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Agroextrativistas e Quilombolas no Arquipélago do Marajó (PA): território, etnicidade e direitos 1

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Agroextrativistas e Quilombolas no Arquipélago do Marajó (PA): território, etnicidade e direitos1

Mariah Torres Aleixo (UNIFAP/AP)

Resumo: O reconhecimento e garantia de direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais pelo Estado brasileiro pode ser interpretado como uma conquista dessas coletividades. Tais direitos estão inscritos na Constituição Federal de 1988, na lei que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outras normativas estaduais e de órgãos da administração pública. No entanto, garantir regularização territorial nem sempre implica autonomia para gerir o território. Muitas vezes a atuação estatal nesse âmbito interfere nas dinâmicas comunitárias incitando conflitos e produzindo outras demandas. Nesse sentido, parte-se da experiência de consultoria jurídica sobre direitos territoriais no âmbito da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) nos Projetos de Assentamento Agroextrativista (PAEs) criados via Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) no arquipélago do Marajó (PA), para discutir as interferências estatais nas dinâmicas da etnicidade. No caso específico, tratava-se de conflito entre Agroextrativistas membros do PAE, de um lado, e quilombolas cujo território estava em processo final de regularização, de outro, em torno de uma área específica que ambos os grupos reivindicavam como sua. Tendo em conta que o Estado, por meio de regularizações fundiárias, pode provocar reorganizações socioculturais significativas que se traduzem em verdadeiras territorializações, conforme aduz Pacheco de Oliveira (1999), busca-se compreender de que forma, nesse contexto específico, a atuação estatal transformou a dinâmica das relações territoriais locais, esmaecendo antigos conflitos e, ao mesmo tempo instaurando novas querelas. O caso permite também questionar se a maneira como a burocracia estatal opera as regularizações fundiárias de povos tradicionais atende às suas demandas por autogestão territorial. Impõe também pensar os limites de tais regularizações e as possibilidades de os diplomas legais – especialmente a Convenção n.º 169 da OIT e seus mandamentos de Consulta Prévia – auxiliarem na resolução de questões similares a esta “disputa” entre agroextrativistas e quilombolas.

1 Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2016, João Pessoa/PB.

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Palavras – chave: Povos Tradicionais; Etnicidade; Direitos.

O PAE Ilha de Setúbal e os quilombolas de Gurupá

Em setembro de 2015 fui convidada pelo Instituto Peabiru2 para ministrar oficina sobre direitos territoriais aos membros da Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Agroextrativistas da Ilha de Setúbal (ASTRAS), município de Ponta de Pedras, arquipélago do Marajó, estado do Pará. O Instituto desenvolve Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) na Ilha por meio do Projeto ATER Marajó, aprovado pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), chamada pública 01/2013.

A maioria dos residentes da Ilha de Setúbal é beneficiária da reforma agrária, estando incluídos no Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Ilha de Setúbal. Os PAEs são assentamentos criados para atender às peculiaridades da reforma agrária na região amazônica. Segundo o INCRA:

“Projeto de Assentamento Agro-Extrativista (PAE) é uma modalidade de assentamento destinado à populações tradicionais, para exploração de riquezas extrativas, por meio de atividades economicamente viáveis e ecologicamente sustentáveis, introduzindo a dimensão ambiental às atividades agroextrativistas. Tais áreas, de domínio público, serão administradas pelas populações assentadas através de sua forma organizativa, que receberá a concessão de direito real de uso.” (1996: 05)

Dessa forma, os PAEs são formas de regularização fundiária de povos ou populações tradicionais, que segundo a legislação pertinente, podem ser compreendidas como:

“Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Art. 3º, I, Decreto n.º 6040/2007)

Afora essa definição legislativa, considerada mais satisfatória, há também a acepção presente na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que define populações tradicionais como aquelas que estabelecem formas sustentáveis

2 O Instituto Peabiru é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), dedicada à Amazônia Oriental, especificamente aos estados do Pará, Amapá e Maranhão. Tem sede em Belém – PA e conta com dezessete anos de atuação. Sua missão, segundo o sítio da instituição, consiste em: “facilitar processos de organização social e de valorização da sociobiodiversidade para que as populações extrativistas e os agricultores familiares da Amazônia sejam protagonistas de sua realidade.” Ver mais em: https://peabiru.org.br/institucional/quem-somos/.

