FORMAÇÃO DE COMPOSTOS ENDÓGENOS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO:
UMA INVESTIGAÇÃO PSICOLINGÜÍSTICA
Rui ROTHE-NEVES1
• RESUMO: Este estudo investigou quais especificadores ocorrem mais fre- qüentemente na formação de compostos endógenos de estrutura N-de-N cujo núcleo é um "objeto estático não-simbólico". Dados de falantes nativos (n = 40) do Português Brasileiro (PB) foram levantados por meio de um teste de pre- enchimento {completion test), construído a partir de uma análise semântica de 62 compostos endógenos, conforme Frederiksen (1975). Itens'de alta expec- tativa serviram de distratares. O foco do estudo foram itens de baixa expectativa (n = 898). Estes apresentaram, em sua maioria (98,3%), especificadores com as funções de "parte", "objetivo" e "objeto não relacionado". Discutiu-se a distin- ção entre as duas últimas funções, à luz da distinção entre palavras possíveis e reais. Apresentou-se, para futura investigação, a hipótese de que o traço semântico "continente" seja selecionado na formação de endógenos com o mesmo núcleo.
• PALAVRAS-CHAVE: Formação de palavras; compostos nominais; psicolin- güística.
Introdução
Entende-se por compostos nominais aqueles itens lexicais que apresentam dois itens nominais (N ou A) formando u m a unidade s e m â n - tica e s i n t á t i c a . Este estudo concentrou-se nos compostos do P o r t u g u ê s Brasileiro (PB) que apresentam estrutura N-de-N, doravante chamados
1 Departamento de Psicologia - FAFICH/Universidade Federal de Minas Gerais - 31270-901 - Belo Horizonte - MG.
sujeitos normais, para obter dados de p r o d u ç ã o de compostos e n d ó g e - nos de estrutura N-de-N. Os compostos novos produzidos foram confron- tados com uma s i s t e m a t i z a ç ã o prévia, em bases s e m â n t i c a s , do ambiente possível de o c o r r ê n c i a dos Espec em compostos e n d ó g e n o s no PB, a partir da classificação de Frederiksen (1975) - a "especificação do ambiente".
Com essa abordagem combinada, pretende-se contribuir para o estudo da f o r m a ç ã o de compostos nominais no PB. A f i m de justificar a r e l e v â n - cia t e ó r i c a e a a d e q u a ç ã o m e t o d o l ó g i c a do estudo, segue sua funda- m e n t a ç ã o l i n g ü í s t i c a e p s i c o l i n g ü í s t i c a .
Fundamentação
Formação de compostos nominais
Do ponto de vista l i n g ü í s t i c o , a f o r m a ç ã o de compostos novos t e m sido a t r i b u í d a a u m dos dois níveis da l í n g u a : nível lexical e p ó s - l e x i c a l (sintaxe). No nível lexical, uma h i p ó t e s e de como se formam os compos- tos é oferecida por A l i e n (1980), que se apresenta a seguir,'segundo citada em Scalise (1987, p.106-15) e adequada à estrutura dos compos- tos do PB.2
Para A l i e n , as regras que possibilitam a f o r m a ç ã o de compostos n ã o s ã o oracionais. S ã o RFP's, mais especificamente, regras de concate- n a ç ã o linear apresentando a seguinte forma:
[ ]x. l l v» [ l 1x04 lylz
onde Q é o limite interno do composto, impedindo a i n s e r ç ã o de u m outro termo qualquer entre X e Y. Os compostos e s t ã o submetidos a duas c o n d i ç õ e s : a " C o n d i ç ã o da v a r i á v e l A"3 e a " C o n d i ç ã o É UM".
• C o n d i ç ã o d a v a r i á v e l A :
prediz que o conteúdo semântico completo do primeiro constituinte pode pre- encher qualquer das matrizes de traços disponíveis na hierarquia de traços cor- respondentes ao segundo constituinte, sempre que a matriz de traços a ser pre-
2 A proposta de Allen (1980) foi adeaquada, principalmente no que tange à ordem dos elementos funcionais nos compostos, que, em inglês, é Espec + Núcleo e no PB, Núcleo + Espec.
3 No original, "variable R"; segundo nota do tradutor em Scalise (1987), R está para "range", alcance, donde opta-se aqui pelo termo "variável A".
Alfa, São Paulo, 43: 185-202, 1999 187
• D e r i v a ç ã o : os compostos p ó s - l e x i c a i s p e r m i t e m d e r i v a ç ã o m u i t o r e s t r i t a (ex.: " r o u p a g e m de b a n h o ; *proto-roupa de b a n h o ; ex- mestre de obras; f i n z i n h o de s e m a n a5) .
• C o n c o r d â n c i a : n ã o h á c o n c o r d â n c i a e m g ê n e r o o u n ú m e r o entre os c o n s t i t u i n t e s do composto, e m v i r t u d e d a e s t r u t u r a s i n t á t i c a a p r e s e n t a d a a c i m a .
Embora Lee n ã o o explicite, pode-se especular que a forma dessa RNM seria a mesma que p r o p ô s Dillinger (1993), utilizando a especifica- ç ã o de ambiente, para as r e l a ç õ e s permitidas para o SN em SPs (tal que P = "com"; "a"), na forma de regras de projeção s i n t á t i c a .
Regra 1 com SN -> ATB: / SN designa atributo
O "com" será interpretado como ATB: quando o núcleo do SN designar um atri- buto. (...)
