perfis masc ulinos e femininos.

Foram dois os periódicos escolhidos: Gazeta de Notícias 7 e

Folha do Povo8, ambos sob a tutela da Biblioteca Pública Menezes Pimentel (BPMP). Embora tiv éssemos conhecimento da existênc ia de outros jornais de ampla circulaç ão, c omo O Nordeste, escolhemos selecionar aqueles pelo s eu c aráter laico na construção e propagação de padrões comportamentais de gênero em s eus mais v ariados compartimentos internos, além de disporem de elementos c ontraditórios no tratamento das atitudes dos sujeitos, principalmente, em relação às diferenças sex uais.

Os anúncios comerciais alicerç ados em práticas costumeiras de seus possív eis clientes (aspectos ev idenciados principalmente quando ex istia a tentativ a de v enda dos diferentes produtos) e as piadas, que mediante o tom joc oso evidenc iav am o que fa zia rir e ser ridicularizado no meio social, apontav am aspec tos convergentes. Uma ress onância que tocava os diferentes públic os leitores , apontando para um delineamento secundário de tudo que env olvess e o sexo feminino e uma desqualificação das ações das

7 O jornal Gazeta de Notícias foi fundado em 10/07/1927 por Antonio Drumond. Apresentando

publicação diária (exceto aos domingos), chegou a ser empastelado no primeiro mês de existência por fazer oposição ao Presidente do Estado. Em 1972, foi adquirido pela empresa O POVO, passando a circular também aos domingos.

8 Também com circulação diária, exceto aos domingos, o periódico Folha do Povo teve seu

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mulheres, mas que, ao mes mo tempo, as conv idava a agir e a pens ar de uma maneira diferenciada. Dessa propos ição, a percepção e o entendimento das idéias que c irculav am nos jornais surgiram c omo pauta de análise em v irtude das relações de gênero tão díspares , ev idenciadas também em div ersas outras fontes.

Nos anúncios comerciais e reportagens do Gazeta de Notícias foram encontrados balizamentos que permitiram problematizar questões referentes às formas ideais de trabalho de acordo com o sexo, enfatizando aspectos de caráter feminino e masculino. Atrav és das imagens dos anúncios reforçadas c om alguns textos, foi poss ível v isualizar divisões sexuais dos espaç os, cabendo ao homem, por exemplo, o trabalho ex terno, enquanto que a mulher fic aria detida nos liames do lar. Elementos que apontav am para a tentativ a de c onstituição de uma família nuclear burgues a, homogênea e idealizada, tendo na figura do pai, marido e trabalhador o seu expoente máx imo.

No periódico Folha do Pov o, hav ia duas c olunas (uma diária e outra com duas publicaç ões semanais) que tratavam da definição dos perfis s exuais e que mereceram mais atenç ão. Inicialmente, obs erv ou-se a coluna Notas Mundanas onde es tavam os escritos de caráter lúdico. Neste espaço, foi possível cons tatar uma série de piadas percebidas como for mas de manutenção e reforço das des igualdades sócio -sexuais, ao associar aspec tos pos itiv os aos homens e termos pejorativ os e depreciativ os às mulheres. Es t as eram representadas ligadas a aspectos fúteis, às fofocas diárias, aos assuntos frív olos, subserv ientes ao univ erso v arão.

Seguindo a linha de tentar configurar padrões femininos e masculinos ideais, hav ia outra c oluna intitulada Secção das Mulheres. Ali, estav am a tributos que seriam ex clusiv os a o diálogo feminino. Assuntos referentes à esfera doméstica, moda, beleza, culinária, entre outros, que ratificavam as delimitações s ociais e espaciais pretendidas para homens e mulheres.

Entretanto, longe de configurar perfis sex uais homogêneos, o

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comportamento noticiando os avanç os da luta das feministas na busca pelo direito de voto da mulher em nív el nacional. Em alguns artigos hav ia inclusiv e a inc itação das mulheres a oc uparem cargos e espaços no âmbito público, além do estímulo à educação. Assim, se por um lado hav ia a tentativa de cercear as aç ões das mulheres propagando maneiras corretas de se portar no meio social, atrav és do lúdico e das ridicularizações, por outro, ins tigav a e tornava explícito diferentes modos de v ida possív eis, nos quais as experiênc ias das mulher es eram mais ativ as e não se curvavam ao domínio masculino.

A bus ca pela regulamentação das relaç ões sociais com base na diferença sexual nã o era exc lusiv idade dos jornais, mas estavam pres entes nas fontes legis lativ as de época. Quando submetidas à interpretação his tórica, as leis auxiliaram na compreensão das dimensões dos ordenamentos sociais que tentav am bal izar as ações dos sujeitos. Escritas que impetrav am maneiras c orretas de estar na soc iedade e que quando não eram cumpridas acionav am uma série de dispositiv os punitiv os aos infratores, dos quais os regis tros polic iais e judiciais nos deram vastos exemplos.

Optamos por trabalhar com dois códigos nacionais: a

Constituiç ão Brasileira de 1891 e o Código Civ il de 1916. O primeiro deles significav a a Lei máxima e fundamental do país que assumia o regime republicano. Este doc umento apontav a normas concernentes à formação dos poderes públicos, forma de gov erno, dis tribuição de competências, direitos e dev eres dos cidadãos, entre outros, distribuídos em 98 artigos permanentes e em oito dis posições transitórias. Serv ia, ainda, como s ubsídio e base para elaboraç ão de outros códigos, como no caso do Código Civ il de 1916, liv ro regulador de forma mais espec ífica dos direitos e obrigaç ões de ordem priv ada que diziam respeito às pess oas, aos bens e as suas relaç ões.

