Universidade de São Paulo – USP
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – FFCLRP Departamento de Química
Bioquímica Industrial Experimental
Prática 6: Cinética da fermentação alcoólica
Discentes
Ana Lívia Vezzoso N° USP: 10392118
Larissa Beitum N° USP: 10408278
Maisa Mitiko Nº USP: 10293494
Ribeirão Preto 2020
I. Introdução:
O processo denominado fermentação alcoólica é aquele em que leveduras e algumas bactérias fermentam açúcares, produzindo álcool etílico e gás carbônico.
Esse tipo de fermentação é realizado por diversos microrganismos, com destaque para os determinados “fungos de cerveja”, da espécie
Saccharomyces cerevisiae, a qual utilizaremos nesse experimento.
Na cinética se estuda a velocidade das reações e os fatores que a influenciam, assim como a possibilidade de controle para obtenção de reações mais lentas ou mais rápidas, sendo importantes para que se possa interferir quando necessário. Nas indústrias esse processo é muito interessante, visando acelerar reações que ocorrem muito lentamente.
Portanto, para iniciar um estudo cinético de um bioprocesso, como no experimento a ser realizado, é preciso definir algumas variáveis, bem como o bioprocesso utilizado, no caso, a batelada.
As variáveis definidas são: concentração do substrato (S) – onde o substrato é a glicose -, concentração do produto (P) – sendo o produto o etanol – e a concentração celular no reator (X) – que seria a quantidade de células do extrato de levedura. Também há a definição das velocidades de crescimento celular (rx), formação do produto (rp) e concentração de substrato (rs), calculadas por: 𝑟𝑋= 𝑑𝑋 𝑑𝑡 (1) 𝑟𝑆= 𝑑𝑆 𝑑𝑡 (2) 𝑟𝑃 = 𝑑𝑃 𝑑𝑡 (3)
Com base nisso, é possível determinar a variação destes através do tempo, desenvolvendo assim, a cinética de fermentação.
II. Objetivos
Esse experimento tem por objetivo estudar as variáveis do processo no tempo, assim como a influência das condições ambientais, determinação da velocidade das transformações, bem como os critérios de controle, otimização do processo, além da projeção do biorreator mais adequado e sistema em batelada como ponto de partida para obtenção do processo.
III. Materiais e métodos
❖ Materiais por grupo:
➢ 1 cultura de levedura com meio YPG 2% ➢ Meio sem levedura para o branco
➢ Cubeta
➢ Erlenmeyer com tampa de borracha ➢ Membrana de acetato celulose 0,45µm
❖ Materiais de uso geral: ➢ Espectrofotômetro ➢ Centrífuga ❖ Reagentes: ➢ Extrato de Levedura – 1,0 g ➢ Peptona – 1,0 g ➢ H2O qsp – 90mL ➢ Glicose – 20% ➢ Álcool 70% ❖ Métodos
➢ Foram retiradas amostras a cada hora e na última meia hora para leitura da absorbância em 600nm (X), concentração de etanol (P) e de glicose (S)
➢ Dois mililitros da amostra retirada, sem filtração, foi utilizado para medir a absorbância a 600nm.
➢ Centrifugou-se dois mililitros restantes, seguindo para filtração em membrana de acetato celulose 0,45 µm para determinar açucares redutores e etanol.
IV. Resultados e Discussões
Para este experimento, os dados experimentais foram disponibilizados pela docente responsável, possibilitado a confecção deste relatório. Os dados (referentes ao grupo 4) foram obtidos através dos passos explicitados na metodologia.
Figura 1: montagem do equipamento utilizado (imagem disponibilizada no arquivo do docente).
Tabela 1: Dados experimentais referentes a fermentação alcoólica.
Onde,
X = mg/L de célula a partir dos valores de absorbância 600 nm e conversão em mg/L
S = concentração de glicose obtida a partir da reação de DNS e curva padrão realizada anteriormente
P = mg/L de etanol determinado por HPLC
Tempo (h) X (mg/L) S (mg/L) P (ml/L) 0 0,50 10,3 0,30 3 0,69 9,8 0,59 5 0,89 8,5 0,74 7 1,11 7,1 0,99 8 1,15 6,6 1,05 9 1,13 6,5 1,06 10 1,14 6,4 1,03 14 1,13 6,3 1,07
Com os resultados obtidos podemos analisar melhor a evolução do processo desta fermentação alcoólica, portanto para uma melhor visualização, utilizaremos três métodos de processamento de dados diferentes, podendo assim comparar seus resultados finais, validando-os.
