NOVO AUXÍLIO EMERGENCIAL: CENÁRIOS E EFEITOS SOBRE
RENDA
Lauro Gonzalez1
Leonardo Oliveira2
1. Contexto e Objetivos
Com a pandemia prestes a completar um ano, o retorno à normalidade permanece incerto. Os diferentes cenários para 2021 e 2022 dependem basicamente de três fatores inter-relacionados: i) a evolução da pandemia, sobretudo diante das variantes do vírus e da possibilidade de novas ondas; ii) capacidade de vacinação de maneira a imunizar ao menos 70% da população; e iii) políticas públicas visando mitigar os efeitos da pandemia.
No caso brasileiro, o Auxílio Emergencial (AE) injetou um montante significativo de recursos cujos efeitos não se limitaram às famílias que receberam diretamente o benefício. Ao irrigar o consumo, os efeitos se estenderam às empresas e ao emprego, contribuindo para uma queda menor do PIB em 2020. Relembrando, o programa foi desenhado para repassar 3 parcelas de R$ 600 ou R$ 1200. Posteriormente, foram anunciadas mais 2 parcelas de mesmo valor e, após isso, mais 4 parcelas adicionais, cujo valor foi cortado pela metade (R$ 300 ou R$ 600). Apesar dos repetidos anúncios sobre um novo programa de transferência de renda, o AE foi encerrado em dezembro sem nenhuma medida de transição, o que fez com que a
1Professor da FGV EAESP e coordenador do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão
Financeira da FGV.
economia pousasse abruptamente em 2021 em plena pandemia e sem medidas adequadas de proteção social.
Governo e congresso negociam uma reedição do AE em versão reduzida. Os detalhes ainda não são conhecidos. Os valores ventilados são R$ 200 ou R$ 250, que seriam destinados a uma quantidade menor de pessoas. Entretanto, os critérios de elegibilidade permanecem indefinidos, sendo que o ministro Guedes tem mencionado os “invisíveis” e informais como provável público-alvo. Vale lembrar que o termo “invisíveis” expressa desconhecimento pela realidade da baixa renda, conforme já abordado em outros estudos3.
Diante disso, o objetivo do estudo aqui apresentado é, a partir dos dados da PNAD-COVID, simular os efeitos do AE reduzido (R$ 200 ou R$ 250) sobre a renda dos invisíveis e informais em diferentes cenários, conforme explicado adiante (seção 3).
2. Principais Variáveis
As principais variáveis são:
a) Renda usual: Valores normalmente recebidos em dinheiro e/ou mercadorias pelo trabalho (questão C10) + Aposentadoria ou pensão, rendimentos de aluguel ou previdência privada, e benefícios sociais como o Bolsa Família e o BPC-LOAS (questão D1). A renda usual representa, portanto, a estimativa da renda domiciliar antes da pandemia;
b) Renda na pandemia sem o AE: Valores recebidos no trabalho durante a pandemia (questão C11) + Demais rendimentos incluídos na renda usual, uma vez que estes últimos rendimentos, tais como aposentadoria e Bolsa Família, não foram afetados pela pandemia a priori;
3 Gonzalez, Barreira e Pereira (2020) - https://eaesp.fgv.br/producao-intelectual/auxilio-emergencial-e-futuro-invisiveis
c) Perda/Ganho de renda sem o AE: Diferença entre a renda na pandemia sem o AE e a renda usual;
d) Renda na pandemia com o AE: Valores recebidos pelo trabalho durante a pandemia (questão C11) + Demais rendimentos incluídos na renda usual (menos Bolsa Família) + Valor recebido através do auxílio emergencial (questão D1e);
e) Perda/Ganho de renda com o AE: Diferença entre renda na pandemia com o AE e a renda usual;
f) Trabalhadores invisíveis: Aqueles que receberam o AE e usualmente não recebem o bolsa família (D0031) ou o benefício de prestação continuada (D0041);
g) Trabalhadores informais: Aqueles que afirmaram trabalhar sem carteira assinada (C7b), trabalhadores autônomos e familiares auxiliares (C7).