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de exploração dos recursos naturais, desenvolvidas ao longo de gerações e adaptadas às condições ecológicas locais, desempenhando papel fundamental na proteção da natureza e na manutenção da diversidade biológica.

É possível dizer, portanto, que os PAEs instrumentalizam a denominada posse agroecológica, definida por Benatti (1997) como aquela que é exercida pelos povos tradicionais. Caracteriza-se por um tipo de apossamento que conjuga o uso comum da terra juntamente com sua utilização familiar. No espaço destinado ao uso coletivo é realizada exploração dos recursos naturais com base no agroextrativismo, enquanto que há também a unidade de trabalho da família, que constitui espaço “privado.” Afora isso, a posse agroecológica caracteriza-se pelo estabelecimento de relação sustentável com a terra, isto é, utiliza seus recursos sem que isso cause grande impacto ao meio-ambiente.

De acordo com isso, os PAEs devem ser criados de modo a destinar aéreas correspondentes às unidades familiares e outras específicas para espaços comuns, em que será praticado o agro-extrativismo. No caso do PAE Ilha Setúbal, os beneficiários do assentamento estavam se queixando de que não possuíam área suficiente para, como eles dizem, “apanhar açaí”, tendo que atravessar o rio Arari e fazê-lo na porção de floresta em frente à Ilha.

Porém, a aérea em frente à ilha é parte da comunidade quilombola de Gurupá, território quilombola em processo avançado de regularização. Assim, a oficina sobre direitos territoriais teve como objetivo orientar os beneficiários do assentamento acerca da política de reforma agrária no país, especificamente na Amazônia, dirimir dúvidas aceca da isenção de Imposto Territorial Rural (ITR)3 e, principalmente, elaborar, de forma participativa, possíveis “saídas” para a disputa em torno da extração de recursos naturais de um espaço reivindicado tanto por quilombolas quanto pelos agro -extrativistas4.

Povos tradicionais e etnicidade: “pobre contra pobre”

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O ITR está previsto no art. 153, IV, parágrafo 4º da Constituição Federal de 1988 (CF/88). A dúvida dos membros da ASTRAS era se deveriam arcar com parcelas atrasadas do ITR, devidas pelo antigo “dono da ilha”, isto é, aquele que dizia ter o domínio da terra antes de o INCRA criar o assentamento. Também não estavam certos se, como assentados, deveriam pagar o ITR. Na ocasião, foi explanado que há isenção de ITR para as pequenas glebas rurais, também com previsão constitucional.

4 Os beneficiários do PAE Ilha Setúbal e os quilombolas da Comunidade Gurupá residem próximo aos rios e realizam, via de regra, a mesma atividade, isto é, a agricultura aliada ao extrativismo. Desse modo, poderiam ser chamados, conjuntamente, de extrativistas. Porém, faço diferença entre agro-extrativistas, de um lado, e quilombolas, de outro, porque essa é a forma como os sujeitos se reconhecem.

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A oficina que ministrei sobre direitos territoriais5 foi uma demanda da ASTRAS junto ao Instituto Peabiru, inserida no projeto ATER Marajó, conforme mencionado acima. Antes da chegada ao barracão da associação, onde foi realizada a atividade, fui informada que as lideranças e demais membros da comunidade Gurupá haviam sido convidados. Porém, nenhum deles compareceu à atividade.

No primeiro momento, pela manhã, foi debatida a questão da função social da propriedade na CF/88 e as peculiaridades da reforma agrária na Amazônia e para os povos tradicionais; foi também dirimida a questão do ITR. Posteriormente, começaram os debates acerca da querela com os quilombolas.

Os presentes explicaram que antes de ser formado o PAE, eles trabalhavam “de meia” para os (supostos) proprietários das terras na região: metade do açaí que “apanhavam” entregavam para o dono e assim também deveria acontecer com outros recursos que viessem a extrair. Isso ocorria inclusive na região que agora é parte do quilombo Gurupá.

Com a criação do PAE puderam trabalhar com mais autonomia, gerindo suas terras e atividades. Contudo, indicam que não possuem área hábil para “apanhar açaí” e que é preciso busca-lo “do outro lado”, pois o da Ilha de Setúbal não é suficiente para o consumo e venda aos atravessadores.

