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Processo 1636/2003-7 Data do documento 29 de abril de 2003 Relator Pimentel Marcos

TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA | CÍVEL

Acórdão

DESCRITORES

Abuso de representação > Boa-fé

SUMÁRIO

Vincula a sociedade comercial o acto praticado por um seu auxiliar, actuando como promotor de vendas num stand de venda de automóveis daquela.

Ainda que se verifique uma situação de desrespeito das instruções recebidas, o princípio da tutela da confiança deve levar a proteger o particular que, acreditando na aparência, celebra um contrato em tais circunstâncias.

TEXTO INTEGRAL

Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa.

Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 04.03.2002 no Tribunal Judicial da Comarca da Moita e que condenou a ré no pedido.

J. FERNANDES instaurou acção declarativa de condenação, com processo sumário

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contra

AUTO-MECÂNICA DO SUL, de C. e F, Ldª,

pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 1.400.000$00, equivalente ao dobro do sinal prestado, ou se assim não se entendesse, a devolver-lhe a quantia de 700.000$00 actualizada segundo os critérios do artº. 551º. CC.

Para tanto alega que a ré prometeu vender-lhe um veículo automóvel pelo preço de 2.000.000$00, e que, como sinal e princípio de pagamento, ele lhe entregou 700.000$00, sob uma dupla forma: um cheque de 50.000$00 e um veículo que o autor possuía nessa altura.

Mais alega ter ficado acordado que, no dia 15.9.1996, o autor entregaria à ré os restantes 1.200.000$00 e esta lhe entregaria o respectivo veículo.

Diz ainda o autor que na data acordada a ré se recusou a entregar-lhe o veículo, e apesar de ter insistido com ela pela entrega do mesmo ou quando muito pela devolução do sinal, o que é certo é que até à data a ré não lhe entregou o veículo objecto do contrato nem lhe devolveu o sinal.

**

A ré foi regularmente citada, e deduziu o incidente de chamamento à autoria de A. CARRILHO.

Para tanto alegou que:

o chamado era vendedor-comissionista da ré e prestou-lhe serviços da sua profissão;

foi o chamado quem vendeu ao autor o veículo referido na petição inicial; foi ele quem recebeu o veículo do autor como componente do preço;

o chamado agiu por sua conta e com condições muito suas, e em total inobservância das normas comerciais praticadas pela ré, uma vez que recebeu o veículo do autor pelo valor de 650.000$00, mas de imediato o vendeu por

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400.000$00 a um terceiro, fez seus esses 400.000$00 e ainda prometeu ao autor, como bónus, vários extras a colocar no veículo, e, em consequência lesou a ré em algumas centenas de contos e nunca mais apareceu para prestar contas.

Por isso, entende a ré que se tiver de indemnizar o autor terá direito de regresso contra o chamado.

O autor opôs-se a este chamamento. Todavia, por despacho de fls. 28 foi ordenada a citação do chamado nos termos e para os efeitos dos artºs. 327º, nº 1 e 328º, nº 2 do CPC.

O chamado foi citado e apresentou articulado próprio, dizendo em síntese:

que prestou serviços à ré na qualidade de vendedor-comissionista, auferindo 20.000$00 por cada veículo vendido, e que foi nessa qualidade que indicou ao autor o veículo em causa, prestando as respectivas informações;

que, no entanto, foi a ré quem o vendeu, pois era ela a sua proprietária;

que é ela quem fixa o preço de venda, estipula o prazo de entrega e o limite dos descontos a fazer;

que foi a gerência da ré quem assinou o contrato celebrado com o autor, uma vez que o vendedor não tem poderes para tal;

que o vendedor age sob a direcção e ordens da ré;

que reconhece que o dinheiro que o autor entregou como sinal está na sua posse, mas apenas porque a ré se recusa a recebê-lo.

A ré contestou, dizendo, em síntese:

que dá por reproduzida a matéria de facto alegada no requerimento de chamamento à autoria;

que nada prometeu vender ao autor, nem dele recebeu qualquer quantia;

que o negócio referido na petição “foi todo ele conduzido pelo ora chamado... nas condições que ele próprio definiu”, mas sempre à revelia da ré, e contra a

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sua prática comercial, pelo que não lhe pode ser imputada qualquer culpa pelo incumprimento do contrato;

E termina dizendo que a acção deve ser julgada improcedente. **

O processo seguiu os seus trâmites normais, tendo sido proferido o despacho saneador, e elaboradas a especificação e o questionário, sem qualquer reclamação.

Realizou-se a audiência de julgamento, tendo sido respondido aos quesitos conforme despacho de fls. 167, sem qualquer reclamação.

Seguidamente foi proferida a competente sentença, tendo a ré sido condenada no pedido, ou seja, a pagar ao autor a quantia de 1.400.000$00 (agora 6.983,17 euros).

Dela recorreu a autora, formulando as seguintes conclusões:

1. O chamado António Carrilho procedeu à venda do veículo em questão, contrariamente às instruções que detinha.

2. Fez seu o sinal recebido, sem que até hoje o tenha devolvido

3. Vendeu o veículo de retoma, sem que para isso tivesse efectuado qualquer comunicação à recorrente.

4. Esta não tomou, pois, conhecimento do negócio realizado.

5. Quando teve conhecimento dos referidos factos, de imediato avisou o recorrido de que o contrato não poderia produzir efeitos, já que em momento algum a Recorrente participara nele.