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Mes mo baseados na v ertente do Direito Clássico de c unho liberal, que v is ava à igualdade entre os cidadãos, essas obras acabavam por reproduzir em seus corpos a diferenciação dos indivíduos c om bas e no s exo e na condição s ocial. Ass im c omo nos jornais, as aspirações e idealizações aqui erigidas foram confrontadas com as

práticas sociais dos indivíduos, apontando mais para

dis tanciamentos do que para aproximações, além de ex plicitar possíveis formas de apropriação do corpo da lei, s obretudo, pelas mulheres.

No momento da análise dessas fontes , em particular do Código Civ il de 1916, a imaginação quanto à sonoridade propiciada pelo proc esso criminal de Dona Luizinha ainda s e fazia presente em nossas reflexões. Contudo, não era mais o estrondo do tiro que inquietava. O que chamav a atenção era o s om proporcionado pelos liv res pass os dessa mulher na cidade, eram os diálogos que ela es tabelecia trabalhando em seu comércio, espaço que lhe exigia uma sociabilidade muito distinta daquela conferida pelo reduto do lar. Percursos traçados sem a presença do marido e prátic as negadas pelo Código de 1916.9 De fato, o que nos intrigava era a s onoridade de uma ex periência tão divergente daquelas que os códigos e jornais de época almejav am e propagav am. Tais questões nos fizeram refletir se seria esse modo de v ida, marcado pe las negociações comerc iais e pelo livre caminhar na cidade, s ingular e único, se ele seria uma exc eção.

Es sa inquietação acabou direcionando a inv estigação para as fontes de caráter comercial da cidade, no sentido de buscar e mapear outras ex periências de mulheres. Para tanto, rec orremos aos Guias Turísticos e Escrituras Comerciais. Inicialmente, trabalhamos com os Guias Turísticos, onde foram enc ontradas infor mações div ersas sobre a constituição dos espaços e ativ idades desenv olvidas no âmbito urbano, tais como: ruas,

9 Estamos nos referindo ao Art. 247 em que a mulher precisava da autorização do marido para

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logradouros , repartições públicas; horários, pass agens e fretes em bondes, vapores e trens , cons ulados, associações; c asas de ens ino, c omércio e de caridade; horários de c ultos, localização de templos religiosos; tarifas postais telegráfic as ; passeios e div ers ões; indicadores da indústria e das profis sões liberais.

De for ma direta, ess e material permitiu um acesso mais detalhado às ativ idades engendradas por muitas mulheres no espaço c omercial da Fortaleza de 1920 e 30. Sugestões de profiss ões que apareciam nos liv ros de queix as foram aqui confirmadas e ampliadas, contradizendo as lógicas produzidas e div ulgadas pelas leis e jornais que indicav am trabalhos específic os de acordo com o s exo. Nesse sentido, foi possív el problematizar e substituir a hierarquizaç ão estátic a da div isão es pacial s ugerida naquelas fontes, com base nas diferenças entre os sex os, por uma reflexão sobre os es paços, constituídos e desconstituídos de acordo com a dinâmica das relações sociais es tabelecidas entre homens e mulheres .

As outras fontes escolhidas foram as Es crituras Comerciais.

Registros de compra e v enda de imóv eis, de aluguel, de hipotec as, de empréstimos e de empreitadas . Atrav és dessas anotações cartoriais , pudemos v isualizar o enfático cresc imento espacial da cidade sugerido pela historiografia local, além de identificar uma significativ a participaç ão das mulher es, as quais configurav am diferentes perfis femininos nessa esfera comercial. Ess as escrituras possibilitaram um entendimento das relações comerciais a partir da ação das mulheres, ev idenciando-as como sujeitos his tóric os ativos na constituição material da cidade, atuando tanto nas fímbrias do sistema quanto de maneira central na esfera pública.

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ev idenciados pelo cruzamento das infor mações obtidas e atrav és da identific ação de ações de uma mesma tipologia, c onfigurando e apontando para modos de v ida específic os, também mantiv emos a atenç ão para as possív eis excepcionalidades que a repetiç ão numérica dos dados tendia a ocultar.

Quanto ao estado c ivil, realizamos o mapeamento de alguns perfis relativ os às mulheres v iúvas. Algumas que, sem tanta experiência no trato econômico e diante da morte do marido, viram-s e na luta pela sobrev iv ência diária, v endendo as poss es herdadas e s e apresentando inúmeras vezes nos registros escriturários . Mulheres que s omente aparec iam ness es doc umentos na c ondição de vendedoras. Contudo, encontramos muitas outras que assumiam a total administração dos bens deix ados pelo cônjuge, comprando e v endendo e tornando-se verdadeiras negociantes no inc ipiente negócio imobiliário fortalezense, ao aprov eitarem a expansão territorial e socioeconômica da cidade nos anos de 1920 e, sobretudo, 30.

Ainda em relação ao estado civ il, descobrimos moç as solteiras, muitas v ezes, criadas por mães v iúvas sem a presença do pai em casa, que tiv eram uma educação diferenc iada,

enc aminhando-se nas profissões liberais e em outras

oportunidades criadas pela lógica capitalis ta urbana. Mulheres que se esquiv avam do mercado matr imonial, adiando a segurança econômica que o casamento muitas v ezes ofertav a, para enveredar em ativ idades comerciais, c om o intuito de irem em busca de s ua independência financeira e profissional, além de romperem com a lógica merc adológica que destinava a mulher ao trabalho interno da casa e propiciando formas de emanc ipação social.