Relataram que, ao realizar o extrativismo na área que recentemente passou a pertencer aos quilombolas, têm sofrido ameaças das lideranças. Estas, segundo os presentes, teriam dito que não querem a presença dos beneficiários do PAE no local. Outros afirmaram que as lideranças quilombolas aceitariam que os assentados retirassem o açaí do local somente se deixassem cinquenta por cento do que apanharam para a comunidade quilombola. Para Wesley, presidente da ASTRAS, a situação entre os agro-extrativistas e quilombolas devia ser resolvida o quanto antes porque, nas palavras dele, não é certo “pobre contra pobre.” Disse que não era correto que os quilombolas cobrassem “meia” deles e que era necessário entrar num acordo para que membros do PAE e da comunidade Gurupá utilizassem a porção de floresta conjuntamente.

Os participantes concordaram com Wesley e puseram-se a contar que existem laços de parentesco, mesmo que um pouco distantes, entre os membros do PAE e da

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A oficina, denominada “Reunião Técnica para Implantação do Plano de Organização Social – Direitos Territoriais”, foi realizada dia 09 de setembro de 2015, no barracão da ASTRAS, carga horária de oito horas. Responsável técnica: Thiara Fernandes. Ministrante: Mariah T. Aleixo.

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comunidade quilombola, por isso “não é justo” que estes cobrem “meia” dos assentados, uma vez que eles vêm da mesma origem. Inclusive, muitos afirmaram que foram entrevistados quando da elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID)6 que embasou o reconhecimento do território quilombola pelo INCRA.

Porém, ao mesmo tempo em que ressaltavam a proximidade entre os agro-extrativistas e quilombolas, destacavam que os moradores do Gurupá não tinham qualquer cuidado com o meio-ambiente. Conforme relatavam, praticavam caça, pescavam inclusive no período do defeso, não se preocupavam em fazer o manejo das espécies vegetais, entre outras coisas.

As reclamações em relação à falta de cuidado com a preservação ambiental não ocorreram somente durante a oficina, mas em diversas conversas informais ao longo dos intervalos.

Numa análise incipiente, é preciso levar em conta que as políticas fundiárias relativas aos povos tradicionais ganharam força a partir da promulgação da CF/88, pois esta qualificou o Estado brasileiro como sendo pluriétnico e multicultural ao reconhecer direitos específicos, diferenciados, especialmente a povos indígenas e comunidades quilombolas. Embora o reconhecimento da diversidade no país se dê de forma mitigada, aos moldes do que Yrigoyen Fajardo (2011) classifica como constitucionalismo

multicultural, isto é, aquele Estado que possui políticas para a diversidade, mas não

reconhece outras fontes do direito a não ser estatal, além de possuir também um idioma oficial, fazendo com que as línguas faladas por inúmeros povos restem “encobertas.”

Pode-se dizer, assim, que as políticas de regularização fundiária de povos tradicionais – aqui, especificamente, agro-extrativistas e quilombolas – diz respeito à existência de grupos sociais culturalmente diferenciados no território nacional, por isso considero a definição do decreto n.º 6040/2007 mais acertada. Trata-se, portanto, de medidas de administração da etnicidade.

Conforme as reflexões de Barth (2000), a etnicidade (ou os grupos étnicos) se caracteriza pela fronteira social que os grupos criam em relação aos demais, baseada nas diferenças identificadas pelos próprios membros do grupo em relação aos outros, numa

6 O processo de regularização de Território Quilombola envolve seis fases: 1) Autodefinição quilombola, 2) Elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), 3) Publicação do RTID, 4) Portaria de Reconhecimento, 5) Decreto de desapropriação e 6)Titulação. Na época da realização da oficina e, ainda atualmente, a Comunidade quilombola Gurupá encontra-se na fase quatro, tendo sido publicada a Portaria de Reconhecimento no Diário Oficial da União.

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situação de contato interétnico. Os elementos identificadores da diferença são os chamados sinais diacríticos, que podem ser tanto um ritual específico quanto uma vestimenta ou mesmo a maneira de utilização dos recursos naturais, se são usados de forma sustentável ou predatória, como informam os depoimentos dos assentados, por exemplo.