6. A relação estabelecida entre a recorrente e o chamado António Carrilho não consubstancia uma relação de comissão, donde resulta a inaplicação do art. 500º do C.C..

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traduz numa mera prestação de serviços.

8. O António Carrilho não é, pois, um comissários pela que não pode a Recorrente ser responsabilizada como comitente.

9. Actuou com total autonomia, sem efectuar qualquer comunicação à recorrente, e na mais completa má fé!

10. Como se pode inferir dos factos não provados, a contrario sensu, o chamado não agiu sob as ordens e direcção da recorrente e nem sequer, de acordo com as instruções desta.

11. Recebeu e fez seu o sinal prestado, pelo que se há lugar a devolução do mesmo, será o chamado o responsável e não a recorrente.

O Apelado pede a confirmação da sentença. **

Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.

Da 1ª instância vêm provados os seguintes factos:

1. O autor e um vendedor da ré, A. Carrilho, acordaram o fornecimento de um veículo automóvel de marca “ MAZDA 121 Pack” de 5 portas, de cor verde nobre, com data de entrega em 15.9.1996, mediante a quantia de 2.000.000$00, entregando aquele 700.000$00 de sinal e beneficiando de 100.000$00 de desconto.

2. O A. Carrilho recebeu para retoma o veículo FIAT UNO de matrícula --90-27 pertencente ao autor o qual foi avaliado em 650.000$00, e um cheque no valor de 50.000$00.

3 . O documento relativo ao acordo referido em 1 foi assinado por pessoa em representação da gerência.

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5 . Nem devolveu a quantia entregue a título de sinal (valor do cheque e do veículo entregue para retoma).

6. O chamado A. Carrilho não entregou à ré qualquer quantia recebida do autor. 7 . Por despacho proferido em 20.11.1998 foi arquivado o inquérito contra A. Carrilho pelo crime de abuso de confiança, conforme documento de fls. 101 e 102, por não ter sido deduzida queixa pelo ofendido.

8 . O chamado A. Carrilho realizou o acordo referido em 1 contra instruções expressas pela ré. E acordou no desconto de 100.000$00 aludido ma alínea A da especificação sem autorização da ré.

9. E valorizou o veículo de retoma por 650.000$00, ou seja, em valor superior ao valor comercial que o veículo tinha.

10. O chamado vendeu o mesmo veículo a C. Pinto, na sucursal da TOYOTA, em Cabanas, Palmela, por valor não concretamente apurado, mas não superior a 400.000$00.

11. O chamado não estava autorizado pela ré a fornecer os extras prometidos como bónus (rádio, tapetes, alleron, faróis de nevoeiro, e pintura dos retrovisores laterais na cor da carroçaria).

Factos não provados

1. O chamado agiu sob as ordens e direcção da ré. 2. E de acordo com as instruções desta.

O DIREITO

Questões a decidir:

A) Qual a relação jurídica existente entre o chamado e a ré/apelante; B) Se existe o dever de indemnizar por parte da ré.

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O autor fundamenta a sua pretensão na existência de um contrato-promessa que teria celebrado com a ré e pelo qual esta teria prometido vender-lhe um determinado veículo automóvel.

Daí que, perante o incumprimento pela ré desse contrato, venha o autor pedir que aquela seja condenada a devolver-lhe o sinal em dobro, ou, caso assim não se entenda, em singelo, mas actualizado nos termos do artigo 551º do C.C. A ré defendeu-se dizendo que não entregou o veículo ao autor porque o contrato foi celebrado por um vendedor-comissionista ao arrepio das suas instruções e da sua prática comercial. E diz ainda que logo que se apercebeu desse facto alertou o autor no sentido de que tal contrato não poderia produzir os seus efeitos. Finalmente alega que não foi a ré quem recebeu o sinal pago pelo autor, mas sim o “comissionista”, pelo que nunca poderia ser condenada a “devolver” uma coisa que não recebeu.

Pode ler-se na douta sentença recorrida:

«O Tribunal apurou que o autor celebrou o acordo para a compra do veículo MAZDA com “um vendedor da ré, A. Carrilho”.

É certo que foi alegado pela ré e pelo chamado que este último, o A. Carrilho era um “vendedor-comissionista” que trabalhava com a ré, e foi nessa qualidade que negociou com o autor. Simplesmente, essa relação entre a ré e o chamado não foi devidamente averiguada nestes autos. Tal facto – o contrato de comissão – nem foi incluído na especificação nem foi incluído no questionário. Apenas ficou assente, na alínea A da especificação, que o autor celebrou um contrato com “um vendedor da ré”. É certo que esta expressão não é unívoca, pois ficamos sem saber se a pessoa em causa era empregado da ré ou, como se alega, era apenas “vendedor-comissionista“. Mas, por outro lado, está provado que o documento relativo ao acordo feito entre o autor e o dito Carrilho foi assinado por pessoa em representação da gerência. Deste facto incontroverso podemos concluir pela vinculação da ré ao acordo celebrado.

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Com efeito, a primeira questão a decidir é saber quais as relações existentes entre a ré e o seu “vendedor”. E isto porque uma coisa é certa: mostra-se provado (e aceite pelas partes) que foi celebrado o aludido contrato promessa de compra e venda e que o mesmo não foi cumprido pela ré, uma vez que não entregou o veículo ao autor, não obstante este ter entregue o aludido sinal ao dito “vendedor”.

