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PALAVRAS-CHAVE: Literatura Surda; Livros Digitais; Compreensão; Surdos.

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LITERATURA SURDA NOS LIVROS DIGITAIS

Carmen Elisabete de Oliveira- UNIOESTE1 Orientadora: Lourdes Kaminski Alves- UNIOESTE2

RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar a proposta de pesquisa sobre Literatura Surda Infantil e a importância da produção de materiais literários destinados às pessoas surdas. Essa literatura é apresentada por meio de contos, piadas, narrativas, histórias que contemplam temas relacionados à vivência dos surdos na comunidade ouvinte. Nos materiais impressos as histórias são apresentadas por meio das imagens, e o texto é apresentado pela escrita da língua de sinais- Signwriting, na própria língua de sinais e também em língua portuguesa. Conforme Karnopp (2008) essa literatura só passou a ser conhecida e divulgada a partir da oficialização da Língua Brasileira de Sinais- Libras, em 2002 como a forma de comunicação e expressão de pessoas surdas do Brasil. A partir desse evento as produções em Libras foram veiculadas, inicialmente por livros impressos, e posteriormente com o avanço tecnológico pelos livros digitais, fato que impulsionou as produções literárias de/para pessoas surdas. Atualmente temos uma diversidade de materiais digitais em Libras, porém isto não significa que sejam linguisticamente acessíveis aos surdos. Diante disso, deixaremos algumas reflexões a respeito da produção dos livros digitais e a compreensão das histórias por crianças surdas.

PALAVRAS-CHAVE: Literatura Surda; Livros Digitais; Compreensão; Surdos.

INTRODUÇÃO

A Literatura no Brasil teve como ponto de partida as escritas de imigrantes, jesuítas, missionários, viajantes que elaboravam documentos, relatos sobre nossa terra recentemente descoberta pelos portugueses. Alguns registros datam as primeiras escrituras literárias no Brasil a partir do século XV, entretanto esses escritos não eram considerados como literatura por apresentar semelhança com a crônica histórica. Ao comparar os estudos existentes da Literatura

1Especialização em Docência de Libras e Intérprete pela Universidade Tuiuti do Paraná; Mestranda em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE/Campus de Cascavel.

2Doutorado em Literatura Comparada e Teoria Literária pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp.

Pós-doutorado em Letras: Cultura e Contemporaneidade pelo Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio. Pós-doutorado em Letras pelo Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Docente na categoria Associado na Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

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Brasileira e da Literatura Surda, percebe-se que há muito a estudar sobre a segunda, pois os registros e as pesquisas na área são incipientes. Conforme Karnopp (2008) a oficialização da Língua Brasileira de Sinais- Libras com a Lei nº 10.436/2002 foi a motivação para que a comunidade surda brasileira iniciasse os registros de histórias, narrativas, piadas, resultado de suas experiências visuais.

Constituída e representada por elementos linguísticos e culturais dos usuários nativos da Libras, essa produção nominada de Literatura Surda inspirou criações, traduções e adaptações de histórias principalmente direcionadas ao público infantil surdo, que até a oficialização da Libras tinha pouco acesso à literatura infantil produzida especialmente para a criança ouvinte, visto que as histórias são disponibilizadas na língua portuguesa escrita – que para a maioria das crianças surdas torna a compreensão complexa, e algumas histórias pelos livros digitais, que apesar de atrativos para os surdos apresenta narrativas na língua oral.

O interesse em estudar Literatura Surda surgiu com a experiência profissional na educação de surdos em que propomos a turma de 2º ano do ensino fundamental, uma atividade para conhecer e explorar a vida das formigas. Iniciamos o estudo a partir da fábula de La Fontaine: A Cigarra e a Formiga, e na sequência construímos com os alunos vários formigueiros de garrafas PET; esses eram ligados entre si por mangueira transparente, cada um com colônias de formigas de espécies diferentes, pois nosso objetivo foi observar o comportamento, a vida e a movimentação entre os formigueiros.