3. Cenários para o Auxílio Emergencial
As perdas derivadas da pandemia foram diminuindo entre junho e novembro de 2020 por conta da reabertura gradativa da economia4. Entretanto, a partir de
dezembro, os casos e óbitos voltaram a subir, configurando a formação de uma segunda onda. Ocorre que a última PNAD-COVID, divulgada em dezembro, reflete os números de novembro, mês anterior à atual segunda onda. Portanto, o momento corrente, fevereiro de 2021, é provavelmente distinto daquele de novembro.
Sendo assim, estabelecemos dois cenários - otimista e pessimista - conforme as prováveis perdas decorrentes da pandemia. O pessimista se baseia nos dados da PNAD COVID-19 divulgadas em julho (IBGE, 2020a) e o otimista, em dezembro (IBGE, 2020b). Dentro de cada um dos cenários foram feitas simulações considerando um novo AE de R$ 200 ou R$ 250, sempre comparando a renda durante a pandemia com a renda usual pré-pandemia.
4 Gonzalez e Barreira (2020) - https://eaesp.fgv.br/producao-intelectual/pobres-sem-auxilio-emergencial-e-retratos-informalidade-tempos-pandemia
3.1. Cenário Pessimista (PNAD-COVID julho)
Utilizando os cenários anteriormente definidos, as três figuras seguintes mostram diversos recortes para um AE de R$ 200.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020a)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020a)
No caso dos invisíveis (figura 1), ao levar em consideração o AE, o ganho para homens é de 5% e, para as mulheres, de 11%, sempre comparado à renda usual
5% 11% -23% -28% -30% -20% -10% 0% 10% 20% Homem Mulher
Figura 1
Perda/Ganho de Renda dos Invisíveis por Gênero
AE de R$ 200
Perda/Ganho de renda com AE Perda/Ganho de renda sem AE
-2% 2% -30% -37% -40% -30% -20% -10% 0% 10% Homem Mulher
Figura 2
Perda/Ganho de Renda dos Invisíveis Informais por
Gênero
AE de R$ 200
pré-pandemia. Ao analisar especificamente os invisíveis informais, mesmo com o pagamento de um novo benefício, há uma perda de 2% para homens e um ganho de apenas 2% para mulheres. Ainda no caso de homens e mulheres invisíveis informais (figura 2), sem o auxílio as perdas de renda são de 30% e 37%, respectivamente, o que denota uma posição de maior vulnerabilidade aos efeitos da crise.
A figura 3 apresenta os dados sobre a perda/ganho de renda para invisíveis informais por Unidade Federativa (UF). Mesmo com o pagamento de um AE de R$ 200, 7 estados (todos localizados no centro-sul do país) e o Distrito Federal (DF) ainda registrariam perdas de renda. Por outro lado, 17 estados apresentam ganhos, quase todos no norte e nordeste do país. Portanto, há evidências de que um AE de R$ 200, em um cenário de maiores perdas por conta do recrudescimento da pandemia, é insuficiente para compensar as perdas de renda de grupos mais vulneráveis.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020a)
As três próximas figuras seguem a mesma lógica de análise das figuras anteriores, ajustando o valor do AE para R$ 250.
