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A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

RAFAEL JORGE VASCONCELOS MATR. 0210250

FORTALEZA 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

RAFAEL JORGE VASCONCELOS

Monografia apresentada como exigência parcial para a obtenção do grau de bacha- rel em Direito pela Universidade Federal do Ceará.

Orientador: Professor William Marques Júnior

FORTALEZA 2007

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A Deus, pela vida maravilhosa que me foi concedida;

Aos meus pais, pelo amor incondicional;

À Mylena, por iluminar meu caminho com o brilho dos seus olhos e com seu sorriso encantador.

III

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AGRADECIMENTOS

Aos amigos que fiz nesta Faculdade, pelos momentos inesquecíveis que pas- samos juntos.

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“De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra; de tanto agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, e rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Ruy Barbosa

V

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SUMÁRIO

RESUMO...VIII

1. INTRODUÇÃO...01

2. O MINISTÉRIO PÚBLICO...04

2.1. Evolução histórica do Ministério Público no Brasil...04

2.2. O Ministério Público na Constituição Federal de 1988...06

2.2.1. Funções institucionais do Ministério Público...08

3. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA...11

3.1. Moralidade e Probidade...11

3.2. Lei da Improbidade Administrativa...15

3.2.1. Histórico da Improbidade no ordenamento jurídico brasileiro...15

3.2.2. Da Inconstitucionalidade da Lei 8.429/92...16

3.2.3. Exame da Lei Federal nº 8.429...18

3.2.3.1. Sujeitos da Improbidade Administrativa ...18

3.2.3.1.1. Sujeito passivo...18

3.2.3.1.2. Sujeito ativo...19

3.2.3.2. Classificação dos atos de Improbidade Administrativa...19

3.2.3.3. Sanções...23

3.2.3.4. Da declaração de bens... ....24

3.2.3.5. Do procedimento administrativo...24

4. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA...25

4.1. Ação de Improbidade Administrativa ou Ação Civil Pública?...25

4.2. Competência para o processamento e julgamento da Ação Civil Pública por ato de Improbidade Administrativa ...28

4.3. Prerrogativa de foro...30

5. ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE...33

5.1 Legitimidade do Ministério Público para propositura da ação...35

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5.2. O Ministério Público e a Ação Civil Pública por ato de Improbidade Administrativa...37 6. CONCLUSÃO...41 BIBLIOGRAFIA...42 VII

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RESUMO

Trata-se de breve estudo da atuação do Ministério Público nas Ações de improbidade administrativa. Para tanto, inicia-se o trabalho com considerações acerca do órgão ministerial, elaborando-se um breve histórico do Ministério Público no Brasil, desde o império até os dias atuais, analisando a presença constitucional do Parquet no ordenamento jurídico atual, que lhe conferiu o status de um quarto poder de Estado. Passa-se em seguida para a definição e conceito do termo improbidade administrativa e sua relação com o princípio constitucional da moralidade administrativa. Segue-se o exame da Lei nº 8.429/92, a chamada lei de improbidade administrativa, e das ações nela previstas, para que se possa enfim chegar ao objeto deste trabalho, delineando a atuação do Parquet nas ações de Improbidade Administrativa.

Palavras-Chave: Ministério Público; Improbidade Administrativa, Moralidade, Ação Civil Pública.

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ABSTRACT

This study is tries to understand the intervention of the District Attorney’s office in the lawsuit of administrative improbity. Thus, the study begins with a quick historic of the D.A’s Office in Brazil, since the days of the empire, until the present days, analyzing the constitutional presence of this organ at the current law order, which has bestowed to it the status of a fourth estate power. Next is the definition and the concept of the term administrative improbity, and it’s relations with the constitutional principle of administrative morality. Following is the analysis of the federal law nº 8.429/92, the so called “Law of Administrative Improbity”, and the lawsuits created by it, so that the final purpose of this work can be achieved.

Keywords: District Attorney; administrative improbity; morality, Public Civil Lawsuit

IX

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A Constituição Federal de 1988 assevera, no caput de seu artigo 127, que o Ministério Público é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Dentre estas atribuições inclui-se a defesa do Patrimônio Público e do Princípio Constitucional da Moralidade, consolidado no artigo 37, caput, da Carta Magna. Para tanto, dispõe a referida instituição de vários meios de atuação. A Lei nº. 7.347/85 regula a Ação Civil Pública e institui o Inquérito Civil, instrumento investigatório de que dispõe o Ministério Público para colher as informações necessárias à propositura de Ação Civil Pública. No tangente aos atos atentatórios ao Erário e à probidade administrativa, a ferramenta adequada para sua defesa é a estatuída pela Lei nº 8.429/92, a chamada Lei da Improbidade Administrativa. Referida norma regulamenta as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, dentre outras providências. A mesma Lei criou o mecanismo processual que veio a ser chamado de Ação de Improbidade, ou Ação Civil Pública por ato de Improbidade Administrativa.

A Lei nº 8.429/92 assegura a participação obrigatória do Ministério Público nas Ações de Improbidade, seja como parte, seja como custos legis. Tal obrigação decorre da função institucional atribuída ao Parquet pela Constituição Federal de 1988, consubstanciada em seu artigo 129, III, qual seja, a promoção do Inquérito Civil e da Ação Civil Pública, para a proteção do Patrimônio Público e Social.

No Estado do Ceará, mais especificamente na Comarca de Fortaleza, até 14 de agosto de 2006, a instauração de procedimento administrativo pelo Ministério Público Estadual, com a finalidade de se investigar possível ato de Improbidade Administrativa cabia às Promotorias de Justiça da Fazenda Pública. A partir daquela data, com a entrada em vigor da Lei Complementar Estadual nº 59, que alterou dispositivos da Lei nº 10.675/82, Código do Ministério Público do Ceará, a atuação supra foi atribuída às Promotorias de Justiça Cíveis. Em fundamentação encaminhada à Assembléia Legislativa do Estado, juntamente com o projeto da Lei em comento, o Procurador-Geral de Justiça do Ceará argumentou que o

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redimensionamento das atribuições conferidas às Promotorias de Justiça Cíveis justifica-se pelo fato de as mesmas possuírem, de acordo com o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do Ceará, atribuições tão somente residuais, conferindo-lhes um reduzido raio de atuação. Foi então criado o Núcleo de Defesa do Patrimônio Público, englobando as 23ª, 24ª, 25ª e 26ª Promotorias de Justiça Cíveis, ao qual compete a promoção e acompanhamento das medidas que se tornarem necessárias para a defesa do patrimônio público, bem como as sanções previstas na legislação especial, aplicáveis aos agentes públicos nos casos de improbidade administrativa, conforme se depreende da nova redação do artigo 36,

§2º, V, “a”, da Lei nº 10.675/82, dada pela Lei Complementar Estadual nº 59.