Nesta conformidade, e tendo em atenção o preceituado no artigo 442º do C.C., haveria lugar à devolução do sinal em dobro, tal como foi decidido em 1ª instância (de resto, esta questão nem sequer é discutida ou seja, aceitando-se que a ré tinha a obrigação de entregar o veículo, em cumprimento do contrato promessa, esta deveria devolver o sinal em dobro).

Ficou provado, designadamente, o seguinte:

O autor e um vendedor da ré, A. Carrilho acordaram no fornecimento de um veículo automóvel, mediante a quantia de 2.000.000$00, entregando aquele 700.000$00 a título de sinal;

O documento relativo a este acordo (que é o denominado contrato-promessa) foi assinado por uma pessoa em representação da gerência;

A ré não entregou a viatura referida, nem devolveu a quantia relativa ao sinal (700.000$00) (valor do cheque e do veículo entregue para retoma);

O chamado A. Carrilho não entregou à ré qualquer quantia recebida do autor; O A. Carrilho realizou o acordo referido contra instruções expressas pela ré. Todavia não ficou provado: que o chamado agiu sob as ordens e direcção da ré e de acordo com as instruções desta.

Parece não haver qualquer dúvida de que, perante os factos provados e a própria confissão da ré e do chamado, não existia entre eles qualquer relação de natureza laboral, ou seja, de um contrato trabalho subordinado.

Como é sabido, em certas situações, em vez dos habituais “trabalhadores subordinados” (sujeitos ao regime do contrato individual de trabalho), as empresas preferem ter ao seu serviço outros colaboradores, mas dotados de

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autonomia jurídica perante ela, para a realização dos seus interesses, dependendo a sua remuneração da maior ou menor actividade desenvolvida e dos respectivos resultados.

Esta solução começou por ser utilizada nos contratos de comissão, os quais permitiam às empresas que outrem (o comissário), com independência, e contratando em nome próprio, mas por conta do comitente, vendesse os seus produtos a terceiros, tornando-se garante da satisfação das obrigações assumidas pelos adquirentes... Depois apareceram os contratos de agência. Nestes, como melhor se verá, é a empresa (e não o agente) que celebra os contratos com os clientes, limitando-se o agente, em princípio, a promover essa celebração e a angariar os clientes na sua zona de actuação.

É uma das modalidades de contrato de prestações de serviço.

Nos termos do artigo 1154º do C.C. “contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”. Nestes contratos, uma das partes (o “trabalhador”) proporciona à outra o resultado do seu trabalho e não propriamente a sua actividade, ao contrário do que acontece com o trabalho subordinado. Por outro lado, o prestador de serviços exerce a sua actividade com autonomia, portanto, sem subordinação jurídica.

Do contrato de prestação de serviço distingue-se (embora nem sempre com facilidade) o contrato de trabalho, que é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta (artº 1152º). Aqui existe, pois, subordinação jurídica, além da subordinação económica: o trabalho não pode ser exercido autonomamente, com independência, porque a noção de direito do trabalho assenta no pressuposto da dependência do trabalhador relativamente à entidade patronal, mediante a aludida subordinação jurídica, ou seja, “sob a autoridade e direcção” do empregador.

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limitava a prestar serviços da sua profissão à recorrente”. E ainda: “prestava serviços junto da recorrente, na qualidade supra mencionada auferindo uma comissão de cerca de 20.000$00 por cada veículo vendido”.

Por sua vez, o “vendedor” diz o seguinte:

que prestou serviços à ré na qualidade de vendedor-comissionista, auferindo 20.000$00 por cada veículo vendido, e que foi nessa qualidade que indicou ao autor o veículo em causa, prestando as respectivas informações;

que, no entanto, foi a ré quem o vendeu, pois era ela a sua proprietária;

que é ela quem fixa o preço de venda, estipula o prazo de entrega e o limite dos descontos a fazer;

que foi a gerência da ré quem assinou o contrato celebrado com o autor, uma vez que o vendedor não tem poderes para tal;

que o vendedor age sob a direcção e ordens da ré.

Parece assim não haver dúvidas de que as relações entre a ré e o chamado se processavam do seguinte modo:

1 . O chamado exercia a sua actividade (de promoção de vendas de veículos automóveis) no “stand” da ré, de forma autónoma, sem subordinação jurídica, aí atendendo os clientes que a ele se dirigiam com a finalidade de adquirirem um veículo automóvel;

2 . Caso houvesse acordo na aquisição do veículo, a venda propriamente dita seria feita pelos serviços da ré, recebendo depois o “vendedor” a respectiva “comissão”.

Por isso não faz qualquer sentido a alegação da ré quando diz que o chamado “actuou sempre no seu próprio interesse, alheio às instruções da recorrente”. Entre eles existia, pois, um contrato de prestação de serviços.

E, quando se diz que o chamado A. Carrilho realizou o acordo referido em 1 contra instruções expressas da ré, apenas poderá significar que não respeitou as directivas por ela traçadas. Na verdade é a própria apelante que afirma: o chamado A. Carrilho procedeu à venda do veículo em questão, contrariamente

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às instruções que detinha; efectivamente, o chamado é um vendedor -comissionista, actividade que se traduz numa mera prestação de serviços; como se pode inferir dos factos não provados, a contrario sensu, o chamado não agiu sob as ordens e direcção da recorrente e nem sequer, de acordo com as instruções desta.

O que sucedeu no caso sub judice foi que o Carrilho não deu cumprimento às instruções recebidas da ora apelante, uma vez que:

não entregou à ré qualquer quantia recebida do autor.

acordou com o autor um desconto de 100.000$00 sem autorização da ré.

valorizou o veículo de retoma por 650.000$00, ou seja, em quantia superior ao seu valor comercial.

não estava autorizado pela ré a fornecer os extras prometidos ao autor como bónus...

