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Rigor sem rigidez: escuta de adolescentes na escola

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Academic year: 2021

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1 Rigor sem rigidez: escuta de adolescentes na escola

Claudio Ramos Peixoto Joyce de Paula e Silva

Assistência aos adolescentes

Mesmo com o reconhecimento de que os problemas socioeconômicos podem levar a situações de risco quanto à saúde mental, o processo reverso é pouco estudado: a marginalização de jovens com problemas de saúde mental contribui para o agravamento de problemas sociais como a pobreza, a violência, a gravidez precoce e o uso de drogas, questões que constituem entraves à melhoria das condições de vida de populações dos grandes centros urbanos do Brasil. Apesar dos problemas subjetivos e das condições sociais adversas reforçarem-se mutuamente, raramente são considerados em conjunto dentro de uma estratégia de intervenção para a melhoria de condições de vida da população jovem. Recente pesquisa realizada em Taubaté, S. Paulo, registrou uma prevalência de 12,5 % de pelo menos um transtorno psiquiátrico entre crianças e adolescentes, sendo que em áreas carentes a taxa subia para 13,7%.

A Conferência Regional para a reforma dos serviços de saúde mental: 15 anos depois

da Declaração de Caracas aponta para os novos desafios técnicos e culturais no campo

da saúde mental, chamando a atenção, no item dois dos Princípios de Brasília 2005,

para A magnitude da morbidade e a problemática psicossocial da infância e adolescência ainda não atendida de maneira adequada. O Fórum Nacional de Saúde

Mental Infanto-Juvenil, constituído pelo ministério da Saúde e reunido em dezembro de 2004, recomenda a implementação de ações que visem à reversão da tendência

institucionalizante de crianças e adolescentes, listando uma série de procedimentos que

criem opções a essa tendência. A política nacional de saúde mental infanto-juvenil é recente e vem sendo construída a partir de constantes reformulações de direções de trabalho. Os atuais princípios para uma política nacional são louváveis: a compreensão da criança e do adolescente como sujeitos plenos, o acolhimento universal, a construção permanente da rede, a noção de território, a intersetorialidade. Mas a prática nos impõe impasses importantes em relação a estes princípios, o que torna imprescindível avançarmos nessa discussão, que precisa ser pautada em referências clínicas.

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2 A clínica

O adolescer se diferencia para cada sujeito de acordo com os recursos psíquicos que ele pode construir para contornar questões importantes como elaborar perdas próprias deste processo (os pais da infância, o corpo de criança). As escolhas se impõem às circunstâncias da vida: é preciso escolher a profissão, eleger o objeto amoroso, suportar o encontro com o sexo. A família tem um papel muito importante neste processo, devendo ofertar ao filho pontos de ancoragem para que este sujeito adolescente possa ir e vir, se afastar e se reaproximar dela de acordo com as suas próprias opções. Em determinados momentos desse trajeto, a travessia da adolescência coloca para o sujeito a necessidade de avançar ou recuar na sustentação do seu desejo.

A adolescência também é marcada, muitas vezes, por um descompasso entre as modificações corporais e os processos psíquicos. O corpo conhecido da infância é perdido e em seu lugar aparece um mal-estar em relação ao novo corpo, visto agora como estranho. É sob o olhar do Outro que o corpo adolescente muda de estatuto e de valor, perdendo a exclusividade do olhar dos pais. A genitalidade passa a ocupar uma posição dominante para o sujeito e a estruturação da imagem corporal é posta à prova através das transformações impostas pela puberdade. Freud utiliza a palavra puberdade para falar do momento em que “se operam mudanças destinadas a dar à vida sexual infantil sua forma final normal” (1905, p. 213).

É na adolescência que os modelos identificatórios infantis começam a se afrouxar. Ao crescer, a criança vai sendo capaz de perceber aos poucos a fragilidade dos pais, constatando que eles não são tão mágicos, perfeitos e poderosos quanto antes ela achava. O reconhecimento da castração do Outro remete o adolescente ao desamparo fundamental, exigindo um grande trabalho de elaboração. Assim, o adolescente tem a possibilidade de se voltar para o mundo externo e encontrar seu próprio jeito, relançar seu processo identificatório. Desinvestindo as figuras edípicas, ele investirá em novos objetos sexuais. O trânsito entre alienação e separação é constante, e nesta época é bastante evidente nos comportamentos dos jovens. Para se exercer como um sujeito desejante, é preciso poder se separar. Essa tarefa não é fácil, mas é necessária para o atravessamento da adolescência.

Na busca do adolescente por sua identidade e independência, o luto dos pais da infância torna-se essencial. Segundo Freud, “o afeto de uma criança por seus pais é sem dúvida o traço infantil mais importante que, após revivido na puberdade, indica o caminho para sua escolha de um objeto” (1905, p. 235). Os pais são os primeiros objetos de amor da

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3 criança, deixando uma espécie de herança emocional para relacionamentos posteriores. O que está em jogo aí parece ser a apropriação pelo adolescente da herança parental. Alberti afirma que “só é possível fazer alguma coisa efetivamente quando já não se espera que o Outro o faça” (2004, p. 24). Deste modo, a transição entre o mundo familiar e um círculo social ampliado é um problema fundamental na travessia da adolescência. A identificação com os pares é importante, pois pode oferecer um amparo na sustentação das diversas escolhas, assim como os pais na infância desempenhavam esse papel frente aos impasses da vida infantil. Assim, na adolescência, o que está em jogo é o reconhecimento da castração do Outro, que remete ao desamparo fundamental. Poder vivenciar a adolescência requer elaborar a crise da adolescência, ou seja, exige do sujeito um posicionamento diante de uma escolha desejosa e, portanto, faltosa.