(i) Um homem com iniciativa, (ibidem, p.43 e 45, nota *)
Dillinger utiliza como metodologia de s i s t e m a t i z a ç ã o a "especifica- ç ã o de ambiente", ou a e s p e c i f i c a ç ã o dos dados antes e depois da prepo- s i ç ã o "com", baseado na c l a s s i f i c a ç ã o s e m â n t i c a de Frederiksen (1975).
Note-se que, do ponto de vista l i n g ü í s t i c o , a e s p e c i f i c a ç ã o de ambiente parece relevante como metodologia de i n v e s t i g a ç ã o da f o r m a ç ã o de compostos novos, pois tanto A l l e n quanto Dillinger s u p õ e m critérios s e m â n t i c o s de s e l e ç ã o de Espec e m f u n ç ã o do n ú c l e o .
Compreensão de compostos
T a m b é m do ponto de vista da realidade p s i c o l ó g i c a do modelo de linguagem, h á r a z õ e s que t o r n a m a e s p e c i f i c a ç ã o de ambiente uma e s t r a t é g i a atraente para o estudo do comportamento dos falantes. Os falantes percebem linearmente os e s t í m u l o s verbais (visuais ou auditi- vos), de modo que seu léxico é primeiramente ativado pelo n ú c l e o e logo
5 Nesse exemplo, seguindo Rocha (1998), admite-se grau como processo de derivação; sob o rótulo de "formação de diminutivo", Lee (1995, p.64) apresenta exemplos semelhantes, onde o núcleo mantém seu estatuto de palavra independente.
em seguida pelo Espec. Dados experimentais sugerem que a velocidade de p e r c e p ç ã o é maior do que a de a t i v a ç ã o do léxico (para revisões recen- tes, cf. Balota, 1994; Schendan, Ganis & Kutas, 1998), de modo que a ati- v a ç ã o do Espec se s o b r e p õ e à do núcleo, incrementando a a t i v a ç ã o dos t r a ç o s em comum e inibindo a de t r a ç o s distintivos. Chama-se a esse f e n ô m e n o "ativação interativa" (Coolen, Jaarsveld & Schreuder, 1993).
Quanto à d i m e n s ã o s i n t á t i c a dos preposicionados, sabe-se t a m b é m que os falantes utilizam informações s i n t á t i c a s para construir proposi- ções, que s ã o u m conjunto específico de relações de u m termo em função de outro. Pode-se dizer, portanto, que o Espec é selecionado em função do n ú c l e o . Do ponto de vista psicológico, pode-se dizer que as regras de c o m p o s i ç õ e s seriam u m conjunto de funções que explicitam u m con- junto de Espec p o s s í v e i s para u m dado conjunto de n ú c l e o s , t a l como previsto, em níveis distintos, por A l l e n (1980) e Dülinger (1993). Para o estudo da formação de compostos, portanto, a especificação do ambiente é o primeiro passo, ainda que n ã o seja c o n d i ç ã o suficiente.
Métodos
Este é u m estudo exploratório que visa investigar a f o r m a ç ã o de compostos e n d ó g e n o s novos. A q u e s t ã o a ser investigada aqui pode ser formulada especificamente como: que tipo de N ocorre no Espec de e n d ó g e n o s em função do n ú c l e o ?
Utilizaram-se dois m é t o d o s : e s p e c i f i c a ç ã o de ambiente e teste de preenchimento. Para tanto, selecionaram-se 62 compostos e n d ó g e n o s (ver Anexo), classificando-se n ú c l e o e Espec. A partir da c l a s s i f i c a ç ã o desse corpus restrito, foi possível estimar o comportamento que se pode esperar dos falantes do PB. Essa estimativa serviu para controlar a pro- d u ç ã o de compostos no teste de preenchimento. Apresenta-se a seguir cada m é t o d o em detalhe.
Especificação de ambiente
Neste estudo, a e s p e c i f i c a ç ã o do ambiente foi feita com base nas categorias para objetos, a ç õ e s e r e l a ç õ e s propostas por F r e d e r í k s e n
190 Alfa, São Paulo, 43: 185-202, 1999
(1975). Como mostramos, tanto l i n g ü í s t i c a quanto p s i c o l i n g ü i s t i c a - mente, h á fortes indícios de que o Espec seja selecionado em f u n ç ã o do n ú c l e o ; d a í o foco de i n v e s t i g a ç ã o recair sobre as r e l a ç õ e s que se esta- belecem entre Espec e n ú c l e o .
Frederiksen (1975) utiliza t r ê s níveis c a t e g ó r i c o s b á s i c o s que se s u p e r p õ e m seletivamente. O primeiro nível inclui as classes de "objetos"
e "ações". "Objetos s ã o definidos como coisas que ocupam e s p a ç o ...
A ç õ e s s ã o definidas como coisas que ocupam uma p o s i ç ã o ou intervalo de tempo e envolvem m u d a n ç a " (p.378). Traços, tais como localização, tempo, resultado e m u d a n ç a , s ã o tomados como primitivos. Cada uma dessas classes subdivide-se em subclasses, em função de envolver ou n ã o m u d a n ç a e de apresentar ou n ã o c o n t e ú d o s e m â n t i c o . A Tabela 1 apre- senta esquematicamente as classes e subclasses definidas.6
Tabela 1 - Classes e subclasses de a ç õ e s e objetos (cf. Frederiksen, 1975, p.378-97)
1. Ações
Processos Ações .físicas resultivas
cognitivos físicos cognitivas físi :as
simples relativos cognitivos não-cognitivos com resul- tado sim- bólico
com resul- tado não- simbólico simples relativos simples relativos
2. objetos
estáticos processivos
simbólicos não-simbólicos animados inanir nados
simbóli- cos
não-sim- bólicos
As r e l a ç õ e s "conectam objetos e a ç õ e s a outros conceitos, defi- nindo assim 'estados' e 'eventos'" (p.382). Os tipos de r e l a ç õ e s utiliza- dos para c l a s s i f i c a ç ã o nesse estudo parecem suficientemente claros a partir da Tabela 2, que apresenta as definições utilizadas e exemplifica a c l a s s i f i c a ç ã o aplicada nesse estudo.