Com a observação das formigas em seu habitat, os alunos perceberam que cada grupo era responsável por tarefas diferentes e questionaram sobre a comunicação das formigas, e se os insetos sabiam a língua de sinais. Diante disso, surgiu a ideia de produzir uma adaptação da fábula e a nomeamos como: A Cigarra Surda e as Formigas. No decorrer do estudo organizamos coletivamente o livro, que apresentava ilustrações grandes, texto com desenho dos sinais, texto em Língua Portuguesa e Signwriting (língua de sinais escrita), tudo produzido em sala de aula. No entanto nosso trabalho despertou o interesse de uma Organização Não Governamental – ONG que atende os surdos em nossa cidade, e procurou patrocínio para a publicação daquele que seria um dos primeiros livros de Literatura Surda no Brasil. Foi publicado em 2005 pela CORAG- gráfica do governo do RS com uma tiragem de mil exemplares, que foram distribuídos gratuitamente para as escolas interessadas. Alguns exemplares foram enviados para a Secretaria de Educação de outros Estados. O livro gerou a peça de teatro com o mesmo nome e apresentada em língua de sinais na Mostra da Cultura

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Surda, evento anual organizado pela comunidade surda, sendo assistida por mais de 50 escolas da região.

A fábula da Cigarra Surda e as Formigas foi das primeiras publicações no Brasil e organizada em material impresso, pois não tínhamos conhecimento e suporte para publicá-los em formato digital, o que seguramente é um recurso interessante para a criança surda, pelo fato de receberem as histórias sinalizadas. Dada a importância dessa literatura para os surdos e pelo desejo de contribuir com estudos nesse campo, propomos nessa pesquisa trabalhar com a Literatura Surda Infantil nos Livros Digitais. A busca no Portal da Capes – Dissertações e Teses, e no Portal de Periódicos revela que há carência de estudos na área. Conforme levantamento bibliográfico observamos que parte do material disponível sobre o tema foi organizado por docentes do Curso de Licenciatura em Letras/Libras -Modalidade a Distância, ofertado na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Outras publicações encontradas são resultado de trabalhos acadêmicos de surdos como Silveira (2000), Mourão (2011), Rosa (2011). Os pesquisadores surdos sustentaram suas investigações em Estudos Culturais com autores como Strobel (2009), Karnoop et.al (2011), Morgado (2011), Rosa (2011), nossa pesquisa tem a mesma sustentação pois há uma correlação natural entre Literatura Surda e Estudos Culturais

Nossa proposta busca investigar, conhecer e analisar como a apresentação das imagens, textos, e a sinalização das histórias nos livros digitais em Libras interfere na (in) compreensão das histórias infantis por surdos. Assim, trabalharemos com oficinas de histórias e com dinâmicas que permitam analisar a compreensão pelas crianças surdas cuja a idade limite será 13. Os participantes serão estudantes de uma escola especial da cidade de Cascavel/PR, e de estudantes de classe especial de uma escola de ensino regular no RS. Uma das histórias selecionadas para esse estudo faz parte do corpus analisado na investigação de Rosa (2011): Um mistério a resolver: O mundo das bocas mexedeiras (OLIVEIRA; CARVALHO; OLIVEIRA, 2008) que é uma criação, a outra história escolhida pela pesquisadora é de (MOURÃO, 2013) A Fabula da Arca de Noé, cujo autor é surdo. Ambas serão analisadas segundo critérios determinados.

Com esse objetivo foram programadas duas sessões em cada escola, com atividades distintas que geram dados e possibilitam diferentes olhares nas análises, assegurando assim resultados fidedignos. Cada história tem uma atividade inspirada no trabalho de Capovilla (2003), criador do Teste de Vocabulário Receptivo de Sinais da Libras (TVRSL1). Ele é parte da bateria de onze testes originais de desenvolvimento das competências de leitura, escrita e compreensão de sinais, é um instrumento normatizado e validado para avaliar a compreensão

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de sinais da Libras. Todas as etapas da coleta de dados são filmadas por se tratar de dados em uma língua visuoespacial. Os vídeos das sessões de histórias serão analisados com a ferramenta ELAN – EUDICO Language Annotator, que permite ao pesquisador criar, editar, visualizar e procurar anotações através de dados de vídeo e áudio. Com essas ferramentas validadas por pesquisadores renomados, esperamos chegar a considerações que possam ser utilizadas em futuras produções para o aperfeiçoamento das publicações digitais para surdos. A pesquisa está em andamento, por isso não apresentaremos os resultados. Discorreremos sobre alguns aspectos da literatura surda.