Diante do exposto, o presente trabalho tem como perguntas norteadoras:

1) Qual a legitimidade do MP para atuar como parte nas Ações de Improbidade? 2) Quais as atribuições e os limites da atuação do Parquet nas referidas ações? 3) Qual o procedimento adotado nas Ações de Improbidade? 4) Qual a natureza jurídica da Ação de Improbidade?

Este tema nos despertou interesse particular, tendo em vista que faz parte de nossa área de atuação, como servidor público, no Ministério Público do Estado do Ceará, mais especificamente no Núcleo de Defesa do Patrimônio Público.

Todavia, faz-se necessário um estudo aprofundado do tema para alcançar um maior nível de entendimento sobre o assunto, pois, em se tratando de defesa do patrimônio público, é obrigação de todos nós, como cidadãos, acompanhar e fiscalizar os atos das instituições por ele responsáveis. Trata-se, outrossim, de tema bastante atual, de constante enfoque pela mídia, devido a uma série de escândalos envolvendo diversos setores da Administração Pública.

O povo brasileiro está desacreditado com a Justiça. Denúncias de corrupção por parte de agentes públicos tornaram-se corriqueiras neste país. As Ações previstas nas Leis 4.717/65, 7.347/85 e 8.429/92, respectivamente Ação Popular, Ação Civil Pública e Ação de Improbidade, são os principais instrumentos de defesa dos interesses sociais, difusos e coletivos. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 127, atribui a defesa de tais interesses ao Ministério Público, enquanto que a norma impressa no artigo 129, III da referida Carta Magna afirma ser função institucional do Parquet promover o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública, 2

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para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

Portanto, é de extrema importância o estudo da atuação do Ministério Público, órgão incumbido da Defesa, dentre outros, da ordem Jurídica e dos interesses sociais, nas Ações de Improbidade Administrativa.

Espera-se que, com este trabalho, possa se compreender a atuação do Ministério Público nas Ações de Improbidade, detectando os limites e a legitimidade da atuação do Parquet, bem como identificar o procedimento utilizado nas referidas ações.

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2. O MINISTÉRIO PÚBLICO

2.1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL

É de grande importância, a fim de compreender a atual situação do Ministério Público, que se proceda a um breve estudo acerca da evolução do Parquet, desde seu surgimento no Brasil, até os dias de hoje.

O embrião do Ministério Público surgiu com a figura do Procurador da Coroa e Soberania Nacional, com a outorga da Constituição de 1824. Antes disso, havia o Procurador da Coroa de Portugal, subordinado ao Rei.

A constituição imperial, em seu artigo 48, conferia ao Procurador da Coroa a competência para a promoção do Processo Criminal, exceto nas hipóteses de crimes de autoria dos Ministros e Conselheiros de Estado. O código de Processo Criminal de 1832 dedicou uma seção aos Promotores, em que tratava de sua nomeação e atribuições. Até então, não se poderia falar em Ministério Público como uma instituição, bem como em garantias ou independências dos Promotores Públicos, subordinados diretamente ao Poder Executivo.

Apenas em 1890 o Ministério Público passou a ser tratado como instituição, em virtude da entrada em vigor do Decreto 848 de 11 de outubro de 1890. Tal decreto, elaborado pelo então Ministro da Justiça no Governo Provisório, Campos Salles, além de estabelecer a estrutura da Justiça Federal no Brasil, definiu o Parquet como instituição necessária em toda organização democrática. De acordo com a exposição de motivos do referido decreto, competia ao Ministério Público

“velar pela execução das leis, decretos e regulamentos que devam ser aplicados pela Justiça Federal e promover a ação pública onde ela convier”, resguardando-se a sua independência.

Em virtude de sua contribuição, Campos Salles é considerado o Patrono do Ministério Público Brasileiro.

Contudo, a instituição do Ministério Público só foi devidamente regulamentada com a Constituição de 1943, onde lhe foi destinada a seção I do capítulo VI, que tratava dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais.

Apesar de situado em capítulo à parte dos que dispunham sobre os Poderes do Estado, o Parquet ainda era subordinado ao Poder Executivo, posto que o

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Procurador-Geral de Justiça era nomeado pelo Presidente da República e demissível ad nutum.

A partir da Constituição de 1946, os membros do Ministério Público foram agraciados com as garantias de estabilidade, não podendo ser demitidos após dois anos de exercício “senão por sentença judiciária ou mediante processo administrativo em que se lhes faculte ampla defesa”, e inamovibilidade, a não ser mediante representação motivada do Chefe do Ministério Público, fundamentada em conveniência do serviço.

Na Constituição Federal de 1967, o Ministério Público foi inserido dentro do capítulo do Poder Judiciário, situação modificada pela Emenda Constitucional nº 01, de 17 de outubro de 1969, a rigor uma nova Constituição, que subordinou expressamente o Parquet ao Poder Executivo.

Na década de 80, o Ministério Público passou por grandes modificações.

De acordo com Mazzilli:

Foi com a primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – a LC federal n. 40, de 14 de dezembro de 1981 – que o Ministério Público passou a ter um perfil nacional mais uniforme, com conceituação, princípios, funções, garantias, vedações instrumentos e organização básica comuns.

(MAZZILLI, 2005, p. 25).

Com efeito, a partir da promulgação da Lei Complementar nº 40/1981, o Ministério Público fortaleceu-se como instituição.

Com a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85), foi conferida ao MP a defesa dos interesses transindividuais, abrangendo a defesa do meio ambiente, consumidor e patrimônio público e cultural, ampliando significativamente as atribuições do Parquet. Foi criado também o Inquérito Civil, instrumento investigatório de grande importância, instaurado e presidido pelos membros do Ministério Público.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o MP foi retirado do âmbito do poder judiciário, regendo-se pelo princípio da independência funcional. A partir de então, tornou-se o MP uma instituição independente, à qual cabe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Com a Constituição Federal de 1988, o Parquet foi efetivamente reconhecido como função essencial à justiça. A partir da nova carta magna, o MP

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passou a ser um verdadeiro fiscal da lei, tendo seu âmbito de atuação ampliado consideravelmente.