6 Extrapola o âmbito deste trabalho uma descrição exaustiva, quiçá uma discussão da taxonomia apresentada em Frederiksen (1975); ao leitor interessado, cabe confrontar Dillinger (1993, cap.V) e referências.
continuação
Espec N ú c l e o Frequências
Espec
AFN OEN OES OPA PFC PFN Absoluta Relativa
LOC 4 1 5 0,081
OBJ 1 1 2 0,03
OBV 1 18 6 2 1 28 0,452
PRT 5 5 0,081
TEMA 2 1 1 4 0,065
Freq. abs. 1 38 10 6 6 1 62 1
Freq. rei. 0,016 0,613 0,161 0,097 0,097 0,016 1
Como se pode ver, "objeto e s t á t i c o n ã o - s i m b ó l i c o " (OEN) foi o n ú c l e o mais f r e q ü e n t e (61,3% dos compostos); os especificadores "obje- tivo" (OBV) foram mais f r e q ü e n t e s (45,2%); OENs apresentaram-se espe- cificados principalmente por OBVs (47,4%). No entanto, a interdepen- d ê n c i a entre classe do n ú c l e o (OEN ou não-OEN) e classe do Espec (OBV ou não-OBV) mostrou-se estatisticamente insignificante (%2 = 0,193).
A partir dessas informações, s u p ô s - s e que u m ambiente natural para preposicionados seria o par OEN-OBV. Isto dirigiu a c o n s t r u ç a g do teste de preenchimento para levantamento de dados, conforme se e x p õ e a seguir.
Teste de preenchimento
Material
O teste de preenchimento foi desenvolvido o r i g i n a l m e n t e para levantamento de dados de aceitabilidade de estruturas s i n t á t i c a s (Trues- w e l l et al., 1993; Garnsey et al., 1997). É de a p l i c a ç ã o extremamente simples, ao mesmo tempo que permite o levantamento de u m n ú m e r o razoavelmente grande de dados. Nesse estudo, s u b s t i t u í r a m - s e os itens s i n t á t i c o s por compostos e n d ó g e n o s .
Trata-se de u m q u e s t i o n á r i o de resposta aberta, apresentado na forma de uma lista com duas colunas, contendo a da esquerda as seguintes i n s t r u ç õ e s :
Complete com u m substantivo os itens ao lado, de modo que:
1. O i t e m forme u m a unidade de sentido;
2. O i t e m formado seja UM TIPO disso que e s t á escrito.
Exemplo: CAMPO DE FUTEBOL é u m tipo de campo.
Alfa, São Paulo, 43: 185-202, 1999 193
Obrigado por colaborar.
Na coluna da direita, o q u e s t i o n á r i o apresentado continha 24 itens do tipo "[OEN] de " (doravante, e s t í m u l o s ) , a ser preenchido conforme as i n s t r u ç õ e s .
Estímulos
Para controlar a variabilidade dos resultados em função do núcleo, todos os 24 e s t í m u l o s apresentados foram do tipo OEN. Destes, 14 itens podem ser classificados como de "alta expectativa" (AE), seguindo Coolen et al. (1991). Tais itens p a r t i c i p a m como n ú c l e o em e n d ó g e n o s lexicali- zados, sendo possível esperar como resposta a r e c u p e r a ç ã o de itens do léxico. Os e s t í m u l o s AE foram todos escolhidos dentre compostos espe- cificados com OBV, a fim de direcionar a expectativa. E m contraste, 10 itens s ã o de "baixa expectativa" (BE), pois n ã o p a r t i c i p a m de e n d ó g e n o s lexicalizados. Nesses casos, ao preencher os itens, os sujeitos estariam optando por alguma c a r a c t e r í s t i c a que seria especificada no composto formado. Assim, AE serve para distrair a a t e n ç ã o do participante, ofere- cendo-lhe u m ambiente natural de o c o r r ê n c i a de e n d ó g e n o s . A produ- ç ã o em resposta a BE é o foco principal do estudo. A Tabela 4 apresenta os itens de e s t í m u l o , exemplificando compostos de que participam os itens AE e p o s s í v e i s r e l a ç õ e s no caso de itens BE.
Tabela 4 - E s t í m u l o s de alta e baixa expectativa
A E B E
Itens Compostos Itens R e l a ç ã o
colher colher de pau avental LOC/IN1T
xícara xícara de chá estante OBV/INIT
carro carro de corrida barco OBV/INIT
óculos óculos de sol mangueira OBV/INIT
pasta pasta de dentes frasco LOC1/INIT
papel papel de presente mala OBV/INIT
cadeira cadeira de balanço lata LOC1/INIT
caixa caixa de fósforos disco OBV/INIT
posto posto de gasolina copo LOC1/INIT
casa casa de boneca palco LOC/OBV
câmara câmara de gás
sala sala de aula
roupa roupa de cama
cama cama de casal
Participantes
Participaram 40 alunos de duas turmas dos cursos de Psicologia e Letras da UFMG. Para isolar efeitos de ordem - em que a ordem dos e s t í - mulos afeta sistematicamente os resultados - , os mesmos e s t í m u l o s foram apresentados em quatro ordens distintas: listas A e B apresentavam e s t í m u l o s em ordem aleatória e listas C e D, em ordem p s e u d o - a l e a t ó r i a , em que aos itens AE intercalavam-se os BE. Cada lista foi respondida por dez sujeitos, durante o horário normal da aula, dentro de sala.