A etnicidade conforma identidades étnicas, experimentadas individual e coletivamente. Como apontam Poutignat e Streiff-Fenart (1998), sua especificidade em relação a outras identidades, como a de gênero, a religiosa, a de classe, entre outras, é que ela implica na crença de que os membros do grupo possuem uma origem comum, é uma identidade que inevitavelmente aponta para o passado. Tal origem comum pode ser indicada num fato do passado, em histórias de sofrimento compartilhado ou mesmo em relatos míticos.

Porem, além dos elementos indicados por esses autores, Pacheco de Oliveira afirma que a etnicidade é constituída no país também por meio da territorialização, que consiste em:

“um processo de reorganização social que implica: i) a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; ii) a constituição de mecanismos políticos especializados; iii) a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; iv) a reelaboração da cultura e da relação com o passado.” (1999:20, grifos do autor)

Abordando especialmente a relação dos povos indígenas com o Estado brasileiro, o autor destaca que o Estado – colonial ou soberano – forçou uma nova relação dos grupos indígenas com o território. Para Pacheco de Oliveira (1999), quando o Estado restringe a organização dos grupos étnicos a certos limites geográficos, conferindo pouca ou muita importância às reivindicações das coletividades, ele também interfere na conformação dos grupos e nos seus processos de diferenciação.

As assertivas de tais autores quanto à etnicidade e territorialização deslinda em parte o conflito entre assentados e quilombolas, ao mesmo tempo em que provoca questionamentos. Quando os participantes da oficina afirmaram que “todos eram parentes” e que, inclusive, muitos assentados foram entrevistados na época de elaboração do RTID de Gurupá, de alguma forma indicam que, num certo tempo, todos pertenciam ao mesmo grupo social. A inclusão destes em diferentes políticas de regularização fundiária parece ter sido um importante elemento ocasionador de diferenciação entre “nós” e “eles.” Certamente não é o único. Apesar de os quilombolas

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não terem participado da oficina, decerto o reconhecimento coletivo da identidade negra e do passado ligado ao regime de escravidão podem também ter contribuído para esse processo.

Mas compreender a situação não garante a necessariamente a resolução do conflito. A diferença interétnica baseada nos elementos diacríticos e nos diferentes processos de territorialização são características da etnicidade no contexto brasileiro, mas como vivê-la sem que isso implique ameaça à subsistência das coletividades ou mesmo violência?

Na ocasião da atividade, após debates sobre o que poderia ser feito para resolver a situação, foi elaborado o seguinte encaminhamento: o Instituto Peabiru entraria em contato com o Ministério Público Federal (MPF), a fim de explicar a situação e solicitar que fosse realizado um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) entre a ASTRAS, a associação da Comunidade Quilombola Gurupá, o INCRA e a Superintendência do Patrimônio da União (SPU)7. O MPF é responsável pela defesa de povos indígenas e comunidades tradicionais e por isso foi acionado a fazê-lo neste caso concreto.

O que é possível negociar?

Assim, foi realizada reunião inicial do Instituto Peabiru com o Procurador que responde pela 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF8, qual seja, a que é responsável pela defesa dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Nesta, foi explicada a situação dos assentados e dos quilombolas em relação à disputa da área. As representantes do Instituto enfatizaram que os membros da ATRAS que não puderam comparecer e expuseram que a proposta elaborada da oficina era que tanto os agro-extrativistas quanto os quilombolas utilizassem aquela porção de floresta para suas atividades – e que isso fosse formalizado mediante um TAC – uma vez que o território quilombola Gurupá encontrava-se em processo avançado de regularização e esta seria a saída mais rápida.

O membro do MPF responsável pela 6ª câmara informou que o MPF participou das reivindicações dos quilombolas do Gurupá pelo território, disse que a instituição e

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A SPU deve participar de negociações envolvendo o PAE Ilha de Setúbal porque o assentamento fica numa ilha fluvial. Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, não se pode ter título de propriedade de ilha. Assim, para formar assentamentos desse tipo, a SPU concede o Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) aos beneficiários, documento que garante o usufruto da área, mas que não se confunde com o título de propriedade.

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Reunião realizada na sede do MPF em Belém/PA, dia 05 de outubro de 2015. Mariah T. Aleixo e Thiara Fernandes representaram o Instituto Peabiru e Felício Pontes, o MPF.