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negociação ocorrida em 02/03/1936. Nes te dia, o oper ário José Ângelo de Moura v endeu uma c asa de taipa e telha enc rav ada em um loteamento no Sítio Saint Cloud pela quantia de 500$000. A compradora, para nossa surpres a, era Luiza de Oliv eira Ferro, a mes ma que realizou o disparo contra Júlio Saraiv a.10

Nesta instigante c aminhada da pesquisa, mais uma v ez, foi bas tante esclarec edor o contato com os estudos de Carlos Ginzburg, principalmente aqueles que tratam da importânc ia do nome na inv estigação histórica. Segundo ele:

[...] se o â mbito da inve stiga ção f oi suf iciente circun scrito, as séries docu mentais p odem sob repor -se n o tempo e no e spaço de modo a permi tir-n os en contrar o mesmo indiv íduo ou grupos de indi víduo s e m contextos soci ais div ersos. O f io de Ariana q ue guia o investigado r n o labi ri nto docume ntal é [...]: o nome.

As linha s que conv ergem para o nome e qu e dele p artem, compondo uma espécie de teia de ma lha f in a, dã o ao o bservador a i mage m gráf ica do tecido social em que o i ndiv íduo está inserido.11

De fato, o elemento propulsor de toda esta inves tigação foi a busc a de registros que env olv iam o no me de Maria Luiza Ferro. Contudo, no decorrer da pes quisa, a v iv ênc ia dessa mulher deu lugar às muitas experiênc ias. Do indiv idual, foi possível mapear variados modos de v ida de mulheres em diferentes ins tâncias do cotidiano citadino, v is lumbrando a plur alidade inerente às relaç ões de gênero naquele momento. A trama de acontecimentos que env olv ia a v ida dessa senhora cedeu espaço e apontou para teias sociais mais amplas .

As sim, alguns dos objetiv os e problemati zaç ões que motiv aram esta pesquisa c ederam espaço para outros que se tornaram densos no decorrer do trabalho, mas que inicialmente não es tav am tão claros e somente apareciam de for mas díspares e fragmentárias . Embora não abandonando os doc umentos criminais ,

10 APEC, Cartório Ponte, Escrituras particulares, Caixa 08, livro 31, p. 93, 1936. Embora

houvesse a ocultação do primeiro nome (Maria) nesse registro, a comparação da assinatura dessa senhora feita no processo criminal e na escritura permitiu perceber que se tratava da mesma pessoa.

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a preocupaç ão em torno da criminalidade das mulheres e da vitimização dos homens foi aos poucos sendo posta de lado, na medida e m que outras problemátic as pareciam mais interessantes de serem inv es tigadas, tais como: a c onstituiç ão e hierarquização dos es paços e profissões de acordo com os s exos em uma c idade

que pass ava por forte expansão, crescimento e que,

concomitantemente, abria es paço para atuação das mulheres ao mes mo tempo que tinha em suas experiências um forte alicerce para o seu desenvolv imento. Questões múltiplas que foram, então, sendo agrupadas e entendidas como parte de uma propos ta que se rev elou mais ampla e que tinha nas ações das mulheres o seu eixo principal.

Ness a perspectiv a, definimos como um dos principais objetiv os a inv estigação das diferentes formas de inserção das mulheres no proc esso de expans ão da c idade nos anos de 1920 e 30, focando as contradições de tal processo e as suas implicaçõ es para as relaç ões de gênero, onde Maria Lui za de Oliv eira Ferro era apenas um nome entre v ários outros. Is to possibilitou o conhecimento de perfis urbanos femininos div ersos, tomados a partir da experiênc ia de mulheres , que mediante suas ações afrouxaram e desfizeram limitações sociais erigidas com base nas diferenças sex uais, construídas tanto por homens como por mulheres. Experiências que propiciaram nov as formas de relacionamento entre os sujeitos, nas quais foram ev idenciadas múltiplas maneiras de agir das mulheres diante dos homens, mas também em relação a outras mulheres.

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e inédita ampliação.12 Na tentativ a de conferir à cidade um caráter cada vez mais moderno, acompanhava-se de perto um v olumoso des envolv imento do setor comercial, além do aumento no número de profiss ionais liberais e de um original acrésc imo de negócios no inc ipiente setor imobiliário.

O c aráter de desenv olvimento urbano e o aprofundamento da ins erção de Fortaleza no des envolv imento capitalista internacional, tendo como porta de acesso o porto da c idade, bas eavam-se, cada vez mais , no incremento tecnológico, fornecendo colorações específicas ao espaço urbano. Ass im, ampliav a-se o comérc io e dinamizav am-se intensamente as negociações , na medida em que também hav ia uma demanda substancial pelo destac ado acrésc imo populacional nas décadas de 20 e 30. Aspectos que passav am a fazer parte do cotidiano fortalezense e permitiam uma introdução inaudita das mulheres na vida econômica e social da cidade, ampliando seus espaços de

participação e c onfigurando proeminentes mudanças de

comportamento.