1 LITERATURA SURDA

As publicações sobre os surdos e a língua de sinais são raras. No entanto, as histórias são contadas e circulam na língua de sinais, que repassa, de uma geração para outra, os valores, o orgulho de ser surdo, os feitos dos líderes surdos, as histórias de vida e as dificuldades de participação em uma sociedade ouvinte. Desse modo, a literatura surda é, num certo sentido, uma tradição “em sinais” [..] (KARNOPP, 2010, p.18)

É consenso entre pesquisadores como Karnoop (2008), Rosa (2009), Mourão (2011), Hessel (2015) que, os relatos, as histórias, as piadas sempre estiveram presentes na vida dos surdos, pois como qualquer povo falante de uma língua oral, ou de sinais todos tem Cultura e Literatura própria. As vivências, as narrativas as histórias, traduzem as experiências do povo surdo, assim foram difundidos e transmitidos de geração a geração por meio da língua de sinais. Não existe um consenso em relação à definição de Literatura Surda, entretanto apresentaremos um dos conceitos

Literatura surda é a produção de textos literários em sinais, que traduz a experiência visual, que entende a surdez como presença de algo e não como falta, que possibilita outras representações de surdos e que considera as pessoas surdas como um grupo linguístico e cultural diferente (KARNOPP, 2010, p.161).

A autora ao afirmar que a literatura surda traduz as experiências visuais, por ser a forma como os surdos veem e entendem o mundo, assinala que quando o autor é surdo o foco nas obras é o uso da língua de sinais por pessoas surdas, o pertencimento cultural, a questão da identidade e da cultura surda está sempre presente nos textos e/ou nas imagens. Entretanto,

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alguns livros analisados pela autora não representam os traços culturais desse povo, trazendo personagens surdos ligados à ideia de superação ou de compensação da surdez. É preciso estar ciente de que o objetivo dessa literatura está longe de mostrar a surdez como doença, mas sim como diferença linguística, por meio dela os surdos buscam fortalecer sua língua, identidade e cultura dando visibilidade às expressões linguísticas e produções artísticas da comunidade, seja pela literatura impressa, pelo teatro, ou publicações na internet e nas redes sociais.

Por mais que o ouvinte seja fluente na Libras, tenha conhecimento sobre a Cultura Surda e participe ativamente da comunidade, ele vai ter experiências diferentes que o surdo vivencia. Por isso, o surdo, geralmente, tem capacidade de produzir histórias que serão mais facilmente absorvidas e compreendias por outros surdos, além de contar experiências com as quais outros surdos facilmente irão identificar-se. (ROSA, 2011, p.43)

Para o autor, a produção literária para surdos quando elaborada por seus pares mostra com propriedade a cultura e as maneiras como percebem o mundo por meio das experiências essencialmente visuais, diferente da pessoa ouvinte que ao escrever literatura para surdos vai apresentar as narrativas sob seu ponto de vista na condição de ouvinte, mesmo que seja conhecedor profundo da língua de sinais. Apesar do distanciamento dos pontos de vista, os surdos aprovam as produções, pois acreditam que elas devem ser ampliadas em benefício do povo surdo. As produções em Literatura Surda são classificadas por pesquisadores como Mourão (2011) em três categorias: tradução, adaptação e criação.