2.2. O MINISTÉRIO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal inseriu o MP no Título IV, que trata da organização dos poderes do Estado. Apesar de são ter sido elevado à condição de quarto Poder de Estado, foram asseguradas ao Parquet Garantias de Poder. Na lição de Mazzilli:

“A natureza jurídica do Ministério Público é a de órgão do Estado, não do Poder Executivo ou do governo; entretanto, como não legisla nem presta jurisdição, sua natureza é tipicamente administrativa, embora a Constituição Federal lhe tenha concedido garantias efetivas de Poder (...)” (MAZZILLI, 2005, p. 32),

Com efeito, a CF/88 assegurou ao MP, dentre outras garantias, a autonomia funcional e administrativa, nos termos do art. 127, §2º, e orçamentária, nos termos dos §§ 3º, 4º. 5º e 6º do citado artigo; os membros do MP detêm garantias e vedações semelhantes àquelas dos membros do Poder Judiciário; tal semelhança se dá também quanto à investidura e perda de cargo de seus membros.

A Instituição do Ministério Público assemelha-se aos Três Poderes do Estado “em virtude da autonomia, independência e finalidades constitucionais” (MORAES, 2004, p. 386).

A Constituinte de 88 optou por elevar o Parquet a defensor dos direitos fundamentais e fiscal dos Poderes Públicos, em conformidade com a teoria dos freios e contrapesos.

Inserido no Título supracitado, está o capítulo IV, que versa sobre as funções essenciais à Justiça. A Seção I deste capítulo foi destinada inteiramente ao Ministério Público. De acordo com o artigo 127, “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.

Pode-se seccionar este conceito e definição em seis partes:

Instituição permanente: Esta denominação pode ser vista sob dois prismas. Primeiro, trata-se de Instituição permanente pois não pode ser abolida por qualquer dos poderes, nem mesmo pelo Povo, sob a Ordem Constitucional vigente.

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Segundo, é permanente pois, uma vez criada, sua presença no Estado é contínua, zelando pelo leal cumprimento das Leis.

Essencial à função jurisdicional do Estado: Sob uma interpretação literal desta norma, o Ministério Público seria indispensável à atuação da função jurisdicional do Estado. Contudo, sabe-se que o Parquet não oficia em todos os processos judiciais. Interpretando-se restritivamente tal preceito, tem-se que o MP seria imprescindível apenas nos processos em que deva oficiar. Segundo Mazzilli,

“embora o Ministério Público não oficie em todos os processos judiciais, naqueles em que deva oficiar em conformidade com sua destinação constitucional, sua atuação passa a ser essencial para a prestação jurisdicional”. (MAZZILLI, 2005, p.

33).

Investido da defesa da ordem jurídica: Cabe ao MP zelar pelo efetivo cumprimento das Leis. Por isso é a instituição conhecida por “Fiscal da Lei”.

Investido da defesa do regime democrático: Embora tratar-se de norma programática, desde já se permite algumas formas de atuação concreta do Ministério Público na defesa do regime democrático, como a função de ombudsman, prevista pelo art. 129, II da CF, a promoção da ação penal e da ação civil públicas, nas hipóteses do artigo 129, I e III, a defesa da representatividade popular e do exercício de direitos políticos, e a fiscalização de todo o processo eleitoral.

Investido da defesa do interesses sociais: Onde houver interesse da sociedade como um todo, deverá haver a atuação do Ministério Público.

Investido da defesa dos interesses individuais indisponíveis: Apesar de ser primordialmente um órgão responsável pela defesa do regime democrático e dos interesses sociais, o Parquet também deverá atuar em defesa dos interesses individuais quando estes forem indisponíveis, ou seja, quando o detentor de tal interesse dele não puder dispor. O exemplo maior de interesse individual indisponível é o direito à vida. Sempre que houver interesse individual indisponível, o Ministério Público é órgão legitimado a atuar em defesa deste interesse.

Para que estes fins fossem alcançados, era necessário que o Ministério Público fosse dotado de autonomia e independência. Com efeito, o parágrafo primeiro do artigo 127 da Constituição diz serem princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

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Além disso, a Carta Magna de 88 ampliou consideravelmente o âmbito de atuação do Parquet. Como foi visto no capítulo anterior, o Ministério Público, desde sua criação, deteve a função de promover a ação penal. Com a Carta de 88, manteve-se esta função, acrescentando-se umas e consolidando outras.

2.2.1 - Funções Institucionais do Ministério Público

O artigo 129 da CF lista as funções institucionais do Ministério Público.

Inicialmente, lhe é conferida a promoção privativa da Ação Penal Pública, atribuição esta confiada ao Parquet desde seus primórdios. Em seguida, em seu inciso II, afirma ser função institucional do MP “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”. Trata-se da função de Ombudsman, palavra derivada do sueco, e que significa “representante”, razão pela qual essa função é também conhecida como a de “defensor do povo”. Tal função guarda, ainda, estreita relação com a defesa da democracia. Para o eficaz desempenho desse papel, dispõe o Parquet de importantes instrumentos, como, dentre outros, o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública.

O inquérito civil foi criado com o advento da Lei da Ação Civil Pública.

Trata-se de instrumento de que dispõe o Parquet para investigar a possível ocorrência de danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e paisagístico. Confirmando-se a existência de tais danos, buscar-se-á, através da propositura de Ação Civil Pública, responsabilizar judicialmente os responsáveis. Em outras palavras, o inquérito civil tem por objetivo recolher as informações necessárias para fundamentar Ação Civil Pública, ou viabilizar outras formas de atuações.

Constitui função institucional do Ministério Público a promoção de inquérito civil e Ação Civil Pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, de acordo com o inciso III do artigo 129 da Carta Magna.

O conceito de Patrimônio Público encontra-se no art. 1º, §1º da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, que regula a Ação Popular. De acordo com tal 8

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espécie normativa, constituem o Patrimônio Público os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico e turístico. Hugo Nigro Mazzili, em seu livro Ministério Público, valendo-se de demais normas jurídicas vigentes, amplia tal conceito, incluindo os bens e direitos de valor arqueológico e de caráter ambiental.