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os protagonistas eram parceiros de longa data. Informou que dentro de alguns dias o presidente da associação do Gurupá estaria no órgão e que seria possível realizar uma conversa entre os representantes dos assentados e da comunidade quilombola.

Na data e hora estabelecidas9, compareceram à “conversa” o presidente da ASTRAS, acompanhado que quatro lideranças do assentamento, o presidente da associação dos quilombolas do Gurupá, as duas representantes do Instituto Peabiru que compareceram à reunião anterior e o membro do MPF.

Na ocasião, foi colocado o mapa na mesa para que se pudesse visualizar melhor o local do conflito e o presidente da ASTRAS, juntamente com as representantes do Instituto, explanaram a proposta. O presidente da associação quilombola explicou que o território pertencia à comunidade e que eles tinham, nas palavras dele, “lutado muito” para conquistar o reconhecimento e a regularização, e esta, mesmo não finalizada, já representava uma grande conquista.

Disse que houve uma reunião com os membros da comunidade sobre o assunto e determinaram que se os assentados entrarem na área para “apanhar” açaí ou outros recursos, deveriam pagar “meia” aos quilombolas. No momento, foi explicado que os assentados não possuem área hábil para ser utilizada coletivamente para a realização do extrativismo e que isso talvez possa ter sido erro do INCRA quando da criação do assentamento, mas que, “desde sempre” os moradores da Ilha de Setúbal atravessam o Arari para extrair os recursos “do outro lado”.

O representante do Gurupá foi irredutível e o impasse permaneceu. O membro do MPF e as representantes do Instituto sugeriram que diante da falta de acordo, talvez a saída fosse pressionar o INCRA pela destinação de uma área de uso comum ao PAE Ilha de Setúbal, destacando que isso poderia levar tempo para ser concretizado.

Com as políticas de regularização fundiária para povos tradicionais, mesmo que sejam executadas em meio a dificuldades, equívocos e inúmeros “atropelos”, garantiram certa autonomia na gerência do território, de modo que é compreensível que os quilombolas não queiram “ceder” a porção de terra aos assentados, nem tampouco utilizá-la conjuntamente.

A normativa do INCRA referente aos PAEs indica que eles são construídos de maneira participativa, sempre em diálogo com a comunidade. A situação em tela mostra que talvez isso não tenha sido observado no PAE Ilha de Setúbal.

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Povos indígenas e comunidades quilombolas tem utilizado a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho como importante ferramenta, especialmente o dispositivo relativo à consulta prévia, isto é, o direito que os povos indígenas e tribais têm de ser consultados sobre quaisquer medidas que possam lhes afetar. A utilização do diploma pelos demais povos tradicionais, a fim de que sejam consultados quando da elaboração e execução de políticas que lhes dizem respeito é um debate em curso.

Que o Estado participe das dinâmicas da etnicidade é algo que acontece. Porém, quando essa participação provoca conflitos que comprometem a sobrevivência dos grupos sociais, é preciso fazer algo a respeito. A questão é delicada e envolve uma série nuances, essas constituem apenas as reflexões iniciais; a situação que permanece irresoluta.

Referências Documentais

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

________. Lei n.º 9.985 de 18 de julho de 200. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9985.htm.

________. Decreto nº 6.040 de 7 de fevereiro de 2007. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm.

INCRA. Projetos de Assentamento Agro- Extrativistas – PAE’s. 1996.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção 169 sobre Povos

Indígenas e Tribais em países independentes.

Bibliográficas

BARTH, Fredrik. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: LASK, Tomke (Org.). O

guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa

Livraria, 2000. p. 25-67.

BENATTI, José Heder. “Posse coletiva da terra: um estudo jurídico sobre o apossamento de seringueiros e quilombolas.” In Revista CEJ, V.1 n.3 set/dez. 1997. Disponível em: http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/viewArticle/126/169. Acesso dia 25 de maio de 2016.

POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade. Seguido

de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barth. São Paulo: Editora UNESP, 1998

YRIGOYEN FAJARDO, Raquel Z. El horizonte del constitucionalismo pluralista: del multiculturalismo a la descolonización. In: RODRÍGUEZ GARAVITO, César (Coord.).

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El derecho en América Latina: un mapa para el pensamiento jurídico del siglo XXI.

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