1.1 Tradução cultural na Literatura Surda

Na Literatura Surda é possível encontrar livros publicados na modalidade de tradução em que as obras são traduzidas da Língua Portuguesa para a Libras. Vários clássicos estão disponíveis em Libras como no caso do Pequeno Príncipe, Chapeuzinho Vermelho, Os três Porquinhos, entre outras, e recentemente alguns contos de Machado de Assis foram disponibilizados em Libras, o que para os surdos é excelente se considerarmos que esse autor utiliza vocabulário complexo constituindo um desafio para a maioria dos leitores, e para o surdo a atividade de ler e compreender esse autor é ainda maior. O objetivo da tradução cultural de acordo com Rosa (2011) “é esclarecer para os surdos as histórias da literatura convencional, através da Libras, das expressões bem claras e da locação bem marcada dos personagens”. A maior parte desse tipo de obra é traduzida nos livros digitais por surdos, pois como usuários da

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língua tem legitimidade para criar sinais para os personagens, e consideram na tradução as questões da cultura surda. Conforme a editora Arara Azul, uma das produtoras dos materiais em Libras, os objetivos das publicações são principalmente produzir materiais com registros, fatos e acontecimentos relativos ao povo surdo brasileiro. Mourão (2011, p.54) dispõe que “tais materiais contribuem para o conhecimento e divulgação do acervo literário de diferentes tempos e espaços, já que são traduzidos para a língua utilizada pela comunidade surda”. No ambiente online e em bibliotecas escolares é possível acessar livros didáticos com janela interativa em Libras. Conforme Pissinatti (2016), o Projeto Pitanguá (2007) apresentou a proposta do Livro Didático Digital Bilíngue traduzidos por Clélia Regina Ramos, que faz parte do PNLD LIBRAS e publicados pela Editora Arara Azul. Esse material é destinado aos alunos ouvintes de escolas regulares mas incluiu Libras, por entender que pode haver surdos inclusos, dessa forma os conteúdos das disciplinas ficam acessíveis a esses estudantes por meio da língua de sinais.

1.2 Adaptação cultural na Literatura Surda

Além das obras traduzidas, temos algumas adaptações de clássicos. Esta modalidade conta com várias obras adaptadas por surdos, e algumas obras adaptadas em parceria com ouvintes. Para Rosa (2011) na adaptação é preciso respeitar a cultura dos surdos, a identidade surda, e o modo como percebem os acontecimentos no mundo dos ouvintes, nelas são realizadas substituições das características dos personagens e dos acessórios que os acompanham.

Um exemplo disso é a história da Cinderela Surda (SILVEIRA, ROSA, KARNOPP, 2003) que foi adaptada, pois na história original a Cinderela é ouvinte, pertencente a uma família ouvinte que faz uso da oralidade, sendo que na história aparecem acessórios utilizados por ouvintes, como, por exemplo, um sino. A equipe que fez a adaptação desta história idealizou algumas substituições, tais como: a Cinderela passou a ser surda, usuária da língua de sinais e o sino foi substituído por um relógio, pois este é mais visual. Outra adaptação feita foi a substituição do sapato pela luva, a qual Cinderela perdeu ao sair do baile. A luva foi escolhida por ser um simbolismo na Língua de Sinais. (ROSA, 2011, p.42)

Essa categoria faz uma releitura das obras aproximando à vivência dos surdos, e abre a possibilidade para que as crianças surdas conheçam a obra original e estabeleçam comparações com a obra adaptada, além de reconhecer a cultura dos surdos e proporcionar sua identificação

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com os personagens. Como descrito por Gava (2010) para a construção das histórias em Libras, o primeiro grupo de pesquisadores organizou uma estrutura para embasá-las: desenhos precisam ser claros e bem elaborados; deve conter a escrita da língua de sinais (Signwriting) para auxiliar na leitura; conter texto em língua portuguesa: para apropriação da segunda língua pela criança. Conforme Mourão (2011) as histórias e contos adaptados “empoderam” a comunidade surda, pois valorizam a cultura, a língua, a identidade e trazem representações sobre os surdos.