Atuando na defesa do Patrimônio Social, o Ministério Público agirá: “a) na defesa dos interesses sociais (grupos hipossuficientes, como pobres, favelados, vítimas de crimes, presos, pessoas discriminadas); b) na defesa da sociedade como um todo (valores materiais ou imateriais, como o patrimônio cultural)” (MAZZILLI, 2005, p. 90).

A Constituição Federal afirma ainda ser função institucional do Ministério Público a promoção da ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na Lei Maior, bem como a defesa judicial dos direitos e interesses das populações indígenas.

O inciso VI do art. 129 consolida, como função institucional, ferramentas das quais dispõe o Parquet para instruir procedimentos administrativos de sua competência. São estas as notificações e as requisições. Trata-se de instrumentos de grande importância ao exercício da atividade ministerial. Por meio das notificações, pode o Parquet requisitar informações e documentos com fins de instrução de procedimento administrativo. O retardamento indevido ou o não atendimento de tais requisições implicarão a responsabilidade de quem lhe der causa, de acordo com o disposto no art. 8º, §3º da Lei Complementar nº 75.

No inciso seguinte, inclui-se no rol de funções institucionais o controle externo da atividade policial. A Lei Complementar nº 75 dispôs sobre o assunto, afirmando que tal controle se dará por meio de medidas judiciais e extrajudiciais, devendo a prisão de qualquer pessoa ser comunicada imediatamente ao Ministério Público competente, com indicação do lugar onde se encontra o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão. Trata-se de novamente de exemplo de imposição, por parte do constituinte, do sistema de freios e contrapesos sobre os órgãos públicos. No entendimento de Mazzilli, “deve o Ministério Público zelar pela legalidade da investigação criminal, pelo princípio da indisponibilidade e obrigatoriedade, pelos direitos humanos, pela eficiência, probidade e impessoalidade dos trabalhos policiais” (MAZZILLI, 2005, p.98).

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No exercício do controle externo da atividade policial, é garantido ao Parquet o livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais, o acesso a quaisquer documentos relativos à atividade-fim policial, o poder-dever de representação à autoridade competente pela adoção de providências para sanar a omissão indevida ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder, a possibilidade de requisitar à autoridade competente para instauração de inquérito policial sobre omissão ou fato ilícito ocorrido no exercício da atividade policial, e competência para promoção de ação penal por abuso de poder.

Ainda tratando das funções institucionais, o inciso VIII do art. 129 da CF/88 atribui ao Ministério Público a requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial. É possível que, durante a instrução de procedimento administrativo ou Inquérito Civil, o membro do Parquet perceba indícios de existência de crime. Nestas condições, deve informar tais indícios à delegacia competente, requisitando a instauração de inquérito policial. Contudo, requer a Constituição que o requerimento de diligências ou de instauração de inquérito policial indique os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.

O constituinte de 88 não exauriu o rol de funções institucionais do Parquet, atribuindo às espécies normativas posteriores a criação de novas funções, desde que compatíveis com a sua finalidade, qual seja, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sendo- lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas, papel esse exercidos pelas procuradorias da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, e dos Municípios.

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3.1. MORALIDADE E PROBIDADE

A palavra probidade deriva do latim probus, significando aquilo que brota bem (pro + bho – da raiz bhu, nascer, brotar), denotando a boa qualidade daquilo a que se refere. Ao contrário, improbidade deriva de improbitas, significando, em sentido próprio, a má qualidade de uma coisa. Também em sentido próprio, improbus acrescido do sufixo i, que originou a palavra ímprobo, significa mau, de má qualidade. O sentido literal dessas palavras não se relaciona, necessariamente, à atribuição de desonestidade, e sim, à má qualidade de algo ou de alguém.

Administração ímproba quer significar, etimologicamente, administração de má qualidade.

Para se alcançar o verdadeiro significado legal e jurídico da expressão, deve-se fazer a devida distinção entre os termos “probidade” e “moralidade”.

Há quem confunda probidade com moralidade ou, correspondentemente, improbidade com imoralidade. Luiz Alberto Ferracini, por exemplo, no livro Improbidade Administrativa, preleciona: “Entende-se por ato de improbidade má qualidade, imoralidade, malícia. Juridicamente, lega-se ao sentido de desonestidade, má fama, incorreção, má conduta, má índole, mau caráter” (FERRACINI, 1997, p.

16). Plácido e Silva, em seu Vocabulário Jurídico, trilhando o mesmo caminho, diz que “improbidade revela a qualidade do homem que não procede bem, por não ser honesto, que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral” (PLÁCIDO E SILVA, 2000, p. 431).

Contudo, trata-se aqui de dois conceitos distintos. A própria Constituição Federal, em diversos momentos, trata desta distinção. Repassemos os dispositivos que mencionam, expressamente, os dois conceitos. Ao tratar da administração pública, apontando-lhe os princípios fundamentais (art. 37, caput), a CF indica, entre estes, a moralidade, sem referência à probidade: “A administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,

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moralidade, publicidade(...)”. Já no § 4° do mesmo artigo 37, a Carta Magna alude à improbidade administrativa, sem aludir à moralidade, ao determinar que “os atos de improbidade administrativa importarão a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível”.

Em outro dispositivo da CF (art. 5º, LXXIII) está dito que:

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

Definindo os crimes de responsabilidade do Presidente da República, a Lei Maior, em seu artigo 85, V, considera como um deles o ato daquela autoridade que atentar contra a probidade na administração. A Lei 8.429/92, por sua vez, complementando as disposições constitucionais, classifica os atos de improbidade administrativa em três tipos:

I) atos de improbidade que importam em enriquecimento ilícito;

II) atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário;

III) atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública.

Citadas algumas normas nas quais constam referências à moralidade e probidade administrativa, procedemos à distinção entre estes conceitos.

Entende-se por moralidade a congregação de costumes, deveres e modo de proceder dos homens para com os seus semelhantes; o corpo de preceitos e re- gras para dirigir as ações humanas segundo a justiça e a equidade natural. A probi- dade, por sua vez, consiste em honradez, integridade de caráter, honestidade. À pri- meira vista, a distinção efetiva entre estes dois termos não se mostra evidente, en- tretanto, analisando minuciosamente tais conceitos, pode-se perceber que a morali- dade compreende o conjunto de valores inerentes à existência humana, embora muitas vezes estes valores não sejam observados; já a probidade configura a reti- dão no agir de acordo com tais valores perante uma dada atribuição, tanto que a ori- gem etimológica do vocábulo coloca a improbidade em sentido próprio como "má qualidade", como visto anteriormente.