Para os indivíduos que vivenciaram esse período histórico , o surgimento de outras expectativ as e nec essidades, ocasionadas pelas transformações materiais pelas quais a cidade pass ava, acabou também por ampliar as mudanças nas relações de gênero. O processo de expansão urbano-comercial c itadino, a partir de 1920, e nos anos 30, foi c onsiderado um importante fator de contribuição na ampliação da partic ipação das mulheres e, des sa for ma, no afrouxamento das limitações com base nas diferenç as entre os s exos, jus tificando, ass im, essa década como de fundamental importância para o início de nossa investigaç ão e já configurando um rec orte temporal v iável. Para se ter uma idéia do aumento de v olume de negociações de terras e imóv eis, os anos de 1920 apresentaram um c rescimento em relação à década de

12 PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza Belle Époque: Reformas urbanas e controle social

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1910 na proporção de 404,5%.13 Importante salientar que o env olv imento de mulheres em ativ idades econômicas não era exclusivo desse período. Samara, através de anális es do Censo de 1887, demonstrou a ex istência de várias trabalhadoras pobres chefes de domicílios, no final do século XIX.14 Contudo, os empregos eram aqueles de baixa remuneração e pouco reconhecimento público, exercidos, principalmente, quando da aus ência do homem prov edor.

O intuito não é de afir mar que nas décadas de 1920 e 30 não mais ex istisse ess a c onfiguração socioeconômic a. Entretanto, hav ia outra situação peculiar nesse momento: a ampliação da participação das mulheres nas relações sociais e econômicas, oriundas não apenas da ausência dos homens ou da s ituação de pobreza. Tal ampliaç ão era propiciada pelas modific ações mais amplas pelas quais a c idade passava, transformações essas que, ao mesmo tempo, eram também possibilitadas pelas ações d as mulheres, implicando mudanças e oc upações de es paços de prestígio públic o que, majoritariamente, eram de ocupação exclusiva dos homens. Mulheres que assumiam c argos públic os, que se tornavam importantes profissionais liberais, como as médicas e far mac êuticas, ou ainda que conduziam seus negóc ios próprios, como as donas de pensão e hotéis , ou mesmo de grandes mercearias como fazia Dona Luizinha.

Além dessas diferenças que marcav am e possibilitav am ações peculiares das mulheres das décadas de 20 e 30, outro aspecto que influenciou o recorte temporal final desta pesquisa no ano de 1940 foi a eclosão da Segunda Grande Guerra, fenômeno que proporcionou outras mudanças para a cidade e também

13 APEC, Cartório Ponte, Escrituras Particulares, 1910-20.

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influenciou diretamente nas relaç ões de gênero, as quais foram analisadas por Ana Xav ier Herculano15 e Jane Semeão.16

Segundo Herculano, o mov imento de organização feminista no Ceará teria ocorrido justamente a partir da Segunda Guerra. Nesse momento, as mulheres teriam se empenhado na luta contra as atrocidades do fasc ismo em bus ca da paz, conseguindo uma maior presença na cena públic a. Assim, o aumento de participação se dava de maneira diferenciada e organizada, alé m de possuir forte caráter e objetivos políticos.

No outro estudo, Jane Semeão demons trou o mov imento de ampliação da pres ença das mulheres nos espaç os públic os diretamente relac ionado a outro proc esso histórico: a influência de tropas militares norte-americanas na cidade de Fortaleza. Confor me a autora, a pres ença dos militares estadunidenses teria influenciado de forma direta em mudanças no comporta mento das fortalezenses, muitas conhec idas sob o ter mo pejorativ o de

garotas c oca-colas , pela proximidade estabelecida com aqueles soldados norte-americanos.

As sim, fic ou caracterizado o ano de 1940 como horizonte temporal, por entendermos que a partir daí acontec eram mov imentos específicos de aumento da participação das mulheres na cena pública, div ergente daquele aqui c ogitado para as décadas de 1920 e 30. As concepções definidas aqui diferem do que apontou Jane Semeão. Mes mo antes das influências da Segunda Grande Guerra, a cidade parec e ter passado por intens as transformaç ões que possibilitaram u m alargamento da presença das mulheres em v ários espaç os . Essas mulheres também eram

diferentes daquelas pesquisadas por Herculano, pois

arregimentaram um mov imento polític o com objetiv os bem

15 HERCULANO, Ana Maria Xavier. Todo dia ela faz tudo sempre igual? Feminismo e

cotidiano: discurso e organização de mulheres na periferia de Fortaleza. Fortaleza, 1988, 100 p. Dissertação (Mestrado em Sociologia da UFC).

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definidos. Mesmo assim, por agirem de maneiras dis tintas, introduziram mudanças significativ as nas relaç ões de gênero.

Ao analisar as relações estabelecidas entre os sujeitos, focando principalmente a experiência das mulheres, a categoria gênero, bem como as disc ussões acerca do tratamento do cotidiano nos estudos his tóric os não poderiam ser negligenciadas. Por um longo período da esc rita da história, os profissionais pus eram de lado a dimensão cotidiana em s uas análises . Quando esta aparecia v inha significada somente c omo momento da repetição e da não transformação.

Aliado a isso, até as décadas de 1960 e 70, os es tudos que lev av am em conta as diferenças sexuais nas relações entre os sujeitos históricos eram esc assos e mesmo os primeiros trabalhos que s urgiram nessa perspectiv a guardav am problemátic as e limitações de abordagem peculiares ao seu tempo e es paço.17

É fato que a própria historiografia está imersa no devir his tóric o, eiv ada de dinamicidade. O conhecimento histórico dev e ser visualizado em sua transitoriedade e ligação concreta com o tempo e espaç o que lhe são próprios, c onferindo-lhe carac terísticas singulares. Dessa for ma pude mos observar mudanças essenciais na abordagem histórica, principalmente quanto à interpretação das relações s ociais estabelecidas entre homens e mulheres no nível mais elementar e conc reto do cotidiano, entendido não como mera r epetiç ão, mas como univ erso de conflitos e solidariedades.