Resultados e discussão
Conforme se disse, o objetivo e s p e c í f i c o do teste foi o de verificar quais Espec seriam priorizados na p r o d u ç ã o de e n d ó g e n o s , em resposta a BE. Os compostos apresentados foram classificados de acordo com a Tabela 2 (ver anexo). E x c l u í r a m - s e posteriormente todos os compostos formados a partir do e s t í m u l o "palco", porque as d i s t i n ç õ e s pareceram n ã o ser suficientemente claras. E x c l u í r a m - s e ainda aqueles que n ã o se coadunavam com as i n s t r u ç õ e s (p. ex.: roupa de dormir). As o c o r r ê n c i a s analisadas representam 93,5% das o c o r r ê n c i a s p o s s í v e i s (Tabela 5).
Tabela 5 - Resultados do teste de preenchimento (n = 898)
E s p e c N ú c l e o
Tipo F r e q ü ê n c i a
A E B E Absoluta Relativa
OBV 359 150 509 0,57
PRT 114 146 260 0,29
OBJ2 12 48 60 0,07
Outros 59 10 69 0,08
TOTAL 544 354 898 1
A i n t e r d e p e n d ê n c i a entre a classe dos n ú c l e o s (AE ou BE) e a classe dos Espec, t a l como apresentado na Tabela 5, revelou-se extre- mamente significativa {%2, p = 6.88724E-24). A i n d u ç ã o ao par AE-OBV t a m b é m se revelou significativa, na medida em que foi grande a dife- r e n ç a no teste de duas amostras para p r o p o r ç õ e s de Espec OBV dentre
Alfa, São Paulo, 43: 185-202, 1999 195
AE e BE (z = 5,853).7 Assim, a p r o d u ç ã o em resposta a BE pode ser resu- m i d a da seguinte maneira.8
a) A o c o n t r á r i o dos Espec de AE, a p r o p o r ç ã o de OBV n ã o difere sig- nificativamente daquela encontrada no corpus (z = 1,037);
b) OBV t a m b é m foi o Espec mais realizado (44,6%);
c) OBV, PRT e OBJ2 respondem por 98,3% dos casos;
C o m p a r a ç õ e s diretas, entre as p r o d u ç õ e s para AE e BE ou dessas com o corpus, devem ser tomadas cum granum salis. O corpus é bas- tante restrito para que se possa generalizar a o c o r r ê n c i a de Espec em função de n ú c l e o . A l é m disso, o teste foi c o n s t r u í d o de t a l modo que apenas permite focalizar em BE, uma vez que os n ú c l e o s AE foram esco- lhidos dentre compostos existentes e p e r m i t e m r e c u p e r a ç ã o de itens da m e m ó r i a , sem necessidade de a p l i c a ç ã o de regras (cf. i t e m E s t í m u l o s ) . O i t e m (a) mostra claramente que a grande o c o r r ê n c i a de OBV para AE deve ser creditada ao viés do teste.
O fato de OBV ter sido m u i t o realizado em BE deve ser considerado, por outro lado, como u m comportamento genuíno, n ã o derivado da influên- cia de AE. A a t i v a ç ã o na mente do falante d á - s e na ordem da leitura, isto é, do n ú c l e o para o Espec. A l é m disso, mesmo para AE, a p r o d u ç ã o de OBV n ã o foi c a t e g ó r i c a (64,5%), ao contrário do que os itens permitiam. É de se esperar, portanto, que u m a i n v e s t i g a ç ã o mais abrangente, em corpus falado ou escrito, indique u m a p r e d o m i n â n c i a de Espec OBV para OEN.
Ao contrário da opinião generalizada, a formação de compostos parece bastante s i s t e m á t i c a , t a l como representada neste estudo pelos com- postos formados em resposta aos e s t í m u l o s BE (item c). Os resultados aqui apresentados podem ser resumidos na seguinte regra:
[N]x de [Njy, x = OEN •> [[OEN]x de [{PRT; OBV; OBJ2}]y]z
Na c l a s s i f i c a ç ã o de Frederiksen, OBJ2 refere-se a "objeto n ã o rela- cionado". E m copo de água, á g u a n ã o e s t á relacionada ao copo como parte e s p e c í f i c a (PRT) ou o material de que é feito (INIT). Porém, parece que, para a c l a s s i f i c a ç ã o de e n d ó g e n o s , a d i s t i n ç ã o a priori de OBJ2 e OBV indica u m a d i f e r e n ç a de uso e n ã o de estrutura. Lembre-se da dis-
7 Compare-se esse valor com o valor de Z para uma probabilidade de erro de 1% (z = 2,58) e 5%
(z = 1,96).
8 A categoria "outros" inclui os Espec LOC, AGT, ATB e INIT, cuja análise, isoladamente, n ã o se revelou importante.
t i n ç ã o entre r e s t r i ç õ e s estruturais e contextuais, t a l como se aplicam aos f e n ô m e n o s de d e r i v a ç ã o . Tome-se o exemplo da regra
N •* N -eiro.