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Uma vez definidos, interessante se faz colocar a discussão em torno do que vêm a ser os princípios da moralidade e da probidade administrativa, sua ori- gem, suas evoluções, e, preponderantemente, a linha de atuação de cada um deles, mostrando as eventuais interseções que traçam seus caminhos.

A discussão em epígrafe ganhou relevância com a Constituição Federal de 1988, a qual coloca a moralidade como um dos princípios ao qual deve se sub- meter a administração pública, desmistificando toda uma tendência, oriunda das ori- ginárias distinções entre Direito e Moral, sendo esta uma área livre da intervenção estatal, consistente numa obrigação de simples dever, íntima, dada com intenção pura, sem qualquer possibilidade de coerção.

O Direito, destarte, vinha a ser a obrigação legalmente formulada, imposta mediante coercibilidade, o que fornecia a certeza de sua observância. Tratavam-se de esferas distintas. No campo do Direito, havia a intervenção estatal, cobrando e impondo; Onde a consciência individual traçava os parâmetros de limitação, tinha-se a moral. Porém surge um questionamento: de onde vem o Direito? Sabe-se que, an- tes das codificações normativas, as relações no meio social eram tuteladas consue- tudinariamente, a partir dos costumes próprios de cada localidade, o deu origem a um Direito diversificado, compactuando com as várias peculiaridades de cada povo.

Mas de onde emanavam tais costumes? Em que se embasavam os povos para defi- nirem o certo e o errado? Obviamente em valores morais, no que julgavam ser cor- reto, honrado, íntegro. Da compilação desses costumes surgiu a norma, antes es- parsa, depois codificada, passando por variadas especializações, mas resultante de como agiam os povos diante daquelas situações fáticas, afinal, não poderia todo o sistema ir de encontro a tudo o que já existia no campo da imperatividade de condu- tas. Pois, se uma lei está de acordo com o ideal moral de determinada sociedade, terá sua eficácia facilmente assegurada. A norma será voluntariamente obedecida, por estar em conformidade com o pensamento moral daquele povo, e a sanção será eficaz porque ela atingirá aqueles que a própria sociedade reconhece serem rebel- des ao dever. Se, ao contrário, a lei fere o ideal moral da sociedade, ela será então imperfeitamente obedecida até o dia em que, apesar de sua aplicação difícil, ela conseguir deformar o ideal moral e aparecer ela mesma como a tradução de um ou- tro ideal.

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Portanto, não há como se dissociar concretamente o direito da moral, uma vez que aquele nasce indiretamente desta. O mesmo homem que buscou tra- çar paralelos de distinção entre direito e moral, a fim de resguardar uma certa área livre da intromissão estatal, passou a enxergar a necessidade de tutela às relações jurídicas e sociais a partir de uma outra ótica, restrita não apenas ao normativismo codificado, porém extensiva ao senso moral norteador das ações dos indivíduos.

No campo do direito administrativo, público por natureza, há a preponde- rância do interesse coletivo em detrimento do individual. O Estado se investe da fun- ção administrativa a fim de proporcionar aos jurisdicionados uma perfeita vivência em sociedade. Como então desprezar o fator moralidade? Uma vez o Estado dotado de uma função, se a ética fosse dispensada de análise, como garantir a efetividade da prestação a que se obriga? Em nome da norma há um leque de opções frente a cada caso concreto, todavia a permissibilidade de agir há de ser delimitada pelas di- retrizes morais; não basta que a autoridade seja competente, os motivos verdadei- ros, o objeto lícito, se a intenção do agente for desvirtuada, configurando desvio de poder, invalidando o ato de pleno direito; é de se observar a finalidade, o intento, e isso perpassa aos campos da mera norma jurídica solitária, indo encontrar abrigo na conceituação de moralidade administrativa.

A partir do momento em que o interesse público está em xeque, não se pode deixar os limites de ação a cargo somente e tão somente da consciência indivi- dual. Torna-se indispensável a proporcionalidade entre os meios e os fins a serem atingidos, entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios que por ela se- rão auferidos, a razoabilidade entre o possível juridicamente e o plausível faticamen- te.

Acrescente-se ainda, do gênero moralidade, a espécie improbidade admi- nistrativa, revelando a qualidade do administrador que não procede bem, por não ser honesto, que age indignamente, por não ter caráter, que não atua com decência, por ser amoral. Consoante já esposado, a moralidade compreende o conjunto de valores inerentes à existência humana, muitas vezes restem inobservados; já a probidade configura a retidão no agir consoante tais valores perante una dada atribuição.

A moralidade administrativa compreende o tipo de comportamento que os administrados esperam da administração pública para a consecução de fins de inte- resse coletivo, segundo uma comunidade moral de valores, já a probidade na admi- 14

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nistração vem a ser o agir em consonância com tais valores, de modo a propiciar uma administração de boa qualidade. A moralidade é o genérico, do qual a probida- de é uma especialização.

Em suma, o ato de imoralidade afronta a honestidade, a boa-fé, o respeito à igualdade, as normas de conduta aceitas pelos administrados, o dever de lealda- de, a dignidade humana e outros postulados éticos e morais. A improbidade significa a má qualidade de uma administração, pela prática de atos que implicam o enrique- cimento ilícito do agente ou em prejuízo ao erário ou, ainda, em violação aos princí- pios que orientam a pública administração. Não há pois como restarem dúvidas. A moralidade é o postulado alicerce, do qual a probidade erige, trazendo para a prática a axiologia inserta no termo "moral", traduzindo aquele administrador que não se norteia pelas valorações éticas componentes da moralidade, como ímprobo, passí- vel, de conseguinte, das sanções cabíveis a sua atuação condenável.

3.2 - LEI DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

3.2.1. Histórico da Improbidade no ordenamento jurídico brasileiro

Antes de se adentrar no estudo da Lei nº 8.429/92, faz-se necessário elaborar um breve histórico da improbidade para uma melhor compreensão do tema ora estudado.

No que tange à previsão constitucional da improbidade, nenhuma outra constituição ousou abordá-la nos moldes de como se encontra na atual. As cartas anteriores apenas tratavam do enriquecimento ilícito, modalidade mais contundente da improbidade administrativa. O art. 146, §31, in fine, da CF de 1946 estatuía o seguinte: “a lei disporá sobre o seqüestro e o perdimento de bens, no caso de enriquecimento ilícito, por influência ou com abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica”.