Mas, salvo melhor opinião, isso nada tem que ver com as relações existentes entre eles (ré e vendedor) perante terceiros, como é o caso do autor. A falta de cumprimento das instruções recebidas podia ter sido cometida por qualquer trabalhador subordinado da ré colocado nas mesmas circunstâncias e, não obstante, esta não deixaria de ser responsabilizada perante o autor, nos termos gerais.

De resto, como vimos, no requerimento de chamamento à autoria, a ora apelante alegou expressamente que “o chamado, como vendedor-comissionista, prestou serviços da sua profissão à ré”. Portanto, o chamado não actuava por conta própria.

E já nas alegações do presente recurso diz a apelante: «as obrigações que sobre o Carrilho impendiam resumiam-se às referidas instruções “base” para a celebração dos negócios; In casu, tais instruções...não foram respeitadas...». Mas conclui, erradamente, salvo o devido respeito: “o que permite inferir que toda a actividade do Carrilho se desenvolveu com total autonomia, no seu

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próprio interesse e com total desconhecimento da recorrente”.

Com efeito, não obstante os factos dados como “não provados”, ou seja, não se tendo provado expressamente que o chamado tenha agido sob as ordens e direcção da ré e de acordo com as suas instruções, tal não significa que esta não seja responsável perante o autor. É que, tendo em consideração os factos referidos, não faz qualquer sentido dizer-se que o chamado agiu no seu próprio interesse, com desconhecimento da ré.

Daí que deva concluir-se, tal como se fez na sentença recorrida, no sentido de que não pode o comprador (ora apelado) ver-lhe oposta uma mera questão interna entre a pessoa que o atendeu no “stand” de automóveis (o vendedor) e o dono desse mesmo “stand” (a ré).

II

Nos termos do artigo 165º do CC (citado na sentença[1]): “as pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários”.

Com base nesta disposição legal foi referido na sentença recorrida:

«Este artigo remete-nos para o artigo 500º do mesmo código, cujo teor é o que segue:

1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.

2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.

3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também

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culpa da sua parte; neste caso será aplicável o disposto no nº. 2 do artigo 497º. O termo comissão não tem aqui o sentido técnico, preciso, que reveste nos artigos 266º e seguintes do Código Comercial, mas o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc. (Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, volume 1º., fls. 507.

Na interpretação deste artigo surge uma dúvida, que é a de saber se o comitente (leia-se, para o que nos interessa, a pessoa colectiva) responde por todos os factos ilícitos do comissário (leia-se do vendedor) conexionados com as sua funções, seja qual for o grau de conexão existente. E ainda seguindo na esteira de Pires de Lima e Antunes Varela, a orientação preferível será a de responsabilizar o comitente pelos factos ilícitos do comissário que tenham com as funções deste uma conexão adequada. Por outras palavras, deverá entender-se que um facto ilícito foi praticado no exercício da função confiada ao comissário quando, quer pela natureza dos actos de que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objectos que lhe foram confiados, ele se encontre numa posição especialmente adequada à prática de tal facto.

A esta luz, não pode haver outra solução para o caso dos autos que não seja a responsabilização total da ré, vinculada que está ao acordo alcançado pelo seu vendedor, e por ela assinado».

Com esta solução não concorda a apelante, dizendo o seguinte:

a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, (...) no exercício da função que lhe foi confiada;

ora, como já foi referido, o Carrilho era um vendedor-comissionista, actividade essa que se traduz numa mera prestação de serviços;

o que permite distinguir a prestação de serviços do contrasto de trabalho é, exactamente, a não subordinação à direcção e ordens de outrem;

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fornecidas pela recorrente, o Carrilho apenas prestou serviços a esta;

o Carrilho não é, portanto, um comissário: a relação estabelecida entre ele e a recorrente não é a estabelecida no artigo 500º do CC, donde não pode resultar uma responsabilização da recorrente.

Vejamos.

A responsabilidade do comitente a que se refere o artigo 500º consubstancia um caso de responsabilidade pelo risco, o que resulta não só da sua própria letra, mas também da sua inserção sistemática [subsecção II (responsabilidade pelo risco) da secção V (resp. civil) do Livro II do CC].

Por isso, verificados certos requisitos, o comitente responde,

independentemente de culpa, pelos danos causados pelo comissário.

Servindo-se o comitente da colaboração de outra(s) pessoa(s) para a realização de determinado(s) acto(s), dele(s) retirando as respectivas vantagens, é justo que seja ele a suportar as consequências que lhe são inerentes (ubi commoda ibi incommoda).

“O termo comissão tem aqui o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem” ( e não o sentido técnico dos artigos 266º e s.s. do C. Comercial), podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura[2].

Para Pessoa Jorge, a comissão consiste na “realização de actos de carácter material ou jurídico, que se integram numa tarefa ou função confiada a pessoa diversa do interessado”[3].

Trata-se, portanto, de um ou mais actos realizados por conta (e no interesse) e sob a direcção de outrem. E por isso entre o comitente e o comissário existe uma relação de dependência tal que permite àquele dar ordens e instruções a este, sem o qual não poderia o primeiro ser responsabilizado pelos actos do segundo. Todavia, esta dependência não se reconduz necessariamente ao

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contrato de trabalho subordinado, como parece depreender-se da posição sustentada pela apelante.