-23%-21%-14%-13%-10%-9%-8%-3% 0% 0% 1% 1% 1% 1% 2% 2% 3% 4% 6% 6% 9% 9% 10% 11%13% 13% 21% -46%-47%-38%-36% -31%-27%-34%-30% -23% -30% -35% -25%-25% -31% -19% -42%-38%-37% -18% -37%-31%-39% -16% -22% -32% -36% -29% -50% -40% -30% -20% -10% 0% 10% 20% 30% D is tr ito F e d er al R io d e Jane iro São P au lo G o iás Pa ran á San ta Catari n a R io G ran d e d o S u l Es p íri to S an to Mato G ro ss o d o S u l Mi n as G e rai s A map á To can ti n s R o rai m a Pa rá Mato G ro ss o Ce ará Pa raí b a R io G ran d e d o N o rt e R o n d ô n ia Se rg ip e A maz o n as Per n amb u co A cre Mar an h ão Piau í Ba h ia A lag o as
Figura 3
Perda/Ganho de Renda por UF para Invisíveis Informais
AE de R$ 200
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020a)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020a)
A figura 4 mostra um ganho de 10% para homens e 17% para mulheres com o AE. Ao analisar especificamente os invisíveis informais (figura 5), o ganho é de 4%
10% 17% -23% -28% -30% -20% -10% 0% 10% 20% Homem Mulher
Figura 4
Perda/Ganho de Renda dos Invisíveis por Gênero
AE de R$ 250
Perda/Ganho de renda com AE Perda/Ganho de renda sem AE
4% 10% -30% -37% -40% -30% -20% -10% 0% 10% 20% Homem Mulher
Figura 5
Perda/Ganho de Renda dos Invisíveis Informais
por Gênero
AE de R$ 250
para os homens e de 10% para as mulheres. Já a figura 6 mostra que, mesmo com um AE de R$ 250, 6 estados e o DF registrariam perdas de renda.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020a)
3.2. Cenário otimista (PNAD-COVID dezembro)
Seguindo a mesma lógica, as 3 figuras abaixo mostram a perda/ganho de renda dos invisíveis e dos invisíveis informais por gênero, considerando o pagamento
-19%-16%-10%-8% -6% -5% -3% 3% 5% 6% 7% 7% 7% 9% 9% 11%11% 12% 13% 16% 16% 19% 19%20% 22% 25%32% -46%-47%-38%-36% -31%-27%-34%-30%-23% -19% -25% -30%-25% -35%-31% -18% -42%-38%-37% -16% -37%-31% -22% -39%-32%-36% -29% -60% -50% -40% -30% -20% -10% 0% 10% 20% 30% 40% D is tr ito F e d er al R io d e Jane iro São P au lo G o iás Pa ran á San ta Catari n a R io G ran d e d o S u l Es p íri to S an to Mato G ro ss o d o S u l Mato G ro ss o To can ti n s Mi n as G e rai s R o rai m a A m ap á Pa rá R o n d ô n ia Ce ará Pa raí b a R io G ran d e d o N o rt e A cre Se rg ip e A maz o n as Mar an h ão Per n amb u co Piau í Ba h ia A lag o as
Figura 6
Perda/Ganho de Renda por UF para Invisíveis Informais
AE de R$ 250
de um valor fixo mensal de R$ 200, com a diferença de que o cenário reflete o momento mais favorável da pandemia.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020b).
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020b)
A figura 7 mostra que, no caso dos invisíveis, o ganho para homens é de 13% e, para as mulheres, de 18%. Lembrando que as perdas e ganhos são calculadas sempre em relação à renda usual pré-pandemia. Ao analisar especificamente os
13% 18% -8% -9% -15% -10% -5% 0% 5% 10% 15% 20% Homem Mulher
Figura 7
Perda/Ganho de Renda dos Invisíveis por Gênero
AE de R$ 200
Perda/Ganho de renda com AE Perda/Ganho de renda sem AE
12% 18% -10% -11% -20% -10% 0% 10% 20% Homem Mulher
Figura 8
Perda/Ganho de Renda dos Invisíveis Informais
por Gênero
AE de R$ 200
invisíveis informais, na figura 8, o ganho dos homens diminui para 12%, ao passo que o ganho das mulheres permanece inalterado.