Na Constituição de 1967, alterada pelas Emendas 1/69 e 11/78, no art.

153, §11, estava previsto, em sua parte final, que “a lei disporá sobre o perdimento de bens por danos causados ao erário ou no caso de enriquecimento ilícito no exercício da função pública”.

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A Constituição de 1988 inovou no seu art. 37, §4º, alargando o conceito de improbidade administrativa, passando assim, a sociedade, a contar com mais um instrumento no combate da corrupção.

Quanto à legislação infraconstitucional, a atividade legiferante brasileira produziu duas leis nessa área anteriores à Lei 8.429/92. Podemos citar a Lei n.º 3.164/57 (Lei Pitombo-Godói Ilha) e a Lei n.º 3.502/58 (Lei Bilac Pinto).

A Lei Pitombo-Godói sujeitava a seqüestro os bens de servidor público, adquiridos por influência ou abuso de cargo ou função pública, ou de emprego em entidade autárquica, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que aquele tenha ocorrido.

A Lei Bilac Pinto regulava o seqüestro e o perdimento de bens de servidor púbico da administração direta e indireta, nos casos de enriquecimento ilícito, por influência ou abuso de cargo ou função. Complementava sua antecessora enumerando algumas hipóteses configuradoras do enriquecimento ilícito.

3.2.2. Da Inconstitucionalidade da Lei 8.429/92

Antes de iniciar o estudo da lei em exame, cumpre analisar sua possível inconstitucionalidade material e formal.

Será analisada inicialmente a inconstitucionalidade material. Renomados juristas como Toshio Mukai abraçam este juízo. O referido douto tem como fundamento o art. 24 da Constituição Federal, que trata da competência concorrente da União, Estados e Municípios. De acordo com seu entendimento, a Lei 8.429/92 teria caráter administrativo e, por conseguinte, sua edição não seria da competência exclusiva da União. Vejamos:

Portanto, a Lei n.º 8.429/92 pretende ser, violando o princípio federativo insculpido no art. 18 da Carta Magna, imune até mesmo à emenda constitucional (posto que a claúsula pétrea do art. 60, §4º, impede sequer a deliberação de proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado), diploma legal de cogência nacional.

E, no caso, inexiste no texto constitucional, dentre as disposições que tratam da distribuição de competências dos entes federados, mormente no art. 24 (que dispõe sobre a competência concorrente), nenhuma autorização à União que lhe outorgue competência legislativa em termos de normas gerais sobre o assunto (improbidade administrativa).

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Aliás, nem poderia mesmo existir, pois, se se trata de impor sanções aos funcionários e agentes da Administração, a matéria cai inteiramente na competência legislativa em tema de Direito Administrativo, e, portanto, na competência privativa de cada ente político. (MUKAI, 1999).

Data venia, não merece acolhida tal entendimento. A Lei de Improbidade Administrativa não tem unicamente caráter administrativo. O ilícito decorrente do cometimento de atos de improbidade é de natureza político-civil. Esse é o magistério de Maria Sylvia Di Pietro:

A natureza das medidas previstas no dispositivo constitucional está a indicar que a improbidade administrativa, embora possa ter conseqüências na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante) caracteriza um ilícito de natureza civil e política, porque pode implicar a suspensão dos direitos políticos, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento dos danos causados ao erário.

Note-se que os direitos políticos, que dizem respeito fundamentalmente aos direitos de votar e ser votado, estão assegurados no título II da Constituição, que trata dos direitos e garantias fundamentais e só podem ser suspensos ou perdidos nos casos expressos no artigo 15, entre os quais está prevista a improbidade administrativa, nos termos do artigo 37, §4º. Seria inconcebível que cada estado ou cada município pudesse legislar a respeito ou aplicar sanção dessa natureza, mediante processo administrativo. Trata-se de matéria de direito eleitoral (já que afeta fundamentalmente os direitos de votar e de ser votado), de competência privativa da União, nos termos do art. 22, I, da Constituição. (DI PIETRO, 2000).

Quanto à inconstitucionalidade formal da Lei 8.429/92, esta foi questionada por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade 2182, de autoria do Partido Trabalhista Nacional, alegando que a elaboração e aprovação da referida lei não obedeceu ao sistema legislativo bicameral, instituído pelo art. 65, parágrafo único da CF/88. Reza o referido artigo, in verbis:

Art. 65. O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.

Parágrafo Único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.

Resta saber se o Pretório Excelso vai declarar a inconstitucionalidade da Lei de Improbidade Administrativa depois de tanto tempo após a sua entrada em vigor.

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3.2.3. Exame da Lei Federal nº 8.429

Relembremos novamente o conceito de improbidade administrativa, antes de adentrarmos na seara da Lei nº 8.429:

Numa primeira aproximação, improbidade administrativa é o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo tráfico de influência nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento da poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos.

(FILHO, ROSA, JÚNIOR, 1999, p. 39).

Com efeito, o objetivo maior da Lei de Improbidade Administrativa é proteger o administrado, e não apenas a administração pública, aqui considerada em relação ao seu patrimônio moral e material.

Vejamos, doravante, os elementos integrantes da Lei 8.429/92

3.2.3.1. Sujeitos da Improbidade Administrativa

A Lei de Improbidade nos seus artigos 1º, 2º, 3º, definem quem são os sujeitos ativo e passivo do ato de improbidade, abaixo analisados.

3.2.3.1.1. Sujeito Passivo

O sujeito passivo do ato de improbidade é qualquer entidade pública ou particular que tenha participação de dinheiro público em seu patrimônio ou receita anual.

Por conseguinte, são sujeitos passivos a administração direta e indireta (autarquias, sociedades de economia mista e fundações); a empresa incorporada ao patrimônio público; entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou 18

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concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual; entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de 50% do patrimônio ou da receita anual; entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público.

Faz-se importante esclarecer a má redação do art. 1º, quando fala em

“administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes”. Ora, sabemos que apenas o Poder Executivo exerce descentralização (administração indireta e fundacional), enquanto que o Judiciário e o Legislativo, a par de suas funções institucionais, exercem excepcionalmente funções administrativas.

3.2.3.1.2. Sujeito Ativo

É o agente público, assim entendido (conceito dado pelo art. 2º da Lei 8.429/92) como todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no art. 1º da lei em epígrafe.