Entretanto, como resulta do nº 2 do artigo 500º, a responsabilidade do comitente só existe se o facto for praticado pelo comissário no exercício da função que lhe foi confiada (ainda que esse mesmo facto tenha sido praticado intencionalmente ou contra instruções do comitente).

De qualquer forma, o acto há-de ser praticado no exercício das funções confiadas ao comissário, o que, por vezes, suscita dúvidas na sua aplicação, pois nem sempre é fácil averiguar se o facto foi praticado no exercício daquelas funções ou fora delas.

In casu diz a apelante, como vimos, que o chamado não era um “comissário” actuando com total autonomia (não agindo sob as suas ordens e direcção). Salvo o devido respeito não é assim (como, aliás, já dissemos).

É certo que não se provou que o chamado fosse empregado da ré e, portanto, a ela ligado por um contrato de trabalho subordinado. A verdade é que exercia a sua actividade de vendedor, no “stand” daquela, aí atendendo os seus clientes, e designadamente, em relação ao acordo feito com o ora autor.

Mas também não foi provado que o chamado agisse por conta própria, nem no seu único interesse (o que, de resto, nem sequer foi alegado). É a própria apelante que diz que o chamado lhe prestava serviços, na qualidade de vendedor-comissionista, auferindo cerca de 20.000$00 por cada veículo vendido (quando se diz que não se provou que o chamado agiu sob as ordens e direcção da ré e de acordo com as suas instruções, estaria a pensar-se certamente no contrato de trabalho subordinado). De resto, nem vemos que tais factos tenham sido expressamente alegados, tal como foram quesitados. O chamado agia, portanto, no exercício das funções que lhe tinham sido confiadas pela ré. Ao contrário do alegado em sede de recurso, não agiu unicamente no seu próprio interesse, embora tenha ficado provado que o fez contra as instruções genéricas recebidas da ré.

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Parece-nos que a apelante pretende invocar uma situação algo diferente (e que se terá verificado), que é a do abuso de funções por parte do chamado [4], e que será mesmo o cerne da questão.

Todavia, mesmo nestes casos, o comitente é responsável pelos actos do comissário, uma vez que, como vimos, essa responsabilidade existe ainda que o acto tenha sido praticado intencionalmente ou contra as instruções recebidas (só assim não seria em caso de abuso de direito, mas que aqui nem sequer foi invocado).

Em princípio, o comitente responde perante o credor, ainda que o comissário não cumpra as instruções recebidas.

As grandes questões colocam-se sobretudo em saber se o facto foi praticado “no exercício da função”, mas que, no caso sub judice, nos parece indiscutível, tendo em consideração os factos referidos (nomeadamente que o chamado o exercia a sua actividade no stand da ré), sendo embora certo que se torna necessário que o acto seja praticado no desempenho da função e por causa dela (e não apenas por ocasião dela).

III

Parece-nos contudo que ao caso seria aplicável mais concretamente o preceituado no artigo 800º do C.C. uma vez que estamos no domínio da responsabilidade obrigacional (quando é certo que o artigo 500º se aplica essencialmente aos casos de responsabilidade civil extra-contratual).

Como estabelece o seu nº 1 “o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor”.

A lei portuguesa faculta, pois, ao devedor, de um modo geral, a utilização de auxiliares no cumprimento da obrigação, seja qual for a natureza desta. Mas

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então, o devedor responde pelos actos ou omissões dos auxiliares, como se (esses actos ou omissões) fossem praticados pelo próprio. O devedor responderá, portanto, pelo incumprimento ou pelo cumprimento defeituoso, nos mesmos termos em que o faria se os actos fossem praticados por ele.

A responsabilidade lançada sobre ele abrange os actos dos seus auxiliares desde que praticados no cumprimento da obrigação. E trata-se de uma verdadeira responsabilidade objectiva, na medida em que não se exige culpa do devedor na escolha da pessoa, tal como nas instruções para a sua colaboração ou na fiscalização da sua actividade.

Se a inexecução resultar de actos praticados pelo representante legal ou pelo auxiliar, o devedor não poderá invocar essa circunstância para se eximir ao cumprimento da obrigação, continuando responsável como se esses actos fossem praticados por ele. Juridicamente tudo se passa como se os actos fossem praticados pelo devedor, razão pela qual não poderá alegar que se trata de actos praticados por outrem (como se fossem factos alheios).

E, ao contrário do que sucede no domínio da responsabilidade extrajudicial do comitente pelos actos do comissário (artº 500º), não se exige aqui nenhuma relação de dependência ou de subordinação entre o devedor e o auxiliar[5]. Portanto, a ré seria responsável pelos actos praticados pelo chamado.

IV

Entretanto, parece-nos que a questão pode ser encarda ainda doutro ponto de vista.

Não obstante a míngua dos factos provados em audiência de julgamento, tendo em consideração os documentos juntos aos autos e as afirmações das partes, parece-nos que entre a ré e o chamado vigorava um contrato de agência regulado pelo DL nº 178/86, de 03.07 (com as alterações introduzidas pelo DL nº 118/93, de 13.04, que transpôs a Directiva 86/653/CEE do Conselho, de

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18.12.86).

Como estabelece o nº 1 do seu artigo 1º “agência é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável e mediante retribuição, podendo ser-lhe atribuída certa zona ou determinado circulo de clientes”.