Essa regra especifica que u m nome [-humano] d a r á origem a u m agentivo relacionado. E o que ocorre em vaca - vaqueiro. P o d e r ã o ocor- rer outros produtos, desde que respeitadas as definições da regra. Sabe- se que d a í à e x i s t ê n c i a real do produto, uma série de outras e x i g ê n c i a s do uso da l í n g u a devem ser respeitadas, tais como a e x i s t ê n c i a de outro i t e m de mesma função (que provoca u m bloqueio) e a necessidade mesma do i t e m para a c o m u n i c a ç ã o . Essa definição, que remonta ao tra- balho de Aronoff (cf. Rocha, 1998), distingue palavras p o s s í v e i s de pala- vras reais. Nada impediria, portanto, que ao se defrontar pela primeira vez com u m produto da regra, o falante seja capaz de i n t e r p r e t á - l o ade- quadamente, como mostram os exemplos abaixo:
a. A G a v i õ e s da Fiel aprovou o filme "Boieiros", de Ugo Giorgetti.
b. - J á ' t á quase na hora do a n i v e r s á r i o e o bolo ainda n ã o chegou...
b'. - Liga lá p'ra casa da boieira.
Em (a), "boieiros" é facilmente compreendido como produto de BOLA - boieiro (refere-se aos torcedores f a n á t i c o s , tema do filme). E m (b), a base n ã o s e r á compreendida como bola, mas BOLO. O fato de n ã o ser lexicalizada n ã o significa que a f o r m a ç ã o e m (b') n ã o seja p o s s í v e l e s i s t e m á t i c a , ao menos como f o r m a ç ã o t e m p o r á r i a .
Do mesmo modo, seria adequado estipular dois n í v e i s de a n á l i s e para os e n d ó g e n o s . No nível da e x i s t ê n c i a real dos produtos, algumas c o n t i n g ê n c i a s n ã o estruturais levariam à g r a m a t i c a l i z a ç ã o dos itens. No nível das regras de c o m p o s i ç ã o , ter-se-ia uma e s p e c i f i c a ç ã o das condi- ç õ e s estruturais em que se poderia formar uma unidade, que aqui inte- ressou de perto. Com isso, t e r í a m o s uma a n á l i s e diferente dos dados. Ao fazer a p a r á f r a s e , viu-se, por exemplo, que frasco de perfume pode ser compreendido como "frasco para perfume", pois pode sei reconhecido como tal, mesmo que n ã o contenha o líquido. Sejam os e n d ó g e n o s já cristalizados na l í n g u a :
c. frasco de perfume d. copo de á g u a e. carro de bombeiro
Nesta a n á l i s e , classificaram-se (c, e) como OBV, por causa do exposto acima, sobre as c a r a c t e r í s t i c a s físicas de (c). Seguindo A l l e n (1980),
Alfa, São Paulo, 43: 185-202, 1999 197
"copo de á g u a " n ã o É U M tipo de copo, é u m NP simples, u m copo con- tendo á g u a . Mas o que o distingue de (c), classificado como OBV? Ape- nas e t ã o - s o m e n t e o fato de n ã o existir realmente como designador de u m referente ú n i c o . Desse modo, os dados deste estudo seriam ainda mais c a t e g ó r i c o s quanto à p r o d u ç ã o de e n d ó g e n o s . Para verificar isto, reana- lisaram-se os dados, consolidando as classes OBV e OBJ2 (Tabela 6).
Tabela 6 - Resultados reagrupados
E s p e c N ú c l e o
E s p e c
Tipo F r e q ü ê n c i a
E s p e c
A E B E Absoluta Relativa
OBV+OBJ2 371 198 569 0,63
PRT 114 146 260 0,29
Outros 59 10 69 0,08
TOTAL 544 354 898 1
O teste de i n d e p e n d ê n c i a sobre os dados reagrupados revelou-se ainda bastante significativo (p = 5.54766E-12), p o r é m menos do que o teste sobre os dados da tabela 5.
A i n v e s t i g a ç ã o do comportamento dos falantes do PB, com r e l a ç ã o a uma classe reunida OBJ2 e OBV p o d e r á ser objeto de estudos futuros, em que se manipule diferentemente a c o n s t r u ç ã o do teste. C a b e r á ainda verificar a r e l a ç ã o entre OBJ2/OBV e OEN, do ponto de vista de sua c o m p r e e n s ã o . Onde o t r a ç o de continente é a d i m e n s ã o especifi- cada, é possível observar uma s e m e l h a n ç a interessante entre os itens apresentados e alguns compostos e x ó g e n o s de estrutura semelhante.
Trata-se de compostos como colher de açúcar, utilizado para expressar U M A QUANTIDADE determinada, n ã o u m objeto. Nesse caso, o meca- nismo de a s s o c i a ç ã o m e t o n í m i c a "continente pelo c o n t e ú d o " pode ser o que permite especificar n ã o a colher (OEN), mas a quantidade que cabe na colher (ATB). O mesmo mecanismo pode ter permitido, no teste, o aparecimento de "lata de leite" como u m tipo de lata: os sujeitos tam- b é m selecionaram o t r a ç o "continente". Nesse caso, é possível sugerir uma regra de c o m p o s i ç ã o , capaz de generalizar uma t e n d ê n c i a de for- m a ç ã o de preposicionados novos em PB:
[OEN[+continente]]x de [OEN]y •» [[OEN]x [OBJ2+OBVJ]z
Essa regra generaliza a maioria dos dados levantados no teste, como mostra a Tabela 6. A d e m o n s t r a ç ã o p s i c o l ó g i c a dessa regra, no
entanto, é tarefa de u m teste de c o m p r e e n s ã o de compostos novos iso- lados (conforme realizado por Coolen et al., 1991).
Agradecimentos
Agradecemos a Mike Dillinger, João H. R. Tótaro, Luiz Carlos Rocha e, em especial, a Vítor G. Haase, Carlos A. Gohn e alunos (jan. 1998). A elaboração final contou com apoio da Fapemig (BDT n.20634/98).