As histórias adaptadas ainda são encontradas em pequeno número, podemos citar a Cinderela Surda (KARNOPP, HESSEL, ROSA, 2003) primeiro livro de literatura infantil no

Brasil escrito em língua de sinais, a Rapunzel Surda (KARNOPP, HESSEL, ROSA, 2005), O

Patinho Surdo (ROSA, KARNOPP, 2005); A Cigarra Surda e as Formigas (OLIVEIRA, BOLDO, 2005). Os livros mencionados apresentam as histórias em língua de sinais escrita: Signwriting que conforme Karnopp (2008) é um sistema de escrita que expressa as configurações de mãos, os movimentos, as expressões faciais, e os pontos de articulação das línguas de sinais. A autora observa que para escrever e ler em Signwriting é preciso saber uma língua de sinais. Na modalidade adaptação as produções em Cd e Dvd ainda são incipientes, há o predomínio dos livros impressos.

1.3 Produção/criação na Literatura Surda

É a categoria mais importante na concepção de pesquisadores, contudo a que engloba menos obras literárias por ser do tipo criação, ela demonstra com fidelidade o pensar do sujeito surdo e suas percepções de mundo. Certamente a Literatura Surda quando pensada e produzida pelo surdo tem características diferentes das produzidas pelas pessoas ouvintes, pelo fato de vivenciarem situações de modos distintos. Apontamos algumas obras criadas que revelam a cultura surda: O feijãozinho surdo: Liège Gemelli Kuchenbecker (2009), um mistério a resolver: o mundo das bocas mexedeiras, traduzida pela pedagoga surda Luciane Rangel e apresentada em Libras por Nelson Pimenta (2008); as luvas mágicas do papai noel, de Cláudio Henrique Mourão e Alessandra Klein (2012). Dos livros citados apenas O mundo das bocas mexedeiras é disponibilizado em livro digital.

Os livros digitais nesta modalidade ainda são raros. Há muitas produções de histórias em diversos momentos e locais, como nas associações, nas ruas, nas escolas, mas isto ainda não é divulgado por editoras, de modo a atingir um

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número maior de pessoas. No futuro, pode ser que se perceba a importância de incentivar a publicidade de tais histórias em livros digitais. Por enquanto, seu acesso é compartilhado na internet, através dos sites como youtube, por exemplo, ou disponibilizados diretamente pelos autores. (ROSA, 2011, p.43)

Concordamos com Mourão (2011) quando declara que podemos considerar uma obra como criação quando os textos são construídos a partir de um movimento de ideias que podem surgir nas comunidades surdas, associações de surdos, em que há circulação e debate de ideias a respeito de determinados temas e situações experienciadas. O autor acrescenta que

Se os surdos tivessem uma experiência mais intensa com histórias, com textos literários (em sinais ou através de leituras), essa aprendizagem na escola ou em seus lares, com os professores ou pais contando histórias, eles teriam mais possibilidade de imaginação, reflexão, emoção e se tornariam como uma fábrica de histórias, de subjetividades literárias, logo produzindo ideias e criatividade. Com conhecimento e experiências, sua subjetividade literária possibilitaria a criação de histórias. (MOURÃO, 2011, p.54).

Seguramente a criança em contato com o mundo da literatura, com práticas de leitura em sua língua, no caso dos surdos em Signwriting e Libras, consegue depreender as informações e acontecimentos em um sistema linguístico do qual é usuário com mais clareza, o que pode instigar sua criatividade, e favorecer o surgimento de novas histórias e narrativas que enriquecem as produções em Literatura Surda.