A clínica com adolescentes carrega especificidades, uma vez que requer técnicas de intervenção atentas às particularidades do sujeito. Este fato requer de quem atende uma maleabilidade de estratégias de intervenção: em alguns momentos, é “permitido” brincar com o adolescente, recorrendo-se, por exemplo, a materiais como jogos; em outros momentos, pode ser importante ajudar o adolescente a renunciar a determinadas brincadeiras mais infantis. Esta possibilidade de ampliar as formas de intervir nos atendimentos de adolescentes permite a estes sujeitos a chance de revisitarem a vida infantil e criarem condições para transitarem entre esses dois mundos – o infantil e o adulto. A intervenção psicanalítica acompanharia, assim, o processo da crise da adolescência, na qual há um movimento regressivo/progressivo até que o sujeito possa escolher um lugar para sustentar seu desejo.

A flexibilidade das intervenções corresponde à variabilidade da clínica. Em lugar de um protocolo rígido, que determinaria um conjunto de ações a serem executadas em todas as situações, os recursos terapêuticos são aproveitados em função das dificuldades e oportunidades que se apresentem.

O Trabalho na escola

Este trabalho teve inicio em agosto de 2015 e acontece em uma escola estadual do município de Vassouras. A diretora da escola pediu que fosse feito um trabalho de atendimento aos alunos do ensino médio (formação de professores) com a queixa de muitas brigas entre eles, problemas de relacionamento familiar, desinteresse pelo curso etc. A diretora da escola também alega que os alunos têm dificuldades de acesso ao Serviço Escola de Psicologia da cidade, pois é longe o que torna dispendioso o deslocamento. Então fomos trabalhar lá, atender dentro do espaço escolar. Os

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4 atendimentos clínicos, a partir da psicanálise, são oferecidos diariamente em dois turnos.

Os alunos se interessam pelos atendimentos, pedem para entrar com amigos, são atendidos por profissionais que eles escolhem; experimentam a escuta psicanalítica da forma que podem, no possível da fala.

Destaco aqui falas de diferentes adolescentes em atendimento na escola: “falei com minha mãe que estava fazendo terapia e ela disse para eu continuar porque está sendo legal para mim”; “estou gostando muito dos atendimentos e já fui atendido por várias de vocês, e cada uma, a seu modo, me ajudou”; aqui uma adolescente junto à amiga diz “podemos ser atendidas juntas nesse dia, pois estamos muito nervosas e o assunto é o mesmo”; “esses dias fiz besteira, cortei meu braço com a régua. Doeu o suficiente para aliviar a dor do meu pai ter me mandado embora de casa”; “cheguei até aqui por pensar que você pode me ajudar a encontrar um jeito de ajudar minha irmã. Ela está grávida e meu pai não sabe. Está muito triste, tenho medo que ela entre em depressão”; “vim aqui porque terminei o namoro e estou muito mal. Minha família é muito complicada, você tocou na minha ferida... tudo é muito confuso. Muita gente para mandar em mim, meus pais não resolvem nada, sempre recorrem a alguém de fora. Todo mundo manda e cada um fala uma coisa diferente, não tem como entender. Fico perdida e já errei muito na minha vida”; “tentei me matar ontem com veneno de rato, vou tentar hoje novamente. Até a próxima semana.”

Esta oferta de escuta em um espaço escolar em que os adolescentes escolhem o dia de irem falar a um analista, escolhem o profissional a quem endereçar a sua fala faz diferença? Com ajuda de Sonia Alberti no seu livro Esse Sujeito Adolescente (1996,

p.17) podemos apostar neste trabalho e afirmar:

Quando somos procurados antes da crise... isso reflete que as coisas não vão bem para além daquilo que normalmente não vai bem na adolescência. Neste caso a possibilidade de uma intervenção é evidentemente maior, no sentido de evitar uma passagem ao ato.

O possível do trabalho

De acordo com Kupfer (2010), as menções à educação se encontram dispersas por toda a obra de Freud, pelo fato deste tema ter sido alvo constante das reflexões do psicanalista. Em Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa e A etiologia

da histeria (1896), Freud escreve sobre a defesa contra as experiências sexuais,

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5 provocadas pelos adultos, mas abandona esta hipótese e admite o papel da fantasia na realidade psíquica.