ROTHE-NEVES, R. Nominal compound formation i n Brazilian Portuguese: a psycholinguistic investigation. Alfa (São Paulo), v.43, p.185-202,1999.
• ABSTRACT: This study investigated which specifiers occur more often in the making of nominal compounds with structure N-de-Nwhose nucleus is a " s t a -
t i c non-symbolic object". Data from native Brazilian Portuguese speakers (n = 40) were collected with a completion test made after a semantic analysis of 62 compounds, in accordance to Frederiksen (1975). Highly expected items ser- ved as distractors. This study focused on items with low expectance, which had almost exclusively (98,3%; n = 898) specifiers acting as " pa\t", "goal" and
"unrelated object". The distinction between the last two is discussed in the light of the distinction between possible and real existing words. A hypothesis is presented, that the semantic feature "continent" is select in the formation of nominal compounds with the same nucleus, which is to be further investi- gated.
• KEYWORDS: Word formation: nominal compounds; psycholinguistics.
Referencias bibliográficas
ALLEN, M . R. Semantic and phonological consequences of boundaries: a mor- phological analysis of compounds. In: ARONOFE M., KEAN, M . L. Junc- ture: Amna Libn, 1980. Apud: SCAL1SE, S. Morfología generativa. Trad.
José Pazo. Madrid: Alianza, 1987. p.106-15.
ARONOFE M . Word formation in generative grammar. Cambridge, MA: MIT, 1976.
BADECKER, W., ZANUTTINI, R., MIOZZO, M . The two-stage model of lexical retrieval: evidence from a case of anomia with selective preservation of grammatical gender. Cognition (Amsterdam), v.57, n.2, p.193-216,1995.
BALOTA, D. Visual word recognition: the journey from features to meaning. In:
GERNSBACHER, M. A. (Org.) Handbook of psycholinguistics. San Diego:
Academic Press, 1994.
Alfa, São Paulo, 43: 185-202, 1999 199
BASÍLIO, M. Teoria lexical. 4.ed. São Paulo: Ática, 1995. (Série Princípios, 88).
CARAMAZZA, A. Data, statistics and theory: a comment on Bates, McDonald, MacWhinney, and Applebaum's "A maximum likelihood procedure for the analysis of group and individual data in aphasia research". Brain and Lan- guage (San Diego), v.41, p.43-51, 1991.
COOLEN, R., JAARSVELD, H. J. van, SCHREUDER, R. The interpretation of iso- lated novel nominal compounds. Journal oí Memory and Cognition, v. 19, n.4, p.341-52, 1991.
. Processing novel compounds: evidence for interactive meaning activa- tion of ambiguous nouns. Journal oí Memory and Cognition, v.21, n.2, p.235-46, 1993.
DILLINGER, M. Notas sobre semântica. Belo Horizonte: Departamento de Lin- güística da FALE/UFMG, 1993. (Mimeogr.).
DI SCIULLO, A. M., WILLIAMS, E. On the définition of word. Cambridge: MIT Press, 1987.
FREDERIKSEN, C. Representing logical and semantic structure of knowledge acquired from discourse. Cognitive Psychology, v.7, p.371-458,1975.
GARNSEY, S. M. et al. Contributions of verb bias and plausibility to the com- prehension of temporarily ambiguous sentences. Journal oí Memory and Language, v.37, p.58-93,1997.
LEE, S.-H. Morfologia e fonologia lexical do Português do Brasil. Campinas, 1995.
Tese (Doutorado em Lingüística) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade de Campinas.
MICELI, G. Morphological errors and the representation of morphology i n the lexical-semantic system. Phil. Trans. Royal Soc. London B, v.346, p.79-88, 1994.
NADEAU, S. E. Impaired grammar with normal fluency and phonology. Implica- tions for Broca's aphasia. Brain (Oxford), v . l l l , p.1111-37,1988.
RAPP, B. C. CARAMAZZA, A. Disorders of lexical processing and the lexicon. In:
GAZZANIGA, M. S. (Org.) The Cognitive Neurosciences. Cambridge (MA):
MIT Press, 1995. p.901-14.
ROCHA, L. C. de A. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: Editora daUFMG, 1998.
SANDMANN, A. J. Morfologia geral. 2.ed. São Paulo: Contexto, 1993.
SCHENDAN, H. E., GANIS, G., KUTAS, M . Neurophysiological evidence for visual perceptual categorization of words and faces within 150 ms.
Psychophysiology, v.35, n.3, p.240-51, 1998.
TRUESWELL, J. C , TANENHAUS, M. K., KELLO, C. Verb-specific constraints in sentence processing: separating effects of lexical preference from garden- paths. J. Exp. Psy.Lang. Mem. Cognition, v. 19, p.528-53,1993.
TYLER, L. K. Processing distinctions between stems and affixes: evidence from a non-fluent aphasie patient. Cognition, v.36, n.2, p.129-53, Aug. 1990.
. Use of derivational morphology during reading. Cognition, v.36, n . l , p. 17-34, July 1990.
de "preposicionados", e, dentre esses, nos chamados "compostos e n d ó - genos" (Sandmann, 1993, p.60-9). No PB, compostos preposicionados apresentam a seguinte estrutura funcional (cf. Basílio, 1995, p.29):
[ [ N ú c l e o ]x [Especificador]Y]z
Nos compostos e n d ó g e n o s , Z é u m tipo específico de X. E m óculos de sol, compreende-se tratar de u m tipo específico de ócufos. O mesmo n ã o ocorre com compostos e x ó g e n o s , em que o significado do composto é m e t a f ó r i c o ou m e t o n í m i c o , n ã o podendo ser derivado de seu n ú c l e o : lua-de-mel n ã o é u m tipo de lua. O problema que se coloca, e n t ã o , é: no composto e n d ó g e n o , quais s e r ã o as c o n d i ç õ e s de g e n e r a l i z a ç ã o de Y em função de X, t a l que se possa descrever a f o r m a ç ã o de Z.