Segundo Matos, para além da crise dos paradigmas tradicionais da escrita da história, importa obs erv ar as transformaç ões sociais pelas quais passou o mundo em meados dos anos de 1970, inclusive os av anços nas conquis tas das mulheres que ampliaram sua participação no mercado de trabalho

17 Críticas a essa forma de abordagem foram realizadas por Silva Dias ao discutir as limitações

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e expandiram sua luta na busca de direitos civ is e de igualdade social.18 Nesse processo, dentre várias questões , negou-se a existência de um sujeito his tórico universal e um método único e racional de inv estigação. Assim, rec onhecendo o atrelamento da abordagem histórica ao presente foi que se v is lumbrou a contribuição das conquistas das mulheres nas ciências humanas como u m todo, atribuindo maior v isibilidade à mulher nos estudos his tóric os.

É importante ress altar que tais c ontribuições devem ser matizadas e repensadas no âmbito acadêmico. Um dos problemas da influência feminis ta na disciplina história foi a tentativ a de enc aixar o nov o objeto de estudo (a mulher) em antigos padrões de anális e. As temporalidades de cunho mas culino foram enx ertadas de participação da “mulher”, introduzindo-se o ser feminino na grande narrativ a masculina. Dessa forma, ho uv e uma tendência de negar-lhe diferenças , perc ebendo-a como ente.

Diante dessa problemática, a experiênc ia dos mov imentos sociais de mulheres, feministas, gays e lésbicas tiv eram uma contribuição signific ativa no campo intelectual para (re) pensar problemáticas inerentes a ess es sujeitos históricos e introduzir e ampliar categorias úteis de análise como a de gênero.19

Analisando a história dos mov imentos feministas , Yannoulas afir ma que, na década de 1970, a perspec tiva racionalista direcionava a ação das militantes , entendendo que todos os seres eram iguais e que as diferenç as sexuais eram construções s ócio -culturais. Assim, o feminis mo tinha uma finalidade prática e emancipatória que seria eliminar a “o rde m patriarca l” v igente para que a homogeneização e a c alma entre os sexos fossem

18 MATOS, Maria Izilda Santos de. Outras Histórias: as mulheres e estudos dos gêneros – percursos e possibilidades. In: SAMARA, Eni de; SOHIET, Raquel e MATOS, M. Izilda Santos. Gênero em Debate: trajetórias e perspectivas na historiografia contemporânea. São Paulo: EDUC, 1988.

19 PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica.

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estabelecidas .20 Ainda s egundo Yannoulas , “[...] o movime nto conf und ia se r iguais com ser idêntica s”.21

A bas e de identidade entre as mulheres (o sex o) s e mostrou frágil e logo passaram a ser pensadas as diferenç as dentro das próprias diferenças. Guardadas as permanências nessa vertente de pensamento, a categoria “Mulher”, pensada em oposiç ão ao sujeito univ ersal mas culino (Homem), foi ampliada pelo reconhecimento da div ersidade. Mulheres no plural, antes que

“Mulher” no singular.22 A sexualidade tomada de for ma isolada se tornou insuficiente para analisar as contradiç ões soc iais. Além dis so, as diferenças pas saram a ser pensadas em termos positiv os e negativ os.23

Dentro desse quadro de mudanças, avanç os e rec uos que o mov imento feminista operav a, persistia um problema peculiar ao univ erso acadêmico:

Con vém d estacar que, independentemente de usar a catego ria "mulher" ou "mulhe res", a grande questão que to das q ueriam respo nder, e q ue buscav am n as v árias ciências, era o po rquê de as mulh eres, em dife re ntes soci edade s, serem submetida s à autoridad e masculina, n as mais diversas f ormas e no s mais dif eren tes graus. Assim, consta tavam, n ão impo rtava o que a cultura d ef inia como sendo atividade de mulh eres: esta ativi dade e ra sempre desq ualificada em relação àquil o que os h ome ns, de sta mesma cul tura, f azi am.24

A preocupação foi orientada, então, na tentativ a de ev idenciar as experiências de mulheres que eram deixadas de lado em uma escrita histórica tradicional. Nas vertentes historiográfic as “positiv ista” ou “empiris ta”, o espaç o era destinado aos grandes ev entos e aos heróis, o que resultou em uma introduç ão das

20 O movimento feminista dessa época guardava semelhanças de análise e teoria com as

proposições maxistas contemporâneas. Os marxistas ortodoxos acreditavam que era possível uma harmonia social a partir da extinção das diferenças de classe, classificando a História de maneira teleológica, etapista.

21YANNOULAS, Silvia Cristina. Iguais mas não são idênticos. In: Revista Estudos Feministas. Rio de Janeiro: CIEC/ECO/UFRJ. Vol.2, Nº3/94, p. 7-16, p. 10.

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mulheres nessa escrita de modo bastante problemático, reforç ando mitos e estereótipos de c aráter maniqueísta.25

Foi principalmente com o mov imento dos Annales que se operaram mudanças no s entido de ampliar fontes e problemátic as na c onstrução do conhecimento histórico, rec onhecendo s ua subjetiv idade, transitoriedade e limitações.