Em primeira instância, plotamos as curvas de crescimento da levedura (X em mg/L), a de consumo de substrato (S em mg/L) e de formação de produto (P em mg/L).
Gráfico 1: Resultado da fermentação alcoólica no decorrer do tempo de análise
Observando as curvas obtidas através do experimento, podemos notar a similaridade com curvas teóricas de uma fermentação alcoólica, onde é possível visualizar a diminuição da curva de substrato, o que revela o seu consumo, e o crescimento da concentração de levedura e da presença do produto esperado. O comportamento destas curvas demonstra o mecanismo da fermentação.
S + x → P + X
Nota-se também, que os últimos dados coletados referentes a 14 horas de experimento, apresentam ainda uma alta taxa de substrato presente, e em contrapartida, as taxas de crescimento da levedura e da formação do produto, se encontram relativamente baixas. Podemos relacionar isto ao fato de que esta fermentação exige um longo período, e a análise limitou este intervalo a apenas 14 horas, esta limitação pode ser considerada válida visto que os cálculos de interesse não são dependentes de um processo de fermentação completa, e sim de apenas um intervalo específico a escolha do analisador.
Para este método de processamento, utilizaremos os dados presentes no intervalo de tempo do crescimento exponencial, isto é, de 3 a 7 horas de análise, para os cálculos das velocidades instantâneas e específicas de crescimento celular, de consumo de substrato e de formação de produto.
Velocidades Instantâneas
Para o crescimento de leveduras: 𝑟𝑥 = 𝑑𝑋 𝑑𝑡 = ∆𝑋 ∆𝑇= 1,11 − 0,69 7 − 3 → 𝑟𝑥 = 0,105 𝑚𝑔/𝐿. ℎ Para o consumo de substrato:
𝑟𝑠 = − 𝑑𝑆 𝑑𝑡 = − ∆𝑆 ∆𝑇= − 7,1 − 9,8 7 − 3 → 𝑟𝑠 = 0,675 𝑚𝑔/𝐿. ℎ Para a formação do produto:
𝑟𝑝 = 𝑑𝑃 𝑑𝑡 = ∆𝑃 ∆𝑇= 0,99 − 0,59 7 − 3 → 𝑟𝑝= 0,100 𝑚𝑔/𝐿. ℎ Velocidades específicas
➔ Média da concentração celular no intervalo de 3 a 7 horas: 𝑥̅ = 0,8967 Para o crescimento de leveduras:
Para o cálculo da velocidade específica média no processamento exponencial do crescimento celular, utiliza-se a relação
ln 𝑋 = 𝜇. (𝑡 − 𝑡𝑖) + 𝑙𝑛 𝑋𝑜
ln 𝑋 = 𝜇. (𝑡 − 𝑡𝑖) + 𝑙𝑛 𝑋𝑜 → 𝜇𝑋 = 0,1188 ℎ−1
Para o consumo de substrato: 𝜇𝑠 = 1
𝑥̅ . 𝑑𝑆
𝑑𝑡 → 𝜇𝑠 = 0,7528 𝑚𝑔 𝑆/𝑚𝑔 𝑋 . ℎ Para a formação do produto:
𝜇𝑝 = 1 𝑥̅ .
𝑑𝑃
Observando os resultados dos cálculos podemos notar a proximidade nas taxas de crescimento da levedura e na formação de produto, sendo estas bem menores quando comparadas com a taxa consumo de substrato no intervalo de tempo em que se decorreu a análise.
Diante a isto surgem duas ideias intrínsecas, primeiro, uma grande quantidade de substrato deve ser consumida para que a levedura apresente um crescimento considerável, assim como uma formação de produto em quantidade também considerável. Com esta ideia em mente, ainda podemos relacionar, portanto, que a velocidade com que o substrato é consumido nesta fermentação, é bem maior quando comparado as velocidades de crescimento celular e da conversão do substrato em produto.
O segundo método de processamento de dados é o método linear, no qual o gráfico plotado apresenta as retas crescentes relacionadas ao crescimento celular e a formação de produto, e decrescente relacionada ao consumo de substrato. Nesta análise, podemos determinar as velocidades volumétricas a partir do coeficiente angular das respectivas retas. Novamente, foi utilizado os dados referentes ao intervalo de 3 a 7 horas de análise.
Analisando o gráfico 2, podemos notar que os coeficientes angulares correspondentes a cada reta coincidem com os valores calculados das velocidades instantâneas no primeiro método empregado, o que evidencia que ambos os caminhos são validos para este cálculo. Quanto ao cálculo da velocidade específica média, é necessário apenas dividir os valores encontrados de velocidade instantânea pela média da concentração celular, e neste caso, como era esperado, também obtemos os mesmos resultados finais.