Muitos autores (incluindo Basílio e Sandmann) limitam-se a siste- matizar compostos existentes, o que contribui para a o p i n i ã o generali- zada de que a c o m p o s i ç ã o envolve processos i d i o s s i n c r á t i c o s . Essa opi- n i ã o , no entanto, n ã o pode adequar-se a duas n o ç õ e s bastante claras.
E m primeiro lugar, quaisquer N separados por "de" n ã o formam u m pre- posicionado (*borboleta de afasia). E m segundo lugar, dado u m N deter- minado na p o s i ç ã o de n ú c l e o , nem todo N pode ocupar a de especifica- dor (Espec). Assim, o Espec de "cor de _" muito provavelmente n ã o s e r á u m evento, ainda que a l g u m evento esteja implícito (coi-de-fogo).
As regras de f o r m a ç ã o de palavras (RFP's) s ã o u m construto t e ó r i c o proposto por Aronoff (1976), para dar conta das regularidades morfológi- cas. Referem-se ao que permite aos falantes de u m a l í n g u a criar pala- vras novas, a partir de itens já existentes. Uma grande c o n t r i b u i ç ã o ao seu estudo vem sendo oferecida pela pesquisa psicológica da linguagem, capaz de fornecei e v i d ê n c i a s de processamento distinto para bases e afi- xos (Tyler et al., 1990) e de uma o r g a n i z a ç ã o morfológica do léxico (Tyler
& Nagy, 1990), com armazenamento independente de i n f o r m a ç õ e s s e m â n t i c a s e t r a ç o s morfológicos (Badecker, Zanuttini, Miozzo, 1995), bem como da d i s t i n ç ã o dos processamentos morfológico e s i n t á t i c o (Nadeau, 1988). Essas e v i d ê n c i a s s ã o coletadas por meio de estudos tanto com sujeitos normais quanto com pacientes que sofrem de a l g u m déficit seletivo de l i n g u a g e m (Caramazza, 1991; Miceli, 1994; Rapp &
Caramazza, 1995). Tais estudos servem paia d e t a l h a i mais precisa- mente os resultados da i n v e s t i g a ç ã o l i n g ü í s t i c a com relação a sua vali- dade p s i c o l ó g i c a .
No piesente estudo, utilizou-se uma a d a p t a ç ã o do procedimento p s i c o l i n g ü í s t i c o conhecido como "teste de preenchimento" (completion test, cf. Trueswell, Tanenhaus, Kello, 1993; Garnsey et al., 1997) em
186 Alfa, São Paulo, 43: 185-202, 1999
enchida corresponda a algum dos traços do primeiro elemento (Alien, 1980, p.93, cit. in Scalise, 1987, p.107).
Assim, em u m composto qualquer, seu significado resulta da sele- ç ã o de u m t r a ç o específico do n ú c l e o em função de t r a ç o s específicos do Espec.
• C o n d i ç ã o d a v a r i á v e l É UM: e s t i p u l a q u e Z É U M X e m u m c o m - posto [[ ]x [ ]Y]Z n o PB. A f o r m u l a ç ã o de A l i e n aplica-se t a n t o à s i n - taxe q u a n t o à s e m â n t i c a , isto é, o c o m p o s t o r e s u l t a n t e s e r á d a m e s m a c a t e g o r i a s i n t á t i c a q u e seu n ú c l e o e "se estabelece u m s u b c o n j u n t o de r e l a ç õ e s s e m â n t i c a s entre o c o m p o s t o Z" e o n ú c l e o ( A l i e n , 1980, p . l l , a p u d Scalise, 1987, p.109).
E interessante notar que Scalise explicitamente vincula a previsi- bilidade dos compostos à s c o n d i ç õ e s apresentadas. Segundo ele, ape- nas seriam compostos regulares os que obedecessem a essas c o n d i ç õ e s , enquanto os outros seriam f o r m a ç õ e s lexicais, "pelo que podemos con- s i d e r á - l o s compostos 'lexicalizados'" (p.110).
Para Lee (1995, cap.3), os e n d ó g e n o s n ã o se formam no léxico, mas a partir de regras s i n t á t i c a s . Lee parte dos pressupostos da Morfologia Lexical e distingue dois tipos de compostos no PB: compostos lexicais e p ó s - l e x i c a i s .
[C]ompostos lexicais são "compostos verdadeiros", que funcionam como unidade independente nas operações morfológicas. (Lee, 1995, p.53)
Os compostos p ó s - l e x i c a i s levam esse nome por serem formados no nível pós-lexical (sintático), por meio de uma "regra n ã o - m o r f o l ó g i c a de c r i a ç ã o de palavra" (RNM; ingl.: nonmorphological word-creating rule), termo emprestado a D i Sciullo & Williams (1987). Os preposicionados seriam do tipo composto pós-lexical, dados os seguintes fatos s i n t á t i - cos,4 a l é m da ordem dos elementos funcionais (já apresentada anterior- mente):
• F o r m a ç ã o de p l u r a l : o m o r f e m a de p l u r a l ocorre E N T R E os c o n s t i - t u i n t e s do composto, d a d a a s e g u i n t e e s t r u t u r a s i n t á t i c a :
[NP[N ioupas] [PP[P de] [NP banho}}}
4 Nem o trabalho de Lee versa especificamente sobre preposicionados, nem o âmbito do presente estudo permitiu descer aos detalhes de sua abordagem. Os exemplos a seguir foram escolhidos pelo autor, com base na discussão oferecida por Lee (1995, p.62-7).