São assim elementos essenciais do contrato de agência:

a) Obrigação de o agente promover a celebração de contratos.

b) Que o agente actue (no exercício dessa actividade) por conta da outra parte (o principal, como esta é geralmente designada).

c) Autonomia do agente. d) Estabilidade do vínculo.

e) Que o exercício da actividade do agente seja remunerada (retribuição).

Vejamos cada um deles:

Alíneas A) e B) - O agente obriga-se a promover a celebração de negócios para a outra parte, angariando clientes e desenvolvendo a sua actividade no sentido de lhe proporcionar um maior e melhor volume de vendas.

Em princípio, o agente não celebra os contratos, limitando-se a prepará-los e a apresentá-los ao principal, que os celebrará, se assim o entender. Por isso se diz que o agente “promove” a celebração dos contratos. Todavia, podem ser concedidos ao agente poderes de representação, e, então, já poderá concluir os contratos em nome do representante. Mas só neste caso é que o agente pode vincular o principal, concluindo directamente os negócios com os clientes.

A obrigação fundamental do agente consiste, pois, em promover a celebração dos contratos por conta do principal (realizando um conjunto de actos materiais orientados para o fim em vista), pelo que está obrigado a zelar pelos seus interesses, agindo em conformidade com as directivas recebidas, sem prejuízo, contudo, da sua autonomia, que caracteriza, de resto, o contrato de agência e o distingue do contrato de trabalho.

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Alínea C) - O agente actua de forma autónoma, ao contrário do que sucede com o trabalhador subordinado, o qual exerce a sua actividade sob as ordens e direcção da empresa ( sua entidade patronal), como vimos. Juridicamente o agente é independente em relação à empresa. Todavia, essa autonomia não é total, pois tem que subordinar a sua actuação às orientações recebidas e à sua política económica (por exemplo, pode o principal dar instruções quanto aos contratos a agenciar e ao modo como devem ser preparados; e isso acontecerá sempre, pelo menos genericamente), prestando as necessárias informações, embora tais instruções não ponham em causa a autonomia do agente quanto ao “modus operandi”.

É certo que, por via de regra, os instrumentos e meios de trabalho utilizados pelo agente lhe pertencem, suportando ele os encargos da sua actividade. Mas não parece que isso seja fundamental para caracterizar o contrato de agência. Na prática, o exercício das funções do agente e do trabalhador subordinado podem ser muito semelhantes, confundindo-se mesmo (o que poderá suceder, nomeadamente, quando o trabalhador subordinado exerça a sua actividade fora da sede da empresa ou quando o agente exerça a sua actividade nas próprias instalações – o que sucedia no caso sub judice). Mas a subordinação jurídica, própria do contrato de trabalho, não existe no contrato de agência

Alínea D) - O agente exerce a sua actividade de modo estável, tendo em vista não uma operação isolada, mas um conjunto indeterminado de operações, embora possam ser limitadas no espaço e no tempo, por exemplo, pelo período de apenas um ano. O contrato de agência pode também ser celebrado com vista à realização de uma determinada actividade (para obtenção de uma determinada finalidade, mas sem limite temporal).

Alínea E) – A retribuição é determinada essencialmente pelo volume de negócios e em função dos resultados obtidos, geralmente através de uma comissão ou percentagem calculada em função destes resultados.

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Mas este contrato não se confunde, por exemplo, com o mandato ou com a comissão.

A actividade específica do agente consiste na prática de actos materiais (actividade desenvolvida na angariação de clientes e promoção dos contratos a celebrar pelo principal), ao passo que o mandatário pratica essencialmente actos jurídicos (artº 1157º do CC).

Em certos casos, como dissemos, ao agente são atribuídos poderes de representação e, por isso, obriga-se a praticar actos de natureza jurídica por conta do representado, o que poderia confundir-se com o mandato. Todavia, não se verifica essa confusão, uma vez que a actividade do agente é, nestes casos, acessória em relação à actividade principal que é a prática de actos materiais, como dissemos, continuando a ser obrigação fundamental do agente promover os negócios para o principal.

Nos termos do artigo 266º do C. Comercial “dá-se contrato de comissão quando o mandatário executa o mandato mercantil sem menção alguma ao mandante, contratando por si e em seu nome, como principal e único contraente”.

O agente (com ou sem poderes de representação) actua por conta de outrem, ao passo que o comissário age sempre em nome próprio (contrata em seu nome pessoal) (embora no interesse por conta do comitente/mandante), à semelhança do que acontece no mandato sem representação (artº 1180º do CC). “No contrato de comissão, quem age é o comissário; a pessoa no interesse de quem ele age é o comitente”[6]

Também não se confunde com a mediação, embora em ambos os casos o “sujeito” actue como intermediário. Mas a actividade fundamental do mediador é a de conseguir interessados para o negócio, limitando-se a aproximar os interessados e a facilitar a celebração do contrato. O mediador actua com imparcialidade, no interesse de ambos os contraentes, sem estar ligado a qualquer deles por relações de colaboração e muito menos de dependência. Não há dúvida de que entre a ré e o chamado não vigorava qualquer destes

(21)

contratos.

Mas parece-nos que existem nos autos elementos bastantes para que possa afirmar-se que vigorava entre eles um contrato de agência, pois se verificam os requisitos supra referidos.

V

Mas ao agente não terão sido concedidos poderes de representação.