A Figura 9, abaixo, mostra a perda/ganho de renda para invisíveis informais por UF, considerando um benefício de R$ 200. Como esperado, os maiores ganhos ocorreriam nas regiões norte e nordeste, reflexo da desigualdade regional no país.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020b)
Por fim, as 3 próximas figuras apresentam os dados do cenário otimista, considerando um AE de R$ 250. 4% 6% 6% 7% 7% 8% 9%11% 12% 12% 13% 14% 14% 14%17% 17% 17% 18% 19% 19% 20%21% 23% 24% 24%27% 28% -16%-13%-14% -8% -14%-12%-8%-10%-11% -7% -9% -9%-6%-9% -13%-11%-9%-14%-10% -4% -12%-10%-8%-7% -8% -8% -7% -20% -15% -10% -5% 0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% Rio d e Jan e ir o Pa ran á São P au lo San ta Catari n a R io G ran d e d o S u l G o iás Mato G ro ss o Di str ito F e d er al R o rai m a R o n d ô n ia M in as G e rai s To can ti n s Mato G ro ss o d o S u l Es p íri to S an to Pa raí b a R io G ran d e d o N o rt e A maz o n as Ba h ia A map á A cre Se rg ip e Per n amb u co Mar an h ão Pa rá A lag o as Ce ará Piau í
Figura 9
Perda/Ganho de Renda por UF para Invisíveis Informais
AE de R$ 200
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020b)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020b)
No caso dos invisíveis (figura 10), tanto para homens quanto para mulheres, o ganho de renda é 5% maior se o AE for de R$ 250, ao invés de R$ 200. A figura 12 traz a análise de perda/ganho de renda para invisíveis informais por UF. Todos os
18% 23% -8% -9% -15% -10% -5% 0% 5% 10% 15% 20% 25% Homem Mulher
Figura 10
Perda/Ganho de Renda dos Invisíveis por Gênero
AE de R$ 250
Perda/Ganho de renda com AE Perda/Ganho de renda sem AE
17% 25% -10% -11% -20% -10% 0% 10% 20% 30% Homem Mulher
Figura 11
Perda/Ganho de Renda dos Invisíveis Informais
por Gênero
AE de R$ 250
estados e o DF apresentariam ganhos, especialmente aqueles das regiões norte e nordeste do país.
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da PNAD-COVID (IBGE, 2020b)
4. Comentários Finais
O conjunto de resultados buscou avaliar os efeitos da redução do AE sobre a renda de grupos específicos dentro dos chamados “invisíveis”, com destaque para os informais. O efeito final sobre a renda vai obviamente depender das perdas e da magnitude do novo AE. Se o valor for de R$ 200, os resultados apontam que “invisíveis informais” não serão compensados pelas perdas de renda associada a um cenário de recrudescimento da pandemia.
Além disso, cumpre salientar que a existência de um grande contingente de trabalhadores na informalidade decorre de mudanças no mundo do trabalho que precedem a pandemia. Daí a necessidade de aprimorar as políticas de transferência de renda em caráter permanente.
8% 10%11% 11% 12% 12% 13% 16% 17% 17%19% 19% 19% 20% 23% 23% 23% 25% 25%26% 28% 28% 30% 31% 31%33% 34% -16%-13%-14% -8% -14%-12%-8%-10% -7% -11%-6%-9% -9% -9%-11%-13%-9% -14% -4% -10%-12%-10%-8% -8%-7% -8% -7% -20% -10% 0% 10% 20% 30% 40% Rio d e Jan e ir o Pa ran á São P au lo San ta Catari n a R io G ran d e d o S u l G o iás Mato G ro ss o Di str ito F e d er al R o n d ô n ia R o rai m a M ato G ro ss o d o S u l Mi n as G e rai s To can ti n s Es p íri to S an to R io G ran d e d o N o rt e Pa raí b a A maz o n as Ba h ia A cre A map á Se rg ip e Per n amb u co Mar an h ão A lag o as Pa rá Ce ará Piau í
Figura 12
Perda/Ganho de Renda por UF para Invisíveis Informais
AE de R$ 250
REFERÊNCIAS
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: PNAD COVID19 Julho. Rio de Janeiro: IBGE, 2020a. Disponível em: <
https://www.ibge.gov.br/estatisticas/investigacoes-experimentais/estatisticas-
experimentais/27946-divulgacao-semanal-pnadcovid1?t=downloads&utm_source=covid19&utm_medium=hotsite&utm_campai gn=covid_19>. Acesso em: 16 de fevereiro de 2021.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: PNAD COVID19 Dezembro. Rio de Janeiro: IBGE, 2020b. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/estatisticas/investigacoes-experimentais/estatisticas-
experimentais/27946-divulgacao-semanal-pnadcovid1?t=downloads&utm_source=covid19&utm_medium=hotsite&utm_campai gn=covid_19>. Acesso em: 16 de fevereiro de 2021.