Tabela 2 - Classificação de N ú c l e o e Especificador dos itens do coipus
C L A S S E E X E M P L O '
Objetos
OEN objeto estático não-simbólico m á r m o r e de carrara
OES objeto estático simbólico aviso de recebimento
OPA objeto processivo aramado a m a de leite
Ações
AFN ação física (com resultado) não-simbólico viagem de estudos
PFC processo físico cognitivo defesa de tese
PFN processo físico não-cognitivo m a l de parkinson Relações
AGT agente palavra de escoteiro
ATB atributo palavra de honra
CAU causa dores de parto
EVT evento calendário de eventos
INIT material ou procedência palha de a ç o
LOC localização mesinha de cabeceira
OBJ objeto afetado coleta de lixo
0BJ2 objeto não-relacionado lata de leite
OBV objetivo cano de corrida
PRT parte componente cadeira de rodas
TEMA tema aviso de recebimento
* O termo e m negrito exemplifica a c l a s s e .
Para fins de a n á l i s e , parafrasearam-se os compostos para melhor discernimento da r e l a ç ã o envolvida. Assim, palha de a ç o pode ser para- fraseada como "feita de aço", r e l a ç ã o INIT; casa de praia, p a r á f r a s e "na praia", r e l a ç ã o LOC. N ú c l e o s e Espec foram assim tabulados para a n á - lise de f r e q ü ê n c i a (Tabela 3).
Tabela 3 - Ocorrência de Espec em função de n ú c l e o no corpus (n = 62)
Espec N ú c l e o F r e q ü ê n c i a s
Espec
AFN OEN OES OPA PFC PFN Absoluta Relativa
AGT 1 1 0,016
ATB 6 1 2 9 0,15
CAU 1 1 0,016
EVT 1 1 0,016
INIT 5 1 6 0,097
192 Alfa, São Paulo, 43: 185-202, 1999
> > > > > á S m f c : U > > <
O O O O O W « < S J w w p
o
ñ 0 3 P 3 S ü t r -,E - ' C Q C Q A <
° o o w < < < o o w 0
CD '*-> -0)
;_, Uj CD CP Q¡ ^ O) ^ - Ö
CD X ) X* co
4-J CO CO CO CO £ ^ O a? co > > co cd u £3 o co cd ja O)
g t : CO O 50 o B o ex o o. u
gas tese 0
co tese
cd
& CX
de ad de
co co
O CD CD
ico 0 'S CO X) CD X) O
( / i w c / i w m w < < < < <
0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
< Ü O O O O O Z :
O O O O O O O O O O O O O a - t ^ ^ C K ^
CD 0
de (Zj
QJ de en
CD CO
tí CD
CD CO XJ ex ex de
CD CD CD de
XJ XI X> CO CO
CO CD CD CD co ex CX XJ
CO cO CO CO
a, ex ex 0
> m n w O O
•2 i 6 CX cn -3
)_ CO CO
tí
ratí tí CO
ti) i 2 2 2; 2 2
ra w w w &a 0 0 0 0 0
2 2 w ra
o o
2 2 2 ta ta ta O O O
2 2 2 2 3 2 ta ta W K W ra
O O O O O O
O) & o
2 2 w M M
3 3 w ta ra 0 0 0 0 0
ra ta pq ra ra ta tri E-2 f-¡ í>3
o < < < < < < — S 2 2 2 2 a s í j j j H o o o o o
O •—. W T3
•o o 3 o o O. tí ra
2 «
t í CD
0 S
•ts s s o. s c - x i
" C j S ^ o c ö n O c O c r j ^ c o f o ü O c n
o* ¿1 cu co o
7 3co cu E o o - co ^ H fn f-! ^1 ^3
CD 5 CD
2 2 2
< O O
2 2 2 2 2 2 2 2 r a r a t a r a r a t a t a r a
O O O O O O O O
2 2 2 2 ra u ta ra O O O O
2 2 2 2 ra ra ra ta O O O O
2 2 ta ra O O
Anexo 2 - Ocorrências de Espec por item no teste
ESPEC
PRT OBV OBJ2 LOC AGT ATB INIT Total
A E 114 359 12 12 2 29 16 544
colher 20 17 3 - - - - 40
xícara 5 34 1 - - - - 40
carro 3 18 - - - 5 13 39
óculos 3 25 - - - 9 1 38
pasta 12 28 - - - - - 40
papel 1 24 - - - 15 - 40
cadeira 15 22 - - - - 2 39
caixa 13 17 6 1 1 - - 38
posto - 40 - - - - - 40
casa 17 14 - 7 1 - - 39
câmara 4 34 - 1 - - - 39
sala - 40 - - - - - 40
roupa 5 27 - 3 - - - 35
cama 16 19 2 - - - - 37
BE 146 150 48 0 0 6 4 354
barco 23 12 - - - - 4 39
avental 17 23 - - - - - 40
estante 18 22 - - - - 40
mangueira 17 23 - - - - - 40
frasco 2 28 8 - - - - 38
mala 9 24 7 - - - - 40
lata 4 18 17 - - - - 39
disco 32 - - - - 6 - 38
copo 24 - 16 - - - - 40
TOTAL 260 509 60 12 2 35 20 898
202 Alfa, São Paulo, 43: 185-202, 1999