Nos termos do nº 1 artigo 22º do DL 178/86 “sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o negócio que o agente sem poderes de representação celebre em nome da outra parte tem os efeitos previstos no artigo 268º, nº 1 do C. Civil” Assim, sem prejuízo do que será referido em relação ao artigo 23º (que trata da “representação aparente”) o negócio concluído por um agente sem poderes de representação é ineficaz em relação ao principal, a não ser que este o ratifique (por aplicação daquele artigo 268º, nº 1)

Todavia, o nº 2 do mesmo artigo prevê os casos em que o negócio se considera ratificado, por inacção do principal (portanto, nos casos em que a outra parte, tendo conhecimento do negócio, não se opuser)

Entretanto, nos termos do artigo 23º (a que se faz referência no artº 22º):

1. O negócio celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro”. 2. À cobrança de créditos por agente não autorizado aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior.

Trata este artigo do problema da chamada “representação aparente”, como resulta desde logo da sua epígrafe. Pretende-se solucionar a questão de saber qual a atitude a tomar quando o agente, sem poderes de representação (ou de cobrança de créditos), actua como se os tivesse, criando no cliente a aparência

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de estar a contratar (ou a pagar) com um agente munido desses mesmos poderes. Tutela-se assim a legítima confiança e a boa fé de terceiros, desde que a convicção deste na representatividade do agente se funde em razões objectivas ponderosas, associadas ao próprio comportamento do principal, seja por acção, seja por omissão[7].

Entre nós, e à semelhança do que acontece com outros ordenamentos jurídicos, a protecção da confiança efectiva-se por duas vias: através de disposições legais específicas e através dos princípios gerais do direito (neste caso pelos artigos 268º, nº 1 e 770º do CC, por força dos artigos 22º, nº 1 e 3º, nº 3 atrás citados).

A situação da confiança pode, em regra, ser expressa pela ideia de boa fé subjectiva e, por isso, a posição da pessoa que não adira à aparência ou que o faça com desrespeito pelos deveres de cuidado merece menor protecção. E daí que, como se decidiu no ac. STJ de 09.01.97 (CJstj V-I-35) quem age negligentemente, sem as cautelas requeridas pelo contrato, não pode invocar a tutela da boa fé.

A justificação da confiança requer que esta se tenha alicerçada em elementos razoáveis, susceptíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal[8]. E por isso há que atender ao caso concreto, que o julgador apreciará...

Para que o negócio celebrado pelo agente sem poderes de representação em nome do principal seja eficaz, independentemente da ratificação por este, é necessária a verificação cumulativa de um requisito objectivo e de outro subjectivo.

“O primeiro traduz-se na existência de razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem que o terceiro confie na existência de poderes representativos por parte do agente”[9]

“O segundo consiste na boa fé do terceiro e na conduta do principal que se exige que seja de molde a ter contribuído para fundar a confiança daquele”.

(23)

Como escreve Paulo Mota Pinto[10] (fazendo referência aos ensinamentos do Prof. A. Pinto Monteiro no BMJ 360 e in “Contrato de Agência”, que temos seguido de perto) “o legislador optou por tutelar, em termos prudentes, a confiança justificada de terceiro de boa fé”, tendo feito depender essa tutela da ocorrência cumulativa de requisitos objectivos e subjectivos. E ainda: «é necessária a existência de “confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente” (requisito subjectivo relativo ao terceiro) justificada por “razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso” (requisito objectivo), confiança essa para a qual o principal tenha igualmente contribuído (requisito subjectivo respeitante ao principal)»

Verificados estes requisitos o negócio celebrado pelo agente é eficaz relativamente ao principal.

Na verdade, sendo embora certo que, a priori, o principal não pode ser responsabilizado pelos actos praticados em seu nome pelo agente sem poderes de representação, há, todavia, que tutelar os interesses de terceiros que com ele contratam na legítima expectativa de que o fazem com alguém que dispõe de poderes para o efeito (e o mesmo sucede relativamente à cobrança de créditos por pessoa diversa do credor). Mas há que ter em consideração que ao proteger-se a confiança de alguém vai onerar-se, por via de regra outra pessoa, o que pressupõe que esta seja, de algum modo, a responsável pela situação criada.

É que o “princípio da confiança” é um princípio ético e jurídico fundamentalíssimo, e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. E assim tem de ser, pois, poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica entre os homens. [11]. Por isso se exige que o principal, com a sua conduta, seja também ele responsável pelo sentimento da confiança criada em terceiros e pela situação da aparente legitimidade do agente (conforme parte final do nº 1 do artº 23º). Ao negociar com o agente é natural que o cliente pressuponha que este tem

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poderes de representação, ou seja, que pode celebrar eficazmente o contrato e receber o respectivo pagamento.

VI

Vejamos o caso sub judice.

O chamado exercia a sua actividade de promoção de vendas no “stand” da ré. Por isso, era normal que o autor pensasse, legitimamente, que estava a contratar com alguém que vinculava ou podia vincular a dona dos veículos expostos para venda (fosse um empregado ou mesmo um gerente) (como aconteceria com qualquer outro cliente colocado nas mesmas circunstâncias). E daí que, com base nessa confiança, entregasse o sinal e o veículo de “retoma” a essa mesma pessoa.

Não é legítimo exigir-se ao cliente que previamente se assegure de que a pessoa com quem está a negociar tem poderes para obrigar a vendedora, perante as circunstâncias do caso.