2 LIVROS DIGITAIS

Os livros digitais são histórias produzidas utilizando filmagens em Libras, com todos os elementos que são pertinentes a uma produção em vídeo, enquanto que os materiais impressos são histórias impressas em papel, com a presença de textos em Português, da Língua de Sinais escrita e dos desenhos claros e atrativos. (ROSA, 2011)

Nem sempre os registros em língua de sinais estiveram ao alcance da comunidade surda, pois como não havia recursos e tecnologias, os acontecimentos, as histórias permaneciam apenas na memória, com isso muitas narrativas se perderam. Os livros digitais em Libras começaram a ser produzidos no final da década de 90 com avanço tecnológico que possibilitou ao povo surdo fazer o registro da sua língua. Dessa forma pesquisadores da área fizeram uma coletânea de narrativas, histórias, fábulas e organizaram esses materiais para produção e

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divulgação por meios digitais com o objetivo de proporcionar aos surdos uma leitura sinalizada, com os movimentos da língua de sinais. Conforme apontamento de Gava

Com o advento da tecnologia, de filmadoras, gravadores, e da possibilidade de impressão de textos e imagens, assim como a escrita de sinais surge a Literatura Surda Contemporânea e um vasto leque de opções se abre para leitores e autores. As histórias ganham cor e formas, surge a poesia, os livros visuais e o exercício de criatividade torna-se uma variável cada vez mais presente. (GAVA, 2015.p.62)

Como consequência o povo surdo passou a exteriorizar sua cultura (re) criando narrativas, histórias, piadas. Nesse movimento houve engajamento de pessoas ouvintes produtores de histórias, escritores simpatizantes com a cultura surda que contribuíram com as publicações. Conforme pesquisadores a primeira obra digital foi no ano de 1999, produzida pela Editora LSB Vídeo com o título “Literatura em LSB – Poesia — Fábula – Histórias Infantis”. A princípio as histórias eram em fitas VHS, posteriormente apareceram em CDs e DVDs. Entretanto foi a partir do ano de 2000 que a produção passou a ser efetiva, com a editoração e difusão de histórias sinalizadas pelo INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos, e na sequência em 2002 pela Editora Arara Azul, o sucesso dessa literatura foi imediato e ganhou apoio da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação- SEESP/MEC que financia materiais para ser distribuído às escolas inclusivas. Cabe destacar que a LSB Vídeo foi a pioneira no Brasil a produzir e divulgar materiais digitais em Libras e iniciou suas atividades em 1999 com o prof. Me. Nelson Pimenta de Castro, surdo, e pelo prof. Me. Luiz Carlos Barros de Freitas, ouvinte, que dispõem de uma grande equipe composta por desenhistas, instrutores, pedagogos e professores surdos. Pissinatti (2016) faz considerações acerca das produções no Brasil e em outros países

Algumas editoras que comercializam essas obras, são específicas em obras para surdos, como é o caso das editoras Arara Azul e LSB Vídeo. Isto não ocorre somente no Brasil, mas também em outros países. Na França, por exemplo, há a editora Monica Company, que comercializa obras desenvolvidas por autores surdos, e em Portugal, a editora Surd'Universo. Com o desenvolvimento das tecnologias da informação e comunicação -TIC, o acesso às editoras e às produções […] podemos dizer que se gerou uma demanda de produção e venda em razão da preocupação não só com a formação pedagógica, mas também com o acesso cultural dos sujeitos surdos à produção literária. (PISSINATTI, 2016, p.30).

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reafirmar a língua e a cultura dessa comunidade, é também um novo nicho no mercado que deve ser ampliado conforme as demandas sociais, onde certamente a inserção dos surdos nessa produção se torna imprescindível. No site da editora Arara azul os materiais bilíngues podem ser “degustados” pelo leitor, dessa forma é possível analisar se o formato da apresentação, a linguagem utilizada na tradução servem aos propósitos do professor ou do interessado na aquisição. Rosa (2011) argumenta sobre a relevância desse material, pois atualmente os surdos têm nos livros digitais em Libras uma gama de clássicos literários para crianças, jovens e adultos, que anteriormente eram encontrados apenas em material escrito em Língua Portuguesa. Além das obras direcionadas às crianças, a editora Arara Azul em 2005 presenteou o povo surdo com vários contos de Machado de Assis em Material bilíngue Português/Libras em CD-ROM. Destacamos que as narrativas machadianas antes incompreensíveis à maioria dos surdos por conter um vocábulo complexo e utilizar a ironia, poucas vezes compreendidas em suas entrelinhas, atualmente é acessível linguisticamente a surdos jovens e adultos, em consequência despertou interesse pela literatura “para maiores”, pois até então a literatura surda disponível era direcionada às crianças. A grande vantagem da literatura surda nos livros digitais é que auxilia na depreensão das histórias, por ser elaborada com base nas experiências visuais, ser narrada em língua de sinais e realçar elementos da cultura surda. No entanto, Rosa (2011) afirma ser imprescindível que o professor faça uma análise da história antes de apresentá-la, e verifique se há pistas ou uso de estratégias para sua compreensão, além disso a língua de sinais deve corresponder ao nível linguístico das crianças, sem esquecer que em nosso país as línguas de sinais estão sujeitas aos regionalismos, da mesma forma que a língua oral.