Na tentativ a de superar o reducionismo aludido por uma simples substituiç ão de uma história sem mu lheres por uma

his tória com mulheres, impetrou-se pela c onstrução de uma categoria de análise v álida para o entendimento da participação feminina no âmbito soc ial. A ascensão do c onceito de Gênero26 que, conforme Pedro foi des env olv ido primeiro nas ciênc ias sociais (antropologia, sobretudo) para depois migrar para a história, possibilitou o reconhec imento e o tratamento das diferenç as internas de cada sexo, as quais passaram a ser tratadas em seu aspecto relacional e histórico.27

Em Scott, há um aprofundamento da ques tão quando afirma

“[...] que o gêne ro é um e leme nto constitutivo de re laçõe s so ciai s f un dadas sobre as diferença s percebidas entre o s sexo s [...] um primeiro modo de dar significado às relações d e poder”.28 Ass im, uma carac terística primeira dess a categoria seria a consideraç ão do aspecto relacional entre os sexos , apontando para uma disputa de poderes , na qual os comportamentos fe mininos e masculinos estão imbricados, definindo-s e um em função do outro.

25 “Carregadas de estereótipos, estas análises reforçaram mitos ora da suprema santidade, ora

da grande malvadeza das poucas mulheres que ocupam algum cargo de destaque nos governos e/ou nas guerras. Engrossam este panteão as rainhas, as princesas e as donzelas guerreiras, das quais Joana D'Arc é uma espécie de arquétipo do ‘bem’, enquanto Lucrecia Borgia, por exemplo, é considerada um exemplo do ‘mal’”. PEDRO, Joana Maria (c). Op. Cit..

26 Essa categoria foi pensada por alguns historiadores (as) (dentre eles (as), Joan Scott) na

expectativa de que a pesquisa sobre as mulheres transformaria os paradigmas da disciplina. É, portanto, também uma ferramenta de debate político no qual se busca pôr em evidência as desigualdades relacionais entre os sexos.

27PEDRO, Joana Maria. Relações de Gênero na Pesquisa Histórica. Revista Catarinense de

História. Nº. 2, p. 35-44, 1994a.

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Somada às outras reflexões de cunho metodológico no campo historiográfico, ess a mudança de abordagem e percepção per mitiu a ampliaç ão do conhec imento his tóric o e a anális e de ques tões e problemas sociais até então não trabalhados . Para a nossa problemática, é importante lembrar a emergência do es tudo do cotidiano acrescido das análises que tomaram c omo referenc ial a c ategoria gênero acima menc ionada. Essa combinação possibilitou o tratamento de relaç ões de poderes outras, vislumbrando a ação dos sujeitos para além da esfera pública de reconhecimento ofic ial e ev idenciando a malha cotidiana eiv ada de contradições e lutas na constituição de homens e mulheres.

Em estudo realizado na déc ada de 1980, Maria Odila nos dá subsídios para pensar o cotidiano de for ma dinâmica e conflituosa.29 Para além de uma his toriografia que atribuís se importância apenas ao univ erso público-oficial, considerando o diário c omo esfera da simples repetição, da as sociação de fatos de maneira mecânica, a autora visualizo u e analis ou o mov imento do cotidiano congregando a ele o quanto de polític o e de poder ex iste nas relações soc iais ali es tabelecidas .

Ao entender e dar v isibilidade a essa micro esfera temporal e espacial como palc o de conflitos e confrontos de res istência e luta em que se dão a inv entiv idade dos sujeitos e a imprev isibilidade histórica, ess es estudos auxiliaram a elaborar uma reconstrução dos modos de v ida das mulheres ocultos nas atribuiç ões masc ulinas do dia-a-dia, a partir da experiência de v ida de algumas delas . Dessa maneira, mes mo ev idenc iando uma pluralidade de protagonis tas na doc umentação inv estigada, foi possível buscar perfis urbanos femininos entre os indícios e fragmentos encontrados no cotidiano fortalezense, fosse na esfera pública ou priv ada.

Es sas reflexões foram úteis também na identificação e análise dos papéis s ociais atribuídos aos sujeitos de acordo c om a

29 SILVA DIAS, Maria Odila Leite da. Quotidiano e poder em São Paulo do século XIX. São

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diferença sex ual na Fortaleza de 1920 e 30, quando hierarquias, for mas de v iolência, res istências, redes de solidariedade, negociações , entre outras práticas div ersas eram principiadas pelos aspectos de gênero. Relações de poder, estabelecidas entre homens e mulheres, que implic aram process os de ampliação da participação daquelas na esfera s ocioeconômica da cidade e, dessa forma, ações e condutas dis tantes daquelas idealizadas, des fazendo limitações e padrões comportamentais.

As sim, foi possível rec onstituir experiências e mapear modos de vida que guardavam semelhanças e apontav am para a existência de uma cultura conflituos a, em que as mulheres negav am alguns costumes e afirmav am outros em suas lidas diárias , c onforme interesses próprios.

Na medida em que a ev oluç ão material da cidade de Fortaleza, com base em premissas capitalistas, es timulav a e ampliav a a participaç ão das mulheres na v ida soc ioeconômica, ins erindo nov as ex pectativ as que iam minando o s istema de relações tradicionais , muitas v ezes isso ainda ocorria com bas e em uma pretensa superioridade dos homens . Es tes negavam e tentav am impedir as ex periências públic as das mulheres e, dessa for ma, acabav am entrando em conflito direto com as nov as nec essidades e exigênc ias soc ioeconômicas da cidade.