Velocidades instantâneas (pelo coeficiente angular) Para o crescimento de leveduras: 𝑟𝑥 = 0,105 𝑚𝑔/𝐿. ℎ Para o consumo de substrato: 𝑟𝑠= 0,675 𝑚𝑔/𝐿. ℎ Para a formação do produto: 𝑟𝑝 = 0,100 𝑚𝑔/𝐿. ℎ
Velocidades específicas
➔ Média da concentração celular no intervalo de 3 a 7 horas: 𝑥̅ = 0,8967 Para o crescimento de leveduras: 𝜇𝑥 = 0,1171 ℎ−1
Para o consumo de substrato: 𝜇𝑠 = 0,7528 𝑚𝑔 𝑆/𝑚𝑔 𝑋 . ℎ Para a formação do produto: 𝜇𝑝 = 0,1115 𝑚𝑔 𝑃/𝑚𝑔 𝑋 . ℎ
E por fim, o terceiro método de processamento de dados consiste em calcular as velocidades específicas em cada um dos tempos de análise, possibilitando a criação de um gráfico relacionando estes dois parâmetros, e proporcionando o valor de µmáx para cada uma das curvas.
Tabela 2: velocidades específicas em cada um dos tempos de análise.
Tempo (dX/dt)/X (dS/dt)/X (dP/dt)/X (horas) (1/h) (mg S/mg X.h) (mg P/mg X.h) 0 0,1518 -0,47887 0,204678 3 0,1117 -0,44539 0,148569 5 0,08788 -0,50258 0,115217 7 0,071493 -0,48566 0,092346 8 0,069177 -0,48439 0,089111 9 0,070315 -0,49531 0,090684 10 0,069741 -0,49302 0,089901 14 0,070315 -0,49918 0,090679
Para cada uma das grandezas foram obtidas as equações de terceiro grau, as quais foram derivadas e processadas para se obter os valores de velocidade específica em cada um dos tempos de analise como mostrado na tabela acima.
Contudo, ao se utilizar os dados obtidos para se plotar os respectivos gráficos, ocorre um erro, o qual resulta em gráficos totalmente diferentes do que se era esperado, como podemos observar abaixo.
Gráfico 3: método polinomial de determinação do µmáx do crescimento celular.
Gráfico 4: método polinomial de determinação do µmáx do consumo de substrato
Gráfico 5: método polinomial de determinação do µmáx da formação de produto.
Observando os gráficos acima, podemos notar que mesmo fazendo os cálculos certos, os gráficos quando plotados não apresentam o comportamento esperado, impossibilitando a determinação de µmáx para os dados deste experimento em questão.
Portanto, apesar do método polinomial ser referência quanto ao estudo de fermentação alcoólica, diante os dados disponibilizados pela docente não se faz possível a análise por este processamento.
Outra análise importante quando tratamos de um estudo sobre fermentação alcoólica em forma de batelada é a noção do tempo de geração da levedura utilizada, pois este dado pode nos ajudar a adequar o sistema da maneira mais eficiente possível, visto que o objetivo do processo fermentativo é obter a maior quantidade de produto, em um menor espaço de tempo, visando sempre alcançar a maior produtividade.
Pode-se calcular o tempo de geração da levedura através da relação entre a velocidade específica de consumo de substrato, e a velocidade específica de formação de produto.
𝑡𝑑 = 𝜇𝑆 𝜇𝑃 =
0,7528
O valor de tempo de geração calculado nos mostra que na fermentação alcoólica realizada neste experimento o crescimento celular leva aproximadamente 6,7 horas para dobrar sua população microbiana. A levedura utilizada é a Saccharomyces cerevisiae, a qual na literatura apresenta um tempo de geração entre 3 e 4 horas quando se forma uma boa concentração de álcool, portanto observa-se que o tempo de geração experimental é quase o dobro do tempo de geração teórico, o que pode ser explicado devido aos diferentes métodos empregados em cada um dos casos, o meio de cultura e o tipo fermentação.
Ainda, se faz possível analisar os dados obtidos através dos fatores de conversão Yx/s e Yp/s, o que viabiliza uma melhor análise de comparação de duas partes do processo.