Outrossim, é sujeito ativo aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. Vale salientar que “a expressão ‘no que couber’

deixa claro que, ao terceiro, não se aplicará a sanção da perda de função pública, desde que não a tenha” (FILHO, ROSA, JÚNIOR, 1999, p. 45).

Nota-se, entrementes, que o leque de pessoas sujeitas à responsabilidade por atos de improbidade é muito grande, fazendo-se obrigatório o uso do bom senso e a análise do elemento subjetivo do agente na hora de imputação da conduta ilícita.

3.2.3.2. Classificação dos atos de Improbidade Administrativa

A Lei 8.429/92 tem em seu corpo três modalidades de atos de improbidade administrativa, quais sejam, os que importam enriquecimento ilícito, os que causam dano ao erário e os que atentam contra os princípios da Administração Pública. Seria conveniente trazer à baila os casos previstos expressamente na Lei

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de Improbidade Administrativa, enfatizando, contudo, que são casos meramente exemplificativos. Essa interpretação decorre da expressão “notadamente” presente no caput dos artigos em questão. Essa é a opinião dos doutos: “não é rol taxativo ou exaustivo, o que fica claro pela utilização, no caput, do advérbio notadamente para enunciar a dúzia de incisos exemplificativos do enunciado” (Op. Cit., p. 62).

De acordo com o art. 9º os atos que importam enriquecimento ilícito são, in verbis:

“I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qual- quer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decor- rente das atribuições do agente público;

II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisi- ção, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de ser- viços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aliena- ção, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qual- quer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas enti- dades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de nar- cotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, em- prego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja despro- porcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou as- sessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível

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de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribui- ções do agente público, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplica- ção de verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta- mente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obri- gado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei”.

Vê-se, portanto, que o núcleo das condutas tipificadoras do enriquecimento ilícito é a obtenção de vantagem econômica. Seus núcleos verbais resumem-se em receber, perceber, aceitar, utilizar, usar, adquirir e incorporar.

Atente-se para o fato de que todas essas modalidades só se caracterizam na forma dolosa.

Os atos que importam em dano ao erário estão dispostos no art. 10, ipsis litteris:

“I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimô- nio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valo- res integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das enti- dades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalida- des legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valo- res do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;

IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de merca- do;

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

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VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regu- lamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;

VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das for- malidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamen- te;

XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máqui- nas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades”.

Importante distinguir erário de patrimônio público. Erário “diz respeito ao econômico-financeiro, ao tesouro, ao fisco, enquanto patrimônio público é noção de espectro muito mais abrangente, sintetizadora não apenas do econômico, mas também do estético, do histórico, do turístico e do artístico” (Op. Cit., p. 75)

Faz-se imperioso frisar a questão do dano. Reza o art. 21 que a aplicação das sanções previstas na Lei 8.429/92 não depende da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Mais uma vez a referida lei peca por má redação, pois, in casu, patrimônio público e erário são usados como sinônimos. Para se configurarem as hipóteses do art. 10 necessitam, obrigatoriamente, da ocorrência do dano ao Patrimônio Público, não se necessitando apenas da ocorrência de dano ao Erário.

Merece atenção especial o fato de que a responsabilidade do agente público fundada na culpa stricto sensu somente é prevista na modalidade dos atos de improbidade que causem prejuízo ao erário. Entretanto, aos agentes políticos em geral, não se aplica a responsabilização civil lastreada nos padrões comuns da culpa, para a caracterização de infração culposa nas hipóteses presentes no art. 10 da Lei 8429/92. A sua responsabilização somente poderá ser fundamentada na culpa grave.

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Com relação aos membros da Magistratura e do Ministério Público, não se aplica a modalidade culposa, inclusive na modalidade de culpa grave, em decorrência de normas específicas que restringem sua responsabilização pessoal e civil somente na hipótese de dolo.

Os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública estão previstos no art. 11, in verbis:

“I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso da- quele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribui- ções e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço”.

3.2.3.3. Sanções

A Lei 8.429/92 não se preocupou em tipificar crimes, porquanto as condutas nela descritas constituem em sanções de natureza civil e política.

Os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito estão sujeitos às seguintes penas: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil até três vezes o valor do dano, proibição de contratar com o Poder Público por dez anos.

Os atos de improbidade que causem dano ao erário são apenáveis com:

ressarcimento integral do dano, perda de bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda de função pública e suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público cinco anos.

Por fim, os atos atentatórios aos princípios da Administração Pública têm como pena: ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos

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direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público pelo prazo de três anos.

3.2.3.4. Da declaração de bens

Para otimizar a fiscalização efetiva da evolução patrimonial dos gestores públicos, evitando, assim, atos de improbidade, a Lei 8.429/92 prevê a obrigação de todo agente público declarar seus bens e valores que compõem seu patrimônio particular.

3.2.3.5. Do Procedimento Administrativo

No tocante ao procedimento administrativo, qualquer cidadão pode representar à autoridade administrativa competente para que seja instaurada a investigação destinada a apurar a prática de ato de improbidade. A rejeição, entretanto, não obstará a investigação dos fatos pelo Ministério Público.

O interessado ainda pode representar diretamente ao Ministério Público, bem como, pode este, de ofício, requisitar instauração de inquérito policial o procedimento administrativo.

Instaurado o processo administrativo, a comissão processante dará ciência ao Tribunal de Contas e ao Ministério Público, podendo estes, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.

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4.1. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA OU AÇÃO CIVIL PÚBLICA?

É majoritário o entendimento da doutrina brasileira ao afirmar que o pro- cesso estabelecido na Lei n.º 8.429/92 não tem natureza penal. A própria Constitui- ção Federal, em seu art. 37, § 4º, dispõe: "Os atos de improbidade administrativa im- portarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibi- lidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível." Ora, a ressalva do cabimento de ação pe- nal para o caso não deixa dúvida de que a ação de improbidade administrativa esca- pa e esse caráter, tendo natureza extrapenal. Como se sabe, a taxonomia clássica das ações não admite um tal caráter penal para ações cíveis, como se fosse uma zona cinzenta. Ou entender-se-á a ação por improbidade administrativa como cível ou como penal. Ou será julgada pela justiça cível ou penal.

Contudo, mesmo admitindo a natureza civil da ação de improbidade admi- nistrativa, a doutrina divide-se no tocante ao seu enquadramento como ação civil pú- blica ou como uma outra ação específica. Apesar da discussão ser de fundamental relevo, uma vez que tal definição traz importantes conseqüências, inclusive para o tema da competência, poucos autores cedem espaço à discussão do tema com a devida profundidade.