As relações de poder es tavam presentes não apenas no segmento oficial, mas perpassav am os diferentes nív eis do soc ial e eram constituídas historic amente. O modo de tratar o cotidiano não mais como palc o priv ilegiado para vislumbrar a rotina, a repetição, a descrição, permitiu perceber a pluralidade relacional entre os sujeitos históricos quando tomados de for ma analítica. O cotidiano perdeu ass im seu caráter mecanic ista e, juntamente com as nov as compreensões sobre o lócus privado como campo de poder e as reflexões em torno da te mática de gênero, permitiu av ançar na compreensão das relações estabelec idas por algumas mulheres.30

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Relações de poder que es tariam imbricadas e dissolv idas nas práticas estabelecidas entre os indiv íduos, v is to que, de acordo com Michel Fouc ault, o poder só existiria em exercício, em mov imento, nas relaç ões.31

É importante que façamos mais uma ress alv a relacionada ao tratamento teórico e metodológico desta pes quisa. É fato que foi um av anço subs tancial nos estudos históricos a percepção do espaço privado como esfera eiv ada de relações de poder, palco priv ilegiado para o acontecimento de relações de gênero contraditórias , exigindo uma reav aliação e ampliaç ão das fontes

para o desenv olv imento do c onhecimento histórico,

potenc ializando e per mitindo v is lumbrar a participação das mulheres nesse proc esso.

Todav ia, a busca pela experiência feminina não está circ unscrita apenas ao âmbito priv ado. Embora tenha s ido nec essário recorrer a outros documentos para tornar ev idente a participação das mulheres nos processos históricos , v isto que as ações masc ulinas cerceav am suas participações no espaço público, os homens não cons eguiram reduzir totalmente a experiência das mulhe res ao espaço doméstico. Mesmo atuando nas fímbrias, nos inters tíc ios e nas fendas da Fortaleza de 1920 e 30, fosse na esfera priv ada ou no âmbito públic o, de forma reduzida ou deslocada, perbemos que as mulheres também experimentaram pos ições mais centrais e numerosas no espaço público, participando ativ amente do des envolv imento da cidade.

O perigo está em fazer uma assoc iação estreita e tautológica da experiênc ia das mulheres com o univ erso privado. Os diferentes níveis soc iais das mulheres e homens no mov imento his tóric o nem sempre apontam para mulheres “nas ma rgens”, “n a

ge stão do detalhe” ou para homens no domínio da centralidade público-espacial.32 As mulheres, muitas v ezes , estav am pres entes

31FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1985b.

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nos espaços e ocupações centrais do c enário social. Ass im, a variaç ão histórica não é apenas de gênero. É mais ampla: é cultural, soc ial e também econômica. As relações sociais não estão apenas alicerç adas nas diferenç as sexuais . São insufladas por outros marcadores sociais e culturais. Foi ness a perspec tiv a que buscamos compreender a v ida das mulheres que tornaram públicas s uas múltiplas experiências ao se lançarem na história socioeconômica fortalezense das déc adas de 1920 e 30. Mulheres que também engendrav am relações no âmbito priv ado, tornando -o eiv ado de relaçõ es de poder conflituosas, conforme v eremos mais adiante.

Quanto à estruturação deste trabalho, há uma div isão em três momentos. O capítulo I teve como objetiv o pensar e analisar o contexto histórico proposto a partir da v ida de diferentes mulheres, salientando o des envolv imento e a expans ão material do espaço fortalezense nas décadas de 1920 e 30, observ ando tanto os confrontos implicados dessa nova conjuntura socioeconômica e das tentativ as de manutenção das posturas ideais relacionadas aos sexos bem como as princ ipais formas de inserção das mulheres profissionais liberais e outras trabalhadoras nes se espaço. As reflexões em torno desse dinâmico contexto histórico foram necessárias devido à hipótese de que o des envolv imento urbano influenciou e foi influenciado por mudanças s ignificativ as nas relaç ões de gênero, ampliando a partic ipação das mulheres na cena pública. Todav ia, não se trata da apresentação de um cenário

onde agiriam as personagens . A dis cussão sobre o contexto his tóric o foi posta a partir das ações das mulheres , mos trando a sua constituição pelas suas experiências.

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ativ idade comercial da cidade foram surgindo ex periências , modos de v ida, maneiras de pensar e agir das mulheres que acontec iam a rev elia dos homens , muitas v ezes, inclus iv e, sobrepujando-os.

A atenção destinada à esfera econômica da c idade, no primeiro capítulo, é continuada no capítulo II com o intuito de apontar as minuciosidades e contradições de um processo de expansão urbana, e as complexidades das conex ões exis tentes entre as relaç ões de classe e gênero ao apontarem diferentes for mas de as mulheres atuarem nesse meio. Foram historicizados, então, os tratamentos s ingulares referentes a o comércio de imóv eis, os quais possibilitav am uma extensão do poder das mulheres proprietárias, participantes ativ as da cena pública fortalezense, que (re) s ignificav am as relações de gênero cotidianamente, delineando v ariados comportamentos , que em alguns momentos sinalizav am conv ergências, mas em outros apontav am para div ergênc ias entre si.

Paralelo às ques tões de gênero atreladas ao cres cente comércio imobiliário foi possível perceber ainda outros aspec tos pec uliares da ampliação e ocupação dos espaços da cidade, tais como a mudança do caráter residencial para o aspec to comercial do centro da cidade bem como a cons tituição de espaç os de moradas distantes do perímetro urbano central, a exemplo das vilas e loteamentos gerenciados por mulheres.

Outro caráter problematizado e trabalhado nesse c apítulo foi o estado civ il das mulheres envolv idas na ativ idade imobiliária. Nesse sentido, pudemos ev idenc iar a força econômica e social de muitas senhoras viúvas que eram proprietárias, além de um aumento substancial da participaç ão das mulheres solteiras, que parece ter estado atrelado a uma mudança fundamental entre gerações, e a atuaç ão de muitas mulheres casadas que realizaram comércio a revelia de s eus maridos conflitando com os códigos legislativ os de época.