Para Yx/s, temos
➔ S = substrato glicose = 3,75 𝑥 10−3𝑚𝑚𝑜𝑙/𝐿. ℎ
𝑌𝑥/𝑠 = 𝑟𝑥 𝑟𝑠
= 0,105
3,75 𝑥 10−3 → 𝑌𝑥/𝑠 = 28 𝑚𝑔𝑋/𝑚𝑚𝑜𝑙 𝑆
Para Yp/s, temos
➔ S = substrato glicose = 3,75 𝑥 10−3𝑚𝑚𝑜𝑙/𝐿. ℎ ➔ P = produto etanol = 2,17 𝑥 10−3𝑚𝑚𝑜𝑙/𝐿. ℎ 𝑌𝑝/𝑠 = 𝑟𝑝 𝑟𝑠 = 2,17 𝑥 10−3 3,75 𝑥 10−3 → 𝑌𝑝/𝑠 = 0,59 𝑚𝑚𝑜𝑙 𝑃/𝑚𝑚𝑜𝑙 𝑆
Para uma análise final do processo de fermentação alcoólica como um todo realizada neste experimento, pode-se calcular o rendimento da fermentação e a eficiência do processo. Para isso foram utilizados os dados obtidos no início do processo (0 horas) e na última hora de análise (14 horas).
Rendimento da fermentação (%)
𝑔 𝑑𝑒 𝑒𝑡𝑎𝑛𝑜𝑙 𝑝𝑟𝑜𝑑𝑢𝑧𝑖𝑑𝑜
Eficiência do processo (%)
𝑅𝑒𝑛𝑑𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑃𝑟á𝑡𝑖𝑐𝑜
𝑅𝑒𝑛𝑑𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑇𝑒ó𝑟𝑖𝑐𝑜 𝑥 100 = 37,7%
Observando todos os dados obtidos, e levando em conta todos os cálculos realizados durante a confecção deste relatório, podemos notar que a eficiência do processo se apresentou menor do que 38%, resultado este que não é muito satisfatório para um processo em bioquímica industrial, o qual sempre visa ter uma alta taxa de produtividade em uma pequena faixa de tempo, portanto, o método experimental referente a esta fermentação, é de grande validade para um estudo laboratorial de ensino, porem quando se trata de uma maior aplicação, em uma escala industrial, o método deixa a desejar.
V. Conclusão
Por meio deste experimento, foi possível avaliar a utilização de três métodos distintos de processamento de dados para o procedimento desta fermentação alcoólica, sendo o primeiro a relação gráfica do crescimento da levedura (X em mg/L), a de consumo de substrato (S em mg/L) e de formação de produto (P em mg/L); O uso do método linear, cujo gráfico plotado apresenta as retas crescentes relacionadas ao crescimento celular e a formação de produto, e decrescente relacionada ao consumo de substrato; e por último, a utilização do método polinomial de determinação do µmáx do crescimento celular, consumo de substrato e formação do produto. No entanto, o uso desta última alternativa não foi possível para serem determinados os respectivos valores de µmáx devido às divergências nos dados fornecidos ao grupo, o que implicou no comportamento não esperado para os os gráficos quando plotados.
Foram feitos também cálculos para o rendimento da fermentação e a eficiência do processo ao final da prática - que teve duração de 14 horas -, os quais apresentaram os valores de 19,25% e 37,7% respectivamente. Estes resultados, porém, são consideravelmente menores do que o esperado, o que evidencia a necessidade de melhorar os métodos utilizados para esta fermentação alcoólica, além de maior controle em relação a fatores como a temperatura, variações no pH, falta de nutrientes minerais ou vitaminas, dentre outros, para que então o processo seja aplicável em maior escala.
No mais, foi possível compreender os métodos envolvidos para a pequena produção em laboratório de bioetanol por microrganismos, revisar os conceitos teóricos para cálculos da cinética envolvida, além de reforçar a importância da Saccharomyces cerevisiae, a qual se demonstra como a principal espécie a ser utilizada em grande escala para fermentação e produção do bioetanol por apresentar alta capacidade de fermentar diferentes açúcares e possuir os mecanismos adequados para seu desenvolvimento e sobrevivência no meio.
VI. Bibliografia
BORZANI, W.; LIMA, V. A.; AQUARONE, E. Biotecnologia: Engenharia
Bioquímica. São Paulo. Ed. Edgard Blucher. 2001.
AQUARONE, E.; BORZANI, W.; LIMA, V.A. Tópicos de Microbiologia Industrial. Ed. Edgard Blucher. 1975
FOGAÇA, Jennifer. Introdução à Cinética Química. Disponível em
<https://www.manualdaquimica.com/fisico-quimica/introducao-cinetica-quimica.htm >. Acesso em 15/04/2020 às 16:23.
"Fermentação alcoólica" em Só Biologia. Virtuous Tecnologia da Informação,
2008-2020. Disponível em https://www.sobiologia.com.br/conteudos/bioquimica /bioquimica3_2.php>. Acesso em 14/04/2020 às 17:11.