A ação civil pública, prevista na própria Constituição Federal, encontra su- porte legal na Lei n.º 7.347/85. O seu objeto, entretanto, encontra-se melhor definido no art. 81 da Lei nº 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor, vindo a ser a defesa coletiva judicial de direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogê- neos. Não se restringem, no entanto, à defesa de direitos ou interesses relativos à relação de consumo, mas como se depreende do art. 1º, V, da Lei n.º 7.347/85, "a qualquer outro interesso difuso ou coletivo". Nesse entendimento, admite Rodolfo Camargo Mancuso a propositura de ação civil pública para tutelar o erário público:

Ainda sob a rubrica do interesse para agir, cabe alertar que por vezes o va - lor jurídico a ser tutelado na ação civil pública é o ‘erário’, ou seja, o aspecto pecuniário do ‘patrimônio público’, seja porque o inc. IV do art. 1º da Lei 7.347/85 dá abertura para ‘qualquer outro interesse difuso ou coletivo’, seja porque a Lei 8.429/92 (sobre atos de improbidade administrativa e enrique-

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cimento ilícito) aparece vocacionada à preservação desse bem, e seu art.

17 legitima o Ministério Público e a pessoa jurídica interessada à propositura da ação. Nesse ponto, é muito importante a distinção conceitual, desenvolvi- da na doutrina italiana por Renato Alessi, entre ‘interesse público primário’ e

‘interesse público secundário’, cujo desdobramento permite, a nosso ver, a não menos importante distinção entre ‘interesse público’ (propriamente dito) e ‘interesse fazendário’ ou da ‘Administração Pública. (MANCUSO, 2002, p.

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Também posicionam-se muito claramente em favor da ação civil pública Pazzaglini Filho, Elias Rosa e Fazzio Junior: "Ação civil pública, no caso da improbi- dade administrativa, é ação civil de interesse público imediato, ou seja, é a utilização do processo civil como um instrumento para a proteção de um bem, cuja preserva- ção interessa a toda coletividade"(FILHO, ROSA, JÚNIOR, 1999, p. 197). Em senti- do contrário ao entendimento majoritário, inadimitindo a ação civil pública para o pro- cessamento e julgamento do ato de improbidade administrativa e seus autores, está Marcelo Figueiredo, colocando diversos problemas que decorreriam da admissão do instituto para esses casos:

Algumas questões processuais afloram, a saber: Qual o objeto da ação? A imposição de todas as penas do art. 12? Qual a eventual ligação entre a ação de improbidade e outras como, v. g. a ação popular e a ação civil públi- ca? O objeto da presente ação é múltiplo. Visa à reparação do dano, à de- cretação da perda dos bens havidos ilicitamente, bem com à aplicação das penas descritas na lei. Já afirmamos alhures que as penas podem e devem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, tudo a depender do caso concre- to e da ampla investigação do dano causado, da responsabilidade do agen- te (teoria da culpa). Enfim, que não se mostra obrigatória a aplicação das cominações em bloco. É preciso ter em mente que existem vários instru- mentos legais para proteção do patrimônio público. Assim, o objeto da ação de improbidade é mais amplo do que o da ação civil pública (art. 3º da Lei 7.347/85 – ‘a ação poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer’). Também na ação popular a sentença de procedência julgará a invalidade do ato, condenará em per- das e danos os responsáveis e beneficiários do ato (art. 11 da Lei 4.717/65).

Mais amplo se apresenta o objeto da ação de improbidade. Diante do ato de improbidade, os legitimados devem propor a presente ação e não outras, ainda que em defesa do patrimônio público. De outra parte, nada impede a propositura daquelas ações (ação civil, ação popular) a título subsidiário (art. 17, § 2º da lei). Cremos, ainda, que não se mostra viável naquelas

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ações (popular ou civil pública) veicular pedido de ressarcimento do dano por ato de improbidade que cause dano ao erário público (art. 10), diante da previsão específica da presente lei, que contempla e inaugura uma nova ação, a ‘ação civil de reparação de dano’ causado pela improbidade. Deve- ras, se essa ação tem por objeto bem mais amplo que aquelas, inclusive com penalidades mais graves, seria um contra-senso poder-se ‘optar’ por escolher essa ou aquela via em detrimento da própria punição que se pre- tende garantir. É dizer, estar-se-ia obstaculizando de uma forma reflexa e impedindo o Poder Judiciário de soberanamente atender aos pedidos das sanções aplicáveis, como que dispondo da ação pelos legitimados (FIGUEI- REDO, 1998, p.91)

Porém, o entendimento de que seria inadmissível a propositura de ação civil pública por ato de improbidade administrativa decorre de uma falsa compreen- são da verdadeira ontologia do instituto. Em verdade, a denominação de ação civil pública ou de ação de improbidade administrativa carece de maior importância teóri- ca. Sabemos, inclusive, que em todo o território nacional tem sido propostas essas ações sob a denominação de "ação civil de responsabilidade por ato de improbidade administrativa" ou denominações semelhantes, não trazendo menção expressa de que se trata de ação civil pública. O que realmente importa é a finalidade última do instituto que, de fato, tem por escopo a tutela de interesses difusos e coletivos, ainda que relativamente ao erário público, como já se disse acima, ou à moralidade admi- nistrativa. E para tanto, a ação civil pública é o instrumento, por excelência, absolu- tamente admissível.

Entretanto, sabe-se que o direito processual deve-se adequar ao direito material, no mais das vezes, finalidade última do processo. Portanto, as especificida- des trazidas pela Lei 8.429/92, nada mais são do que uma forma de adequar a ação civil pública ao objeto do litígio, qual seja: a condenação do agente ímprobo, ressar- cimento ao erário público, moralização da administração pública etc. O que não infir- ma, em verdade, a possibilidade de se ter como instrumento para tal tutela, inobs- tante as especificidades do caso, a ação civil pública.

É na tentativa de adequação da ação civil pública ao direito e interesse em jogo no processo que, em alguns momentos, a Lei de Improbidade Administrati- va amplia o objeto da ação, pelo que admite formas de condenação diversas daque- las que trazem a Lei de Ação Civil Pública (suspensão de direitos políticos, proibição de contratar como o poder público, destinação da condenação à pessoa jurídica inte-

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