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priv ado, partindo das mulheres focadas no capítulo II. Se, por um lado, foi possível observar uma dinâmic a citadina prov ocada pelo modo de v ida daquelas que eram proprietárias e negociantes, implicando uma ampliaç ão de suas participações na esfera pública, por outro, percebemos elementos paradoxais nos seus modos de se relacionarem com outras mulheres. Ness a perspec tiva, buscamos ev idenc iar e analisar os problemas gerados pelos relacionamentos entre mulheres proprietárias/negociantes e suas criadas/empregadas domésticas .

Enquanto na cena pública o envolv imento de muitas mulheres em ativ idades c omerciais e profiss ões liberais lhes proporcionavam certa emancipação social e mudanç as nas formas como elas interagiam, no espaço priv ado da casa os

relacionamentos pareciam estar marcados por aspec tos

tradicionais e reforços de limites com base na diferença sexual , gerando diferentes conflitos diários .

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I – AS MULHERES NA CID ADE

Em Fortaleza, no dia primeiro de março de 1934, es tiv eram presentes no Cartório Ponte a senhorita Júlia Cav alcante de Araújo, dec larada solteira e de oc upação doméstic a, e o senhor Mário Braga, que afirmou ser casado e c omerciante estabelec ido na praça. A senhorita compareceu ao cartório na condiçã o de outorgante, cedendo em arrendamento três , das suas v árias pedreiras em Arara, no município de Soure, ao outorgado Mário Braga. O c ontrato com duração de um ano regulamentav a o pagamento de ac ordo com a exploração realizada pelo locador: vinte mil réis para c ada vinte toneladas de pedra britada e de pedra paralelepípedo extraídas que, obrigatoriamente, para o dev ido controle da arrendatária, deveriam ter saída pela Estação de Arara da Es trada de Ferro de Baturité.33

Tomado de forma isolada o contrato comercial acima referido era apenas mais um entre os milhares que foram estabelecidos nos decênios de 1920 e 30. Ao realizar mos uma análise dos mesmos , a partir das experiências de mulheres no contexto histórico em que aparec e o registro de J úlia Cav alcante,

podemos entender o seu significado e importância no

des envolv imento material da cidade e na (re) constituição das relações de gênero ali estabelecidas.

Para tal exercício, é necessário que recuemos um pouco no tempo, até meados do século XIX, por entendermos que data daí as principais transformações pelas quais a cidade passou e que lhe deram a configuração singular, mas ao mes mo tempo plural, que aqui buscaremos dis cutir para os dois decênios acima assinalados .

Foi somente a partir daquela c entúria que Fortaleza conseguiu aglutinar ao status de centro polític o o poderio

33 APEC, Cartório Ponte, Escrituras Públicas, Livro 18, p. 175, 1934. A região antes conhecida

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econômico, possibilitando importantes mudanças materiais à cidade. Essa asc ensão na cena loc al se deu, também, pelo dec línio da ativ idade pecuarista e pela c oncomitante asc ensão do cultiv o e exportação do algodão no Ceará, sendo v iabilizado seu escoamento pelo porto da então Vila de Fortaleza, que sobrepujava Aracati em ter mos de desenv olv imento econômico.34

As transformações foram intensas e tiv eram grande des taque, tais como as ativ idades portuárias e o inc remento financ eiro local e estrangeiro que contribuíram para as transformaç ões fís icas mais intensas dos es paços até aquele momento. A própria Estrada de Ferro Baturité, ass inalada na escritura comercial acima c omo meio para escorrer a ex traç ão dos pedregulhos, foi posta em funcionamento nesse séc ulo, mais precis amente no ano de 1873, a fim de facilitar o esc oamento da produção interiorana para a capital e desta para destinos internacionais através do porto.

No s entido de variação da c ena fortalezense também contribuíram a instalação de empresas estrangeiras e o aumento do fluxo de c apital, ocasionados principal mente dev ido ao cultiv o e comércio do algodão, dando início a um c rescimento econômico inaudito com o aumento de negociantes na cidade:

A exp losão co mercial, o aumento da residê ncia de e strangeiro na cidade , o incremento da circulação de p rodutos e hábitos euroupeus po deriam ser con side ra dos a lguns fa tores que contribuíra m para uma tímida muda nça na arqu itetura interna e nos sig nifica dos dos d omicílios de Fortale za. Essas transf orma ções não a lcan çav am tod a a socieda de, ma s era restri ta a um g rupo so cial mais abastado.35

34 De acordo com Maria Auxiliadora Lemenhe, as primeiras negociações feitas diretamente

com Lisboa se deram por volta de 1803. A partir daí, foram pensadas e postas em prática algumas melhorias na Capital, tais como: estudos para ampliação do porto, a construção do prédio da Alfândega, do mercado público e de uma repartição de correspondência, a edificação de pontes sobre rios e riachos que davam acesso a cidade, além de um plano urbano de abertura de ruas e construção de casas. Contudo, foi apenas a partir dos anos de 1840 que Fortaleza aglutinou às funções de principal centro político o seu poderio econômico trazendo significativas mudanças no âmbito social e cultural. Ver: LEMENHE, Maria Auxiliadora. As razões de uma cidade: conflito de hegemonias Fortaleza em questão. Fortaleza: Stylos, 1991.

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Tabela 01 - Vilas e Sí tio s

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