Ainda hoje grande parte dos materiais bilíngues- Língua Portuguesa/Libras são produzidos pelo Instituto Nacional de Educação de Surdos- INES e a LSB Vídeo ambos no Rio de Janeiro, por isso os sinais encontrados nos materiais são de uso do povo surdo de onde se situam suas sedes. Em virtude disto, “alguns surdos podem não entender tudo o que é exposto no vídeo, e dependem de estratégias para entender os sinais pelo contexto” (ROSA, 2011, p.36). O mesmo autor observa que embora exista materiais digitais em Libras, muitas crianças estão em processo de aquisição da língua e não tem um domínio que permita depreender os fatos sinalizados. Assim como as crianças, alguns surdos adultos com limitações no uso e na compreensão da língua, também podem apresentar a mesma dificuldade em entender as histórias e narrativas nos livros digitais.

Sendo assim, o entendimento das crianças com relação às histórias sinalizadas, depende de alguns fatores como: clareza dos sinais, nível linguístico, estratégias utilizadas, expressões

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faciais, corporais e não manuais, uso de classificadores entre outros. Entendemos que é necessário haver uma observação minuciosa na elaboração desses materiais no que se refere aos fatores mencionados, uma vez que os livros digitais devem ser pensados na acessibilidade para surdos e ouvintes uma vez que muitos trazem a língua de sinais e o texto em língua portuguesa, e é um material inclusivo para os dois lados: o mundo dos surdos e o mundo dos ouvintes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mergulho realizado no universo incrível da Literatura Surda, permitiu evidenciar o quanto foi importante a oficialização da Libras no Brasil, pois foi a partir dela que a comunidade surda alçou voos mais altos, e conquistou o direito de usar sua língua, ter acesso ao mundo acadêmico e literário, portanto é essencial que se desenvolvam mais pesquisas relativas ao tema, tendo em vista o quanto empodera e valoriza a cultura surda. É pela literatura que os surdos expressam seus sentimentos, sua arte, e atualmente registram e divulgam com os recursos tecnológicos disponíveis – as filmagens, os vídeos realizados com aparelhos celulares, os CDs, DVDs e a internet. É inegável as contribuições das produções em Livros Digitais, para que a Literatura Surda tenha alcançado tanto espaço. Da mesma forma, a internet, como espaço democrático, acessível e inovador é um veículo de comunicação muito acessado e utilizado pelos surdos, pois as produções caseiras podem ser postadas e comentadas, favorecendo a divulgação de tudo o que acontece no Brasil e no mundo na área da surdez. Cada vez mais as pessoas estão conectadas com o mundo, para os surdos o compartilhamento de experiências com seus pares reforça o sentimento de pertencimento a uma comunidade linguística que tem seus direitos, sua língua e cultura reconhecida.

Essa explosão e divulgação da cultura surda impulsionou pesquisas na área, que apesar de ainda incipientes em relação ao amplo leque de pesquisas sobre a literatura brasileira, tem muito a oferecer e a contribuir para que as futuras gerações de surdos tenham mais registros sobre seu povo, sua língua, porque agora com a tecnologia a memória dessa comunidade não será esquecida, nem apagada.

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Referências

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