Freud estabelece a relação entre a sexualidade e a civilização a partir da descoberta da sexualidade infantil, o recalque recaía sobre os componentes perversos da sexualidade e se daria no período de latência. Alguns anos mais tarde, Freud publica Três ensaios

sobre a teoria da sexualidade (1905) e diz que durante o período de latência as pulsões

sexuais infantis provocam sensações desprazerosas e despertam forças na forma de asco, vergonha, ideais estéticos e morais que se opõem a elas, delimitando seu caminho e suprimindo desta forma o desprazer. Freud diz que no processo de recalcamento as excitações são impedidas psiquicamente de percorrer o seu caminho usual e são levadas a outros trajetos, expressando-se na forma de sintomas produzindo neurose.

Em relação ao educar Freud no texto Sobre a tendência universal à depreciação na

esfera do amor (1912) sustenta ser impossível a conciliação entre a civilização e as

pulsões sexuais, a educação então reprimiria os impulsos do sujeito, o que representa perda parcial de sua satisfação. A submissão às exigências da civilização acontece pela dificuldade de satisfazer a pulsão. O fato de ser impossível a reconciliação entre as pulsões sexuais e as pulsões do ego faz o homem se colocar a serviço do progresso, pagando com a neurose.

Anos mais tarde Freud faz uma descoberta que revolucionaria seus estudos. Em 1920 publica Além do princípio do prazer, no qual trata da compulsão à repetição e faz referência à pulsão de morte. A pulsão “é um impulso, inerente à vida orgânica, a restaurar um estado anterior de coisas” (p. 47). Afirma também que educar, psicanalisar e governar são três profissões impossíveis, dizendo estar ocupado com a segunda e por isso não se debruçaria na relação entre psicanálise e educação. Ele utiliza o termo impossível no prefácio à Juventude desorientada de Aichhorn (1925) e Análise

terminável e interminável (1937). Como assinala Schermann (apud Alberti, Pollo, 1996,

p. 46):

O impossível de educar, governar e psicanalisar, apontado por Freud, diz respeito a que um sujeito possa, a partir deste saber inconsciente, produzir efeitos de verdade, outros, que não a repetição automática da lição bem decorada, a submissão estúpida ao líder ou o apego fixo a um sintoma que o petrifique.

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6 Os aparelhos para tratar o gozo são os laços sociais, que Lacan (1969-1970) denomina ''discursos''. Mesmo que não se diga nada no momento em que se está dentro de uma relação com outra pessoa, está inserido num discurso em que os atos importam mais do que as palavras. E aí aparecem as modalidades de gozo distintas. De acordo com Quinet (2009, p.17):

Governar corresponde ao discurso do mestre/senhor em que é o poder que

domina; Educar constitui o discurso universitário dominado pelo saber;

Analisar corresponde ao laço social inventado no início deste século por

Freud em que o analista se apaga como sujeito por ser apenas causa libidinal do processo analítico. E o discurso da histeria é aquele que é dominado pelo sujeito da interrogação (no caso da neurose histérica, trata-se da interrogação sobre o desejo) que faz o mestre não só querer saber, mas produzir um saber.

O discurso analítico não fará jamais mudar a estrutura social, mas não é nunca sem ele que qualquer troca de discurso se processa, como dito, por exemplo, no Seminário 20 (LACAN, [1972-1973] 1985, p. 26-27). A intervenção se dá diante de um saber fazer com o real, ou seja, estar no lugar de analista suposto saber e possibilitar algo de trabalho diante do impossível inerente a qualquer sujeito e discurso. Os diferentes discursos circulam na instituição de tal forma que é preciso identificá-los e possibilitar ao impossível se apresentar a partir das falas dos sujeitos profissionais e alunos da escola.

Referencia bibliográfica:

ALBERTI, S. Esse Sujeito Adolescente. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1996. ALBERTI, S. O adolescente e o Outro. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

FREUD, S. (1976b). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 7). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1905).

FREUD, S. (1976). Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol.11). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1912).

FREUD, S. (1976k). Além do princípio do prazer. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 18). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1920).

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7 FREUD, S. (1976l). Prefácio a “Juventude desorientada”, de Aichhorn. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (Vol. 19). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1925).

FREUD, S. (1976o). Análise terminável e interminável. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. (Vol. 23). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1937).

GEOFFROY, R.M.G e ALBERTI, S., Contribuições de Jean Oury para verificar uma possível emergência do sujeito na escola. Estilos da Clínica, São Paulo, v.20, n.2, mai./ago.2015, 246-264.

KUPFER, Maria Cristina. Freud e a educação: o mestre do impossível. São Paulo: Scipione, 1989.

LACAN, J. (1969-1970). O Seminário – livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.

LACAN, J. (1972-1973). O Seminário – livro 20: mais ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.

LAURIDSEN, E.; TANAKA, O. Atenção em saúde mental para crianças e adolescentes no SUS. São Paulo: Hucitec, 2010.

QUINET, Antonio. Psicose e laço social: esquizofrenia, paranóia e melancolia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

SCHERMANN, E. O impossível na palavra que educa, normatiza e governa... e cura. In: ALBERTI, S.; POLLO, V. (orgs.). Psicanálise e educação: Referências em Freud & Lacan [Texto elaborado para a I Jornada de Psicanálise e Educação]. Rio de Janeiro: Escola Brasileira de Psicanálise, junho, 1996, p. 43-46.

Referências

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