Se, por exemplo, aparece alguém numa empresa a oferecer para venda um determinado produto, sem qualquer identificação, é normal que o futuro cliente se assegure de que efectivamente o “agente” tem poderes de representação se lhe quiser entregar qualquer quantia a título de sinal e/ou princípio de pagamento. Se assim não for, o principal não pode ser responsabilizado, pois nada terá contribuído para fundar a confiança do comprador, ou seja, não é responsável pelo sentimento de confiança criado no “terceiro”.

Como consta de alguns documentos juntos aos autos (nomeadamente do que consubstancia o “contrato promessa”) foi utilizado papel timbrado da ré. E, como ficou expressamente provado, esse documento foi assinado por uma pessoa em representação da gerência. Poderia, é certo, essa assinatura ter sido feita previamente ao acordo firmado com o chamado ou mesmo constar de qualquer carimbo da ré utilizado pelo “vendedor”, ou até por outros “vendedores”, sem conhecimento da gerência. A verdade é que para o autor

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tudo se terá passado como se tivesse sido feita expressamente para aquele contrato. E perante as circunstâncias descritas era perfeitamente normal que assim acontecesse. A sua atitude era perfeitamente justificada no domínio das relações comerciais que existem (ou devem existir) entre pessoas de boa fé. Só assim não seria se ele próprio tivesse agido de má fé, nomeadamente, se soubesse que o chamado não podia efectuar a venda ou estabelecer as condições que lhe eram apresentadas. Mas, em relação ao autor nada foi invocado pela ré neste sentido.

Mas ainda que não se trate verdadeiramente de um contrato de agência, sempre seria aplicável o regime do artigo 23º.

Com efeito, a questão da representação aparente não é específica do contrato de agência (embora tenha aqui uma especial acuidade), constituindo antes um problema geral de direito, em sede de tutela da confiança justificada de terceiros e com expressão a vários níveis[12].

Na verdade, a “cláusula geral de protecção de terceiros de boa fé” consagrado naquele artigo aplica-se analogicamente a todos os contratos de cooperação ou de colaboração. E, tendo em consideração tudo quanto foi referido, parece-nos não poder duvidar-se de que o interesse do autor deve ser tutelado de forma a que a R devesse cumprir o acordo feito com o vendedor. Este não era de forma alguma um estranho, apresentando-se antes a negociar como se tivesse poderes para vincular a sociedade, dona do veículo a vender. E nenhuma culpa é atribuída ao autor, no sentido de, eventualmente, poder saber que o chamado não representava a ré e que, por isso, não podia concluir o contrato.

Perante as circunstâncias referidas (o vendedor encontrava-se no “stand” a atender os clientes como o faz a generalidade dos vendedores, em tudo aparentando trata-se de alguém que o fazia em nome da proprietária) há que concluir que o autor agiu na convicção de que o “vendedor” o fazia em representação da dona do “stand”, a ora apelante.

(26)

A ré, como qualquer outra sociedade comercial, utiliza os eus vendedores para preparar a venda dos seus veículos aos potenciais compradores. O cliente que se dirige às suas instalações fica naturalmente convencido de que está a negociar com aquela empresa ou com alguém em seu nome. Após negociações com a pessoa que o atendeu (o chamado), o autor chegou a um acordo sobre o preço e demais condições da venda. Recebe um documento com o logotipo do “stand” e o nome da sociedade com quem julga estar a negociar, com a assinatura do vendedor e ainda com o carimbo da empresa. E entrega logo ao vendedor o sinal combinado. Nestas circunstâncias, seria uma grosseira violação do princípio da boa fé permitir que a sociedade proprietária do “stand” ficasse desobrigada para com o autor apenas porque as condições que o seu vendedor ofereceu ao cliente lhe são desfavoráveis, e contrariam as instruções internas a que aquele vendedor devia obediência.

Não é portanto o facto de o vendedor ter desrespeitado as instruções da ré que faz com que o compromisso que ele alcançou com o autor não vincule a sociedade, pois actuou no exercício das suas funções dentro do “stand”.

Portanto, está a ré vinculada a esse acordo, independentemente de poder no futuro agir contra o chamado, para se ressarcir dos danos que eventualmente lhe tenha causado. Mas é questão de que aqui não compete cuidar.

**

Por todo o exposto acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a confirmando-sentença recorrida.

Custas pela apelante.

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Pimentel Marcos Jorge Santos Vaz das Neves

_______________________________________

[1] Mas que nos parece não ter propriamente interessa para o caso, uma vez que não se trata de um problema específico de responsabilidades de sociedades.

[2] Antunes Varela, in “Direito das Obrigações”, I-532. [3] “Ensaio.. “pag. 148.

[4] São os actos “formalmente compreendidos no âmbito da comissão mas praticados com um fim estranho a ela” (A Varela, ob. Cit. pag. 536).

[5] Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral, II, 98 e 100 e RLJ Ano 119-125. [6] Ferrer Correia in “Lições de Direito Comercial”, vol. I- 145.

[7] A Pinto Monteiro in “Contrato de Agência”, pag 91 e BMJ 360, pag. 65 e s.s. e 105.

[8] Sobre esta questão pode ver-se Menezes Cordeiro in “Tratado de Direito Civil Português” I, tomo 1, 184 a 188.

[9] Conferir Carlos Lacerda Barata, in “Anotação ao Novo Regime do Contrato de Agência”.

[10] Aparência de Poderes de Representação e Tutela de Terceiros, in BFDC pag. 587 e 588.

[11] Baptista Machado in RLJ 117-229 e s.s., nomeadamente pag 232. [12] ª Pinto Monteiro “Contrato de Agência” em anotação ao artº 23.

Referências

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